Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth escrita por G_bookreader


Capítulo 31
Cinzas e Impulsos




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Alguns apoios foram chegando. Liah e Luke haviam aparecido para dar apoio e disseram que qualquer coisa era só ligar ou chamar ou qualquer coisa. Vieram também o clã brasileiro, que havia se instalado na casa, Lionel, que Hecate havia conseguido fazer contato por acaso, junto com a parceira, Gena. Também um clã japonês, com apenas três vampiros, os Shimisu, antigos conhecidos nossos também. Não eram todos que esperávamos, mas já se imagina o inferno que a casa estava.

A reação de Lionel ao ver Andreas vivo foi até divertida. Ele não sabia se o abraçava, se ria, ou qualquer coisa. Eles eram muito amigos no tempo da Batalha da Capital e eu podia imaginar como estavam felizes em se reencontrar. Só esperava que os dois não saíssem por aí fazendo inconseqüências como costumavam antigamente. Apesar de o cérebro daquilo ter sido Paco, que não havia chegado ainda, e não eles.

Kratos havia saído para se limpar e para caçar, o que nos dava algumas horas de silêncio. Antes de sair ele havia me dito para não fazer nada estúpido. Nossas opiniões sobre o que é estúpido ou não são bem diferentes, portanto, logo assim ele sumiu, eu desci para o porão. Todos aqueles dias eu não tinha ido vê-lo, falta de vontade, mas talvez agora, depois de “amaciado”, ele quisesse cooperar mais. Quando entrei o cheiro estava muito mais forte do que naquele dia, não era a toa que Kratos tinha o rosto aliviado quando saiu. Benjamin estava caído, encolhido em um canto, parecia desmaiado, mas quando me aproximei, abriu os olhos fracamente. Eu trazia comigo um pouco de água e de comida, que depositei na sua frente. Seus olhos foram desejosos para a comida, mas ele se controlou. Ele era só sangue seco, dos pés à cabeça.  O cabelo estava colado e sujo pelo líquido vermelho e, para minha espécie, repugnante. Ele se esforçou para se sentar, o que fez que vazasse mais sangue por algumas feridas. Uma cena nojenta de se ver e que, em outros tempos, me deixaria realmente abalada. Não agora.

-Veio assistir minha desgraça? – Ele falou, a voz mais rouca que o normal e baixa.

-Eu vim te trazer comida e água enquanto Kratos não volta. Quero que você fale a verdade, não que morra.

-Não é o que parece.

-Nada disso estaria acontecendo se você cooperasse. Quando você chegou, queria que eu confiasse em você, o que obviamente eu não podia. Você poderia estar lá fora com os outros lobos se tivesse me contado, se tivesse me dado motivos para confiar em você.

-Como você quer que eu te dê motivos para confiar em mim quando você me tranca aqui e põe um psicopata para me cortar todo? Achei que você fosse melhor que isso.

-Você não tem nada a proteger. – Falei, amargamente.

-E isso faz de você um ser melhor?

-Não, faz eu ter mais motivos para desconfiar de você. – Arrastei a bandeja para mais perto dele. – Vai, come e bebe logo.

Ele o fez. Podia estar humilhado e tudo mais, mas ainda era humano e sentia fome e sede. Devorou o prato de comida e bebeu a água em dois goles gigantescos e sonoros. Seu estado era realmente deplorável. Quando terminou, peguei a bandeja e levei até uma mesa próxima, voltando logo depois.

-Benjamin, eu não quero isso tanto quanto você. Conte o que Jason está planejando, os detalhes que você sabe e ficará tudo bem, eu prometo. Só preciso que você fale.

-Eu não sei de muita coisa. – Sua voz estava melhor agora que ele estava mais ou menos alimentado.

-Só o que você sabe. Não precisa ser muita coisa.

-Como está Lizzie? – Ele perguntou aleatoriamente.

-Bem, está lá em cima com o resto. – Falei, não entendendo direito o motivo da pergunta.

-E Jones?

-Também. Por que está me perguntando isso?

-Você falou dos lobos lá fora. Obrigou-os a trabalhar para você?

Olhei para ele confusa, mas continuei respondendo. Pelo menos havia um diálogo e eu estava curiosa para saber aonde aquilo iria nos levar.

-Claro que não. Nós temos um tratado e ajudamos uns aos outros. Esse território que estamos é deles também, era antes de chegarmos. Eu não pude matá-los, apesar deles terem tentado fazer isso comigo uma ou duas vezes.

-Se eles te atacaram, por que não os matou? – Por sua causa, idiota. Claro que não falei isso.

-Porque eu não preciso matar tudo que encontro pela frente. Eu só preciso ser Jason quando me obrigam. – Ele ficou em silêncio e não falou mais nada. Esperei um certo tempo, mas nada saiu mesmo. – Não tem mais nada a me dizer? – Ele não respondeu, então simplesmente virei as costas e saí, fria por fora e irada por dentro.

-Jason está preparado para você. – Parei e girei nos calcanhares, para encara-lo. Ele olhava qualquer coisa na parede. – Ele pesquisou muitas coisas e descobriu um vampiro milenar, muito velho, que poderia ensiná-lo a lutar e a ser invencível. Conseguiu chegar até ele mas este se recusou a atendê-lo. Então ele fez alguma coisa que eu não sei ao certo e obrigou-o a ensiná-lo. – Vampiro milenar que tinha conhecimento? Eleazar? – Bem, ele aprendeu algumas coisas mas acabou traindo o vampiro, eu não sei direito o que aconteceu aí.

