Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth escrita por G_bookreader


Capítulo 3
Londres - 1513




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Quatro anos se passaram desde que eu vira Benjamin pela última vez. Eu tinha feito 19 anos a pouco tempo, e era um verdadeiro milagre que eu tivesse conseguido atrasar esse tempo todo o noivado com Christopher. Mas eu sabia que não conseguiria por muito mais tempo, e o baile daquela noite provavelmente seria o ponto final dos meus esforços. Afinal, meu pai não ia organizar um baile em uma época que, que duraria até o início da noite, além de ser difícil enxergar um palmo à frente, e o frio era quase insuportável. O dia amanheceu com o chão branco pela neve, mas meu humor estava mais feio do que o tempo. Mal falei com qualquer pessoa durante toda a manhã.

No início da tarde, me sentei com Lizzie em frente à lareira na sala de estar. Ela bordava distraidamente ao meu lado – bordado era uma das suas poucas diversões, agora que, com 12 anos, já não ligava para as bonecas – e eu apenas olhava o fogo à minha frente, desligada do mundo a minha volta.

-Preocupada com hoje à noite? – Perguntou Lizzie, ainda concentrada no bordado.

-Sempre estou.

-Papai não vai dar um baile por nada, você sabe disso.

-Eu sei. Espero que estejamos enganadas.

Ela ficou em silêncio um tempo, e eu também não disse nada. Até que ela respirou fundo e largou o bordado no colo.

-Se você for, eu vou ter que ficar sozinha com a mamãe e o papai.

-Você não vai se livrar de mim tão fácil. – Eu disse, sorrindo pela primeira vez naquele dia, mas a piada não surtiu efeito nenhum.

-Se você for, eu sou a próxima. Sozinha. – Ela virou o rosto como se olhasse algo do outro lado, mas eu sabia que ela estava tentando não chorar.

-Eles vão pegar menos pesado com você. É a mais nova.

-Você acredita mesmo nisso? – Disse com a voz embargada.

-Talvez. – Não, não acreditava. Depois de um tempo em silêncio, me aproximei dela e me sentei ao seu lado, no chão. – Se algo acontecer, eu vou estar a algumas casas de distância.

-Eu sei. – Ela disse, secando os olhos e se recompondo no exato momento em que Gwen entrou.

-Com licença. Srtª. Giuliet, alguém na porta quer vê-la.

-Quem?

-Ele quer fazer surpresa, sinto muito. – Por um momento eu quase perguntei pra quem ela trabalhava, mas talvez parecesse rude.

-Tudo bem, já estou indo. – Ela se retirou, e eu fui logo atrás.

Rapidamente cruzei a casa, imaginando se não seria o idiota do Christopher querendo fazer alguma gracinha. Ultimamente, ele estava bem criativo para gracinhas, o que, ao contrário do que ele achava, só me fazia achar ele um idiota maior ainda.

Já abri a porta fazendo a minha melhor cara de tédio, mas assim que a abri, ela mudou para perplexidade. Benjamin estava parado do outro lado, sorrindo como se eu tivesse visto ele de manhã. Sou obrigada a admitir que demorei um pouco para reconhece-lo. Estava tão alto que tive que olhar mais para o alto do que estava acostumada, e estava exageradamente musculoso, meio mal cuidado, com a barba por fazer e o cabelo nos ombros, bagunçado. E, quando o olhei nos olhos, eu podia jurar que vi algo... diferente por trás dos olhos negros.

-Oi.

-Oi? Você some por quatro anos e me aparece com um “oi”? Por onde esteve, que nem dar um “tchau” você foi capaz?

-Estou ótimo, Giuliet, já que você perguntou. E sim, também senti sua falta.

Bufei e saí do caminho para o gigante entrar, o que ele fez sem hesitar.

-Quando foi que você duplicou de tamanho?

-Uma pergunta de cada vez, certo?

-Tudo bem, porque você desapareceu?

-Bem, quando eu comecei a melhorar daquela gripe horrorosa, consegui um trabalho remunerado em Cornwall, e...

-Um momento, não era em North Wales?

-Ah, claro, porque era semestral.

-Semestral?

-É, eram duas fazendas do meu patrão, uma em Cornwall e outra em North Wales.

-Dois lugares estranhos para se ter uma fazenda. – Um era a beira do mar, cheio de pedras e água salgada, e outro tinha as maiores nevascas do país. Eram os últimos lugares que eu esperava achar uma fazenda.

