Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 13
O passeio perfeito




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O grito ainda ecoava na cabeça de Botan, como se fosse um inseto barulhento e cascudo, desses que ficam trombando com as lâmpadas e fazendo um som desagradável. Ela demorou para entender o que estava acontecendo.  Naquele momento só conseguia ver as costas de Kurama. Aquela voz ainda esbravejava ferozmente, como se quisesse varrê-los dali.

-Francamente, é incrível saber que existem pessoas que não possuem o mínimo de decoro e respeito pela moral e os bons costumes, inaceitável!  - a voz coberta de fúria aguardava explicações do casal à frente. Botan sentiu sua alma sublimar ao perceber quão embaraçosa era a situação em que se encontrava. Embaraçosa? Não, terrível!

-Bom dia, Doutor Tokushi, é um prazer conhecê-lo pessoalmente! Devo parabenizá-lo pela excepcional publicação do artigo da Universidade Fukuoda! – Kurama levantara-se e de forma muito gentil cumprimentou o senhor a sua frente – Perdoe-nos a ambiguidade da situação – numa manobra habilidosa, trouxe Botan para frente - porém, posso garantir que não havia nada que comprometesse a moral e os bons costumes acontecendo aqui .

O homem de terno cinza hesitou por um instante e deteve seus protestos, analisando os jovens que ali se apresentavam. Concluindo sua inspeção, voltou para seu interlocutor:

-Parece-me um rapaz muito entendido do assunto tratado no artigo, imagino que deve ter boas notas também, mas a julgar pelo comprimento do vestido da garota e por sua expressão de culpada, com certeza, apesar de sua boa argumentação, está mentindo descaradamente!

-Doutor Tokushi, perdoe-me discordar: não estou mentindo. Como grande apreciador que sou de seu trabalho, considerei um grande ganho trazer minha amiga, que não reside em Tóquio, para conhecer o parque e, em especial, a famosa estufa verde. Seria um completo desperdício que ela não visse as nimakas de perto... São a atração principal por aqui!

Botan ainda estava sem jeito pela observação feita sobre seu vestido. O que aquele homem consideraria um bom comprimento? Uma burca, talvez? Bem provável. De qualquer maneira, ela achou por bem dizer algo para acrescentar mais verossimilhança na versão que o jovem ruivo contava:

-E elas são realmente encantadoras! Fiquei muito admirada com o seu, digo, com o trabalho do senhor!

-Isso mesmo, somos grandes admiradores do seu trabalho, Doutor Tokushi! – Kurama olhou para Botan e ambos balançaram a cabeça em sinal de concordância plena.

-Hum, é mesmo? Fico lisonjeado que acompanhe meu trabalho rapaz e, se é assim, creio que deveria demonstrar mais respeito pelas minhas plantas! Trazer uma garota aqui para a estufa e ainda vir com essa desculpa esfarrapada de que só estava apreciando as flores de perto? Sei muito bem que flor o senhor queria ver de perto... – respondeu rispidamente, enquanto fazia sinal para que os policiais que o acompanhavam tirassem os dois jovens da estufa.

-Desculpe, Doutor, com certeza está havendo um grande mal entendido... – Kurama tentou explicar. As colocações feitas estavam ficando extremamente desagradáveis.

-Mal entendido? Pois sim...conheço esse tipo de conversa: dizem que têm interesse pelas plantas, porém tudo não passa de pretexto para se agarrarem longe dos olhos de todos!

-Não, seu doutor, que isso!  Nós não estávamos fazendo nada! – Botan tentava, inutilmente, argumentar na esperança de que ele desistisse de expulsá-los, porém não estava surtindo efeito.

-Fazendo vocês não estavam, mas iam! Ou até já fizeram!

-O QUÊÊÊ?  - a guia petrificou-se com essa última frase. Definitivamente, a situação estava fora de controle.

-Por favor, senhores, – Kurama tomou a palavra, demonstrando muita seriedade, desvencilhando-se dos braços dos seguranças – creio que esse protocolo não será necessário. Sairemos do parque, como deseja, Doutor Tokushi, embora eu lamente imensamente essa situação tão controversa.