-Você sabe o nome desse vampiro?

-Não. Mas não acaba aí. Ele foi lá com o intuito de se tornar o vampiro mais forte que existe. Ele se preparou especialmente para você. Ele tem um plano armado, eu não sei os detalhes, mas tem. Ele tem uma mente e tanto, Giuliet. Séculos a fio planejando cada mínimo detalhe, cada opção.

-Entendo. Obrigada por ter falado. Não precisava daquilo tudo. Por que resolveu falar só agora?

-Não sei. Eu estou um pouco cansado, acho que é isso. E talvez eu não tivesse tido tempo para te digerir.

Ele era maluco. Ponto.

-Ah, sim... Quando você conseguir se levantar daí, pode ir buscar comida e tomar um banho. Mas eu ainda não confio plenamente em você, portanto não está cem por cento livre. Se quiser um lugar para dormir, ou é com os outros lobos lá fora ou é aqui. Kratos não irá te atormentar mais.

-Isso é uma boa notícia. Mas eu vou demorar para conseguir sair daqui.

-Não precisa ter pressa, o porão é todo seu. – Com isso saí, deixando a porta do porão aberta, minha cabeça fervendo novamente.

Eleazar foi obrigado a ensinar Jason? Como que ele conseguiu subjugar o ancião a ponto de obrigá-lo a alguma coisa? E além do mais, depois traiu o vampiro? Mas como? Eram muitas questões em branco. Porém agora eu tinha uma certa noção do porquê de Eleazar ter me procurado. Ele não gostava de Jason, havia sido himulhado e havia visto o tipo de monstro que ele poderia ser. Agora era só me fazer estar pronta para acabar com o adversário. Isso me deu certa segurança, mas não matou minha curiosidade.

Os japoneses estavam conversando com Lionel, sentados todos na varanda. Passei por eles com um aceno de cabeça.

-Giuliet, eu estava pensando se haveria alguma forma de eu ir caçar. Estou com sede. – Lionel falou, saindo do assunto em japonês que eles estavam tendo, animados, e falando em inglês.

-Ah, claro, mas é melhor que faça isso mais perto da noite, em Seattle. E não vá sozinho. – Falei, dando de ombros.

-Nós vamos também. – Respondeu sucintamente Niro, o líder dos japoneses.

-Tudo bem então. Só tenham cuidado.

Eles concordaram e eu entrei, encontrando no sofá Kronus e Fátima conversando, enquanto Beta e Jones assistiam qualquer coisa na televisão. Giacomo e Andreas estavam nas poltronas, também conversando, só que muito baixo e, de vez em quando olhavam atravessado para Kronus. Era engraçado, eu tinha que admitir, mas eles tinham que deixar a irmã deles em paz algum dia, certo? De qualquer forma, eu tinha pena de Kronus. Não ia ser muito fácil para ele. Lizzie estava sentada no chão, ao pé do sofá, vendo a mesma coisa que os dois híbridos assistiam. Era um talk show qualquer, nada que me interessasse realmente.

-Ele falou. – Eu disse, sentando no chão ao lado de Lizzie.

-Sério? – Ele perguntou, desviando sua atenção para mim. – O que ele disse, no final das contas?

-Basicamente que nosso querido papai obrigou um vampiro milenar e torná-lo invencível, assim não teria chances de perder para mim. – Minha voz estava calma, mas ela deu uma ligeira arregalada nos olhos.

-E você não está preocupada com isso?

-Estaria, se esse mesmo vampiro milenar não tivesse me procurado dois anos atrás e me criado uma colônia de férias só para mim, onde ele me fez aprender a lutar muito melhor e a agüentar qualquer pressão psicológica.

-Entendo. Libertou Benjamin?

-Claro, promessas são feitas para serem cumpridas.

-Cuidado, eu não confio muito nele.

-Ele fez algo para causar isso em você? – Perguntei, não segurando a curiosidade.

-Comigo não, mas ele andou se mostrando muito solícito a Jason em certas situações. Isso me fez me afastar dele, a temer o caráter que ele poderia estar desenvolvendo. Por isso eu disso que ele não era mais o homem que costumava ser.

-Eu percebi que ele não estava normal. Quando ele se recuperar e sair de lá nós descobriremos. 

Nossos sentidos de aproximação se ativaram e, quase todos, olhamos para fora ao mesmo tempo. Havia mais alguém se aproximando, e quando se revelaram fui obrigada a sorrir. Myrtis e Jesse entravam no terreno, acompanhados de... bem, de Joanne. Quando a vi lamentei que Hecate não estivesse por perto para eu matá-la. Onde ela estava com a cabeça quando chamou Joanne? Tudo bem, reforço é reforço, mas... Joanne? Eu achava que alguém tinha feito o favor de explodi-la depois que a Capital foi dissolvida, mas pelo visto ninguém o fez.

Myrtis e Jesse entraram primeiro, me apressei para cumprimentá-los e Myrtis me recebeu com um abraço apertado. Nossa, eu tinha me esquecido totalmente deles. Nos separamos e ela me olhou de cima em baixo, com seu olhar maternal de sempre. Acho que eu nunca poderia ter ficado mais feliz em encontrar aquele olhar.

-Giuliet, quanto tempo! – Ela disse. – Você está diferente!

