Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth escrita por G_bookreader


Capítulo 30
Descontrole




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/148283/chapter/30

Reuni todos o mais breve o possível na sala de estar, pelo início da noite. Estavam todos distribuídos pelo sofá e pelas poltronas, apenas Kronus e Fátima sentados no chão, recostados na parede. Um ao lado do outro. Bem ao lado. Giacomo de vez em quando lançava um olhar de esguelha, portanto ele também havia percebido. Mas isso não vinha ao caso agora.

Kratos estava no porão, eu havia pedido, discretamente, para que ele não continuasse temporariamente com as agressões por causa dos lobos que também estavam reunidos na sala, só que mais próximos da porta. Eu tinha medo da reação que eles poderiam ter caso ouvissem os gritos de Benjamin. Nunca se sabe o quão distante pode ir o que eles chamam de “irmandade de lobo”. Só que Kratos estava empapado de sangue e preferiu partir para outra estratégia por um momento, continuando a trabalhar. Nem olhei na direção de Benjamin sabendo que, se Kratos estava naquele estado, eu nem queria imaginar o estado dele.

E, no meio do pessoal do sofá, de Fátima e Kronus na parece, de Beta e Jones na escada e os lobos de pé perto da porta estava eu, com a mente a mil milhas por hora.

-Então, Camily, conte-nos o que vocês acharam. – Pedi, dando início a reunião bizarra.

-Rastros. Na verdade, rastro de um vampiro só, em vários lugares da cidade. E eu tenho quase certeza que senti esse cheiro em Londres em algum lugar.

-Certo. Isso significa que já estão começando a mover os pauzinhos para começar o conflito. Conversei com Kratos mais cedo e ele me alertou ao fato de que Jason pode ter alguns soldados que o sirvam. Precisamos, então, nos comunicar com todos os vampiros que conhecemos e tentar convencê-los a ficar do nosso lado. Hecate, pode fazer isso? – Peço e ela se levanta automaticamente.

-Sim, vou fazer isso agora. – Ela diz, logo depois subindo as escadas rapidamente.

-Ótimo. Agora temos que nos separar em patrulhas enquanto os reforços não chegam. Para isso precisaremos de um ponto para nos estabelecer. Todos nós. – Falei encarando os lobos. Camily deu de ombros.

-Podemos ficar em volta daqui por enquanto. – Ela disse, calmamente.

-Pode ser, mas lembrem-se de que estamos em guerra e podem acontecer coisas que desagradem vocês.

-Por exemplo?

-Vão vir mais vampiros, o que significa mais consumo de energia. Precisamos nos alimentar, temos que ficar o mais fortes o possível para lutar. Vou tentar convencê-los a não atacar nenhum morador de Forks, mas pode ser que haja problemas.

-Se isso acontecer, então realmente será um problema. – Philip resmungou, cruzando os braços.

-Eu sei, vou fazer o possível. Eu não quero motes em massa muito mais do que vocês, até porque seria um problema por conta de imprensa e...

Fui cortada pelo berro cortante vindo do porão. Kratos havia recomeçado mais cedo do que eu gostaria e, pelo visto, muito mais empolgado. Os lobos se sobressaltaram e olharam para fora, procurando lá. Com outro berro perceberam de onde vinha e nos olharam confusos. Menos Camily, ela já havia entendido o que era.

-Vocês estão torturando ele? – Ela perguntou, um pouco nervosa.

-Ele não quer falar por bem, não nos deixou opção. – Expliquei calmamente.

-Ele é um de nós, talvez nós conseguíssemos. Não pode torturá-lo simplesmente.

-Benjamin não é um de vocês. Ele é um lobisomem crescido na Europa, que nunca havia voltado para o lugar de origem e, principalmente, viveu séculos com o nosso maior inimigo. Ele pode influenciar vocês a qualquer coisa e, por isso, ele é um prisioneiro como um vampiro qualquer seria. Ele vai falar por bem ou por mal.

-Mas...

-Estamos no meio de uma guerra. – Não deixei que ela continuasse. – E em guerras temos que tomar todas as medidas necessárias. Não importa quais medidas sejam. E seria muito bom se vocês não interferissem nesses tipos de decisão.

-Então deixa a gente falar com ele, nunca se sabe.

-Vocês não vão entrar naquele porão! – Perdi a paciência e, percebendo isso, respirei fundo, tentando me acalmar.

-Tudo bem, tudo bem, não adianta a gente brigar agora. – Camily disse, aparentemente desistindo. – Só que nós não concordamos.

-Não precisam concordar. – Respondi bruscamente. – Continuando de onde paramos, a patrulha da noite pode ficar conosco enquanto, durante o dia é de vocês. Podem dormir aqui, se preferirem.