-Pois é, por isso eu voltei, não deu certo.

Era tão óbvio que ele estava mentindo que me irritou, não precisava insultar a minha inteligência. Mas não era para eu saber, então resolvi deixar pra lá. Pelo menos ele havia voltado. Então percebi que ele usava roupas leves, fazendo contraste comigo, que estava totalmente cercada de panos e afins.

-Ben, você quer um casaco?

-Ah... não, obrigado, estou bem assim.

-Tem certeza?

-Claro, absoluta.

Dei de ombros e o levei até a sala. Nós dois conversamos com Lizzie durante um bom tempo, até que nós duas tivemos que sair para nos arrumar, e ele também foi. Ele parecia outra pessoa, por mais que agisse como antigamente. Pareceu mais velho, um pouco cansado e quando comentei Christopher e o quão inconveniente ele podia ser, e uma sombra se passou pelo rosto dele, senti medo. 

Duas horas depois, estávamos no maior cômodo da casa, cumprimentando quem chegava. Era um salão enorme, prova de que minha família era megalomaníaca a gerações. Iluminada por vários candelabros bem distribuídos, uma enorme lareira provendo calor e alguns músicos em um canto. Tudo muito elegante para a época.

Cumprimentei pessoas que eu nunca vira antes, e provavelmente continuaria muito bem sem ver. Meu pai parecia ter convidado toda a elite londrina, um mais arrogante que o outro. Agora chegava Sophie, filha de um amigo do meu pai, que, contrariando todas as expectativas, era ótima pessoa. Uma das poucas amizades que eu realmente tive naquele tempo. Comecei a andar com ela pelo salão, mas não demorou muito para nos separarmos. Os Allen haviam acabado de chegar, e a última pessoa que eu queria ver se aproximou. Sophie achava que Christopher era uma espécie de “última cereja do bolo”, e eu vi o desgosto dela quando eu fechei a cara. Se ela quisesse, ela podia sair agarrada com ele quando bem entendesse, eu daria o maior apoio. Claro que isso não aconteceu.

-Boa noite, Giuliet.

-Olá.

-Noite fria, não? – A noite não ia ser a única coisa fria.

-Aham.

-Então... gostaria de dançar?

-Não, obrigada.

-Só uma música. Vamos, é um baile. Vai ficar aí a noite toda, parada?

-Eu estou satisfeita, obrigada a preocupação.

Me virei pronta para ignora-lo completamente e passar o resto da noite dividindo um canto escuro com uma planta qualquer. Só que ele pegou meu braço e não me deixou sair. Olhei para ele sentindo a raiva subir, e ele agora estava sério, e o olhar de superioridade havia crescido de tal forma que me assustara.

-Eu acho que você pode repensar.

Tentei soltar meu braço, mas ele era mais forte e estava começando a me machucar. Foi quando eu ouvi uma voz um pouco rouca por trás dele.

-Tudo bem por aqui? – Graças a Deus, era Benjamin. Seu estado físico estava um pouco melhor do que mais cedo, o cabelo arrumado e a barba feita.

Christopher se virou calmamente para ele, mas teve que olhar para cima. Me pareceu intimidado, mas não ia demonstrar isso.

-Ah, você é um dos empregados, né? Pode me trazer uma bebida?

-Não, ele não pode. – Eu me meti. – Ele não é um empregado, é um convidado pessoal da família. E é muito bem vindo aqui, ao contrário de certas pessoas.

-Se você puder soltar o braço dela, seria melhor.

Christopher estava vermelho de raiva. Algumas pessoas começaram a olhar para nós, e ele não teve opção, a não ser me largar e sair com passos pesados, para minha grande satisfação.

-Você está bem?

-Sim, bem melhor agora sem ele.

-O que ele queria?

-Dançar. Neguei, claro, não quero nem tocar nele. Aí ele ficou agressivo, e foi quando você chegou.

-Vem, vamos sair daqui.

Por esse ponto, o lugar estava cheio o suficiente para que ninguém prestasse atenção em nós. Fomos a um canto remoto, e Benjamin parou.

-O que foi?

-Vamos, me dá sua mão. Vamos dançar um pouco.

-O que?

-Dançar.

-Quer desafiar o Allen?

-Não, só quero dançar. Vamos, tenta se divertir.

