Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth escrita por G_bookreader


Capítulo 21
Eleazar, o braço direito do Primeiro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/148283/chapter/21

Os dois meses seguintes foram quase que infernais. Não tinha como ficarmos parados enquanto alguém montava nossa imagem. Então entramos em contato com todos aqueles que sabíamos onde estavam e chamamos para uma espécie de audiência. Muitos vieram, e aí que as surpresas começaram a aparecer.

Michael Carter também se chamava Deniz Cã, Nestor Kutcher, John Hernández, Prince Donadio, e mais uma dezena de nomes diferentes. Isso quando era um homem que espalhava, porque também recebemos informações de Alicia Aiden, Elga Fritz, Helena Jory, ou qualquer coisa que você quiser. E o pior não é isso. Essa mulher seria uma híbrida adulta. Isso, híbrida, eu não sabia que existia e no período de três anos tenho uma em minha casa e outra querendo minha cabeça.

Liah e Luke contribuíam o máximo o possível com informações, mas eles não tinham muita também. Eles haviam dito que Michael, que para eles havia sido Nestor, havia encontrado eles no sul da Holanda, alguns meses antes deles chegarem aos Estados Unidos. Eles se conheceram quando cruzaram o mesmo território, e, assim como havia acontecido comigo e Liah séculos antes, eles se sentaram e conversaram. Durante a conversa, Michael, ou Nestor, sei lá, havia contado a história toda. Os dois já haviam ouvido rumores, mas nada que pudesse ser levado a sério. Porém, ele havia sido convincente, e eles acharam melhor sair da Europa, onde a maioria dos vampiros vivia. Claro que não esperavam cruzar o Atlântico e dar de cara com a gente.

Com essa entrada e saída de vampiros na cidade, alguns acidentes quase aconteceram. Conseguimos evitar a tempo quase dez assassinatos, e um humano nos viu, levando uma pancada na cabeça para desmaiar. Quando acordasse, no hospital, seria chamado de maluco, porque o vestimos com roupas que, com certeza, fariam as outras pessoas acreditarem nisso. Até que essa parte foi divertida, mas só essa.

Porém, todos vieram, todos foram, alguns com informações demais, outros com curiosidade demais, e não chegamos a ponto nenhum. Não sabíamos quem ele era, onde estava, o que queria, nada. Claro que isso deixou meu humor totalmente negativo.

Uma noite, peguei uma garrafa de sangue na geladeira escondida que havia no escritório da discoteca e levei para fora. Para o resto do mundo, pareceria com garrafa de uma bebida qualquer. Sentei-me do outro lado da rua, no meio-fio, e fiquei observando o movimento da rua. As pessoas passavam distraídas, presas em seu mundo de preocupações breves. Algumas entravam na discoteca, algumas saíam bêbadas, e não acontecia nada além disso. Então eu senti o cheiro enjoado, mas que eu já estava mais do que acostumada. Tudo que eu não precisava agora era um lobisomem para encrencar comigo.

Camily andava na calçada, se aproximando. Depois de um tempo me percebeu sentada ali, mas não mudou de trajeto e continuou andando calmamente na minha direção. Fingi que ela não estava lá até que a percebi parando próxima.

-Isso na sua mão é o que eu estou pensando que é? – Ela perguntou, hesitante.

-Provavelmente sim. – De brincadeira, estendi a garrafa na direção dela. – Quer um gole?

-Não, obrigada. – Ela respondeu, fazendo uma careta. – Vocês... espremem alguém aí? – Não consegui não rir disso.

-Banco de Sangue. Você ficaria impressionada com o que a gente pode fazer para encher garrafas. Mas você não está parada aí para discutir a alimentação do meu povo, está?

-Não estou. Posso sentar aí? – Eu achei entranho, mas concordei e ela se sentou. – Tem uma coisa séria acontecendo com vocês, né?

-Por que você acha isso?

-Porque dezenas de vampiros diferentes entrando e saindo só podem ser isso.

-E você não vai aparecer com um amiguinho raivoso e tentar nos fazer se submeter à força? – Perguntei, logo depois bebendo um gole da garrafa.

-Isso não funciona mesmo. Além do mais, se vocês não nos atacaram até agora, não vão fazer mais isso. – Ela disse, dando de ombros.

