Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth escrita por G_bookreader


Capítulo 17
Chamado do Dever - 1668




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Eu era a governante. Isso girou na minha cabeça centenas de milhares de vezes. E o máximo que eu podia fazer era ficar ali, deitada, por vários dias, sem mexer um músculo.

Minha garganta queimava de sede. Era o preço por estar curando um braço sem sangue. Se eu tivesse me alimentado, provavelmente ele já estaria bom. Mas não, estava ali, ainda terminando de colar. Até os movimentos voltarem, demoraria mais dias. Tanta fazia, eu não havia me movido um centímetro durante aquele tempo.

Por sorte, ninguém teve a excelente idéia de vir me ver. Eu ouvia eles passarem em frente à porta, pararem, mudarem de idéia e irem embora. Até que alguém tomou coragem e abriu a porta. Era Fátima.

Ela não estava bem. Quando me encarou, parada à porta, parecia anos mais velha. As olheiras de sede estavam presentes, sinal de que ninguém caçara desde então.

Ela se sentou na mesma cadeira que Hecate dias antes. Mas, ao contrário da outra, ela me olhava.

-Giacomo vai à cidade caçar. Ele vai trazer alguém para você.

-Não há necessidade. – Eu disse, seca.

-Você precisa se alimentar para se curar.

-Eu não preciso. – Respondi, no mesmo tom.

Ela ficou em silêncio. Talvez eu houvesse sido um pouco grossa, mas era incapaz de agir de outra forma.

-Giuliet... você não precisa se fingir de forte agora. Você precisa de sangue.

-Como eu disse, eu estou bem.

Ela ficou em silêncio de novo, terminando com um suspiro.

-Ele era meu irmão. Eu sei como é. – Ela disse, um pouco de sinceridade demais na voz.

-Eu sei que sabe.

-Posso pelo menos ver como está o ombro?

Concordei com a cabeça e ela me ajudou a me sentar, logo depois retirando a camisa que amarrava as minhas duas partes. Pelo menos o ombro não cedeu com o fim do aperto. Mas ainda faltava se unir mais em cima. Ficar solto aliviou um pouco a dor, mas ainda doía.

-Eu acho que vai ficar uma cicatriz desagradável.

-Acho que esse é o menor dos meus problemas. – Falei, o tom um pouco mais leve. Ela realmente não tinha culpa.

-Giacomo já deve estar chegando. – Ela disse, empurrando novamente meu ombro e amarrando. Dessa vez eu não berrei, a dor foi bem menor. – O que a gente vai fazer?

-Como assim?

-Eu sei que é meio demais perguntar algo assim agora, mas a gente tem que decidir o que fazer. E, bem, agora você é quem manda.

-Eu já me dei conta disso. O que não significa que eu tenha a menor idéia do que a gente deva fazer. Uma coisa é certa: aqui eu não fico.

Ela concordou. Ninguém iria querer ficar ali.

Permaneci sentada na cama, já que teria que me levantar novamente para me alimentar. Quando encarei minhas mãos, postas sobre meu colo, vi o anel. Eu não conseguia mover meu braço ainda, mas com a mão direita consegui alcança-lo.

-Isso não deveria ser meu. – Falei, mais para mim do que para Fátima.

-Se ele te deu, é porque deveria.

Eu já ia discutir quando Giacomo chegou a terceiro andar. Junto com ele um gemido desesperado, abafado. Quando ele entrou no quarto, entendi o porque. Nos braços ele trazia um homem grande o suficiente para carregar uma quantidade boa de sangue. O monstro dentro de mim falou mais alto, a garganta ardeu e minha boca se encheu de veneno. Quando Giacomo posicionou o pescoço perto do meu rosto, não pensei duas vezes antes de abocanha-lo. O gosto desceu pela minha garganta me tornando um pouco mais viva, a sede acabando, a dor no ombro aliviando. Quando acabou, eu ainda queria mais. Mas era o suficiente. Tiraram da minha frente e pude analisar melhor a cena. Eu não havia me sujado, não havia desperdiçado uma gota sequer. Enquanto Giacomo retirava o corpo sem falar uma palavra sequer. Ele estava um pouco melhor que Fátima apenas. Fátima foi logo atrás dele, me dando um sorriso fraco e desaparecendo pela porta.

