Seven Days a Week escrita por Jojo Almeida


Capítulo 11
Tuesday Out-Time


Notas iniciais do capítulo

Hey, hey, hey!
Só eu que fico tão animada assim no fim do ano?
Hahaha.
É, acho que é.
Whatever, aí vai mais um capitulo. Esse é especialmente para quem vai passar o feriado sem fazer nada, hahaha quem dera. Vou ser arrastada da cama as oito da manhã só para ir até Inhotim. Viva!
ATENÇÃO:
O filme mencionado é "A ORIGEM" (INSEPTION)que foi lançando a exatamente um ano atrás em 2010. Os outros títulos, são de filme que também estavam em cartaz na mesma época.
Este filme foi escolhido por ter um roteiro incrivelmente contraditório, e possivelmente muitos de vocês já viram. Mas isso não que dizer que é absolutamente necessário ter visto o filme para a compreensão do capitulo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/148362/chapter/11

                - Certo... – Katie murmurou, finalmente achando sua voz. – Onde nós estamos?

                - Na praça de alimentação do segundo piso – Travis respondeu apontando com o queixo para uma grande placa que estava a poucos metros dos dois, desviando por pouco de um garotinho de no máximo três anos que passou correndo por ele, seguido de uma mãe meio histérica.

                - Não foi isso que eu quis dizer, idiota. -  ela bufou, cruzando os braços. Era verdade, eles realmente estavam em um praça de alimentação. Era meio pequena e tinha, basicamente, dois restaurantes não lá muito grandes, uma sorveteria, uma lanchonete e uma espécie de quiosque de fast-food num dos cantos mais distantes deles. Mas, realmente, não era essa a resposta que ela queria.

                - Em um shopping pequeno perto de Montauk. – Travis respondeu rindo baixo dela, se jogando num banco de madeira clara que havia ali, sem parecer se importar muito com... Bom, com nada.

                - Claro. – Kay resmungou revirando os olhos e se sentando ao lado dele meio a contragosto. - E porque nós estamos em um shopping pequeno perto de Montauk mesmo?

                - Você estava falando daquele jeito que te deixa uma chata de novo. – ele respondeu dando de ombros novamente. Katie soltou um som estranho de repreensão, dando um tapa no ombro dele e fazendo o garoto sorrir de lado. – Calma, Kay. Eu só estava precisando de um tempo para pensar.

                - Porque isso sim faz todo sentido. – ela rebateu ironicamente, parecendo profundamente incomodada. – Você queria pensar, então traz junto a pessoa que não estava te deixando pensar. Como eu não pensei nisso antes?

                - Não era para você vir junto. - Travis resmungou, dando a impressão de também estar tão incomodado quanto Katie.

                - Só... Explique como viemos para aqui, okay? – a filha de Demeter pediu em voz cansada, se reencostando contra o banco de madeira com um suspiro que poderia ter mil significados diferentes, mas que nenhum pareceu lá muito bom para Travis.

                - Teletransporte. – ele disse simplesmente, como se aquela fosse uma conclusão. Notando que ele não ia falar mais nada, Kay o fitou na interrogativa. – Hermes é o deus das viagens, certo? – ele prosseguiu depois de rir baixinho dela. – Bom, muita gente não sabe que Hermes é o deus de todos  os tipos de viagem. O que inclui as viagens de teletransporte. Mas não é todo mundo que consegue viajar desse jeito Geralmente são só os Deuses e alguns filhos de Hermes que conseguem fazer isso.

                Ele a encarou, como se perguntasse “Entendeu?”. Katie assentiu calmamente, se sentindo um pouco tonta. Bom, isso explicava muita coisa, mas ao mesmo tempo coisa alguma.

                - Eu já tinha feito isso uma vez, á uns dois anos atrás. – continuou. – Mas foi em uma situação de vida ou morte, e eu não sabia o que estava fazendo. Um segundo estava lutando e no outro estava em casa. Simples assim. Só fui descobrir depois. Luke – pareceu levemente incomodado com a menção do meio-irmão.- era realmente bom nisso. Harley também, ela já até saiu daqui e chegou ao nosso quarto em Washington assim. Tentei fazer de novo varias vezes, mas nunca deu certo. Bom, não até agora.

                - Ótimo. -  Katie comentou parecendo mais animada, ela segurou a mão esquerda dele delicadamente. – Vamos logo com isso, então.

                - Isso o que? – Travis perguntou confuso, mas sem parecer disposto a afastar a mão dela.