-E você chegou a essa conclusão e dois meses?

-Dois meses é bastante tempo, ok? – Ela se defendeu.

-É, muito tempo, claro... – Bufei, voltando a atenção para a rua.

-Então, é problema ou não?

Olhei para ela para conferir se não era piada. Era do interesse dela, mesmo?

-E qual o seu interesse em saber disso?

-Bem, eu gosto da Beta, talvez ela esteja em perigo. – Ela começou a brincar com um detalhe da calça jeans, distraidamente. – Além do mais, poderíamos ser de alguma ajuda.

-Acredite, não poderiam.

-Você não dá muito crédito para a gente.

-Talvez porque eu lembro como é ter a sua idade. Aliás, foi nela que eu fui transformada. E isso já faz quinhentos anos.

Ela ficou em silêncio um tempo e eu não fiz o menor esforço para quebrá-lo. Continuei dando goladas regulares na garrafa enquanto ela brincava com a calça.

-Você tem quinhentos e dezenove anos? – Ela perguntou, meio que rindo.

-Ficou esse tempo todo fazendo as contas?

-Não, fiquei imaginando em como eu tinha subestimado sua velhice. – Ela estava rindo mais um pouco, e eu revirei os olhos.

-Achou que eu tinha o que, cem?

-Algo em torno disso. Mas aí, o que tá rolando por aqui? Eu não esqueci. – Ela ficou séria de novo e parou de mexer na calça.

Resumi o máximo o possível a história de Michael Carter, o que não ficou uma narrativa tão grande assim. O movimento na rua diminuía conforme a noite avançada, portanto eu pude falar sem muitas preocupações quanto ao modo como falava. Nenhum humano estava ouvindo, de qualquer forma.

-Então é isso, agora a gente não faz a menor idéia do que faz. Nem Anne, que é capaz de montas estratégias ricamente trabalhadas em segundos tem alguma idéia do que é melhor fazer agora.

-Uau. Isso é um problema.

-Não é o primeiro. – Eu disse enquanto bebia o último gole da garrafa e me levantava. – Eu tenho que ver o que está acontecendo em casa. Pede desculpas ao Philip pela mão e pela boca.

-Ele já superou isso. Agora eles estão se acostumando com o fato de que não vamos mais fazer um plano para tirar vocês daqui.

-E vocês tinham feito algum? – Esse é o tipo da coisa que desperta minha curiosidade.

-Vai por mim, você não quer nem saber. – Ela falou com um sorriso sádico surgindo nos lábios. É, talvez eu não quisesse saber mesmo.

-Tudo bem, então. Até mais, Lassie. – Disse me virando para ir embora.

-Lassie? Esse é o melhor que pode fazer mesmo, sanguessuga?

Eu ri e entrei no estacionamento para buscar o carro. Logo estava do lado de fora novamente. Ela já havia saído, não estava em nenhum lugar a vista. Até que a atriz da Disney estava se saindo melhor do que eu imaginava. Uma hora ela aprenderia que certos inimigos é melhor termos ao nosso lado.

Dirigi em uma velocidade normal no caminho de volta, olhando aquela paisagem já conhecida. Parecia que tudo mudava a cada ano, menos aquelas árvores. Elas pareciam estar sempre no mesmo estado, mesmo tamanho, mesmo tudo. Talvez por isso eu gostasse daquele lugar, não mudava mais rápido do que eu podia acompanhar.

O rádio tocava uma música revoltada. Por incrível que pareça, eu gostava das músicas mais “submundo”. Qual é o nome que eles davam mesmo? Acho que era Gothic Metal. Bem, é barulhento, é Rock, mas algumas letras são tão bem trabalhadas que valem a pena. De vez em quando.

-“Nós temos caído por todo esse tempo, e agora estou perdida no paraíso...” – Cantarolei distraidamente enquanto olhava para o lado, tendo a ligeira impressão de que vira um movimento. Mas, no final das contas não era nada, e olhei para a frente.

Eu me assustei e pisei forte no freio. O pneu foi fazendo barulho enquanto o carro tentava parar. Consegui parar a centímetros do vampiro grandão que estava sorrindo sarcasticamente, como fez a vida inteira, sem a menor preocupação com isso.