O resultado do sangue não demorou a aparecer. Eu quase podia sentir o meu ombro se unindo. Eu estava mais ligada, minha mente não estava mais anuviada. Olhei ao redor, para o quarto, que se iluminava com o a luz do sol.

Estava ficando insuportável permanecer naquele quarto. Parecia que cada farpa da madeira do piso me trazia uma memória diferente, casa poeira da nuvem que a luz expunha, cada tudo. Deus, eu só queria sair dali. Daquele quarto, daquela casa, daquele país. E, ao mesmo tempo, eu não conseguia seguir em frente. Eu não conseguia conceber a idéia de abandonar aquele quarto, aquele piano, aquela casa. Será que vampiros não perdiam o juízo mesmo?

Meu braço demorou mais dois dias para se juntar. Quando consegui mover o braço me dei conta que poderia sair de minha prisão particular. Tirei a blusa que me amarrava e girei o ombro. Ele estava funcionando, mas eu sabia que ele nunca mais seria o mesmo.

Tirei as roupas destruídas que eu vestia e abri o armário para pegar qualquer coisa utilizável. Péssima idéia. Eu não precisava sentir o perfume que vinha das roupas que estavam ali dentro.

Tentando ignorar as roupas que não eram minhas, peguei a primeira coisa que me apareceu na frente e vesti. Se você esperava que, naquela época, vampiras usassem vestidos da moda, mentira. Usávamos, na maioria das vezes, roupas masculinas que eram menores. É impossível ser um vampiro com as roupas femininas humanas.

Mas faltava alguma coisa. Eu me senti mal me vestindo daquela forma, roupas tão claras. A leveza da cor me irritava. Comecei a remexer no armário, procurando qualquer coisa, e já estava quase desistindo, quando a encontrei. Era uma capa negra com um capuz. Sem detalhes, sem nada, apenas a escuridão da cor. Eu tinha uma leve idéia de ter a achado quando achamos aquela casa. Era perfeita.

A vesti, e ela serviu maravilhosamente bem. Ia até os pés e cobria as mãos. A amarrei ao redor do pescoço e coloquei o capuz.

Não parei para olhar o resultado, sabia que era o que eu queria. Desci os andares rapidamente, me demorando mais na última escada. Eu podia sentir o olhar dos outros em mim enquanto eu descia, mas só os encarei quando cheguei ao fim da escada.

Eles me encaravam parados. Hecate parada no batente da porta, Giacomo sentado no sofá com Fátima encostada nele, encolhida.

Eu estava no meio da sala, mas ao invés de falar algo, só olhei ao redor. Meus olhos se prenderam no piano por um tempo, mas eu não permiti que fosse muito. Fechei os olhos e deixei que a faceta de líder assumisse, mesmo que fosse isso, uma faceta. Eu precisava torna-la mais real, mas isso viria com o tempo.

-Nós não vamos poder ficar aqui, certo? – Perguntou Hecate, quase em um sussurro, temendo quebrar o silêncio.

Fiz que não com a cabeça, e eles concordaram com a cabeça. Abaixei minha cabeça, procurando algo de interessante no piso.

-Eu não consigo ficar aqui nem mais um segundo. – Falei, a voz sincera.

-Acho que nenhum de nós consegue. – Hecate falou.

-Se quiserem levar alguma coisa, melhor irem arrumar. Têm o tempo que quiserem.

Hecate subiu, Fátima também, e Giacomo ficou ali, parado.

-Você não tem nada para levar? – Perguntei.

-Não.

-Giacomo, eu... eu sei que deveria ser você no meu lugar. Mas, ele me fez prometer que...

-Eu sei. – Ele disse, me cortando. – Eu não tenho o menor interesse nisso.

Acenei com a cabeça e saí de perto, andando aleatoriamente pela sala. Demorei para perceber aonde estava indo. Quando vi, estava ao lado do piano. Toquei sua superfície lisa, incapaz de fazer qualquer coisa além disso. Me perguntei se algum dia conseguiria tocar um novamente. Aquele ficaria ali, pereceria junto com a poeira.