-Sou obrigada a dizer o mesmo! – Era verdade. Ela estava com roupas modernas e tudo mais, cores bem combinadas, que a faziam parecer mais jovem do que quando fora transformada. – Nossa... faz quanto tempo?

-Desde a Capital, querida. – Ela me deu um sorriso amável.

-É... acho que é isso... Como Hecate encontrou vocês?

-Não encontrou, Joanne cruzou nosso caminho e conversamos e acabamos descobrindo. Não íamos perder isso por nada.

-Fiquem a vontade! – Falei, dando passagem a ela, que foi cumprimentar o resto.

Percebi que Fátima e Andreas estavam cada um de um lado meu quando Jesse passou, cumprimentando a todos com um aperto da mão sem jeito. Ele também estava diferente, o olhar parecia menos adolescente e mais adulto.

-Bom te ver, garoto. – Falei, sorrindo, e ele retribuiu.

Então veio ela, Joanne. Primeiro abraçou Fátima como se tivessem sido muito próximas no passado, dizendo que havia morrido de saudades dela, e a outra retribuiu porque ela retribuía abraço de qualquer um mesmo. Fátima era um verdadeiro problema quando precisávamos ser antipáticos, mas esse não era bem o caso mesmo. Então ela me ignorou ali no meio e se jogou em Andreas, o abraçando. Ele quase desequilibrou e também não teve alternativa a não ser retribuir.

-Andreas! Eu fiquei tão feliz quando soube! Nossa, nem cabia em mim quando recebi a notícia que você estava vivo! – É, eu imaginava muito bem. – É tão bom te ver bem e forte de novo. Até fico sem palavras. – Não, queridinha, você fala até demais. Então ela se lembrou da minha existência e, depois de largar Andreas, virou a cabeça na minha direção. – Oi, Giuliet.

-Olá, Joanne. Obrigada por ter vindo. – Mas pode morrer. Claro que por fora eu estava com a expressão mais doce que podia. – Fizeram boa via...

-Ah, Giacomo! – Ela falou alto, me cortando. – Não tinha te visto ainda, o que é meio difícil. Eu sou meio cega mesmo. – Gracejou e o abraçou, mas não tão calorosamente quanto tinha feito com Andreas. Já vi que algumas coisas não tinham mudado dos tempos da Capital até aqui. Troquei um breve olhar com Fátima, que desviou rapidamente olhando qualquer ponto no jardim, segurando uma risada.

Joanne e eu havíamos tido um breve desentendimento na noite do anúncio da destruição da Capital. Tão breve que provavelmente só eu e ela sabíamos. Foi só uma troca de olhares, para ser mais exata, mas foi o suficiente para eu colocá-la no lugar dela. Eu não tinha ficado realmente com vontade de matá-la, pelo menos não muita, mas ela havia adquirido certo ódio de mim. Tanto fazia, eu havia ganhado a discussão de qualquer forma.  Era qualquer coisa em torno dela ter tentado beijar Andreas a força uns dias depois da queda de Hugh. Eu era meio explosiva na época. 

Mas agora as coisas eram diferentes, não era por ciúmes nem nada do tipo. Era pelo simples fato de Andreas não estar em questões psicológicas para algo assim. E eu achava muito bom que ela não fizesse nada do tipo por um bom tempo. Um bom tempo, como, por exemplo, o resto da eternidade.

-Então, o que tem acontecido aqui? – Myrtis perguntou, desviando minha mente para o presente. – Eu sei por alto, mas não os detalhes.

Sentei ao lado de Lizzie novamente e dei, pela milésima vez, um resumo a história toda. E, pela milésima vez, estavam me olhando estarrecidos.

-Família problemática. – Joanne comentou e eu quase a olhei com raiva, mas me controlei. Ela não fazia noção de como um membro da minha família poderia ser prejudicial à saúde dela.

-E agora estamos reunindo todos que pudermos para enfrentar Jason. – Continuei a falar, ignorando o comentário. – Por isso foram chamados. 

-Estamos preparados para qualquer coisa. – Myrtis respondeu com um sorriso amável no rosto.

-Fico feliz pelo apoio. Obrigada, mesmo.

-E aqueles cachorros enormes lá fora? – Jesse perguntou, olhando curioso. Sorri e me lembrei de que a existência de lobisomens não era do conhecimento de todos.

-Lobisomens. São como humanos, mas podem se transformar em lobos quando bem entendem. São dessa região, para ser mais exata de alguns quilômetros dessa cidade. E nós somos aliados, por mais estranho que pareça.

-E quantos deles são?

Olhei para ele para conferir quantos estavam lá. Só Rafael e Philip estavam lá, Camily e Bruna, muito provavelmente, estavam patrulhando.

-Quatro. Aqueles são os dois garotos, as outras duas devem estar fazendo patrulha. O dia é deles. A noite é nossa. – Percebi que eles estavam com alguns pertences e, talvez, quisessem descarregar.

-Seria ótimo! – Joanne respondeu, animada.

-Ótimo, Beta, veja se tem espaço em algum quarto para eles, por favor. – Ela concordou e foi em direção à escada.

-Venham comigo. – Ela disse e os três foram.