Eles concordaram e me virei para os meus vampiros, pronta para passar algumas instruções a eles.

-Matt, talvez seja melhor trazer Karine para cá. Eles pkdem tentar alguma coisa com ela. Não acho que seja provável, mas tudo é possível. Se quiser ir buscá-la agora, fique a vontade.

-Vou fazer isso. – Ele disse, se levantando e saindo pela porta.

-Beta e Jones. – Disse olhando na direção deles. – Vocês não vão participar de nenhum tipo de batalha. Ficarão vigiando Karine e, se por algum motivo algo der errado, tentarão entrar em contato com algum de nós. Jones, talvez tentem te levar de volta, então fique de olho.

-Eu acho que posso lutar, mãe. – Beta sugeriu, calmamente. Ela achou realmente que eu iria levar essa hipótese em consideração?

-Nem sonhe com isso. Fique com Jones e Karine, bem segura, e já estará ajudando o suficiente.

Ela cruzou os braços e fechou a cara. Preferia ela de cara fechada do que com o corpo aberto em feridas e mordidas. Jones fez que sim com a cabeça e eu dei essa parte do assunto por encerrado.

-Os outros vão patrulhar durante a noite, menos Hecate, que ficará fazendo contato com outros vampiros, eu, que ficarei tomando conta do terreno e Andreas, que ainda não está em condições. E agora e só esperar o que pode, eventualmente, acontecer. Ninguém sai sozinho para ir a lugar nenhum. Para caçar irão, no mínimo, em duplas, o mesmo para fazer qualquer coisa na cidade. Todos entenderam?

Eles concordaram, muito quietos. Eu pude sentir a tensão do momento tomar conta do ambiente de forma depressiva e não havia nada que eu pudesse fazer. Só sabia que aquilo tendia a crescer com a chegada de mais vampiros.

-Nós podemos ficar vigiando no quintal. Para nós é mais agradável do que ficar aqui dentro. – Sugeriu Camily. Aquilo era uma boa idéia, finalmente.

-Façam como preferirem.

Eles saíram para a floresta e voltaram logo depois em forma de lobo, deitando-se na penumbra causada pelas luzes da casa. Apenas o lobo castanho e branco andava de um lado para o outro, inquieto. Cada grito de Benjamin parecia deixa-la mais inquieta e mais agitada e isso não me agradava. Droga, eu também preferia que não fosse assim. Se as coisas fossem como eu queria haveria um certo lobo negro correndo ao lado deles, mas eu não podia confiar em Benjamin a ponto de libertá-lo. Eu tinha pessoas a proteger, minha família estava em jogo. O mundo inteiro estava em jogo, e teria que ser assim.

Alguns minutos se passaram até Matt chegar com Karine nas costas, o cabelo da menina todo bagunçado pelo vento da corrida. Ele a colocou no chão na metade do quintal e ela olhou de relance para os lobos, que mal repararam na presença dela. Eu me peguei pensando em o que ela, como humana, pensaria disso tudo. Não tive exatamente muito tempo para pensar a respeito disso porque, assim que ela cruzou a porta e o cheiro dela invadiu a sala, o caos se instalou. Eu havia esquecido de um detalhe muito importante: Andreas não caçava havia trezentos e cinqüenta anos.Estava sendo alimentado com sangue de saco, que o deixava gradativamente mais forte, mas não matava a sede. Seu olhos continuavam negros por todo aquele tempo, não importando a quantidade que tomasse. E agora o monstro que havia dentro dele se via com um humano pela frente. Péssima idéia.

Ele se levantou muito rápido, sorte eu ter visto o movimento. Joguei meu peso contra ele, fazendo um estrondo e o empurrando para trás, mas a fera estava sedenta e ele tentava driblar todas as minhas tentativas de segurá-lo. Eu empurrava seu peito para trás e ele lutava para se soltar, a sorte foi ele estar tão fraco. Em uma ocasião comum ele teria me jogado facilmente do outro lado da sala. Giacomo chegou, acompanhado de Kronus, e cada um segurou um braço de Andreas. Eu continuei pressionando seu peito para trás, enquanto ele continuava forçando. Tive a oportunidade de olhar para trás e ver que Matt usava seu corpo como proteção, parado na frente de Karine, que se escondia atrás do corpo musculoso do namorado. O olhar de Matt era quase assassino, observando cada mínimo movimento de Andreas detalhadamente.

-Matt, leve ela lá para cima, agora! – Falei por cima do ombro e ele o fez no mesmo momento. Andreas continuava se debatendo.

Segurei seu rosto, forçando-o a olhar para mim. Ele não tinha forças para lutar, então não tinha outra opção a não ser focar, parcialmente, em mim.