Depois de algum tempo, Hecate desceu com uma bolsa cheia de coisas e veio na minha direção.

-Peguei os seus diários. – Disse, revirando algo lá dentro.

-Não há necessidade.

-Há sim. E também peguei isso. – Ela disse, me entregando um livro com encadernação negra.

Abri o livro e vi a caligrafia elegante e um pouco deitada. Aquilo era de Andreas.

-Eu não sabia que ele tinha um diário. – Eu disse, confusa.

-Ninguém sabia. Mas ele deixou em um lugar fácil de encontrar na última vez que escondeu. Estava sobre os seus. – Disse Fátima, que descia as escadas.

Era um livro gigantesco, deviam haver milhares de coisas ali dentro. Por que isso só havia aparecido naquele momento? Só conseguia pensar em uma coisa: ele queria que fosse encontrado depois que morresse.

-E eu peguei as suas pinturas. – Disse Hecate, se virando para Giacomo. Ele simplesmente deu de ombros. – Alguém tem que conservar as memórias desse clã, já que vocês aparentemente abandonaram esse costume.

-Vamos? – Giacomo perguntou, se levantando.

Concordamos e deixamos a casa. Quando ela saía de nossa vista, dei uma última olhada para trás. Começava a chover novamente. Quando o tempo tinha virado? Bem, não interessava, deixei que a chuva me molhasse, enquanto meus fantasmas ficavam para trás. Enquanto eu deixava de ser quem eu era antes. Enquanto um novo eu nascia.

A chuva insistiu, ficando mais forte e trovejando. Conseguimos proteger os livros, mas não acreditava que a proteção feita por várias peças de roupa fosse resistir muito tempo. Decidimos então procurar um lugar para nos abrigar enquanto a chuva não diminuía. Como estávamos seguindo pela beirada de uma cadeia de montanhas, não foi difícil achar uma caverna que nos abrigasse. Todos foram para o fundo, mas eu fiquei na abertura, vendo a água cair. O silêncio era desagradável, mas ninguém tinha nada o que conversar. Em certo ponto, eu havia bloqueado o mundo ao meu redor, fechando os olhos e apoiando na parede da caverna. Tudo que havia era eu e o som da chuva, uma música sem fim. De alguma forma, aquele som me acalmava. Como se sussurrasse em meu ouvido que tudo ficaria bem, como se me protegesse de alguma forma. Mesmo que eu não tivesse mais o direito de ter qualquer tipo de proteção, mesmo que agora eu fosse a proteção do mundo.

Mas, ao mesmo tempo, a solidão me atingiu de forma violência e impiedosa. A verdade era que eu não tinha ninguém. Minha família havia ficado completamente no passado, mortos há anos, em toda a sua fraca e certa humanidade. Eu não tinha ninguém no meu mundo, na minha espécie. Havia o meu clã, era verdade, mas eu sentia agora que havia uma parede entre nós. Eles agora eram minha responsabilidade de uma forma totalmente surreal. Alguma vez eu citei que eu era a mais nova de todos? Hecate tem, pelo menos, vinte anos a mais.

Hugh deixou de ser monstruoso ao meu olhar. Ele não tinha clã, família, e viu todos que amava serem mortos. Sua loucura para mim, naquele momento, era totalmente aceitável.

Levantei e fui até a bolsa onde estava os livros. Percebi o olhar dos outros em mim, como se eu fosse uma espécie de ser de outro mundo. Peguei o diário e voltei para o meu lugar de antes. Procurei a última coisa escrita e comecei a ler, sem saber se agüentaria o que estava ali.

09 de Agosto de 1668

É, sem dúvida, o dia mais difícil da minha vida. Eu sei o que vai me acontecer, sei que é a melhor maneira, mas eu não posso deixar isso aparecer. Como se eu já não tivesse feito isso, Giuliet não é idiota. Ao menos ela concordou em me ouvir sem se rebelar.