Sentei no lugar que ela estava ocupando antes e olhei para a tela da televisão, sem prestar a menor atenção. Percebi Jones, que estava ao meu lado, ficar mais tenso com a minha aproximação. Não sei por que, mas isso chegava a ser cômico. Ele achava o que? Que eu iria a qualquer momento me virar e experimentar o exótico sangue híbrido? Dentro da minha própria casa? Bem, tomara, pelo menos não iria perturbar a minha paciência.

Lionel entrou, acompanhado de um dos japoneses e de Ricardo, que havia ido patrulhar, mesmo sendo de dia, junto com o seu clã. De acordo com ele, estava frio demais para ficar parado. Acho que o fato dele não sentir frio não significa exatamente nada para ele.

-Volturi, agora que Ricardo chegou, talvez seja uma boa hora para caçarmos. – O japonês me disse, com seu sotaque forte e sua cortesia causada pela falta de intimidade.

-Como quiserem. Podem ir. E... Andreas, talvez seja melhor você ir junto. – Eu disse, me virando para o italiano. – Uma carga extra de sangue talvez faça bem.

-É uma boa idéia mesmo. – Fátima concordou.

-Tudo bem, então. – Ele disse, se levantando e se aproximando de Lionel. Logo saíram porta afora.

-Tomem cuidado! – Falei por cima do ombro enquanto eles saíam.

A sala ficou em silêncio, exceto por Kronus e Fátima, que pareciam incapazes de calar a boca por alguns minutos. Eu aguardava ansiosa a volta de Kratos, precisava conferir algumas coisas a respeito de Eleazar com ele. Ele estava demorando mais do que seria habitual, esperava que não tivesse havido nenhum problema. Tirei o pensamento da cabeça, Kratos tinha quase três mil anos, não ia acontecer nada com ele em uma simples caçada. Ele teria um bom motivo para isso, com certeza.

Por volta de dez minutos depois Joanne, Myrtis e Jesse desceram. Os últimos dois em silêncio e, quando chegaram, perguntaram se não poderiam beber qualquer coisa. A geladeira era toda deles, podiam pegar o que quiser. Então Joanne resolveu abrir a boca novamente.

-Onde estão todos? – Eu sabia bem a qual “todos” ela se referia.

-Foram caçar faz uns dez minutos. – Respondi, normalmente. – Devem voltar em umas duas horas ou três.

-Puxa, por que não me esperaram? Eu estou morrendo de sede. – Sem olheiras e com os olhos vermelhos? Não, sede ela não tinha. Mas deixei que continuasse. – Acho que ainda dá para eu alcançá-los. – Ela fez menção de sair, mas eu agi rapidamente.

-Não, não dá. Eles já devem ter aberto uma boa distância e ninguém deve sair sozinho. Além do mais, até encontrá-los pode demorar certo tempo. Não é seguro.

-São apenas dez minutos de diferença, eu tiro isso rápido. – Ela disse, dando de ombros.

-Não é questão de velocidade, é de segurança. Espere o próximo grupo e, se estiver com tanta sede assim, beba algo da geladeira, como Myrtis e o filho. Tenho certeza que você consegue segurar isso por mais um tempo.

Ela me olhou com certo desprezo. Agora sim ela parecia ela mesma. A sensação de ter que me obedecer para ela deveria ser pior do que a morte, mas não havia nada que ela pudesse fazer contra isso. Assisti triunfante ela fazer seu caminho para a cozinha. Quando ela sumiu fiz uma careta na direção, o que fez Fátima e Giacomo olharem uma para a outra e começarem a rir.

-Qual a graça? – Perguntei, mal humorada.

-É que, depois de tanto tempo, você ainda tem ciúmes dela. – Giacomo falou, baixo, entre risos. Ciúmes? Cuma?

-Eu, com ciúmes? Vocês andaram bebendo ou algo do tipo? Ciúmes de que, tresloucados?

-Giuliet... – Começou Fátima, segurando-se para não voltar a rir, e falando como se eu fosse uma criança. – Qual foi a única coisa que te deixou irada de ciúmes a sua vida inteira? Não se faça de sonsa, você sabe do que a gente está falando. – Elas voltaram a rir e bufei.

-Vocês são doentes. Eu não deixei pelo óbvio, é perigoso sair na rua sozinho por enquanto.

-Kratos foi sozinho. – Kronus falou, se jogando no meio da conversa.

-Kratos tem milhares de anos! Qual o problema de vocês?

-Bem, Kratos não vai dar em cima de Andreas na primeira oportunidade que tiver. – Giacomo falou, inclinando-se na poltrona, ainda rindo um pouco.

-Sério, desisto de vocês, não dá para manter um diálogo sensato enquanto vocês falam besteiras. Desisto, tchau pra vocês. – Levantei e fui para a varanda, longe deles.

Eu não estava com ciúmes, qual era o problema deles?

Não tive muito tempo exatamente para relaxar na varanda porque, para minha surpresa, Benjamin saiu do porão, andando. Todo torto e com cara de dor, mais saiu. Estava sem camisa e eu pude ver que seus ferimentos já haviam sarado pelo menos parcialmente. Era mais rápido do que eu havia imaginado, se eu soubesse tinha arrumado alguma roupa para ele vestir. Mas ele precisava se limpar antes, de qualquer forma. Deu uma olhada nos lobos que estavam lá na frente, que não repararam na sua presença, concentrados. Ele veio na minha direção, cambaleante, mas eu nem me movi.

-Será que eu poderia me limpar em algum lugar? – Ele perguntou, a voz mais forte do que estivera um pouco antes.