-Andreas, você perdeu o controle. – Usei a voz mais suave que eu conseguia. – Você não pode machucá-la, você não quer fazer isso. Você consegue lutar com isso, não irá atacá-la.

Continuei falando coisas do tipo e ele foi se acalmando, parando ao pouco de lutar. Em certo momento ele relaxou o corpo, mas os outros dois não largaram, preocupados com mais alguma reação inesperada. Eu achava que ele já estava controlado o suficiente.

-Podem soltá-lo. – Eu disse, fazendo isso eu mesma. Quando se viu livre, seu corpo tensionou, como se tivesse medo do próprio corpo. Não me afastei, ainda preocupada. – Você vai caçar. Agora.

-Eu perdi o controle. – Sua voz tinha um remorso tão grande que era de partir o coração. Bem, pelo menos de partir o meu, porque eu duvidava que fosse funcionar com Matt. – Eu não pretendi...

-Eu sei que não, não foi sua culpa. Está tudo bem. Já passou da hora de alguém te levar para caçar, vai lá e as coisas se resolvem. – Afastei dele dois passos e olhei para os outros. – Giacomo, leve-o.

-Giuliet, talvez seja melhor você ir com ele. – Lizzie sugeriu, sentada no sofá. – Desde que chegamos você não caçou e, pelo visto, já não tinha feito isso direito antes. Suas olheiras estão quase tão negras quanto seus olhos. Você precisa ficar forte.

-Eu não posso sair agora, e ele precisa caçar. – Falei, teimando bravamente.

-Concordo com a sua irmã. – Falou Fátima, que parecia um pouco assustada com a cena que havia ocorrido minutos atrás. – Se estamos realmente a beira de uma luta, você não pode estar com sua mente desviada para a sede.

-Gente, vocês não estão entendendo eu não posso... – Fui cortada por Hecate, que descia as escadas.

-Pode sim, você não tem nada o que fazer aqui. Todos nós já estamos alimentados, menos você. Já consegui falar com algumas pessoas, as mais certas, e já estão a caminho. Agora é só esperar, se você não caçar, vamos ter problemas. Portanto, vai logo. – Ela disse, cruzando os braços e, dessa forma, me dando ordens. Abri a boca para discutir, mas não consegui. – Não, você vai sim. Precisamos de gente com o cérebro funcionando. E vai logo. – A encarei incrédula e ela deu um sorriso debochado. – Viu? Eu aprendi rápido. Mas sério, vai.

Revirei os olhos para a cena patética. Estavam me obrigando a ir caçar como se eu fosse uma criança teimosa. Eu odiava quando resolviam fazer algo desse tipo. Odiava muito.

-Tudo bem, vamos embora então. Já que eu não posso escolher se devo ficar em casa ou não. – Sinalizei para Andreas me seguir e ele, andando desajeitadamente pela fraqueza da sede. Senti certo alívio ao vê-lo andando melhor do que antes e, muito provavelmente, estaria em perfeito estado em breve.

Calmamente descemos para a garagem, em um silêncio sepulcral. Eu sabia que ele estava transtornado pelo que acontecera e também sabia que nada que eu dissesse ia tirar isso de sua cabeça. Quando cheguei ao lado do carro, ele ficou parado o encarando.

-Que coisa é essa? – Ele olhou ao redor, para os outros carros. – Ou devo dizer, que coisas são essas?

Havia esquecido que ele nunca tinha visto nenhum carro. Bem, não tinha tempo para isso agora.

-Só entre do outro lado e depois te explico. Ah, e quando for fechar a porta, por favor, seja sutil. – Entrei no carro e ele fez a mesma coisa do outro lado. Quando se sentou no banco de couro e fechou a porta, olhou para o interior estarrecido. Quando as luzes do painel se acenderam então eu vi em seu semblante um encantamento temeroso. Em outras ocasiões eu teria rido. O rádio começou a tocar música clássica, Vivaldi, e ele encarou o rádio.

-Eu vou demorar muito tempo para me atualizar. – Comentou, distraído.

-Esse século tem um certo requinte quando se trata de conforto.

Arranquei com o carro e ele ficou em silêncio, encarando a paisagem escura pela janela. Em pouco tempo voltou a falar, com a voz baixa.

-Aquilo que aconteceu... eu não pretendi, eu... eu não sei o que me aconteceu.

-Aquilo não foi sua culpa. Você não se alimenta devidamente há séculos. Eu devia ter imaginado que uma humana no mesmo ambiente poderia causar isso, você não tem nada a ver com isso. – Ele se calou novamente, mas eu vi que não estava contentado. Suspirei, lembrando do quão teimoso ele podia ser em certas ocasiões. – Andreas... Não seja tão duro consigo mesmo. Veja tudo que você tem passado, por todos esses anos. É de se esperar que o vampiro que se sacrificou por séculos tenha alguns problemas. Dê um desconto a si mesmo.