Eu já vi tudo o que vai acontecer amanhã. Eu vou alcançar o líder, mas provavelmente não vou sair de lá. Giuliet vai se ferir gravemente, mas meus irmãos e Hecate irão conseguir tira-la de lá. Eu os direi para, em hipótese nenhuma, deixa-la voltar para a luta caso se machuque. Senão, tudo irá por água abaixo. Nem que eles tenham que amarra-la até que tudo acabe. A outra opção é totalmente absurda. Nunca permitiria que isso acontecesse. E para que isso não aconteça, eu estou disposto a me entregar.

Mas toda a decisão não torna o partir mais difícil. Fátima ainda não percebeu, por sorte. Eu não conseguiria mentir para as duas. Eu já não sei como será ir em frente sem as duas, não preciso piorar as coisas.

Aproveito agora cada segundo ao lado delas. Principalmente Giuliet, eu tenho certeza de que ela vai ficar bem e vai liderar bem, mas ela tem o péssimo costume de não se convencer disso. Mas quando ela receber a notícia de minha partida, vai entender que é ela quem deve fazer isso. Ou pelo menos que eu quero que ela faça isso.

Hoje estou reparando em todos os detalhes de tudo, mas não sei se está me tornando mais forte ou mais incapaz. Toda vez que vejo Fátima rindo de alguma coisa me lembro do nossa infância, em como eu jurei para mim mesmo protege-la por cada dia da minha existência. Mas ela não é o pior.

Eu vejo a preocupação de Giuliet em cada movimento, respiração ou olhar dela. Não era essa a minha intenção, nem a última imagem que eu gostaria de levar. Mas eu ainda tenho as lembranças dos bons tempos. Das visões de quando ela era humana. De quando a vi pela primeira vez no lado de fora da Capital. O dia que ela apareceu na porta da minha casa com raiva por eu não haver contado sobre as regras. Seu abraço quando eu desabafei, aquele dia mesmo. Os anos que vieram depois disso, quando costumávamos nos deitar na grama e passar horas conversando sobre nada de útil, ou simplesmente não conversando, só estando ali. Os cem melhores anos da minha vida passaram como se fossem apenas dez, e agora, quando vejo o fim tão próximo, é difícil me libertar disso. Dar as costas para aquele olhar preocupado sabendo que não o veria de novo. E que aquele olhar carregaria todo o peso do mundo em menos de vinte e quatro horas.

Acho que é a última coisa que escrevo aqui. Não sei se alguém vai achar, não sei se vou deixar em um lugar que alguém ache, só sei que é a última coisa que eu escrevo aqui, e provavelmente a coisa que eu escrevo no geral.

Então, acho que é isso. Adeus.

Andreas Volturi. A próxima vítima das próprias escolhas.”

Eu estava tremendo, eu só não entendia direito por qual sentimento.  Fechei e coloquei o livro do meu lado, não querendo toca-lo cá tão cedo novamente.

A chuva não parecia querer ceder cá tão cedo. No fundo da caverna havia começado uma conversa baixa, mas eu estava totalmente desligada. Tanto fazia, eu não participava dela de qualquer maneira. Eu tinha que agir, que pensar nas minhas ações, mas era como se eu estivesse estagnada naquela simples ação de estar sentada, sem ser capaz de fazer nada.

As horas se arrastaram sem que nada mudasse, até que a chuva resolveu que era hora de parar. O solo estava encharcado e o ar úmido, mas já poderíamos seguir viagem. Levantei, peguei o livro e guardei onde o havia encontrado. Os outros pareceram perceber que era hora de partirmos, pois também se levantaram e começaram a arrumar as coisas.

Eu estava de costas para a entrada quando ouvi um farfalhar estranho nas árvores. Olhei para os outros, mas eles pareceram não notar. Já estava deixando para lá quando ouvi de novo.

-Vocês ouviram isso? – Perguntei. Eles olharam ao redor e ficaram prestando atenção.

De novo. Dessa vez eles ouviram, porque se sobressaltaram. Virei para a entrada da caverna e andei para fora, procurando sinal de alguém ou alguma coisa. Foi estranho fazer isso tão naturalmente, normalmente eu era a que ficava para trás para garantir a reta guarda.

-Quem está aí? – Perguntei para o vazio, e nenhuma resposta.