Completamente imerso em seus pensamentos, o acadêmico não prestava atenção nas palavras proferidas, antes se lamentava consigo mesmo:

-Por todos os meus antepassados, não posso suportar situação mais humilhante! Não se pode confiar em mais ninguém, a juventude de hoje está perdida! Malditos costumes ocidentais! Malditos! Transformam nossos jovens em completos depravados!  - e, virando-se para os seguranças – Ainda estão aqui? Fora, andem, andem!

Mesmo não apresentando resistência, os guardas acompanharam os dois pelo caminho florido em direção à saída. Botan choramingava, não se conformando com nada, principalmente com a atitude de Kurama. Por que tinha que ficar com aquela expressão passiva, aceitando tudo? Por que não manipulava os vegetais e dava um jeito nos seguranças ou os escondia daquela situação chata? Envergonhava-se dos olhares reprovadores que recebiam.

-Que ninguém descubra isso! – pensou em pânico, considerando o aconteceria caso alguém no Renkai sonhasse que ela estava cabulando o trabalho para estar com ninguém menos que Kurama Youko e ainda por cima, causando reboliço entre os ningens. Certamente, o Rei Enma não deixaria isso impune! Capaz até de jogá-la no Makai como petisco para os monstros.

-Isso é uma injustiça! – choramingou.

-Calma Botan, por favor, fique calma! Não vai adiantar falar mais nada com eles... – Kurama, delicadamente, puxou-a pelo braço, falando próximo ao seu ouvido, o que a calou imediatamente. Como seus hormônios tinham a petulância de mexer com ela naquela situação?

-Espero que tenham aprendido a lição – um dos guardas falou, liberando-os da escolta e retornando ao parque. Pronto, estavam do lado de fora.

O silêncio que perdurou por instantes zombava dos dois pelos constrangimentos anteriores. Mesmo com toda a dose de exagero das palavras daquele senhor, o fato fora exposto e estava ali, vestindo aquele momento:

-Por muito pouco, não nos beijamos... – os olhos verdes consideraram que eles não eram tão injustiçados assim. Sondou seus pensamentos: as coisas estavam caminhando em uma direção até que, a proximidade com a guia lhe deu ideias e ele só queria atender a essas vontades. Incomodou-se com isso. O ruído tenso da respiração da garota ao lado não o deixava esquecer-se de seus desejos.

Olhou-a, o vestido dançando ao ser tocado pelo vento fresco. Era bonito, embora um pouco largo; o comprimento estava adequado. Botan tinha pernas bem torneadas. Possivelmente, foi isso que o dono da estufa quis dizer com o comentário sobre a vestimenta dela. Desagradou-se com a própria conclusão.

Botan estava tensa. Nem precisava de espelho para ter certeza das nuances que cobriam seu rosto. Não conseguia se esquecer do seu quase beijo com Kurama, a lembrança a deixava muito embaraçada, sem coragem ou ideia para retomar uma conversa com ele.

-Desculpe-me por isso, – ele falou, de repente, despido de qualquer tom carregado – lamento que nosso passeio tenha sido interrompido assim... – Kurama mostrava-lhe um sorriso gentil, calculando quais reações Botan poderia ter com aquela declaração.

Ela suspirou, piscando os olhos várias vezes, como se tivesse acabado de acordar:

-Imagina, não se desculpe! ‘Tá tudo bem, apesar de eu ter tido vontade de acertar meu remo na cabeça daquele velho metido!

Eles riram, o alívio invadindo o ambiente e trazendo de volta o tom descontraído e íntimo de que desfrutavam antes. O jovem ruivo propôs um almoço: não longe dali, havia uma pequena feira onde estavam sendo servidas as mais diversas iguarias japonesas. Seria um bom local para comer.

-Aquele gostinho de mel me deixou com fome! – a guia arrematou, sorrindo de maneira sapeca, procurando sustentar o clima amigável.

Cena 2

Lámen ou guiza? Sushi, sashimi, yakimeshi, hosomaki? E o que dizer dos doces? Uma variedade imensa, colorida e enfeitada com lindas carinhas e personagens fofinhos. Cachorrinhos, gatinhos, passarinhos e monstrinhos (esses últimos trouxeram a lembrança desagradável do Makai para onde poderia ir... Ai, nem era bom cogitar!)