                - Leve a gente de volta para o acampamento, bobão. – ela disse sorrindo gentil e, ao contrario do que ele imaginava, não parecendo nem um pouco irritada.

                - Katie, você não está entendendo. – falou com voz calma, como se tivesse medo de assusta-la. – Eu não sei como viemos parar aqui, realmente não sei. Imaginei estar fora do acampamento e, no segundo seguinte, nós estávamos. Sequer sei se conseguiria fazer isso de novo. Além disso, teletransporte praticamente mata todas as energias que podemos ter. Imagine fazer isso para duas pessoas. Eu nem sabia que isso era possível, na verdade.

                Ela olhou para ele de novo, sem conseguir se deter ao se sentir decepcionada. Agora que ele comentara sobre isso, dava para ver como Travis estava pálido e com expressão cansada. Como se tivesse corrido por muito e muito tempo numa maratona enorme e depois ficados horas fazendo flexões. Estava péssimo, em outras palavras. Katie nem conseguia imaginar como ele ainda se mantinha de pé. Era preocupante, muito preocupante. E, quando deu por si, Kay já estava com a estranha combinação de decepção, culpa e preocupação em seus sentimentos.

                - Okay, acho que não vamos sair daqui tão cedo. – ela disse calmamente, suspirando. – Mas, já que é assim, ao menos vamos aproveitar isso.

                Olhou ao redor mais uma vez. Um pouco além de Travis, conseguiu ver o letreiro brilhante de um cinema no final daquele corredor. Ela se levantou, sorrindo ao puxa-lo pela mão naquela direção. Quando finalmente pararam em frente a uma curta fila que era a bilheteria, Katie puxou um folheto com os filmes em cartaz de uma espécie de apoio onde estes estavam e entrou atrás da ultima pessoa.

                - Hun, deixe-me ver... – ela murmurou abrindo o folheto e lendo suas opções. Travis espiou por cima de seu ombro esquerdo, tentando ler junto com ela mas falhando totalmente graças a dislexia.  – Flor do deserto: a paixão por trás de uma beleza?

                - Esse não é o filme que Polux odiou com todas as suas forças? – levantou uma sobrancelha. Katie concordou com a cabeça e, murmurando um “Não, não”, descartou a opção. Voltou sua atenção para o folheto.

                - Eclipse? – ela sugeriu parecendo ter de segurar o riso para isso.

                - Preciso comentar? – Travis devolveu desistindo de vez de tentar ler o folheto junto com ela e se conformando com apenas escutar as opções. Ela sorriu divertida, franzindo o cenho ao tentar ler a próxima opção. Assim, de cara, ela diria que era “Meu Almadov Fanorito” mas isso soava errado de mais.

                - Meu Malvado Favorito? – disse depois de um tempo, quase vitoriosa por ter conseguido desvendar aquelas letras que cismavam em flutuar para fora da folha daquele jeito irritante.

                - Não pode ser tão ruim assim. – deu de ombros. – Alguma outra opção?

                - Encontro Explosivo? – ela sugeriu.

                - Passo. – discordou de prontidão. – Parece um filme terrivelmente clichê.

                - Salt?

                - Era esse o filme em que todo mundo morria no final. – fez uma careta estranha quando Katie levantou uma sobrancelha para ele e depois riu. – Eu perguntei para Polux depois.

                - Certo, Senhor Eu-sou-um-crítico-de-cinema-que-só-merece-o-melhor. – ela ironizou voltando sua atenção para o panfleto. – Você acabou com todas as opções. Só falta... A Origem.

                - A Origem? – Travis murmurou pensativo, notando que já era a vez deles. – É. Pode servir.

(Atenção: Apartir de agora, o texto pode conter referencias ao filme "A Origem")

                - Eu acho que eles nunca saíram do limbo. – Katie concluiu levando mais uma colherada de sorvete até a boca.

                Haviam acabado de sair do cinema, comprado um potinho de sorvete na sorveteria da praça de alimentação e duas colheres para dividi-lo. O sorvete foi ideia dela. Não sabia por que, mas a Idea de açúcar no sangue parecia estranhamente adequada para a situação de Travis. O Stoll já estava quase em sua cor normal, apesar de toda aquela áurea de cansaço que ainda tinha.

                - Claro que saíram! – ele discordou balançando a colher entre os dedos. – Da primeira vez, pelo menos. Eles não saíram do limbo na segunda.