-Droga, Kratos! – Gritei, com raiva. – Eu quase te acertei!

-Ora, não ia me machucar.

-Eu não estava preocupada com você! É difícil achar as peças desse carro!

Ele rugiu uma gargalhada enquanto em dava ré e parava o carro no acostamento. Kratos era o vampiro mais velho que eu conhecia, e mais idiota também. Era grande, mais musculoso do que realmente alto, e eu tinha certeza que o veneno havia o aumentado consideravelmente. Seus cabelos eram negros como a noite e seu rosto tinha traços duros e ele havia sido transformado com uma barba por fazer, tão negra quanto os cabelos. Faziam dois mil e quinhentos anos que ele havia nascido em Esparta, onde se tornaria capitão anos depois e, aos vinte e sete anos, fora transformado durante uma batalha. Mas dois milênios e meio não deram muito aos seus neurônios. Infelizmente, havia sido esse ser que havia me ensinado a controlar meu poder. Ele pode perceber o poder de outros vampiros e entender como se usa.

Quando saí do carro e bati a porta irritada, vi Ashley mais à frente, chegando e o olhando com ar de reprovação. Ashley era a parceira de Kratos e tinha apenas cem anos. Era uma mulher de altura mediana, o veneno também tinha a feito crescer um pouco. Cabelos ruivos e cacheados, caindo até os ombros e um modo paciente de tratar as pessoas. Conheceu Kratos quando ainda era humana, com vinte e dois anos e casada. Uma história muito parecida com a de Matt e Karine, a diferença é que essa quase terminou em uma tragédia. Ela vivia aqui, nos Estados Unidos, porém mais ao norte. Quando eu soube da história, fui até lá tentar traze-lo a realidade, que ele estava quebrando uma regra e acabando com uma família. Porém, naquela noite, houve uma chuva horrível e ela, que morava ao pé de um morro, não teve tempo de fugir antes do deslizamento. Quando chegamos lá, ajudei Kratos a procurar no meio dos escombros. Pouca coisa havia sobrado da casa, e não havia ninguém a vista. O cheiro de barro e chuva atrapalhava nosso rastreamento, mas ele conseguiu a achar antes que fosse tarde demais. O marido dela não teve a mesma sorte, quando o achei debaixo do que era um armário, já não tinha nenhum sinal de vida.

Kratos a levou até onde se abrigava e a deitou na cama. Ele não tinha muito tempo, era agora ou nunca. Ele a mordeu quando ela já respirava pouco, mas deu certo. Fiquei com ele durante um período, ajudando-o a cuidar dela enquanto recém criada. Era uma menina ótima, sinceramente, e sem dúvidas o amava. Eu a admirava por isso, porque para amar Kratos tem que ter uma paciência quase que sobrenatural. E aí estavam os dois.

-Giuliet, quanto tempo! – Ela disse quando se aproximou e me abraçou. – Desculpe os modos bárbaros dele, você sabe como ele é.

-Infelizmente sei. – Eu disse, sorrindo. Então me voltei para Kratos, voltando a ficar enfezada. – E você, paspalho, como vai?

-É assim que você recebe os amigos? – Ele disse, vindo me abraçar também. Eu sumi nos braços dele. Qualquer um sumia nos braços dele. – Como vai a vida?

-Problemática e chata. O de sempre. – Saí do abraço e dei um sorriso. – Só com algumas pequenas melhorias desde a ultima vez.

-Acredito, você só mostrava os dentes para rosnar cem anos atrás. – Ele disse, devolvendo o sorriso.

-Agora, podemos ir para um lugar civilizado ou vamos ficar aqui na beira da estrada eternamente? – Eu apontei para o carro e eles me seguiram.

Entramos, Ashley no banco de trás e Kratos no banco da frente. Quando liguei o carro, a mesma música voltou a tocar do ponto que tinha parado. Kratos levantou a sobrancelha.

-Metal? Sério mesmo? É o melhor que pode fazer?

-Não começa, já é a segunda vez que me dizem isso hoje. – Falei, bufando, e ele riu.

-Dia difícil? – Ashley perguntou atrás de mim.

-Mês difícil. – Respondi, arrancando com o carro.