-Já decidiu? Vou querer o meu com bastante wassabi, por favor!– o rapaz ruivo fazia seu pedido para uma simpática senhora que não parava de elogiá-lo. Segundo ela, nunca tinha visto um jovenzinho tão bonito e educado. Botan riu ao percebê-lo acanhado. Agora, eram três mulheres que se revezavam em paparicar o amigo.

-Obrigado, muito obrigado pela gentileza! – e falando por telepatia para Botan: – Por favor, me socorra! – a guia deu risada, achando-o extremamente lindo com as bochechas coradas. Ela interrompeu as ovações de maneira descontraída:

-Hum, que cheiro bom! Que foi que você pediu, hein?

-Guioza e sashimi! Com wassabi fica melhor ainda! Bem picante, como eu gosto! – fez uma gracinha, provocando o riso da guia.

-Sério?  Essa pastinha verde é que deixa picante? O dedo indicador intrometeu-se no prato.

-Cuidado, Botan! – ele sorriu - Deixa que eu te sirvo! – Kurama pinçou o sashimi com wassabi e estendeu para a guia, que ficou meio sem jeito para morder a porção, pois o ruivo focava toda a sua atenção na boca dela como se ela fosse uma criança que pudesse derrubar a comida.

-Ou talvez... – disfarçou ao máximo o pensamento pouco casto que se apoderou dela. Sorte aquela comida ser bem ardida, assim disfarçaria o tom quente de suas bochechas.

-Você está bem? Quer um pouco d’água? – questionou, divertindo-se à custa dela – aqui, beba antes que passe mal! – ele continuava a rir vendo-a se abanar com força, os olhos cheios d’água.

-Você me subestima demais! Não foi nada! – fez uma pose de durona que foi desmanchada logo em seguida pela garrafinha de água que ela bebeu inteira, em poucos segundos – Viu só? – uma lágrima escorreu do olho esquerdo.

-Estou vendo! Por via das dúvidas, vou deixar o wassabi aqui e pegar mais água, tá? – pegou as porções reservadas, dando uma piscada marota para Botan, que, para espanto de Kurama disse, pegando a pasta verde:

- Não ligo p’ro calor, pare de me subestimar...já te disse! – ela estava provocando? Quem diria...

Kurama cochichou numa proximidade perigosa:

-Ótimo... Assim é mais gostoso – e olhou-a de maneira ímpar, para o caso dela ter ficado em dúvida. Nem teve tempo de calcular, mas, se ela ia provocar, queria ver quanto tempo aguentaria. Estava ficando bem interessante...

Botan abaixou a cabeça, minimizando o acesso ao seu rosto, uma excitação medrosa forçando passagem, fazendo-a ceder à fuga de alguém que cutuca onde não deve e depois recua. Odiou-se pela covardia repentina, contudo, a prática dele em certas coisas a deixava acuada deliciosamente. Mal sabia ela que o rapaz de olhos verdes era muito mais inclinado àqueles subterfúgios, deleitando-se com toda a inocência dela ao sentar-se na grama rasteira, ignorando seu olhar. Procurava ajeitar o vestido que se rebelava, ao sopro do vento. Kurama cultivou alguns pensamentos enquanto sentava-se ao lado da garota. Permitiu a ela ver o seu sorriso mais puro, contrastante com a obliquidade dos olhos verdes.

Aquela ambiguidade apurada a matava por dentro. Sucumbia rápido demais, mesmo sem querer, entretanto, camuflaria o quanto fosse possível, seu orgulho feminino querendo administrar bem as prazerosas provocações que ainda poderiam trocar. Retribuiu o sorriso, deixando escapar uma pontinha de outras intenções. Kurama gostou.

Balões coloridos eram distribuídos a alguns metros dali para as crianças que participaram de uma atividade qualquer do parque. Eles olharam-se, apreciando a cena tão alegre: elas riam alto, corriam puxando a fita presa ao balão ou simplesmente, soltavam-no mostrando com as mãozinhas rechonchudas o trajeto aleatório e dançante que o mesmo fazia em direção as nuvens.