-Aquele rapaz não pensa assim.

-Claro que não, ele estava preocupado em defender a menina, está nervoso. E ele não é muito chegado em pensamentos racionais. Quando voltarmos, converso com ele e vai ficar tudo bem.

Depois disso houve novamente um silêncio, que começava a ficar constrangedor. Teríamos que atravessar uma parte de Forks para chegar até a estrada para Seattle e isso poderia ser um problema. Por isso, quando nos aproximamos da cidade, pedi a Andreas que prendesse a respiração, o que ele fez. Acontece que não caçamos apenas com o olfato, envolve um pouco dos outros sentidos. Olfato, na verdade, era só um agravante. E quando as pessoas começaram a aparecer na beira do caminho, Andreas travou o corpo, tensionando cada músculo tentando impedir o próprio movimento. Meu maior medo é que ele não conseguisse se controlar o tempo necessário, o que terminaria em uma tragédia. E pior, em uma guerra paralela a que já vivíamos. Eu não podia deixar isso acontecer.

Automaticamente levei a minha mão direita ao seu pulso, dando um aperto com uma certa força, mas não muita. Ele fazia tanta força para se segurar que os braços tremiam, tensos.

-Calma, você não vai atacar ninguém. – Falei suavemente, em momento nenhum libertando seu pulso esquerdo.

De alguma forma ele pareceu um pouco mais controlado e, nessa forma, passamos por dentro de Forks o mais rápido o possível. Quando a estrada voltou e não havia mais transeuntes na via, ele relaxou e eu o soltei. Acelerei o máximo que podia para chegarmos logo a Seattle. Agora que eu havia parado para reparar, minha garganta ardia infernalmente. Seria melhor que eu me alimentasse direito mesmo, eles estavam certos no final das contas.

Quando chegamos a Seattle, me dirigi rapidamente para o subúrbio. Lá era bem mais fácil achar vítimas certas e que causariam menos peso na consciência no futuro. Os olhos de Andreas estavam vidrados nos prédios e em qualquer coisa que brilhasse. Considerando que estávamos em uma cidade grande cheia de luzes, muita coisa brilhava. Estacionei em uma rua deserta e saímos do carro, agindo normalmente. Olhei para os dois lados da rua, procurando câmeras e analisando se haviam pessoas olhando. Nada, já era tarde e não havia muita gente na rua, o que facilitaria escolher as vítimas certas. Sinalizei para Andreas se aproximar e comecei a escalar o prédio, ele veio logo atrás, sem falar nada. Quando chegamos lá em cima o ar estava menos carregado do perfume humano, mas em grandes aglomerados o cheiro era muito forte. Andreas parecia estar suportando bem, talvez porque soubesse que não haveria grande dano perdendo o controle em um lugar daqueles.

Não demorou muito avistei dois homens bêbados jogados ao lado de uma lata de lixo, mal conseguindo se mover. Estavam mal vestidos e um pouco machucados, sinal de alguma briga recente.

-Vai. – Sussurrei para Andreas e, quando ele os avistou, desceu do prédio como um raio. Eu fiquei olhando tudo de cima.

Eu o havia visto caçar muito poucas vezes antes. Na verdade, se alimentar eu nunca tinha visto, porque normalmente nos separávamos para fazer isso. Ele jogou o primeiro contra a parede e mordeu o pescoço, sugando todo o líquido do interior do homem. O outro estava tão torto que nem sequer reagiu a nada. Tenho minhas dúvidas de que tenha visto o que aconteceu. Assim que Andreas terminou com o primeiro, largou-o para o lado e avançou no segundo, prendendo-o no chão mesmo. Não pude deixar de reparar que ele estava muito mais rápido e forte quando avançou no segundo. Quando o outro já estava morto e seco, ele se levantou, recuando alguns passos e limpando a boca com as costas da mão. Desci e me pus ao seu lado, ele me encarou com os olhos vermelhos rubi. As olheiras de sede haviam quase que desaparecido por completo. Havia um pouco de sangue escorrido no canto da boca, que ele limpou quando apontei.

Empilhei os dois corpos e tirei o isqueiro do bolso, acendendo-o e colocando fogo na roupa dos cadáveres, logo depois guardando o isqueiro novamente. Nos afastamos enquanto o fogo tomava conta dos corpos.

-Melhor? – Perguntei.

-Muito. Esse seu negócio facilita bastante as coisas.

-Isso? – Mostrei o isqueiro e ele concordou. – Isqueiro. Os humanos usam para acender cigarros, sabe, fumo. Mas ele tem suas utilidades auxiliares quando Hecate não está por perto. Agora vamos porque eu ainda tenho que achar alguma coisa para mim, e você faria bem pegando mais alguma coisa.