                - Talvez nem exista um limbo, se você parar para pensar. – Kay deu de ombros, usando as costas da mão para afastar o cabelo do rosto. – Vale considerar que pode ser tudo uma projeção da mente dele. Ou da mente de outra pessoa. Vai ver que a máquina nem os totens nunca foram inventados.

                - Você acha que foi tudo um sonho, então? – Travis franziu o cenho. – Isso não faz sentido algum. Se fosse tudo um sonho, de quem o sonho seria? Uma projeção da mente de quem? Sua teoria é totalmente inválida.

                - Se fosse tudo um sonho, não importa o sonho de quem, não haveria como você afirmar o contrário. – ela rebateu estendendo o pote para que ele pegasse outra colherada. – Seu argumento é inválido.

                - Kay, pensa comigo. – disse depois de engolir. – O que é o limbo? É o fim da linha. É onde acaba, o ponto máximo de um sonho. Os dois passaram oitenta anos no limbo. Se não existisse um limbo, onde mais estariam? Eles entram no limbo, mas também saíram dele. Não dá para entrar e sair de uma cois que não existe.

                - Mas, se fosse tudo um sonho – Kay discordou de prontidão. -  eles nunca saberiam o que é o limbo. O limbo é um conceito, pode ser algo que a mente de quem estava sonhando inventou. Que nem a maquina. Uma vez eu sonhei que tinha um ornitorrinco vermelho no meu quarto, mas isso não quer dizer que exista algum ornitorrinco vermelho.

                - Então você acha que o limbo não existe? – Travis perguntou distraído. – Que ele é algo tão imaginário e viajado quanto um ornitorrinco vermelho?

                - Exato! – ela exclamou vitoriosa por ter conseguido explicar. – Se não acredita, pensa direito. Falaram que eles passaram oitenta anos no limbo. Mas, quando apareciam na cena do trem, eles tinham a mesma idade do filme todo. Ou seja, o limbo não pode ser real. Porque o limbo não segue a lógica.

                - Você não está seguindo a lógica. – ele disse encarando-a de uma forma estranha. – Os dois apareciam na idade normal quando estava nas memórias dele. Eles aparecerem velhos, lá deitados na linha do trem. Então o tempo passou no limbo, e o limbo segue as ordens cronológicas. Ou seja, o limbo existe.

                - Então porque o totem continuou a girar? – Kay indagou tentando acompanhar o raciocínio dele.

                - Porque o limbo existe, mas eles não saíram dele. Não na segunda vez. – foi à vez dele de parecer vitorioso. – Quando ele se sacrificou em pró da missão para que o limbo não desabasse, ele não saiu do limbo. Ele só foi mais e mais fundo, para uma realidade que imitava a realidade e a mente dele criou quando acreditou que tinha saído do limbo. Ele achou que tinha saído do limbo, e a realidade que ele estava parecia tão boa que ele nem se preocupou de confirmar se era a realidade certa. Parecia racional de mais dentro do contexto para ser a realidade errada.

                -  Certo. – ela disse calmamente. – Digamos que eles tenham saído do limbo. Na primeira vez. Como ele foi simplesmente idiota o suficiente para voltar lá de novo?

                - Simples. Arrogância. –concluiu pensativo. – Ele achava que era bom o suficiente para conseguir sair de lá na segunda vez. Mas não era. Ele foi enganado pela própria mente. – apontou com o dedo indicador para a própria cabeça, num gesto meio engraçado. – Ou seja, o sujeito era um completo idiota.

                - Agora digamos que era tudo um sonho. – Kay voltou a argumentar. – Você não saberia que era um sonho. Nem eles. Vai ver era o sonho daquele arquiteto que aparece no começo e faz tudo errado. Não dá para saber.

                - Isso seria totalmente revoltante. – Travis rebateu. – Tudo que eles fizeram teria sido na base do inútil então? Que coisa mais... Estúpida.

                - Não é estúpido. – Katie se defendeu estendendo o pote para ele de novo. – É uma teoria tão valida quanto a sua. Se a gente parar para pensar, nossa vida inteira pode ser um sonho e nós nunca descobriremos. Vai ver é um sonho dele – apontou com a colher para um cara aleatório que passava andando a alguns metros dos dois ao lado de uma mulher, carregando um punhado de sacolas e não parecendo nada contente. – Não dá para saber.

                - Então... Você está dizendo que não existe uma realidade? – ele franziu o cenho.