“Paz”: Kurama refletiu por um momento que a paz não era branca como as pombas simbolizam. Ela parecia muito mais colorida e dançante, uma alegre bexiga colorida que vaga envolta no ventar de um dia ensolarado.  Ao olhar para a guia, que tinha ido a barraquinha de algodão doce perto da roda de crianças, aproveitando para brincar com os pequenos, teve certeza de que ela acharia a mesma coisa. A paz era furta cor, agitada e isso causava a calmaria dentro das pessoas.

-Quer? – ofereceu o algodão quando retornou.

Kurama pinçou o chumaço cor-de-rosa, levando-o à boca e, logo após, uma porção de arroz. A guia riu, percebendo o gosto diferenciado dele. Lembrou-se de que foi ele mesmo que a ofereceu pizza com chocolate quente um tempo atrás. Riu mais ainda, descobrindo-o imensamente fofo por isso. Ele olhava pra ela sorrindo:

- Estranho, já sei! – ele fez menção de pegar mais um pedaço- mas, o gosto é bom, sério! – voltou a provar a extravagante composição – quer? – ela recusou com a cabeça.

-Não é estranho... – parou, disfarçando o nervosismo. Finalmente, tomou coragem para falar – é muito... fofo... – verde e rosa se cruzaram e ele apenas sorriu, parecendo tímido. A boca dele ficou um pouco tinta pelo pigmento do doce. A guia virou-se de lado, o suspiro e a batida do coração alimentando aquele apetite novo e brusco.

As crianças brincavam de pega-pega e a gritaria era geral. Algo estava incomodando o tornozelo de Botan, fazendo-a coçar, sem dar muita importância.  Ela arriscou mais algumas mordidas no sashimi com wassabi, mas não tinha jeito: era muito picante pra ela. E apesar de adorar fazer Kurama rir, considerou que era melhor para de pagar micos na frente dele, afinal, outros interesses estavam em jogo e ela não queria ser vista com a eterna palhacinha.

Terminada a porção, o jovem sugeriu um sorvete. Alguns vendedores, que estavam vestidos de frutas, faziam propaganda da sorveteria patrocinadora do evento infantil ocorrido a pouco, fazendo Kurama, assim que terminaram a porção, sugerir um sorvete. Botan quase não tinha comido, estava tão ansiosa... simplesmente, não sentia fome, apenas vontade de beliscar alguma guloseima. Além disso, não queria parecer abusada, pois era Kurama quem estava pagando por tudo; considerou, sentindo a pele pinicar muito. Levantou o pé esquerdo e coçou o tornozelo direito, desajeitadamente.

Aquele local tinha ficado mais cheio sem que ela pudesse perceber. Kurama tomou-lhe a mão entrelaçando seus dedos nos dela. Ele não a olhou, mas tinha certeza que não esperava por isso. A audição sensível captou a inspiração surpresa da garota. Eles se aproximaram da pequena clareira onde muitas crianças se aglomeravam para ver a apresentação de um mágico.

Enquanto um rapaz vestido de morango, montava o sorvete de ambos, eles observavam o ilusionista tirar coelhos da cartola e transformar lenços em rosas.

-Que truquezinho...- Kurama murmurou, rindo sutilmente; foi mais um comentário para ele mesmo, contudo Botan respondeu:

-Não é de todo ruim, vai! As rosas até que são bonitas...

-São artificiais, feitas com pano... – ele falou sem tirar os olhos da cena a sua frente.

-Bom, nem todos podem ser você, né... – ela respondeu, experimentando o sorvete de melão que escolhera, quando sentiu algo que puxou levemente a barra de seu vestido. Num susto, Botan virou-se para ver uma menininha dizer-lhe:

-Moça, o mágico deu essa rosa pra você? É tão linda! – os olhos da criança se iluminaram ao mirar o rosto de guia espiritual.

-Rosa, que rosa?  - Botan não entendeu a pergunta.

-A do seu cabelo! Ali, ali! – a garotinha apontava o dedo indicador na direção.

Botan levou a mão ao cabelo e seus dedos esbarraram nas pétalas suaves da flor, que estava presa na base de seu rabo de cavalo. A reação foi automática: sorriu largamente, porém com muita vergonha.