O resto do caminho foi preenchido com Kratos tagarelando sarcasmos e coisas imbecis. De vez em quando eu ria, de vez em quando eu devolvia na mesma moeda. Com ele sempre foi assim, quem visse de fora poderia jurar que nós nos adiávamos. E eu nunca daria o braço a torcer dizendo o contrário.

Estacionei e saímos, subindo as escadas.

-Prontos para conhecer a trupe? – Perguntei quando chegamos à porta.

Entramos e não havia ninguém na sala. Milagres acontecem.

-Seja lá onde vocês estiverem, venham até aqui, por favor. – Chamei, e não demorou muito todos estavam lá, menos Beta e Matt. Eu podia ouvir o coração de Beta no segundo andar, ela deveria estar dormindo. – Cadê o Matt?

-Você sabe cadê ele. – Anne respondeu. Claro que eu sabia. Karine. Meu Deus, eram três da manhã.

-É, nem sei porque eu ainda pergunto. Bem gente, essa é Ashley, uma amiga. Aquele é Kratos, o saco de batatas que ela carrega com ele. – Eu disse, e Ashley segurou a risada. O bom dela é que mesmo estando com ele ela ria quando a gente começava com a sessão piadinhas.

-Muito engraçado. – Ele respondeu, bufando.

-Esses são Kronus, Hecate, Anne e Gabi. – Terminei a apresentação.

-Prazer. – Kratos e Ashley falaram ao mesmo tempo.

-Bem, vocês fiquem à vontade, a casa é de vocês. – Disse Hecate, toda anfitriã.

-Obrigada. – Ashley agradeceu, gentilmente.

Eles voltaram a fazer o que quer que estivessem fazendo anteriormente, e ficamos só nós três na sala. Eles se sentaram juntos no sofá e eu me sentei na poltrona próxima, que ficava mais ou menos de frente para o sofá.

-Eu tenho absoluta certeza que vocês não estão aqui por estarem morrendo de saudade de mim, apesar de eu saber o quanto Kratos me ama.

-Giuliet, você pode relaxar por cinco minutos? – Ashley disse, cautelosa.

-Bem que eu gostaria de relaxar, se eu tivesse tempo.

-Acho que por uma noite seis marmanjos centenários conseguem sobreviver sem estresse, não? – Kratos perguntou, tentando me convencer.

-Acontece que eu não tenho apenas marmanjos centenários para me preocupar. Já faz um tempinho desde que nós conversamos, você não sabe ainda.

-Não sei o que?

-Está ouvindo essa batida? – Perguntei, ficando em silêncio para que o coração de Beta pudesse ser ouvido.

-Estou, e estava realmente me perguntando o que diabos é isso.

-Bem, isso é um coração. – Respondi simplesmente, deixando-o tirar suas próprias conclusões. Claro que ele tirou as conclusões erradas.

-Você está mantendo um humano aqui? Giuliet, não me diga que você se envolveu com um...

-Claro que não! Ficou louco? – Falei, mais alto do que deveria. – Não é um humano. É uma criança híbrida.

-Ah, é, eles estão começando a aparecer de novo, me contaram isso. – Ele falou, dando de ombros.

-Pois bem, eu só descobri que eles eram possíveis três anos atrás, muito obrigada por ter citado isso nos dois anos que eu te aturei.

-Você não achou os dois anos tão ruins assim, admite. – O sorriso idiota havia voltado ao seu rosto.

-Gente, foco! – Ashley disso, nos chamando de volta ao presente.

-Perdão. Três anos atrás a encontrei, o pai estava sendo morto e a salvei de ir pelo mesmo destino. Bem, ela vive conosco desde então. Ela tem cinco anos, mas parece ter quase dez anos. – Naqueles dois meses ela havia crescido quase um ano, o processo estava se acelerando cada vez mais. O recorde era crescer três centímetros em um dia. Ela já batia no meu peito. – Eu prometi ao pai dela que cuidaria dela. Eu prometi a ela que nada a aconteceria. Eu não tenho tempo para relaxar cinco minutos.

Eles dois trocaram um olhar e ficaram em silêncio um tempo. Mas Kratos era absolutamente incapaz ficar muito tempo quieto.