-Existem chuveiros aqui dentro e um riacho se você andar um pouco ali para frente.

-Acho que eu vou ficar com o chuveiro.

-Ótimo. – Virei para o interior da casa. – Kronus, acompanhe este senhor para um chuveiro qualquer e veja se consegue algo para ele vestir.

-Ok. – Ele respondeu, sem muito interesse.

-Agora vai lá pra dentro e se vire. – Respondi, seca, e ele fez que sim com a cabeça antes de entrar.

Por mais que eu tentasse, acho que eu não conseguiria confiar em Benjamin novamente. Talvez fosse a diferença entre espécies ou minha teimosia, mas eu não o via como alguém para se confiar. Tudo dependeria de Kratos, das respostas que ele me daria. Ouvi um pequeno barulho de onde Ashley estava, no segundo andar, e me perguntei o que diabos ele estava fazendo que não havia voltado ainda.

Não tive, novamente, muito tempo para refletir a respeito. Andreas e Lionel entraram como loucos na campina, chegando a assustar os lobos. Levantei da cadeira na hora, sabendo que algo tinha dado errado.

-Giuliet, você precisa vir conosco, rápido! – Andreas falou, parando e acenando para eu me aproximar. Sua expressão não era nada boa.

-O que aconteceu? – Perguntei, enquanto chegava perto.

-Vai entender tudo no caminho, venha. – Ele disse e nós três começamos a correr.

-Onde estão os outros?

-Foram caçar. Dissemos que depois iríamos. Nos separamos porque achamos algo suspeito. – Lionel explicou.

-O que?

-Cinzas. – O ruivo falou, com a voz mórbida, e senti um peso no peito com isso.

Corremos pelo meio da floresta, eu entre os dois, e a cada passo que dávamos eu sentia como se um peso crescesse e se colocasse nas minhas costas. Mas nada, nada mesmo, podia ser pior do que o que eu encontrei.

Começou com pedaços de cinzas. Poucas coisas, um pequeno amontoado aqui, outro ali, fazendo um rastro. Olhei para Andreas, o interrogando, mas se ele viu me ignorou. Tinha algo no jeito dele que estava me preocupando mais ainda. Ele sabia o que havia no fim daquele rastro e, por algum motivo, não queria me contar. Tentei identificar pelo perfume, mas haviam muitos misturados. Minha droga de habilidade olfativa nunca havia me dado tanta raiva. E então chegamos e eu vi.

Havia um corpo totalmente mutilado, praticamente só o tronco, a cabeça e o braço esquerdo, sem os dedos, se retorcendo de dor. Estava sujo e eu demorei para reconhecer, até seja lá quem fosse aquilo grunhir e eu perder a respiração. Kratos.

Corri e me ajoelhei ao seu lado, sem saber o que fazer. Ele sentia tanta dor que não percebeu a minha presença. Quando minha mente começou a funcionar minimamente novamente, lembrei que eu podia resolver isso. Enquanto estava com Eleazar, aprendi a separar todas as habilidades do meu poder e poderia, então, apagar apenas um sentido. E assim eliminei o tato do grego, o que fez o que restou de seu corpo relaxar. Ele me encarou com os olhos sem vida.

-Kratos... – Eu não sabia o que fazer. – O... o que aconteceu com você?

-Jason. – Ele falava mal pela falta do tato, mas pelo menos conseguia falar.

-Ele veio até aqui?

-Capangas. Um loiro com cara de idiota.

Christopher. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça. Ele havia feito isso sozinho com Kratos?

-Ele estava sozinho?

-Não. Cinco.

-Cinco, certo. – Respirei fundo e clareei minha mente. – Vamos te levar para a casa e vai ficar tudo bem, vamos cui...

-Não! – Ele grunhiu, seu olhar estava urgente. – Não vou voltar. Eu...

Ele começou a ter muita dificuldade para falar, talvez ainda estivesse sentindo alguma coisa. O levantei do chão, ainda ajoelhada, o segurando nos braços para ouvir melhor. Andreas ajoelhou ao meu lado, como se quisesse fazer algo e não soubesse bem. Lionel era uma pedra, totalmente imóvel.

-Eu... não posso voltar. Não quero que Ashley me veja assim. – Eu poderia ter rido disso.

-Acho que ela vai se importar com a sua vida, não com como você se parece.

-Não, você não entende... eu... eu não tenho mais vida, eles deveriam ter... me matado. – Seus olhos ficavam cada vez mais sem vida, mesmo que eu achasse impossível.

-Ótimo que não te mataram! Agora vamos voltar. Ashley te ama, Kratos, para de idiotice.

-Por isso que não posso. Eu tenho que morrer, eu não sou um humano que pode esperar a hora da morte. – Ele respirou fundo, retomando o fôlego. – Eu não vou passar o resto da eternidade como... como peso de papel. E eu quero que a última memória minha dela seja eu vivo e forte. Eu não quero que ela me veja assim. – A voz, muito fraca, havia atingido um fervor quase doentio.

-E o que você espera que eu fa... – Então eu entendi. Ele queria que eu o matasse. – Não, Kratos, você não pode me pedir isso.

-Por favor... por tudo que eu te ajudei, por todos esses anos que temos ajudado uns aos outros. Por favor.