-Kurama...- ela olhou-o tomar o sorvete de uva despreocupadamente, como se não soubesse de nada que estava acontecendo ali. Se ela não soubesse quem ele era, poderia muito bem dizer que ele não tinha nada a ver com aquilo... mas, ela sabia...

-Eu quero uma também! – a criança, até então ignorada, continuou seu pedido, forçando Botan a reagir. A guia levantou-se e apontou disfarçadamente para o ruivo ao seu lado:

-Peça para ele... Ele sabe fazer mágica com as flores!

-Oh! –a garota sem a menor cerimônia pôs-se à frente de Kurama e pediu, entre as palavras atropeladas e eufóricas para que o “mágico das flores” lhe desse uma rosa como a da “moça bonita do lado”.

Kurama sorriu e olhou para Botan; juntou as mãos entrelaçando os dedos e ao abri-la, exibiu uma rosa cheia de pétalas cor- de - rosa, muito bonita e estendeu-a para a menina, que pareceu um pouco desapontada.

-Não gostou? – o jovem ruivo perguntou docemente.

-Ah... eu gostei – ela fez menção de um bico – mas eu queria uma igual a da moça.

O jovem pacientemente abaixou-se na altura da criança e falou baixo, garantindo que apenas ela ouviria - Vou te contar um segredo, posso? – Kurama olhou-a bem e sorriu, observando a garotinha ficar muito atenta – aquela flor é especial e ela só pode pertencer a uma pessoa, porque ela representa o coração de quem a entrega... e eu já entreguei para ela, entende?

-Então você gosta dela? – a menina cochichou no ouvido do rapaz, fazendo concha com a mão. Kurama acenou que sim com a cabeça:

 -Pode guardar esse segredo para mim?

A menininha estava encantada, era visível, ela acenou afirmativamente, olhando para Botan e para o jovem ruivo na sequência, rindo. Segurou a pequena flor cor- de -rosa com alegria e fez sinal de silêncio, olhando para Kurama, que retribuiu, confirmando o segredo que compartilhara com ela. Botan olhava curiosa, sem entender o que ocorrera ali. Só conseguia pensar que nenhuma mulher resistia a Kurama, não importava a idade.

-Será que você poderia ser menos irresistível? – ela disse sem olhar para ele.

-Você me acha irresistível? – ele perguntou, encostando o ombro no dela. Ambos olhavam para o chão, mirando os sapatos. A agitação inundava-lhe os ouvidos, a ausência da resposta da guia gerou grande expectativa nele. Cutucou-lhe o sapato discretamente, instigando-a a responder.

-Dou-me o direito de não responder... Raposa – Botan olhou-o furtivamente, equilibrando timidez e provocação, devolvendo-lhe o toque nos sapatos. Nunca aquela palavra caíra tão bem em seus ouvidos, era deliciosa vinda da voz dela.

Sem que eles percebessem, mais crianças se aproximaram e rodearam Kurama como formiguinhas em volta de um pedaço de bolo. Todas queriam ver o “mágico das flores”.

A guia observava com agrado Kurama tirar dos cabelos, das mãos, dos bolsos lindas rosas coloridas, enquanto era aplaudido pelas crianças empolgadas. A mudança de foco fez o ilusionista que dava o show se exasperar e ir reclamar com algumas mães presentes, porém, nem elas estavam dando muita bola: o segundo mágico daquele dia era bem mais interessante... em todos os sentidos! Agora, até elas queriam alguma flor do rapaz de olhos verdes.

-Você gosta de me ver em apuros, hein...- falou–lhe por telepatia. Botan não deixou de reparar que ele parecia um pouco tímido pelo assédio que já deixara de ser infantil, naquele momento. A guia desgostou imediatamente da atual situação, mas o que podia fazer? Já era tarde para tirá-lo de lá e de onde surgiram aquelas mulheres todas?

Nesse ínterim, uma gritaria foi ouvida, dispersando as crianças que estavam um pouco mais afastadas. Um cachorro grande havia, aparentemente, se soltado da coleira e estava causando agitação e medo, pois corria muito e pulava em cima das pessoas. Botan, acertadamente, percebeu que o mágico tinha algo a ver com isso.