-Sabe o seu problema? Você promete coisa demais. Faz promessa para criança, faz promessa para vampiro desconhecido a beira da morte, faz promessa para comedor de polenta*...

-Kratos! – Ashley o chamou atenção com um olhar de advertência.

Kratos e Andreas se encontraram uma vez. O resto dos Volturi haviam saído para caçar e estávamos só nós dois em casa, então Kratos apareceu. Eu nunca entendi o porquê, mas um não foi com a cara do outro. Pensando melhor, sendo Kratos intransigente como consegue ser, eu entendia perfeitamente porque Andreas não havia gostado dele. O grego não deve ter gostado do italiano simplesmente porque deve ter percebido que não havia agradado. Andreas era um ótimo ator, mas pecava quando tinha que fingir gostar de alguém. E Kratos era velho, percebia essas coisas. Depois desse dia, para Kratos, Andreas era o “comedor de polenta”, e para Andreas, Kratos era o “enviado de Hades”. Eu, obviamente, concordava mais com a visão de Andreas, apesar de achar que Hades deveria ter uns enviados mais capacitados.

O problema era que a última vez que eu ouvira aquilo, Andreas estava do meu lado para fechar a cara.

-Tudo bem, Ashley. – A tranqüilizei e me virei para ele novamente. – Eu não me arrependo de nada que tenha prometido. Agora, vamos manter essa conversa no presente.

-Tudo bem, então. Bem, então me esclarece uma dúvida. – Ele se inclinou para a frente, muito sério, como se fosse confidenciar o maior segredo do universo. – Ela não fica te chamando de mãe pelos corredores não, certo?

Como eu não respondi, ele riu alto, aquela risada grossa que parecia um rugido. Revirei os olhos enquanto Ashley o fazia parar com um olhar fulminante. Eu quase retribuí o mesmo bom humor citando como ele ficava bonitinho com a coleira que a parceira havia posto nele, mas achei melhor guardar para mim.

-De qualquer forma, eu não tenho nem mais um minuto para gastar. Portanto, sinto muito, mas eu preciso de qualquer informação que você tiver.

Kratos bufou, se recostando novamente no sofá, me encarando, sério.

-Melhor dizer logo. – Disse Ashley, e Kratos concordou com a cabeça.

-Tudo bem então, já que você perdeu o humor por aí. Você conhece um vampiro chamado Eleazar? – Dei de ombros, o nome não me era familiar. – É, imaginei que não. Mas ele conhece você.

-Uau, muito perspicaz esse aí. – Debochei, não perdendo a oportunidade.

-Bem, para viver seis mil anos, ele é bem perspicaz mesmo.

-Quantos? – Perguntei, quase levantando da cadeira com a informação. – Seis mil? Como isso é possível?

-Sabia que ia te impressionar. Seis longos milênios, e eu me gabo de ter vivido dois. – Deus, eu me gabava de ter vivido meio.

-E como eu não conheço esse ser? – Perguntei, voltando a relaxar na cadeira.

-Ele não está vivo esse tempo todo a toa. Poucos sabem que ele existe. Ele se diz detentor da história da espécie. Ele é só o vampiro mais velho da nossa espécie, ele foi seguidor do primeiro governante. Olha que curioso, eu descobri que você é o número quinze na lista de governantes, não é legal?

-É, maravilha, mas o que ele tem a ver com isso. – Então eu percebi uma coisa e, apesar de ter segurado o sentimento, bateu um desespero. – Não é ele que está...

-Não, não! – Suspirei aliviada. Como eu ia lidar com um vampiro daquela idade? – Na verdade, é bem o contrário.

-Então ele rastreou quem é e mandou você vir me dizer que não vou ter problemas com isso mais. – Afinal de contas, esse era o “pelo contrário” mais plausível.

-Também não. Ele disse que explicaria tudo por aqui. – Kratos disse, tirando um envelope do bolso e estendendo para mim.

Era um envelope branco, na frente era preso por um selo cor de marfim, com um símbolo de uma serpente saindo de um cesto. Não havia nada escrito ao redor do envelope. Encarei Kratos e Ashley com uma sobrancelha levantada.

-Selo de cera? Sério? – Perguntei, quebrando a serpente e abrindo o papel.

-Ele mantêm alguns costumes antigos. – Kratos respondeu, dando de ombros.