Acabei aceitando. A música estava um pouco lenta, mas estava agradável. No momento em que toquei a mão dele, me assustei. Estava exageradamente quente, e pelo que me constava, ele deveria estar de cama se estivesse mesmo tão quente. Olhei pra ele assustada, e ele se fez de desentendido, enquanto me puxava para dançar.

-Ben, você está quente. Muito quente.

-Você que deve estar com frio. Estou bem, juro.

Acabei ficando em silêncio, enquanto me distraia. Eu me senti bem e pela primeira vez em anos podia dizer que me diverti. Até o frio parecia ter passado naquele momento, foi quando eu me dei conta do quanto meu “irmão mais velho” fazia falta. Meu momento de paz acabou quando a música parou, e meu pai chamou a atenção de todos. Depois pediu que eu me aproximasse, e depois Christopher, que tinha um estranho olhar de triunfo no olhar. O frio voltou todo assim que deixei Ben para trás, e parecia que a cada passo aumentava mais.

Quando alcancei meu pai, sabia o que ia acontecer, não era o primeiro baile do tipo que eu ia. Aquele era o momento do golpe final, do qual eu provavelmente não sairia vencedora. Ele pegou minha mão, mas fora isso me ignorava quase que completamente quando virou-se aos convidados.

-Bem, obrigada pela presença de todos. É uma noite muito importante para mim e para minha família. Hoje, senhores, foi selada a união entre minha família e uma família que eu prezo muito, os Allen. Por favor, senhor e senhora Allen, venham aqui também.  – Ambos se aproximaram, com sorrisos no rosto. – Minha filha aceitou se casar com Christopher Allen! Já negociamos o dote, e está tudo pronto. Não há palavras para expressar meu orgulho!

É, e não haviam palavras para explicar a minha perplexidade. Consegui ficar só ali, parada, sem expressar emoção nenhuma. O que aconteceu em seguida eu não captei muito bem. Acho que fui obrigada a dançar com Chris, mas não tenho certeza disso. A próxima coisa que eu tenho absoluta certeza é de estar em um casaco mais pesado, que não era meu, e pelo peso deveria ser masculino, sentada na beira da escada. Como eu conseguia fazer isso cheia de roupas é um mistério.

Eu bebia uma caneca de leite quente. O frio agora beirava o insuportável, e a lareira não estava mais dando conta. As pessoas haviam ido embora, todas para o conforto de seus lares e suas lareiras quentes. Meu pai e minha mãe haviam desaparecido, mas não me importei com isso. No salão agora só tinha a sujeira da festa, alguns empregados, Lizzie encolhida perto da lareira, e mais no canto, Benjamin, sem casaco, já que o que estava em volta de mim deveria ser o dele.

Então me veio uma idéia, que acabaria com todos os meus problemas. Hoje em dia, eu sei que foi a coisa mais estúpida, suicida e negligente que eu já fiz, mas na hora, me pareceu genial. Claro, era a minha porta para a liberdade. Qualquer coisa era melhor do que a vida que minha mãe levava. Bem, naquele momento, era isso que eu achava.

-Lizzie, acho que está na hora de você ir dormir. – Eu havia lançado o código de “precisamos conversar”. Nessa época ela ficava no meu quarto, que tinha uma lareira(só dois tinham, o meu e o dos meus pais), então usei isso como desculpa para subir com ela, dando apenas um aceno de cabeça para Benjamin.

Quando passamos pelo corredor, ouvi a lareira dos meus pais. Ótimo, já deviam estar dormindo. Entrei no quarto com minha irmã e demorei um tempo acendendo a lareira, enquanto ela trocava de roupa. Depois mandei que ela se deitasse na minha cama, e não na cama improvisada que havia montada. Ela achou estranho, mas obedeceu, novamente, sentando recostada na cabeceira. Sentei na beirada da cama, sentindo minha garganta apertar.

-O que você quer me dizer?

-Lizzie... quando eu não estiver mais aqui, eu preciso que você saiba que... qualquer coisa que você precisar, é só gritar. E que... – Eu me dei conta que eu não fazia a menor idéia do que falar. – Você é a melhor pessoa nessa casa. Não deixa o papai acabar com você.

-Ainda tem o tempo de organizar todo o casamento, não precisa se despe...