Olhei para Andreas, totalmente perdida. Ele me encarou sério, e havia algo nos seus olhos, não era a mesma expressão de antes. Ele parecia ter compreendido, ter entendido o que Kratos passava. Ao contrário de mim, é claro. Algo no jeito que ele me olhou me deu segurança, e, quando ele acenou com a cabeça, para que eu ouvisse Kratos, eu quase me convenci. Olhei novamente para Kratos e encarei seu rosto resignado.

-Você tem certeza disso? – Percebi que minha voz não tinha emoção nenhuma. Eu estava entrando novamente no módulo frio. Percebi que sem ele eu não conseguiria fazer aquilo.

-Sim. Antes disso... diga para Ashley que eu... – Ele parou de falar, como se pensasse. – Diga a ela que eu a amo e que, independente do que aconteceu comigo, ela tem que seguir em frente. – Suspirei tristemente ao ouvir isso. Por que eles têm essa mania de achar que nós conseguimos seguir tem frente depois que eles resolvem que chegou a hora de morrer?

-Eu direi, Kratos, eu direi. E, obrigada por tudo. Eu nunca vou poder agradecer tudo que você fez por mim. – Eu falei, com a voz embargada.

-Olha a palhaçada, Giuliet, e resolve isso logo. – Ele disse, mas em meio à dor, me deu um pequeno sorriso, que só me partiu mais um pouco.

-Boa noite, Kratos. – Falei, a voz ainda fraca e embargada.

-Boa noite. – Ele respondeu, a voz agora estava muito calma. Ele fechou os olhos, pronto.

Apaguei o resto dos seus sentidos e fiquei um tempo parada, tentando convencer a mim mesma que teria que fazer aquilo.

-Andreas... me ajuda, eu não vou conseguir fazer isso sozinha. – Pedi ao vampiro ao meu lado, que tirou Kratos dos meus braços na hora.

O mais gentilmente que conseguíamos, fomos o separando e, quando já estava em um ponto o suficiente para ser queimado, peguei o isqueiro, acendi e, como se fosse possível, tentei gentilmente acender a fogueira. As chamas arroxeadas subiram. Era tarde demais para ele, agora. Mesmo sabendo que havia sido uma escolha dele, eu me senti tão mal que achei que estava enjoada. O cheiro da fogueira não ajudava e senti uma mão segurar meu ombro, gentil.

-Não há mais nada que possamos fazer, vamos embora. – Disse Andreas, cauteloso.

Fiz que sim e me afastei, deixando o fogo para trás. Voltamos em silêncio, correndo porque sabíamos que era perigoso ficar em grupos pequenos. Eu estava totalmente fora do ar, bem ou mal Kratos havia sido uma espécie de guia. Além de um amigo. Minha cabeça só pensava em Ashley e em como ela reagiria. Eu sabia exatamente como ela se sentiria e não queria ser eu a dar a notícia, mas não havia escolha. Christopher iria pagar muito caro por aquilo, ou eu não era eu.

A casa chegou mais rápido do que eu queria. Nós três entramos e encontramos algumas pessoas na sala, mas não tive cabeça para prestar atenção em quem eram. Eu só via Ashley na poltrona, conversando animada com Hecate. Essa segunda, quando nos olhou entrar, percebeu que havia algo errado.

-O que aconteceu? – Ela perguntou, a voz preocupada. – Giuliet, por que você está com essa cara?

-Ashley... – Comecei a falar e precisei de muita força de vontade para minha voz não sumir. – Nós precisamos conversar. – Ela se levantou no momento que eu falei isso.

-Aconteceu alguma coisa? – Ela perguntou, mas não tão preocupada assim. Ela não fazia a menor idéia. Acho que ela nunca imaginou que algo pudesse acontecer com Kratos.

-Aconteceu. – Respirei fundo antes de começar a falar. – Foi Kratos. – Minha voz era quase morta e sem emoção. Ela pareceu ficar verde quando eu disse isso.

-O que tem ele? – Agora havia nervosismo em sua voz. – Ele se machucou?

-Nós o encontramos no meio da floresta, quase que totalmente desmembrado. – Vi o seu olho arregalar enquanto eu falava. – Ele estava sentindo muita dor e me implorou para... para acabar com a dor dele.

-Então você o apagou para ele conseguir se curar em paz? – Ela estava se agarrando a uma esperança fraca, mas eu percebi que era tudo que restava para ela.

-Não, Ashley. Ele está morto.

Parecia que, por alguns segundos, o mundo inteiro tinha se calado. Ela congelou onde estava e, por um momento, me perguntei se seria capaz de se mover novamente. Quando ela não se moveu, achei que fosse melhor eu continuar a falar.

-Ele disse que não havia mais uma vida possível para ele em vida, que já havia chegado a hora. E me pediu para te dizer que ele te ama e que, independente das escolhas que ele fez, você deve seguir em frente. Foi o último pedido dele para você.

Ela caiu sentada na poltrona novamente, em silêncio. Todo o resto eram estátuas, mal respiravam. Vi quando Lionel saiu para a varanda, não querendo mais assistir. Alguns também foram para o segundo andar. Só sei que, no final das contas, só haviam sobrado na sala eu, Andreas, Hecate e Lizzie. Ashley continuava totalmente paralisada, nem sequer respirava. Eu sabia muito bem o que estava acontecendo dentro dela, como todas os seus planos e os seus desejos se despedaçavam.

-Giuliet... – Ela começou a falar, a voz cheia de emoção. – Você fez o que ele pediu quando ele disse que não havia mais vida para ele, certo?