-Algumas pessoas mais velhas não se livram de certos costumes, sabe como é. – Ashley disse, um olhar debochado virado para Kratos, que ele ignorou com dignidade. Eu tinha que me lembrar de perguntar a respeito disso depois.

Abri a carta, folhas comuns escritas por uma caligrafia elegante, trabalhada, e até um pouco difícil de ler. A carta fora escrita em latim. Fazia, no mínimo, trezentos anos que eu não tinha que usar latim para alguma coisa. Não é porque ele era velho que ele tinha que agir como tal.

“Para Giuliet Collins Volturi, Líder do Clã Volturi, Governante da espécie dos Vampiros.

Há razões para que nunca tenha ouvido falar de minha existência, não ache que me escondi, de todos os quinze governantes que nossa espécie já viu, apenas mais dois me conheceram. Então, deixe-me explicar quem sou.

Nasci séculos antes de grandes civilizações, quando a primeira das grandes religiões ainda estava em seu berço. Fui um humano do Oriente Médio, vivendo em tendas no meio do deserto. Então fui transformado. O mundo de nossa espécie era completamente diferente, como terei a oportunidade de lhe explicar quando estivermos frente a frente.

Como vampiro, tive a grande honra de ser servo pessoal do primeiro dos Quinze (modo como me refiro a vocês, e será este o nome até que tenha um sucessor, se tiver), um visionário que governou nossa espécie por dois mil anos, mil antes de minha transformação. Como é de se prever, como todos os outros treze, ele caiu. Desde sua queda, tomei uma difícil decisão. Decidi que, já que o futuro era imprevisível, alguém deveria se resguardar e, desta forma, resguardar a história de nossa espécie. Passei anos pesquisando os nossos princípios, tudo que acontecera antes de minha vida, e a documentar o que acontecia. Hoje eu sei tudo que aconteceu, tudo que acontece e tenho excelentes teorias do que vai acontecer. Tenho olhos que abrangem o mundo.

Deve se perguntar, neste momento, porque eu venho até você agora. Essa é a grande pergunta, pois nem mesmo eu sei esta resposta. Porém, alguns de meus olhos tem visto coisas que me fazem querer voltar a participar do mundo.

Pode não saber ainda mas, se as coisas continuarem no caminho atual, o mundo como conhecemos irá se ruir, virar uma lembrança saudosa. E, por isso, estou quebrando o voto de ser neutro.

Em seis mil anos, não aprendi apenas história. Na verdade, eu carrego comigo toda a habilidade de uma espécie que já foi três vezes mais poderosa do que é hoje, assim como os humanos. E o que eu tenho a lhe oferecer é uma oferta em um milhão, seria tolice e suicídio não aceita-la.

Abrigo-me em um lugar no extremo norte do que hoje é chamado Canadá, um lugar isolado, frio e deserto. Aqui, no subsolo, mantenho um espaço gigantesco onde posso guardar seis mil anos de conhecimento e técnica. Milênios que, agora, eu ponho à sua disposição. Apenas vampiros milenares sabem onde vivo, então se sinta honrada.

Acredito que não irá querer abandonar o seu clã, mas não acho que você tenha opção. Precisará de muito mais que força para vencer o que está por vir. Você pode negar, claro que pode, mas não diga que eu não tentei, mas não seja teimosa. Muitos teimosos caíram antes de você. Baltasar, Yalon, Veuliah, Elemiah, Rochel, Durstan, Albion, Lazaro, Arturo, Owen, Cedric, Pierce, Hugh e Andreas. Todos caíram, o que não quer dizer que você tenha que cair na mesma estupidez.

Peça para Kratos te trazer até mim e ele o fará. Não haverá segundas chances, tome sua decisão corretamente. Não é uma armadilha, eu não sou um desses selvagens. E, se vier, é bom que tenha decidido realmente estar aqui, pois irá precisar querer. Não se preocupe, não acontecerá nada enquanto você estiver longe. Antes que eu me esqueça, venha só.

Que a sorte e a sabedoria estejam ao seu lado,

Eleazar, o que fora uma vez braço direito de Baltasar, o Primeiro, e detentor do legado dos vampiros.”