-Por favor, vou ser breve. – Tirei o cordão de outro que eu usava, que havia ganho da minha avó quando nasci. Na frente, um desenho de uma ave, e atrás,  meu nome abreviado, G. Collins. Coloquei em volta do pescoço dela, e recebi um olhar confuso.

-Giuliet, você está me assustando.

-Fica calma. Merece mais do que eu. Agora vá dormir, está tarde. – Ela se deitou, apaguei as velas e fingi trocar para roupa de dormir. Na verdade, estava pondo a roupa de cavalgada, bem mais confortável, só que mais fria. Peguei vários casacos e botei por cima do casaco de Benjamin, não ligando para o quão ridícula eu ficaria. Quando terminei, minha irmã já estava dormindo já fazia um tempo. Juntei mais umas poucas roupas em uma bolsa e pisando leve, parando na cozinha para pegar alguma comida e me certificando de que ninguém me via. Não havia ninguém a vista, então rumei para a porta, saindo na noite fria e nebulosa de Londres. Para onde eu iria? Não fazia idéia. Se ia sobreviver? Menos ainda. Peguei Night, meu cavalo, e saí galopando o mais rápido que podia para... não sabia para onde. Corri até sair chegar a uma região sem construções e ouvir um som estranho, como se houvesse algo correndo, algo de quatro patas. Apressei o cavalo, mas na rua mais à frente, na escuridão, me deparei com algo de duas patas. Freei o cavalo com tanta força pelo susto que ele chegou a empinar, mas precisava de mais do que isso para me derrubar.

-Benjamin, o que diabos você está fazendo aqui? – Perguntei, nervosa.

-Eu deveria perguntar o mesmo, não? Fugindo sem se despedir?

Eu não deveria ter cruzado com ele, só iria atrapalhar o meu plano.

-Droga, saia da minha frente!

-Não. Volte para casa imediatamente. Não é seguro aqui. – Então eu percebi que ele não era ele. Eu não podia enxerga-lo bem, mas a voz dizia tudo. Senti o mesmo medo que sentira mais cedo quando um olhar de raiva passou por seus olhos. Não parecia a mesma pessoa que eu dancei horas atrás.

-Desculpe, mas eu não estou voltando para casa.

-Não estou pedindo. Volta pra casa. Agora.

Ignorei ele e fiz o cavalo correr, desviando dele. Ouvi um grunhido de raiva e, quando olhei pra trás, ele havia desaparecido. Achei estranho, mas pensei que só não estivesse enxergando ele no escuro e continuei.

O frio apertou um pouco. Agora só havia a estrada de terra para fora de Londres e árvores dos dois lados. Só que quando eu achava que nada mais ia me impedir, o cavalo freou, quase me fazendo voar por cima dele, e começou a se debater e empinar. Eu me segurei o máximo que pude, mas acabei caindo por final. Apesar da noite estar clara, com a Lua iluminando, havia nevado mais cedo, e o chão estava molhado. O cavalo saiu correndo no caminho de volta, levando meus mantimentos juntos. Ótimo.

Me levantei, o frio da noite me enlaçando, e continuei o caminho a pé, não fazendo a menor idéia da distância que estaria a próxima cidade. Meu corpo estava cansado, e eu começava a ter uma idéia do que minha escolha havia causado a mim mesma. Foi com um sobressalto que ouvi uma respiração atrás de mim.

Me virei e gritei, dando vários passos para trás. Na minha frente havia um lobo, muito mais alto do que qualquer lobo que eu vi anteriormente. Ele parecia me olhar nos olhos, e o olhar parecia... muito humano, e até mesmo familiar. Ele se aproximou mais, e eu estava paralisada. Abaixou sua cabeça até ficar na minha altura, agora eu podia ver seus olhos claramente agora. Uma idéia estúpida me passou pela cabeça.

-Ben? – Eu falei com a voz muito baixa, me sentindo idiota. Mas ele... sorriu? Algo parecido com isso, e virou-se de lado, deitando-se e fazendo sinal para as costas. – Você quer que eu suba? – Ele acenou um sim com a cabeça, e, tendo a certeza de que eu havia enlouquecido, obedeci. Ele levantou e começou a correr para dentro da série de árvores. Me segurei no seu pêlo, e meu frio havia passado.

Com a corrida constante, o ritmo sempre igual, acabei adormecendo, dando conta do quão cansada eu realmente estava. Caí em um sono pesado.


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