                - Não, não. – Kay balançou a cabeça negativamente. – Só estou dizendo que realidade é um conceito. Pode até não existir uma realidade, se você quiser pensar desse jeito. A realidade é o que nós acreditamos ser a realidade. Se acreditar que na minha realidade existem ornitorrincos vermelhos, essa vai ser minha realidade e ponto.  Nós podemos fazer coisas incríveis num sonho e esta não ser a realidade. Você nunca teve aquela sensação de quando está dentro de um sonho e tudo parece estranhamente fora do lugar? Como se não estivesse dentro do nosso conceito de realidade. Não dá para saber se está é a realidade ou a não-realidade, se é que você me entende.

                - Como... Como o gato Schrödinger? – Travis perguntou calmamente, como se tentasse entender mas a coisa toda fosse complicada até de mais. De fato, era complicada até de mais.

                - Quase isso. – Katie concordou sorrindo, enquanto rapava o fundo do potinho e estendia a colher para ele. Travis comeu a ultima colherada e depois ela acertou o pote no cesto de lixo perto dos dois com um tiro certeiro. – Quer saber? Eu cansei de falar sobre isso. É um filme bem idiota quando agente para para pensar. Eles não explicam absolutamente nada direito.

                - Nisso eu tenho que concordar. – O filho de Hermes concluiu, se levantando. Kay também se levantou, ficando ao seu lado.

                - E agora? – ela perguntou afastando uma mecha de cabelo dos olhos, en quanto olhava para os lados e parecia tentar deduzir o que havia além do corredor em que estavam, mas sem sucesso. Ele a imitou, sorrindo de lado.

                - Não sei. – acabou por adimitir, dando de ombros. – Só estive aqui algumas vezes, com Connor. A gente podia dar uma volta ou sei lá.

                - Dar uma volta, então. – Katie também deu de ombros, começando a andar para a esquerda.

                Travis a seguiu, andando sempre ao seu lado. Passaram por algumas muitas lojas e viram um bocado de vitrines, mas ele nem teria ideia de que eram as vitrines. Estava ocupado demais aproveitando... Aproveitando o momento, entende? Parecia que estavam em um encontro normal – ou, pelo menos, o quão normal um encontro dos dois poderia ser.  Ele nem sentia mais aquela tonteira estranha do tipo eu-acabei-de-me-teletransportar-até-aqui . Se sentia... Bem. Ponto.

                Katie parou ao lado de uma banca de óculos escuros. Ela se curvou, analisando os acessórios como se fossem armas que poderiam salvar sua vida. Depois, pegou um do tipo besorão que devia ser no mínimo três vezes maior do que o tamanho que ela deveria usar, colocou, e fez uma careta engraçada quando se olhou no espelho.

                - Eu sou linda ou não sou? – ela perguntou brincalhona, tentando manter o óculos no rosto, ma falhando toda vez que este escorregava delicadamente até a ponta de seu nariz.

                - Demais. – Travis responder rindo dela.

                Katie sorriu de lado, enquanto tirava os óculos com cuidado e os devolvia para o mostrador, como se tentasse se concentrar em qualquer coisa menos ele. Travis riu dela mais um pouco, se curvando para pegar uns óculos também. Escolheu as cegas, colocando-os no rosto logo em seguida.

                - Ficou maravilhosa, milady. – Katie ironizou rindo ao virar o espelho na direção dele. Era do tipo aviador clássico, só que um pouco menor do que devia ser para ele. Isso, mais o fato de a armação ser de um tom enjoativo de rosa que só aqueles brinquedos de crianças pequenas conseguiam ter. Certo, estava engraçado.

                Ele fez uma careta, devolvendo os óculos para o balcão. Continuaram andando, no mesmo ritmo despreocupado de antes, como se não tivessem nada de importante que deviam estar fazendo naquele momento. Se parasse para pensar sobre isso, Katie poderia até se lembrar de que havia algo importante que deveria estar fazendo, no acampamento, a alguns quilômetros dali.  Estranho como essas coisas importantes soavam tão menos importantes quando estava com Travis.

                “Ooh, I need your love, babe /Guess you know it's true/ Hope you need my love, babe/ Just like I need you”

                Ele parou de andar subitamente. Tão subitamente, que até mesmo Katie parou de andar apenas para encara-lo daquela forma estranha que perguntava “O que Hades você está fazendo?”.  Percebeu que estavam em frente a uma lojinha minúscula de instrumentos musicais de aparência extremamente... Bagunçada, na falta de palavras. O tipo de lugar em que as coisas parecessem ficar entulhadas até o teto e dá aquela impressão de que, mesmo que o espaço fosse maior, tudo ficaria entulhado até o teto do mesmo jeito que estava.