Quando eu penso que não pode existir mais maluco no planeta, me aparecem essas coisas. O que diabos era aquilo na minha mão? E quem diabos esse tal “Eleazar, braço direito de não-sei-quem” pensava que era?

Além do mais, Giuliet Collins Volturi? Sério que alguém lembrava da existência infeliz do Collins?

-Kratos, agora você se superou. Mas o que é isso? – Perguntei, arremessando a carta para ele.

Os dois começaram a ler. Ashley pareceu desistir quando viu que era latim, mas Kratos não parou. Eu nunca o havia visto arregalar os olhos, isso não era bom sinal.

-Uau. – Ele disse quando terminou, me devolvendo a carta. – Acho que ele gosta de você.

-É, deu para perceber pela delicadeza que ele demonstrou ao dizer que ou eu ia pra lá ou eu ia acabar como os outros quatorze. Ele nomeou todos! Eu só sabia até Hugh, pelo menos uma coisa eu aprendi com isso. – Botei a carta de lado. – Então, é só isso?

-Como só isso? Ela a quer lá, ele quer te ensinar seja lá o que for. Como não está arrumando as malas? – Ele perguntou, abismado.

-Giuliet, eu não sei o que ele disse, mas até onde eu sei, ele nunca ofereceu isso para nenhum vampiro governante. – Ashley disse, também tentado me convencer. – Não desperdiça a oportunidade.

-Vocês ouviram alguma coisa do que eu falei? Eu não posso sair.

-Você leu alguma coisa que ele escreveu? Não vai acontecer nada.

-Claro, e eu vou confiar em um vampiro que eu nunca vi na vida. Ainda mais um que viveu doze vezes o tempo que eu vivi! Isso não vai acontecer.

-Eu o conheço. – Ele insistiu. – Eu juro que ele diz a verdade. É seguro, e seria bom para você.

-A Capital também seria boa para mim, segundo você, e eu acabei no meio de uma revolta contra um psicopata sem poder fugir. – Levantei o tom de voz, perdendo a paciência.

-É, e você também conheceu um parceiro com quem viveu cem anos e depois virou a líder da espécie, o que, indiretamente, te levou a conhecer todos do seu clã e aquela criança que você protege. – O tom de voz dele não se alterou. Não precisava, ele estava com a razão. Maldito.

Fiquei em silêncio olhando de um para o outro, sem saber o que decidir. Deixar meu clã para trás para aprender e sobreviver a seja lá o que for, ou ficar para defender e, da forma como sempre fiz, conseguir superar os problemas. A Capital havia sido o maior erro que eu cometi, mas ao mesmo tempo o maior acerto de todos. Kratos podia não valer o chão que andava, mas ele não era um traidor. Pelo menos, eu achava que não.

-Se eu for, quanto tempo isso vai durar? – Perguntei, olhando para o chão.

-O tempo que ele achar necessário. O seu clã vai estar protegido, eu tenho certeza de que ele vai se assegurar disso.

-Eu preciso conversar com eles. – Falei, me levantando. – Esperem aqui.

Eles concordaram e eu subi as escadas. Como todos provavelmente ouviram, estavam aguardando no meu quarto. Todos tinham um olhar confuso no rosto, menos Hecate. Ela olhava pela janela, distante. Se eu fosse embora por um tempo, ela teria que lidar com tudo aquilo. Território, lobisomens, Michael Carter, e qualquer coisa que apareça. Ela era excelente para me dar apoio, me ajudar a enxergar o caminho certo, mas quando ela tinha que tomar a frente ficava insegura. Eu também fui assim, até eu não ter opção.

-Vocês ouviram, certo? – Eles concordaram. – O que vocês acham?

-Eu não sei ao certo, mas se estamos mesmo correndo perigo, vá. – Kronus estava em pé encostado na parede.

-Parece importante. Não custa nada dar uma olhada. – Anne concordou.

-Eu vi a mente dele. Kratos parece conhecer esse Eleazar, parece realmente confiar nele. Eu tenho medo do que pode acontecer se aquilo for verdade. – Gabi disse, se encolhendo.

-E você, Hecate? – Perguntei, quando ela não disse nada.

-Eu acho muito arriscado, mas parece que nada é arriscado também. Por mim, tanto faz, desde que você não vá direto para uma fogueira. – Ela deu de ombros, me encarando agora.