Começamos a andar e subimos novamente nos prédios. Agora, sem a sede arrebatadora, ele resolveu falar.

-Você ainda tem mania de bêbado? – Ele perguntou, sorrindo.

-Eu não tinha mania de bêbado, eles que apareciam na minha frente. Exatamente como aconteceu agora a pouco. – Falei, me defendendo. Isso só fez ele sorrir mais um pouco.

-Claro, claro... – Ele respondeu e eu tive que revirar os olhos.

Não demorou muito tempo para acharmos mais alguma coisa. Um cara vinha fugindo da polícia, com uma arma na mão, quando conseguiu escapar entrando em um beco escuro antes que os policiais virassem a esquina e o vissem. Os policiais passaram direto, mas eu havia visto.

Em silêncio desci o prédio e fui andando na direção dele. Ele só olhava para a entrada do beco, não me via me aproximando. Quando ele me viu, eu já estava empurrando seu ombro contra o muro.

-Calma moç... – Ele não terminou de falar, eu havia atingido sua jugular.

Ele soltou um gemido abafado de dor enquanto a sensação única do sangue quente descendo pela minha garganta me fazia sentir mil vezes melhor. Quando ele amoleceu de vez e tombou, soube que não havia mais nada dentro dele. Foi aí que eu ouvi um arfar que vinha da entrada do beco. Quando olhei vi uma garota nova, em torno dos vinte anos, com pouquíssimas peças de roupa no corpo, me olhando assustada. Um carro que passou por lá na hora, totalmente alheio a cena, refletiu minha imagem. Droga, tinha sangue na minha boca também. A garota saiu correndo e eu só olhei para cima, para Andreas, que concordou entendendo o que deveria fazer.

Minutos depois os dois corpos estavam queimando, juntos. Pelo menos a garota estava pura e, segundo Andreas, o gosto de álcool tinha saído da boca. Eu não podia reclamar também, o bandido não tinha consumido nada ilegal havia bastante tempo. Entramos em um apartamento vazio que havia naquele beco mesmo e nos limpamos do sangue que havia escorrido, deixamos o mais próximo do que estava quando chegamos o possível e voltamos ao carro, satisfeitos e sem sede.

O clima estava menos pesado na volta. Mas o silêncio estava mais constrangedor. Talvez fosse legal quebrar isso, eu não sabia ao certo. Quando pensei em falar alguma coisa e comecei, ele teve a mesma idéia e começou ao mesmo tempo.

-Desculpa, fala. – Incentivei, eu não ia falar nada de interessante mesmo.

-Não, fala você. – Ele disse, dando de ombros.

-Só ia perguntar como você estava se sentindo.

-Me sentindo de que forma?

-Essa coisa do sangue e tudo mais. – O que mais seria?

-Ah sim, isso. – Ele pareceu desapontado que fosse isso. Estranho. – Quase não sinto resquícios do sangue impuro. Eu vou ficar bem, é ótimo sentir força de novo.

-Bom. – Percebi que o silêncio ia voltar. – O que você ia dizendo?

-Eu queria perguntar sobre como as coisas ficaram depois daquela noite. Quando eu fui raptado, entende?

-Sim. Bem, não é uma história muito bonita, se você quer saber. – Eu não sei se estava confortável para falar sobre aquilo tudo com ele já, mas ele tinha o direito de saber. – Foram tempos difíceis.

-Pelo menos vocês permaneceram juntos. – Ele disse, usando isso como uma palavra de conforto. Droga.

-Na verdade... não, não ficamos.

-Não? – Ele perguntou, confuso.

-Não, aconteceram muitas coisas depois que você partiu. Houve uma infestação de crianças vampiras, muitas, mais do que eu poderia contar. E, nesses casos, tivemos que agir. Isso começou a acontecer dias depois daquela luta, eu não estava bem o suficiente para encarar algo assim. – Percebi que ele encolheu um pouco com a última frase, mas era a verdade. – Então eu tinha que matar crianças praticamente todo dia...

Continuei a contar a história de como as crianças eram normalmente mortas, de como eu tive que matar a humanidade que me restava para conseguir resistir, do monstro que eu havia me tornado. Ele ouvia tudo em silêncio, o rosto pacífico. Tudo que eu imaginava era como ele deveria estar me odiando por dentro, pelo que eu havia me tornado. Pelo menos ele tinha a delicadeza de não demonstrar. Terminei na parte das minhas caçadas exageradas, quando eu matava vários em uma noite só.

-Eu não previ nada disso, se eu soubesse que isso aconteceria...