                - O que-

                - Escuta. – ele a impediu, sorrindo de lado. Katie parou pensativa, tentando escutar o que ainda não havia. Quando percebeu a música, olhou para ele de um jeito estranho e riu baixo. – É a nossa música

                - Nossa, é? – Kay perguntou levantando uma sobrancelha numa expressão meio estranha, com a voz carregada de uma ironia básica. – Caramba, quanta intimidade. E eu que ainda achava que só aqueles casais em filmezinhos de romance clichê tinham “a” musica deles.

                - Hold me, love me/ Hold me, love me/ I ain't got nothing but love, babe/ Eight days a week... – Travis cantarolou junto com a musica, sem parecer se importar nem um pouco com o que ela havia acabado de dizer. Sem parecer ter sequer olvido uma única palavra do que ela havia acabado de dizer, na verdade. 

                - Seven days a week/ I love you/ Seven days a week/ Is not enough to show I care... – Katie continuou pensativa, fazendo com que ele parasse e a encarasse de uma forma meio acusadora que era levemente engraçada. Riu baixo, antes de recuperar o fôlego e se justificar. – Só queria ter certeza... Mas, é, Seven Days a Week continua soando de uma forma horrível.

                - Não é para tanto. – Travis resmungou soltando uma careta. Ela riu de novo, um pouco mais alto dessa vez.

                - Vamos lá, irritadinho. – Kay disse, antes de pegar a mão dele com a mesma delicadeza de sempre e voltar a andar na direção que estavam indo antes. – Se ficarmos tempo demais parados, você vai acabar criando uma revolução e aí nossa musica vai deixar de ser "Eight Days a Week" para virar "Revolution".

                - Todo mundo gosta de revoluções. – ele resmungou em resposta, meio brincalhão, meio não, mas se deixando levar por ela.

                - Errado. – discordou rindo de novo. – Todo mundo odeia revoluções. Elas matam um bocado de gente e sempre caem na prova de história como se fossem um grande acontecimento. Não dá para gostar delas. Quer dizer, pelo menos não muito.

                - Agora, você me deve exatamente trinta e três dracmas. – Katie murmurou bufando cansada, apoiando as duas mãos nos joelhos e sorrindo de lado.

                - Não devo nada. – Travis discordou tentando parar de rir para isso, mas falhando totalmente. – Você definitivamente perdeu.

                - Não perdi nada! – ela exclamou fazendo uma careta ao tentar recuperar o fôlego. – Não é culpa minha se o meu competidor não sabe perder então tem que jogar uma pilha de caixas na minha frente. Isso definitivamente não estava dentro das regras.

                - Mas também não estava fora das regras. – continuou a rir. – Desculpa, florzinha. Hermes é o deus dos ladrões. Devia ter pensado sobre isso antes de apostar com um dos filhos dele.

                É, talvez não tenha sido uma ideia lá tão boa assim apostar corrida com um filho do deus da corridas e dos ladrões. Agora acrescente o fato de que eles haviam apostado corrida em uma loja de tennis para corrida que tinha uma pista vermelha daquele tipo oval no meio. Ah, e o fato de que Katie estava quase ganhado. Isso antes dele derrubar uma pilha enorme de caixas de sapato na frente dela. É, e antes do segurança medonho e mal encarado da loja expulsar os dois depois de proferir algumas boas pragas.

                Agora, estavam tentando descobrir onde ficava a saída daquele shopping. E falhando, também.

                - Eu não perdi, Stoll.- Sibilou irritada, rangendo os dentes. – Você me deve trinta e três dracmas, adimita. Ou ficou pobre demais com seu ultimo investimento pagar-todos-os-filhos-de-hermes-para-limpar-o-chalé-número-11-de-madrugada?

                - Em bolsa está andando meio em baixa, esses dias. –Travis devolveu quase que a contra gosto. -  Meus investimentos não tiveram lá muito retorno, digamos assim.

                - Quer saber? – ela sorriu tímida. – Talvez eles tiveram sim.