-Sim. – Respondi, sem entender bem.

-Então quero que faça o mesmo comigo. Não há vida para mim mais.

Suspirei e me ajoelhei ao lado da poltrona. Ela me encarou e, quando olhei em seus olhos, vi uma destruição tão grande que me fez mal. Talvez por isso que, na noite em que achamos que Andreas havia morrido, Hecate foi incapaz de me dar a notícia olhando para mim. Era simplesmente impossível sustentar aquilo, mas fiz o melhor que pude.

-Ashley, eu sei que nada que eu falar agora vai servir de qualquer ajuda, mas eu sei exatamente como você está se sentindo. – Falei, suave. – Isso dói, e vai doer por muito tempo antes de começar a melhorar. Por muito tempo você vai achar que não há uma vida sem ele e... – Ah, dane-se que Andreas estava ouvindo. – E vida igual a quando ele era vivo realmente não vai ter, mas ainda vai haver alguma coisa. Na verdade, muitas coisas. Com o tempo você vai se acostumar. Eu não vou te matar, nem tente isso.

-Por favor. – Ela começou a chorar, copiosamente, o choro sem lágrimas. Eu não conseguiria ficar ali muito mais tempo.

-Não. E ninguém vai fazer isso.

Ela abaixou a cabeça e continuou a chorar. Hecate a abraçou e tentou acalmá-la, ela estava começando a entrar em estado de choque. Levantei e Hecate acenou com a cabeça, dizendo que poderia deixar com ela. Acenei de volta e comecei a sair pela porta. O Sol acabava de se por e eu provavelmente chegaria onde eu queria quando já estivesse escuro. Antes que eu pudesse sair, Andreas me segurou pelo braço.

-Aonde você vai? – Ele perguntou, urgente.

-Eu preciso ficar sozinha para pensar. Não consigo ficar aqui dentro.

-É perigoso sair.

-Eles não me querem mortos agora. – Falei mais baixo, para que só ele ouvisse. – Isso foi para me assustar. Eles sabem que se me matarem não vão ter nenhum progresso, ainda tem você. Me deixa, por favor.

Eu me arrependi de tê-lo mandado me soltar no momento em que sua mão largou o meu braço, mas eu tinha que me controlar. Eu realmente precisava ficar sozinha, onde eu pudesse me equilibrar, e no último lugar que eu conseguiria ficar equilibrada era na presença dele.

Corri, deixando a velocidade me acalmar, até o lugar que queria, o que demorou um pouquinho. Era um grande penhasco, longe de Forks, longe do território dos lobos, longe de tudo. O mar aparecia quando o penhasco acabava. A Lua já estava no céu, sendo refletida pela água. Era uma noite atípica para a época, de céu claro. Em Forks nunca havia céu claro, era ótimo poder observar as estrelas novamente. A luz da lua era tão forte que, em encontro com a minha pele, reproduzia algo semelhante ao brilho causado pelo Sol, só que ao invés do tom dourado, havia o tom prateado. Não era muito forte.

Sentei na beirada do penhasco, minhas pernas penduradas no vazio. O som das ondas batendo nas pedras era relaxante e, aos poucos, minha mente conseguiu se acalmar. Em partes, porque havia milhares de coisas tirando a paz dos meus pensamentos. Jason, Christopher, Kratos, Andreas... Tudo se misturava e se tornava uma névoa na minha mente. Eu não conseguia focar em nada. Só em uma coisa. O olhar de Ashley, o modo como em segundos ela havia se quebrado. Quando a olhei nos olhos, não foi ela que eu vi, e sim eu mesma, séculos atrás. Eu havia dito a ela que melhoraria, mas quem eu estava querendo enganar? Não havia melhorado em nada, eu só havia me habituado. Agora, com o mundo nas minhas costas, eu me sentia tão partida, tão fraca, que duvidava da minha capacidade de seguir em frente.

Ouvi seus passos longe, tentando se aproximar sem ser percebido. Idiota, eu perceberia ele mesmo que ele flutuasse.

-Achei que havia dito que queria ficar sozinha. – Falei, sem esperar ele chegar direito.

-Eu não acreditei. – Andreas disse, chegando do meu lado e se sentando.

-Então creio que tenha se enganado. – Ele bufou com a minha resposta.

-Giuliet, me repelir não vai tornar as coisas mais fáceis para você. – Apesar do tom de impaciência, sua voz era doce.

-Nada vai tornar as coisas mais fáceis para mim. Nada mesmo. – Minha voz soou amarga e eu olhei para baixo, para o mar. 

Ele ficou um tempo em silêncio, como se me medisse. Depois de um tempo, resolveu falar. Sua voz estava incerta, como se tivesse medo da resposta que poderia ganhar.

-Aquilo que você falou mais cedo para Ashley. – Ele não fez uma pergunta, foi estranho.

-Sobre o que ela ia passar? – Tentei confirmar.

-Isso. – Ele falou, ainda mais inseguro. – Aquilo era verdade?

-Cada palavra. – Dei um sorriso triste. – Exceto a parte de que vai ficar melhor com o tempo.

-E não fica?

-Não. Você só habitua com a dor.