Os outros haviam se postado ao meu lado. Tentei novamente. Nada. Até que, depois de quase estarmos saindo, o barulho apareceu novamente. De cima de uma árvore desceu uma figura esguia que, relutante, veio em nossa direção.

Era um vampiro, mas estava longe de ter uma aparência ameaçadora. Ele havia sido transformado com menos de quatorze anos, porém mais de dez. Uma criança ainda, ainda mais para a raça que agora pertencia. E, pelo modo como agia, já estava nisso fazia certo tempo. Acho que era o vampiro com idade mais jovem que eu havia visto até aquele dia.

Ele se aproximou de nós, que éramos quatro estátuas tensas e paradas. Ele parou em certo ponto e se ajoelhou, curvando-se em uma reverência. Troquei olhares constrangidos com os outros, aquilo era estranho.

-Olá, senhores. Desculpe se os assustei, não foi minha intenção. – Ele disse, a voz untuosa. Minha sobrancelha estava levantada antes mesmo que eu pudesse controla-la. Eu não precisava olhar, mas provavelmente havia um ar de sarcasmo no rosto de Giacomo.

-Quem você é, garoto? – Perguntei grosseiramente, tentando acabar com a bajulação.

-James Crowney, senhorita Collins. – Ele disse, ainda untuoso.

-Volturi. – Corrigi, rapidamente, e ele levantou os olhos, confuso.

-Perdão. Senhora Volturi.

Olhei para o lado, para Giacomo e Fátima. Eles deram de ombros.

-Você que tinha essa besteira com o nome. Demorou muito. – Afirmou Fátima. Voltei novamente para o garoto.

-Então, James. O que você quer?

-Fazer uma denúncia, senhora. Mas só uma curiosidade, antes. Agora a senhora é a...

-Sou. Agora ande logo. – Falei, perdendo um pouco a paciência. – Que denúncia?

-Bem, de acordo com as leis, é expressamente proibido que humanos saibam da nossa existência. Desta forma, ela também proíbe que...

-Eu criei a lei, acho que sei perfeitamente o que ela diz. Pode ir direto ao ponto? – Apressei, e ele pareceu confuso novamente.

-Sim, perdão. A mulher que me transformou, como vocês podem perceber perfeitamente, me transformou muito jovem. Mas acho que agora ela passou dos limites, meus senhores. Há uma criança em processo de transformação.

-Quantos anos tem essa criança? – Perguntei, começando a me preocupar pela primeira vez.

-Cinco, senhora.

Olhei perplexa para os outros, e vi o mesmo sentimento de perplexidade neles. A lei havia existido havia cem anos e nunca havíamos recebido uma denúncia de transformação de crianças. Recebíamos de diversas coisas, mas não daquilo.

-Como nos achou, Crowney? – Perguntei.

-Eu os busquei em sua residência, mas a encontrei vazia e abandonada. Segui seu rastro até essa caverna.

-E como eu posso ter certeza de que não está nos levando a uma emboscada?

-Porque eu não suportaria ver uma criança tão nova passar pelo sofrimento de ser um recém-criado, assim como nenhum de vocês, suponho.

-Você conhece essa criança? – Fátima perguntou, eu percebi o seu tom desconfiado.

-É meu irmão mais novo, senhorita. – Ele respondeu, sua voz mais real um pouco. – Ele tinha três anos quando ela me tomou.

Ele não precisou falar mais nadam, havia apertado o botão certo.

-Espero aqui. – Falei, e acenei para os outros, fazendo-os voltar para a caverna. Lá, começamos a decidir. – É uma criança vampira, isso é um perigo. Temos que fazer alguma coisa.

-Acha que é uma emboscada? – Perguntou Fátima.

-Não. Ele seria um ótimo ator se fosse. É o irmão dele. – Eu falei a última parte sem pensar no que ela poderia parecer. Vi Fátima encolher, mas já havia falado, tanto fazia. – Vamos então?

Eles acenaram com a cabeça, e voltamos para perto do garoto.

-Nos leve até lá. – Eu disse, e seu rosto se iluminou na hora.

-Claro, sigam-me! – Ele disse, se virando e já andando.

-Espera um minuto. – Eu falei, e ele virou-se novamente para nós. – Você sabe que nós estamos indo para proteger a lei, e não seu irmão, certo?