-Faria o que? Você mesmo disse, meio mal dito, no diário que deixou em cima dos meus, que não tinha outra opção. Se era tão absurdamente necessário assim, não havia nada que você pudesse fazer, certo? – Eu havia ficado nervosa, mas não dava para controlar. Aquilo estava preso havia muito tempo. Ele apenas suspirou.

-Diz o que aconteceu com meus irmãos e eu conto o que aconteceu de um modo descente. – Ele pediu, calmo.

-Teve uma noite que eu e Giacomo brigamos. Ele disse que não conseguia mais viver daquela forma, vendo crianças morrerem e eu disse que não podia fazer nada. Então a situação foi aumentando, ele estava totalmente fora de controle e, no final das contas, eu também. Nós dissemos algumas coisas que não devíamos um ao outro e ele acabou indo embora. Ou melhor, eu disse que se ele não estivesse satisfeito que fosse embora. – Eu sentia vergonha agora que haviam passado tantos anos. Contar para Andreas fez a vergonha crescer mais ainda. Eu era muito idiota naquela época, nada justificava.

-Ele foi embora? – Ele perguntou e encontrei uma nota de agressividade em sua voz.

-Foi, ele e Fátima. Fátima detestou isso tudo, tentou nos parar, mas não conseguiu. Ela já havia perdido um irmão. Estando fria ou não, eu não poderia jamais permitir que ela sofresse com a perda de outro. Ficamos então, até alguns dias atrás, só eu e Hecate.

-Aquele idiota me prometeu que, não importasse o que acontecesse, por mais difícil que fosse, ele iria ficar! Ele olhou nos meus olhos e prometeu isso! – Andreas estava irado, e com a pessoa errada.

-Andreas, a culpa é minha, não de Giacomo. Eu perdi a paciência, eu fui fria, eu mandei ele embora. Não é com o seu irmão que você deve brigar.

Ele bufou, irritado, e voltou a encarar a janela, em silêncio. Droga, ele não podia falar qualquer coisa? Pelo menos brigasse comigo, qualquer coisa assim. O silêncio me deixava nervosa.

-O que vocês disseram um ao outro? – Ele perguntou, depois de muito tempo. Já estávamos em Forks novamente.

-Deixa isso de lado.

-Giuliet, por favor. – Ele insistiu.

-Se você quer tanto saber, então tudo bem. Ele disse que eu estava tentando provar algo, que eu era forte, qualquer coisa assim. Depois disse que eu havia parado de me importar com qualquer coisa e que havia me tornado um monstro. Então eu disse que era muito fácil para ele falar quando só obedecia ordens, sem fazer mais nada de útil para ajudar, e debochei dele perguntando se estava assim porque havia lembrado da morte ou a consciência havia pesado. Naquela manhã tínhamos matado uma família de vampiros camponeses. – Ele estreitou os olhos com isso. Não era uma boa conversa para se ter naquele momento, mas já era tarde demais. – Então ele me disse que você havia calculado muito mal quando achou que eu teria qualquer capacidade de te substituir. Disse que era uma sorte você estar morto, porque se visse o que eu estava fazendo teria morrido de desgosto. Então eu disse que ele não seria muito melhor, ainda mais porque o problemático da casa não era eu, e sim ele. E disse que, se não estivesse satisfeito, que fosse embora. Ele juntou as coisas e foi embora, levando Fátima junto.

Ele parecia uma panela de pressão, irritação quase transbordando, pronto para explodir a qualquer momento. Ele não falou mais nada e eu sabia que isso não era um bom sinal. Minha tese se comprovou quando estacionei o carro na garagem e ele saiu na hora, muito rapidamente, andando na direção da casa como se fosse assassinar alguém. Saí rápido, indo atrás dele, tentando refreá-lo.

-Andreas, espera! – Chamei, enquanto tentava alcança-lo, mas era impossível. Ele estava determinado.

Ele entrou em casa abrindo a porta indelicadamente e, quando eu consegui chegar, todos o olhavam com estranhamento. A cara dele não devia estar a melhor coisa do mundo, porque não estava alguns minutos atrás.

-Andreas, já faz sécu... – Ele não me deixou terminar.

-Não se intrometa, Giuliet! Depois a gente conversa. – Ele respondeu, quase me fazendo encolher, e se virou para os outros. – Cadê o Giacomo?

-Aqui. – Giacomo respondeu, descendo as escadas. – Qual o problema, irmãozinho? – Ele perguntou, totalmente alheio ao nervosismo do irmão.

-Precisamos ter uma conversa. – Andreas disse, indo para fora.

Giacomo o seguiu, me olhando confuso. Dei de ombros, eu não sabia ao certo o que ia acontecer. Bem, sabia, só custava acreditar. Quando os dois saíram e passaram pelos lobos, entrando no meio da floresta, olhei para Fátima preocupada. Como se pensássemos ao mesmo tempo, ela levantou e começou a andar comigo na direção que eles foram.