Sem muito tempo, o cachorro avançou em direção de Kurama e das pessoas que estavam ao redor dele, e começou a saltar em todos, derrubando algumas pessoas, sujando a roupa de todo mundo. As mulheres protestava e gritavam, afastando-se dali. Um menino chorava muito e agarrava-se nas roupas de Kurama, pedindo para ir “no colo”. Botan tentava ajudar também, contudo era em vão. O jovem pegou-o, para que o garoto ficasse longe do animal hiperativo, mas a confusão era tanta que outras crianças começaram a se pendurar em Kurama.

-Por favor, fiquem calmas! – ele pedia, tentando amenizar as circunstâncias. O cachorro galopava em todas as direções, enquanto as crianças berravam de pavor e choravam também. Estava impossível conter a todas.

Kurama, na tentativa de se equilibrar, calculou mal o posicionamento da mão na grama e escorregou, caindo sentado no chão, ou melhor, numa massa fria e pastosa. Os pequenos em seu colo foram p’ro chão. A guia, muito assustada, entregava algumas crianças para suas mães e, assim que notou a cena, foi logo para perto do jovem de cabelos vermelhos. Ela e outras mães também.

Uma das crianças chorava sem piedade dos ouvidos alheios, reclamando seu sorvete de chocolate, nem parecendo se importar com o joelho esfolado pela queda.

Kurama temeu levantar-se e avaliar o estrago da situação. Mais uma vez eles eram alvos dos olhares curiosos ao redor. A mãe do garotinho se desculpava muito pelo incômodo causado pelo filho, enquanto Botan recebia as condolências e tentava despachá-la o mais rapidamente possível, que parecia mais preocupada com o rapaz ruivo do que com o filho que balbuciava suas manhas em alto e bom som.

Alguns policiais tinham chegado para ajudar a conter o animal, que finalmente foi pego e preso, pois correra tanto que acabara se cansando. Abafado o caso do cachorro, Botan notou que Kurama ainda mantinha-se sentado.

-Você se machucou? – ela perguntou, preocupada e muito sem jeito, sentia-se culpada de certa forma pelo acontecido.

Ele pareceu enrubescer e, rindo um pouco sem graça:

-Não, mas acho que fiquei numa situação um pouco embaraçosa... – sorriu entre o charme e a vergonha e, levantando-se, deu oportunidade para a garota ver do que se tratava: a calça clara estava completamente manchada de marrom bem na parte de trás.

Botan corou muito e virou o rosto, alternando entre olhar e desviar. Imediatamente toda a condolência que sentiu pela criança de minutos atrás desapareceu ao ver Kurama naquela situação. Admirava-o ainda mais por manter a calma numa situação como aquela.

-Não se mexa, eu, eu...vou pegar um papel para eu limpar...quer dizer, para você limpar! – e correu para a barraquinha mais próxima explicando toda a situação com ares dramáticos. As senhoras prestavam muita atenção e, solícitas, logo providenciaram papéis e um pano molhado para tentar amenizar o estrago. Botan recusou de maneira enfática a disposição delas em ajudar o amigo.

De repente, Kurama era o alvo de mais olhares, principalmente de moças e mulheres que insistiam em olhar para a mancha, dando sorrisinhos cúmplices e insinuantes, revelando que o incidente era apenas mais uma desculpa para apreciar o belo moço de olhos verdes daquele lugar.

A guia estava irritada com aquilo, o rosto avermelhado, pois percebeu a movimentação ao redor enquanto Kurama se livrava dos restos de sorvete que grudaram em sua calça, deixando uma leve mancha amarelada no local. Não resolvera de todo, mas era melhor do que a mancha anterior.

-Abusadas... parem de olhar para ele! – descarregava a raiva na mente, os ciúmes dariam-lhe forças para estapear todas as “oferecidas”. Queria levá-lo para longe, bem longe dali!

Botan nunca tinha vivido uma situação tão incômoda como aquela.

-Obrigado, Botan! Acho que não está tão ruim, o que acha?

Ela corou absurdamente... Como não olhar? Mas, devia?