                Ele sorriu de volta, sem saber o que dizer. Depois, para se livrar do fato de ter que falar qualquer coisa, apontou coma cabeça para duas portas giratórias onde havia certo movimento e acreditava ser a saída daquele lugar. Não dava para saber muito bem. Na ultima vez que estivera ali com Connor, nem se preocupara em saber se tinha uma saída.  Estava meio que mais ocupado tentando dizimar aquele cão infernal idiota. Depois, meio que não precisou de uma saída quando aquele buraco enorme surgiu acidentalmente na parede no primeiro andar.

                No fim das contas, acabou sendo uma saída mesmo. Teve que piscar algumas vezes para ter certeza do que estava enxergando. Já estava escuro, bem escuro. Quanto tempo haviam passado ali? Nossa, ele realmente não sabia. Não dava para ter nem ideia. Fora tudo tão... Rápido. Para ele era como se não tivessem passado nem meros vinte minutos.

                - Uau...- ouviu Katie murmurar ao seu lado, obviamente tão impressionada quanto ele.

                - Você tem um dracma? – perguntou a ela, revirando os bolsos e constatando que não tinha nenhum.

                - Para quê? – Kay devolveu levantando uma sobrancelha para ele, mas pegando um dracma no bolso de trás e girando-o entre os dedos distraidamente. Travis revirou os olhos, impaciente.

                - Para nós irmos para casa, Gardner. – ele disse tentando pegar a moeda e agarrando o vazio em vez dela.

                - Não dá para tentar o teletransporte de novo? – ela perguntou levemente esperançosa.

                - Não. – ele respondeu dando de ombros e finalmente conseguindo capturar a moeda num movimento ágil e meio desengonçado. – Meus super-poderes se esgotaram por hoje. Desculpa, mas vamos ter que usar o meio de transporte comum.

                E aí atirou a moeda na rua.

                Katie saiu do taxi das irmãs cinzentas, sentindo aquela vertigem de novo. Dois quase atropelamentos, cinco manobras contra as leis da física, três trechos que  Kay poderia jurar serem os momentos mais turbulentos de sua vida, uma volta enorme para pegar um olho que havia caído da janela e, para completar, aquele episódio estranho com o patinho de borracha, haviam finalmente chegado ao acampamento meio-sangue. Estavam relativamente bem, se você ignorar aquela sensação de que seu estomago ficara á alguns quilômetros atrás que Katie estava desfrutando. É. Relativamente bem.

                - Tudo bem? – Travis perguntou saído do carro e ficando ao seu lado. Os dois começaram a descer a colina meio-sangue, nu ritmo lento que dizia obviamente “não queremos saber o que nos espera lá em baixo”.

                - Defina bem. – Kay resmungou, sem encontrar nada melhor para falar. Ele riu dela baixinho, parecendo achar a resposta divertida. Ela não achava.

                Estavam quase concluindo a descida quando viram uma figura quadrúpede muito conhecida trotar na direção deles. Pararam de andar, com um nervosismo estranho pairando por entre os dois de uma jeito incrivelmente desconfortável. Aquela expectativa que as crianças tinham quando os adultos descobriam que haviam feito algo errado e estavam indo brigar com elas. Mais ou menos assim.

                Quiron parou na frente dos dois, com as expressões faciais totalmente legíveis apesar da meia luz. Era alguma coisa numa transição de “Onde vocês andaram?” para “Esperava mais de vocês” passando por “Só esses dois mesmo...” e talvez acabando em algum lugar perto de “Graças aos Deuses vocês estão bem”.

                O centauro passava os olhos pelos dois rapidamente, olhando ora para Kay e ora para Travis. Parecia estranhamente pesaroso, agora que ela pensava sobre isso. Parecia tentar olhar a situação de todos os lados possíveis para analisar o melhor deles mais tarde. E, ainda, compreender completamente a situação de uma forma que talvez ninguém mais entenderia.

                - Estábulos, amanhã as 9:00. – sentenciou depois de um tempo, com a voz casada.

                Katie e Travis se entreolharam enquanto ele se afastava calmamente. Podia ser pior. Arrumar as cozinhas é sempre pior. As naídes costumavam reclamar rios sobre o que eles faziam, mesmo que fizessem certo. E olha que Katie tinha uma experiência razoável naquilo – graças a ele, claro. Estábulos era muito melhor. Um pouco mais do que mereciam. Mas ainda sim, muito melhor.

                - Não se atrasem. – Quiron completou em tom de advertência, sem ao menos se virar para encara-los novamente.

                Connor encarou seu prato, sem estar com a menor vontade de comer.