Chegamos lá Andreas já discutia, meio descontrolado. O que diabos estava acontecendo com ele? Ele sempre foi o controlado, o calmo. O papel da histeria era todo meu. Não era mais sede, então o que era? Ficamos parada vendo a briga, a distância, apenas torcendo para que fosse só um bate boca.

-Como você teve a coragem de quebrar uma promessa? Você olhou nos meus olhos e prometeu, Giacomo! – Andreas vociferava, irado. Ele dava medo quando ficava assim, eu nunca havia o visto tão possesso.

-Pelo amor de Deus, Andreas. Isso faz três séculos. E, se quer uma explicação a respeito das minhas motivações, pergunte a ela. – Giacomo apontou na nossa direção. Andreas não se contentou.

-Ela já me explicou o que aconteceu. Eu quero uma explicação lógica para o que você fez.

-Uma explicação lógica? Enquanto você brincava de prisioneiro, ela brincava de vampira assassina. Se você tivesse visto o número de mortes que nós vimos, entenderia! Mas não, sumiu sem dar explicações maiores, o que foi muito mais fácil! Queria ter tido essa oportunidade, também!

O que se seguiu foi totalmente inesperado. Andreas avançou em Giacomo, totalmente fora de controle e os dois caíram rolando pelo chão. Giacomo era mais forte e conseguiu arremessar Andreas para trás, que caiu no chão arrastando. Quando se levantou e ia avançar, me pus no caminho, tentando segura-lo. Fátima fazia a mesma coisa com o Giacomo. Não sei quem queríamos enganar, nenhuma das duas tinha força o suficiente para segurar nenhum dos dois. Fátima só não foi arremessada porque, muito provavelmente, Giacomo estava sob algum controle, ao contrário de Andreas. Com o coração na mão, fui obrigada a apagá-lo, que caiu mole nos meus braços. Giacomo vendo a cena se controlou e ficou parado, com cara de paspalho.

-Os dois, saiam daqui. – Falei, querendo um lugar vazio para Andreas acordar. Ele não estava bem como dizia que estava. – Rápido.

Eles obedeceram, Fátima saiu resmungando no ouvido de Giacomo. Ele não respondeu nada, mas nada daquilo era culpa dele. Quando já estavam há uma boa distância, dissipei a névoa que estava ao redor de mim e Andreas e ele acordou, confuso. Se afastou de mim rápido, como se estivesse envergonhado.

-O que diabos está acontecendo com você? – Perguntei, direta. – Isso foi totalmente desnecessário. E... E desde quando você é agressivo com alguém? Desde quando você é agressivo com o seu irmão?

Ele me encarou, o rosto sem um pingo de ânimo. Seus olhos mostravam um misto de vergonha e medo, uma coisa ruim. Ele suspirou e olhou para a copa das árvores um instante, antes de começar a falar, muito baixo.

-Não sei o que está acontecendo comigo, Giuliet. Eu me senti assim quando acordei, mas achei que fosse por causa da falta de sangue. Mas agora vejo que não, e não sei o porque. Eu sinto uma maré de sentimentos me acertando de uma vez só, com uma fúria absurdo, e perco o controle sobre eles. – Ele me encarou novamente. – Sobre todos eles.

-Como assim, perde o controle?

-Eu não sei explicar. Eu sinto raiva, como aconteceu agora, pelos motivos mais idiotas, e no instante seguinte estou pulando no pescoço de alguém. Mais cedo eu senti o desejo por sangue. Minha sede não estava tão forte assim, eu juro. Eu poderia ter agüentado se estivesse normal. Eu teria suportado. Mas não, meu corpo agiu sozinho. Ele só tem agido sozinho ultimamente.

Ele se sentou ao pé de uma árvore, recostando o corpo e a cabeça no tronco. Eu só fiquei para, o encarando. Ele fechou os olhos e respirou fundo, se acalmando. Dei a ele o tempo que precisava. Era de se esperar que ele tivesse problemas, mas vê-lo assim não me fazia nada bem.

-Eu estou com medo. – Ele disse, ainda no tom baixo de antes. – Eu já tive medo de outras coisas antes, mas nunca de mim mesmo. Tenho medo do que eu posso fazer nesses momentos, porque só está crescendo. Hoje eu quase matei aquela garota, depois meu irmão. Amanhã pode ser Fátima, pode ser alguém do clã, pode ser sua filha. Giuliet, pode ser você.

O modo como ele dizia parecia que aquilo era um fato totalmente sem alternativa, como se ele estivesse condenado. Talvez fosse mais uma vez um exagero causado por seu descontrole, mas ainda assim era horrível. Aproximei-me, me ajoelhando na sua frente, silenciosamente. Ele me encarou, o olhar totalmente perdido e sem brilho.