-Hã, ah ...É...Não, não! ‘Tá bem melhor... quase nem dá pra ver! – ela riu, tentando despistar o embaraço crescente.

-Bem, então, acho melhor a gente dar uma volta, já cansamos demais o público daqui com o nosso show!  - o rapaz ruivo não demonstrava nenhuma espécie de aborrecimento. Como ele conseguia? Botan gostava tanto desse jeito otimista nele, era praticamente uma lição muda que ela queria aprender.

Claro que, por dentro, as emoções tinham feito sua passagem, entretanto Kurama sabia que não adiantava demonstrá-las e se aborrecer. Em qualquer situação esse tipo de conduta, ao invés de disfarçar, sempre chamava mais a atenção. Melhor dar o bom e velho sorriso simpático e agir com normalidade. Com sorte, ninguém reparia na sua situação.

A garota de cabelos azuis só conseguia pensar no sorriso de Kurama e em como ele era lindo. Quem poderia prestar atenção em outra coisa? O rapaz certamente tinha um belo rosto – mas, se fosse só o rosto... – tarde demais pra freiar, as ideias borbulhavam fortes, misturando-se aos desejos. Tudo era tão novo, tão diferente da leve e súbita paixonite que teve por Yusuke.

Em fração de segundos, a mente resgatou lembranças da época em que ficava envergonhada quando ia falar com o detetive sobre alguma missão e mais ainda quando ele bancava o tarado e tentava, de alguma maneira, apalpá-la. Ficava nervosa, sim, batia, esbravejava, mas, tinha curiosidade de saber como seria ser beijada por Yusuke.

Entretanto, sem ela saber explicar, essa vontade desapareceu, nem sabia se foi um dia ou uma noite, contudo, recordava-se bem da noite em que conheceu Kurama e de todos os sentimentos que experimentou de uma vez só; tantos que ela nem soube decifrar.

Reparava no rapaz ruivo ao seu lado dando informação a duas moças que estavam à procura de uma farmácia. Cada traço daquele corpo, tão distinto, não havia comparação. Yusuke perto dele perdia todo o brilho, era, simplesmente, um moleque.

-Quer um café? Tem uma cafeteria muito boa a uns quarteirões daqui – convidou-a.

-Você ainda quer comer? – divertiu-se. Em um milhão de anos não imaginaria que Kurama era tão ligado a comida assim! Se bem que ele não comia demais, pelo que ela notou, parecia gostar de variedade.

-Comer, não, quero degustar! Gosto muito dos prazeres gastronômicos, acho que devemos experimentar de tudo! – ele tocou suave na mão dela, fazendo uma carícia. Ela arrepiou-se e sorriu, considerando o quanto estava com sorte. A primeira vez em que o viu... Aqueles olhos verdes resplandecentes com a luz do luar retornara-lhe a mente e ela o quis, porém esse anseio tinha sido amordaçado por todas as circunstâncias, até aquele momento.

-Mas, agora... estamos aqui... – riu pra si mesma, detendo-se a beira do caminho, arrancando um trevo do chão, beijando-o com carinho num gesto simbólico e espontâneo – a sorte resolveu me visitar!

Kurama a olhava com carinho: Uma menina vestida de um jeito exclusivo para lhe encantar. O ingrediente do sucesso presente no jeito de andar, no riso fácil e forte, nos olhos grandes, na ingenuidade de tantas coisas. Inúmeras facetas num plural cristalino.

“Paz”, a bexiga em cor, Botan... Não pôde conter o sorriso em seu rosto, o coração passando pra segunda marcha, acelerando.

-Vamos? – ele pediu, e os dois puseram – se a caminho, conversando sobre qualquer coisa, os sorrisos e olhares que trocavam não deixaram de ser captados por uma figura que via toda a situação:

-Então você está aqui, não é? Interessante... o Rei Enma vai gostar de saber!

Continua...


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Notas finais do capítulo

Pois é, gente...final do ano e eu postando mais um capítulo depois de longos meses...espero que gostem! Obrigada a quem ainda curte e acompanha, e peço perdão a quem desistiu de esperar o "milagre" das minhas postagens! Vamos caminhando! Bjo da Kira ^^



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