-Eu passei a maior parte do tempo dopado demais para minha mente funcionar. – Ele focou no horizonte, longe. – Mas, nos momentos em que eu conseguia o mínimo de lucidez, eu me sentia... tão vazio, tão desacreditado. Não era por estar preso, isso era o de menos. Acho que a esperança de você continuar viva do lado de fora foi a única coisa que me manteve são.

-Acho que devo dizer a mesma coisa a respeito da promessa que fiz a você. Você queria que eu comandasse, e foi o que eu fiz. Foi a única coisa que me impediu de me perder completamente.

-Acho que acabamos, indiretamente, mantendo vivos um ao outro. – Ele deu uma risada sem humor.

-Hoje, quando vi Kratos pedindo para morrer... Foi uma das piores coisas que eu vi. – Comecei a deixar transparecer todo o meu nervosismo. – E se fosse alguém do clã? Se fosse Beta? Se fosse você? Eu não sei se eu tenho forças para viver aquilo de novo, não! – Minha voz havia embargado, mas, como sempre, consegui me controlar.

Até algo inesperado acontecer.

Andreas me puxou para perto e me abraçou. Antes que minha mente pudesse assimilar o que estava acontecendo, meu corpo já havia retribuído o abraço e me aninhado nele. Escondi o rosto em seu peito, sem querer olhar para nada. Seus braços me cercavam e, pela primeira vez em mais de trezentos e cinqüenta anos, eu me senti segura, de verdade. Nada poderia me atingir enquanto eu estivesse naqueles braços. Como eu havia conseguido passar tanto tempo sem aquele sentimento de segurança? Foi só então que eu pude dimensionar o tamanho da saudade que eu tinha dele. E não é o tipo da coisa que eu poderia definir com palavras, era grande demais para isso. Esses sentimentos eram o gatilho que faltava para eu desabar, deixando cair por terra sentimentos escondidos de séculos. Quando deu por mim estava chorando, copiosamente, soluçando em seu peito. Ele não falou nada, só me trouxe para mais perto.  Segurei-me a ele como se quisesse impedi-lo de partir, afinal de contas, eu ainda esperava que ele fosse desaparecer a qualquer momento. 

E eu chorava. A última vez que eu me lembrava de chorar era enquanto humana, por um motivo a muito perdido. Depois disso eu vim carregando tudo, todas as minhas frustrações, todas as minhas infelicidades, todas as minhas dores. Não só minhas, mas de todos ao meu redor. Eu sempre fui aquela que agüentava qualquer coisa, que tentava resolver. Mas ali eu era apenas uma pessoa totalmente despedaçada e desesperada. Chorei pelo tempo que pode ter durado horas ou minutos, eu não saberia dimensionar. Andreas não deu nenhum sinal de impaciência, pelo contrário. Parecia me induzir a botar tudo para fora, e era exatamente o que eu fazia. Cheguei a me perguntar, dado determinado momento, se seria capaz de parar de me acabar pateticamente. Mas, depois de certo tempo, eu comecei a me acalmar. Quando já estava bem mais calma, mas ainda sem parar de chorar, Andreas me afastou um pouco e, delicadamente, levantou meu rosto, me fazendo olhar para ele.

-Eu sei que é difícil, mas você não precisa agüentar tudo sozinha. Não mais.

Ele aproximou seu rosto do meu e tocou nossos lábios, hesitante, como se testasse o canal. Depois ficou mais confiante e eu acabei retribuindo, não tendo forças para lutar contra isso. Que se danasse a guerra, que se danasse o resto do mundo. Tudo que eu precisava naquele momento era dele perto de mim e nada mais. Isso despertou em mim sentimentos que estavam há muito adormecidos, sentimentos que eu nem sequer lembrava que existiam. Abracei seu pescoço e o trouxe para mais perto de mim, o mais perto o possível. Eu não queria que ele se afastasse mais, nunca mais.

Então me dei conta de que eu não poderia ter despertado nada daquilo. Eu não podia mandar a guerra ir se danar, ela ia continuar existindo. E se... E se, depois de sentir tudo aquilo novamente, eu fosse obrigada a lidar com a perda novamente? Na melhor das hipóteses eu me tornaria um monstro muito pior do que o de antes.

Pensar nisso me fez me separar dele, mas ele me segurou e não deixou me afastar. Sua testa tocava a minha, estávamos perto demais para eu pensar com clareza.

-O que houve? – Ele perguntou, sussurrando.

-Eu não posso... Se acontecer algo com você de novo eu... eu não vou conseguir.

Ele suspirou e, quando abri os olhos, ele estava me encarando. Me perdi na dimensão do seu olhar, eu não conseguia evitar.

-Giuliet, eu não vou a lugar nenhum. Eu vou ficar bem.

-Foi o que você disse da última vez.

Ele suspirou novamente, soltou um reprovativo estalar de língua e me trouxe para o seu colo de novo. Mais uma vez me aninhei lá, fraca demais para fazer outra coisa.

-Eu me entreguei daquela vez para que você ficasse viva. De qualquer outro modo, você morreria. Eu não podia permitir isso. – Ele me abraçou mais apertado. – Mas agora eu não vou precisar fazer isso. Você não precisa mais de proteção.

-Acho que, no momento, preciso. – Eu sussurrei, mais para mim do que para ele.

Ele sorriu e, sem me soltar, encarou novamente o horizonte iluminado.


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Notas finais do capítulo

Faz, no mínimo, 6 meses que eu espero para escrever essa última cena. Na boa, finalmente. SHAUSHUASHUASH'



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