                Não sabia porque... Apenas, não estava. Comer parecia tão menos importante... Como se sua fome tivesse evaporado. Ou, melhor dizendo, como se ela nunca tivesse verdadeiramente existido algum dia, mesmo quando se considerava um passado distante.

                Sua mente estava preocupada demais com outras coisas. Outras coisas que soavam bem mais importante. Certo, ele estava ocupado demais pensando em Marie. Ah, sim. Não conseguira deixar de pensar nela desde aquela tarde. Trocara o caderno de lugar um milhão de vezes. Simplesmente... Não conseguia decidir o que fazer com ele. Parte de sua mente gritava para ele lê-lo, e a outra parte berrava para que ele o devolvesse sem nem abrir. Ah, e uma terceira parte continuava se perguntando porque Hades Marie estava chorando.

                Era quase como ter uma guerra dentro de si, concluiu distraído.

                - Quem é ela? – Harley perguntou do nada, escorregando para o seu lado no banco de madeira. Connor se sobressaltou, surpreso. Agora, ele percebia que estava ficando distraído até demais.

                - Ela... Quem? – devolveu mentindo descaradamente, como se não tivesse nem ideia do que ela estava falando.

                - Ela, ela. Bobão. – Harley justificou sem realmente justificar coisa alguma, afastando uma mecha do cabelo castanho rebelde dos olhos azuis. – Eu te conheço, Connor. – diminuiu levemente o tom de voz. – Você não fica assim desde Ashley. Tem alguma coisa acontecendo aí – apontou para o peito esquerdo dele, mais ou menos onde ficava o coração. – que eu sei. Quem é ela?

                Connor desviou os olhos, subitamente desinteressado. Não conseguia mentir para Harley, nunca conseguiria. Era um fato. Mirou a mesa de Athena por entre os outros campistas, sentindo como se, apesar de tão distante, Marie estava a apenas dois metros dele. A filha de Athena estava lá, com os cabelos prateados caindo sobre os ombros. Ela tentava equilibrar um grosso volume entre uma jarra de vidro e seu prato, em quanto comia como se estivesse tão desinteressada em seu prato como Connor.

                Não pode deixar de sorrir. Simplesmente... Não.

                - Hã... – resmungou simplesmente, sem conseguir formular nenhuma frase mais inteligente.

                - Hey, pode contar para mim. – Harley disse calmamente, sorrindo levemente vitoriosa por ter sua teoria comprovada pelo irmão. – Você sabe que sempre pode contar para mim. Sou boa em guardar segredos. Eu nunca contei nada seu para ninguém, contei?

                - Não. – murmurou meio a contra gosto, ficando em silencio durante um segundo antes de suspirar e voltar a falar em um tom de voz que mal passaria de um sussurro. – Ela é... Ela é Marie.

                - Marie, a filha de Athena? – a irmã mais nova repetiu em um tom de voz que subia quase duas escalas, parecendo estar feliz demais para conseguir se conter. Os olhos cintilavam daquele jeito que só o faziam quando ela tinha um plano. De repente, Connor se sentiu meio indeciso em relação a qualquer plano dela.

                - Hã... É. – ele respondeu dando de ombros, sem saber o que dizer.

                - Ah, Travis! – Harley exclamou em voz ainda mais aguda (apesar de que, até então, Connor acreditar que isso seria impossível dentro dos parâmetros humanos), batendo palmas de tão animada. – Isso é totalmente incrível! Nossa, você nem imagina o quão incrível é! Deuses, é PERFEITO!

                - Claro. – ele concordou, admitindo que talvez estivesse com um pouco de medo dela agora. Franziu o cenho. – E, de que nós estamos falando, mesmo?

                - Você e a Marie, lerdo. – ela revirou os olhos, finalmente voltando a falar em seu tom de voz normal. – Tipo, a Marie é uma grande amiga de Juliet. Isso quando ela não está se escondendo por aí, entende? Mas enfim, ela é realmente amiga de Juliet. Ela conta absolutamente tudo para Juliet. E, você sabe como a Juliet é. Tudo que ela sabe, eu acabo sabendo. Eu nunca conversei direito com Marie, mas tenho certeza que sei mais sobre ela do que a própria poderia imaginar. Um dia, ela contou para a Juliet que ela estava total a fim de você, e depois a Juliet me contou. Eu disse para ela dizer a Marie que você estava com a Ashley, porque, na época você  estava. Acho que ela ainda gosta de você! Connor, isso é in-crí-vel!