-Eu já disse isso, mas vou repetir novamente. Você passou por uma provação muito grande, maior do que muitos poderiam agüentar. É totalmente compreensível o que você está sentindo.

-Não muda o fato de eu ser perigoso.

-Isso não importa realmente. Você está se acostumando a estar livre novamente, isso tende a demorar. Você vai ficar bem, vai se sair bem disso. Nós vamos encarar isso e vai ficar tudo certo no final. Se nos desesperarmos agora, não vai ajudar muito.

-Como você pode ter tanta certeza?

-Porque eu te conheço. Eu sei a pessoa incrível que existe aí dentro. A pessoa controlada e certa das próprias ações que você é. E eu tenho certeza que essa pessoa ainda existe, eu a vejo toda vez que eu te olho nos olhos. Quando eu olho nos seus olhos eu vejo quem deu algum mínimo caminho na minha vida, quem me ensinou a enfrentar coisas que eu não conseguiria normalmente. Eu não acredito que aquele homem, o homem por quem eu me apaixonei, tenha sumido totalmente. E, assim que essa tempestade passar, eu tenho certeza que esse homem voltará. 

Eu tinha falado mais do que deveria e isso era fato. Já era meio tarde para me arrepender, as palavras haviam saído sem que eu comandasse. Ele não respondeu nada e, de certa forma, eu tinha uma parca esperança de que ele não tivesse ouvido direito o que eu tinha falado.

-Obrigado. – Ele respondeu, acho que não sabia ao certo o que falar.

Percebi que a situação ficou, de certa forma, pelo menos para mim, constrangedora. E antes que o que eu havia falado começasse a surtir efeito e entrássemos em uma situação mais constrangedora o possível, me levantei, me afastando.

-Melhor voltarmos para lá, é perigoso ficar aqui. E eu tenho que falar com Matt. – Falei, olhando na direção da casa.

-Sim, claro. – Ele falou, balançado a cabeça como se quisesse expulsar qualquer tipo de pensamento.

Começamos a andar, mais uma vez silenciosos, de volta para a casa. Passamos pelos lobos, alguns cochilavam no chão, mas Camily estava acordada. Eu duvidava muito que ela fosse dormir com os gritos de Benjamin criando uma trilha sonora macabra. Entramos e Andreas foi conversar com Giacomo, civilizado, pedir desculpas e tentar explicar para ele o que estava acontecendo. Eu subi direto, buscando Matt e Karine. Encontrei-os no quarto de Matt, Karine dormia na cama enquanto, encostado na janela, Matt olhava para o teto, perdido em pensamentos.

Quando entrei Matt me encarou, eu via o fogo ardendo nos seus olhos. Sim, ele estava revoltado, mas ele teria que me ouvir e parar com a palhaçada.

-Como ela está? – Perguntei, falando baixo para não acordar Karine.

-Ótima, mas não graças a aquele vampiro. – Ele falou, também baixo, mas feroz.

-Ele não caçava há séculos, Matt, dê um desconto.

-Ele quase a matou, não quer que eu dê um desconto a isso, quer?

Suspirei, sabendo que aquilo seria difícil.

-Eu entendo como você está se sentindo, eu sei que se sente ameaçado, mas não vai acontecer nada, já está tudo sobre controle. Essas coisas acontecem e você sabe disso. Ela está bem, nada aconteceu, ótimo. Agora não há mais esse risco.

-Ela não devia estar correndo nenhum tipo de perigo. – Ele estava menos nervoso, agora seu tom havia mudado para remorso. Os homens daquela casa estavam tão bipolares ultimamente... – O sacrifício que eu estou causando a ela não vale a pena para ela. Onde eu estava com a cabeça quando pensei que...

-Para com o drama, não há nada que você possa fazer agora. Ela está segura, Andreas está controlado e eu vim aqui pedir desculpas pelo que aconteceu, visto que eu devia ter previsto o que aconteceria. Mas, já que estamos bem, tudo certo. Ela ficou muito nervosa?

-Não. Na verdade, ela estava mais calma do que eu. – Sorri com a informação e ele percebeu. – O que foi?

-Ela lida conosco melhor do que nós lidamos com nós mesmos. Bem, eu vou indo, até mais.

-Giuliet. – Parei na porta para encará-lo. – É bom que ele não a ataque novamente.

-Ele não vai, eu tenho certeza.

-Se você diz...

Deixei-o para trás, fechando a porta. Foi melhor do que eu imaginava. Matt estava mudado ultimamente. Muitas coisas estavam diferentes ultimamente.

Agora só me restava esperar as coisas acontecerem. E logo aconteceriam.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.