-Eu vou precisar que você segure as pontas por aqui.

-Eu sei disso, não fica preocupada.

-Obrigada. Eu... droga, eu não me sinto bem indo.

Gabi tocou meu ombro, tentando me dar apoio. Ela estava na minha mente o tempo todo, entendia mais ou menos como era. Dei um sorriso de volta e olhei ao redor do quarto.

-Bem, eu tenho que arrumar minha mala, quem quer me ajudar?

-A gente pode pintar de preto o fundo da mala, o resultado vai ser o mesmo. – Kronus disse, um sorriso surgindo nos lábios.

-Muito engraçado. – Falei enquanto pegava uma mala que havia em cima do guarda-roupa.

Com a ajuda deles, estava tudo lá dentro em questão de minutos. Eles brincavam uns com os outros, o clima era descontraído, mas não atingia a mim. Nem a Hecate. Ela também achava que tinha algo errado nisso, mas os outros também não estavam errados, e se fosse verdade?

Coloquei minha mala perto da escada e fui até o quarto de Beta. Aí está a pior parte, deixa-la sozinha lá. Abri a porta e ela estava deitada na sua cama, dormindo. Havíamos conseguido fazer um quarto jeitoso, com uma cama rosa, mobília branca e rosa, carpete branco e papel de parede rosa claro. Ela havia escolhido tudo, toda vez que eu entrava lá me sentia em um universo paralelo onde rosa era uma regra, mas hoje eu não estava ligando para isso.

Cheguei perto e me sentei na beirada da cama. Ela nem sequer se mexeu, então a acordei gentilmente. Ele coçou os olhos e me olhou, mal conseguindo os manter abertos. Não pude deixar de sorrir.

-Já é de manhã? – Ela perguntou, a voz grogue.

-Ainda não. É que eu preciso falar com você, vai ser rápido. – Eu disse, a voz mais suave o possível.

-O que foi? – Ela se sentou, coçando os olhos de novo.

-Aconteceram umas coisas e eu vou ter que viajar por um tempo.

-Quanto tempo?

-Eu não sei. Podem ser dias, semanas, ou mesmo meses. – Eu esperava que a conta parasse em meses.

-Por que?

-Bem... eu só tenho que ir. Mas eu volto, não importa o quanto demore.

-Posso ir junto? – Ela perguntou, um pouco mais acordada.

-Infelizmente não. Seu lugar é aqui, junto dos outros. Fica bem, ok?

Ela acenou em concordância com a cabeça e eu a trouxe para mim, a abraçando. Talvez fosse bom ficar um tempo longe, eu estava me apegando a ela, meu histórico mostrava que não era bom se apegar a ninguém para o meu próprio bem. Mesmo que não fosse muito tempo, aquela quebra talvez fosse benéfica. Ok, quem eu queria enganar, eu podia ficar séculos longe que para mim não ia mudar nada.

A deitei novamente e a cobri.

-Volta a dormir, descansa. – Lhe dei um beijo na testa. – Boa noite.

-Tchau, mãe.

Esperei que ela cochilasse para sair. Peguei minha mala e desci as escadas, estavam todos no primeiro andar aguardando. Arremessei a bagagem para Kratos, não muito delicadamente.

-Faz alguma coisa de útil, carrega minhas coisas.

-Tudo bem então Giuliet Volturi, líder do clã Volturi, governante da espécie dos vampiros.

-Não começa a palhaçada.

A despedida não durou muito. Dei a Hecate umas pequenas ordens, só para ela achar que estava obedecendo alguma coisa. E me lembrei do Matt.

-Quando o Don Juan chegar, expliquem pra ele. E digam que eu mandei ele não fazer nenhuma besteira até eu voltar.

Eles riram e concordaram. Eu, Ashley e Kratos descemos e nos dirigimos para a garagem. Kratos ainda tentou me convencer a deixa-lo dirigir, mas nem pensar. Ele já estava me tirando de casa, não ia tocar no meu carro também. E eu esperava sinceramente entrar naquela vaga novamente o mais breve o possível.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Polenta é um prato típico italiano, é algo semelhante à massa do angu frita. Muito bom por sinal, recomendo. xD



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.