                Connor sentiu sua cabeça girar. Ele havia entendido tudo e mais um pouco do que Harley havia dito, mas desejava que ela tivesse o feito mais devagar. Deuses, talvez a irmã estivesse passando tempo de mais com Juliet. Ele nunca achara lá muito humano ouvir alguém falar daquele jeito, mas do que importa? Segundo Harley, existiam chances de que Marie gostasse dele. E, de fato, ele sentia que fosse explodir de tanta felicidade só de saber dessas chances.

                - Você... Você está falando sério? – balbuciou depois de um tempo, sorrindo mais bobamente do que gostaria de admitir. De qualquer forma, não tinha como evitar. Isso seria... Quer dizer, isso sim seria um esforço desumano.

                - Porque não estaria? – Harley devolveu revirando os olhos de novo. Depois, sorriu, pedindo que ele contasse com todas as palavras o que realmente havia acontecido e completando com algo do tipo “minta e você morre”

                Connor contou uma versão resumida do que acontecera nos últimos dias, chegando até a comentar sobre suas idas ao bosque para pequenos passeios cheios de segundos significados. Já havia chegado até a manhã daquele mesmo dia quando Harley não aguentou mais e finalmente o interrompeu.

                - Wowa! – ela disse com a expressão indecifrável. – Você tem certeza que o caderno que Marie deixou cair era um de couro preto mais ou menos desse tamanho?

                - Tenho. – franziu o cenho para ela.

                -  Do tipo que parece um diário daqueles de filmes antigos?

                - Tenho. – respondeu, dessa vez um pouco mais irritadiço. Que tipo de perguntas eram aquelas afinal? Harley continuou a encara-lo de uma forma estranha, sem se pronunciar por um bom tempo. Não dava para dizer com toda a certeza do mundo, mas ele estava achando a irmã nervosa.

                - Droga. – ela resmungou – Connor, você está totalmente ferrado.

                - Por quê?!? – Connor  devolveu na defensiva, achando a conclusão dela bem errônea.

                - Marie tem alguma coisa com aquele caderno. – Harley justificou com a voz mais baixa, como se tivesse partilhando um grande segredo com ele. Um segredo que absolutamente ninguém poderia ter conhecimento. – Ela sonha em ser escritora, ou jornalista. Algo do tipo. Parece que ela escreve tudo lá. Não faço nem ideia do que, só sei que escreve. Uma vez eu o peguei da mão dela de brincadeira e ameacei ler. Ela pirou, serio. Achei que ia me matar legal. Imagina o que vai fazer quando ver que ele está com você?

                Connor desviou os olhos nervosamente, subitamente sem interesse algum naquela conversa e o rumo que a coisa estava tomando. Por coincidência, ou sei lá, acabou por ver duas figuras muito conhecidas descer a colina meio-sangue. Não passavam de um vislumbre, mas ele tinha total certeza da quem se tratava. Agora que parava para pensar sobre isso, ele não havia visto os dois a tarde inteira. Onde estavam? Não importa. Bom, pelo menos não muito.

                - Você não acha irritante? – disse antes que conseguisse se deter.

                - O que? – Harley perguntou confusa, notando que ele obviamente não estava mais falando sobre Marie. É, pelo menos isso.

                - Ah, você sabe. – Connor desviou o olhar de novo. – Travis e Katie. Ele age como se não existisse outra pessoa no universo... Como se fosse só os dois. A gente... Humpf. Ficamos lá atrás, no plano de fundo. Meio embaçados em questão de importância. É irritante... Não acha?

                - Não faço nem ideia do que você está falando. – Harley admitiu com um sincero sorriso de desculpas depois de um tempo em silencio. Ela parecia realmente não entender, mas não era sua culpa. Ela girou o corpo para o outro lado do banco, passando uma perna de cada vez e ficando um tempo sentada desse jeito antes de se levantar. – Mas de uma coisa eu sei muito bem. Você tem duas opções. Ou lê o caderno de Marie e descobre o que Hades a menina tanto esconde. Ou simplesmente devolve o caderno e acaba com a sua possível única chance de descobrir. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, é isso.
Acho que esse foi para aqueles que pediram mais Connor/Marie, hahaha.
Deixem reviews!
Tem gente que andou meio sumida nos ultimos capitulos... Isso é maldade, viu?
Hahaha.
Beijos!
Jojo