Ele pareceu confuso um momento, depois entendeu o que eu quis dizer. Não nos responsabilizávamos por seja lá qual fosse o fim do menino, a lei seria a prioridade.

-Sim. – Ele disse, a voz sem o ânimo de antes.

-Pode ir andando.

Deixamos nossas coisas escondidas na caverna e fomos, depois voltaríamos para busca-las.

James foi quieto o caminho inteiro. Todos nós fomos. A última coisa que qualquer um de nós queria naquele momento era um problema para resolver. Os únicos sons eram de nossas roupas e do solo molhado.

Andamos a noite toda e um pouquinho da manhã quando finalmente chegamos. Era uma casa praticamente miserável, devia ter dois cômodos, de madeira podre, caindo aos pedaços. Eu podia ouvir um movimento lá dentro. Aproximei-me do garoto, para que pudesse falar com ele tranqüilamente.

-Tem certeza, garoto? – Perguntei. – Bem ou mal, é o mais próximo de família que você tem.

-Meu irmão não vai ser assim. – Ele respondeu, e eu concordei com a cabeça. Eu faria o mesmo sem pensar duas vezes.

Acenei para os outros e corremos para a casa, usando o elemento surpresa. Giacomo arrombou a porta e segurou uma vampira de estatura mediana, cabelos negros e feições angulosas. Ela se contorceu nos seus braços, mas nem em um milhão de anos conseguiria se soltar.

-Vasculhem o resto da casa, procurem mais alguém.

Elas foram e, instantes depois, voltaram com um garotinho nos braços que, apesar de assustado, não reagia. Eu fiquei em choque quando o vi. Era um menininho de cabelos muito negros, que agora faziam um contranste com sua coloração branca, típica da nossa espécie. Era, de longe, a criança mais bonita que eu já havia visto. Tudo nela me levava a sentir simpatia por ela, o menor piscar de olhos. Ele me encarou com os olhos agora vermelhos, mesmo em toda a sua inocência os instintos ainda agiam. Porém, não se debateu. Quando Hecate o colocou no chão, ficou de pé, parado.

Com um pouco de esforço para desviar o olhar dele, me virei para a mulher.

-Fala italiano? – Perguntei. Ela não reagiu. – E inglês? – Falei, falando em minha língua natal depois de anos sem usá-la. Falávamos italiano entre nós. Com a mudança de idioma, ela prendeu sua atenção em mim e acenou um sim. – Você sabe que transformar crianças é um crime irreparável contra a nossa lei, pois bota nosso segredo em perigo, certo?

-Sim. – Ela disse, abaixando a cabeça. Na verdade, todos pareceram um pouco menores na sala, não compreendi bem o porque.

-E você entende que, com isso, temos que tomar uma decisão, certo?

-Sim.

-Ainda bem. Qual o seu nome?

-Haydée. – Ela disse, sem dizer um sobrenome. Provavelmente não tinha um.

-E então, Haydée, você tem algo a dizer em sua defesa?

-Eu estava grávida quando fui transformada. Meu filho morreu pela transformação, eu nuca cheguei a vê-lo. A mãe desses meninos não cuidava deles devidamente, então não achei que fosse problema dar uma vida melhor a eles.

-Você os tirou de suas casas, de suas famílias, de sua humanidade porque queria curar uma solidão? Transformá-los em vampiros é dar uma vida melhor a eles? – Eu percebi que estava com raiva, havia aumentado o tom, enquanto ela murchava cada vez mais nos braços de Giacomo. – Pois saiba que aquele alí – apontei para James – veio atrás de nós para impedir você de destruir a vida do irmão dele. Ele me disse que não queria que o irmão passasse pela mesma coisa que ele passou. Você pensou nisso em algum momento, mulher?

Ela começou a soluçar. Eu nem havia sido tão dura assim. Mas a verdade era que ela não estava com medo de mim falando, mas sim do que ia acontecer com ela. Certo?

-Pois bem, agora vamos decidir o que fazer com esse garoto. – Falei para os demais, voltando para o italiano para que ela não entendesse. – Acho que é claro o que temos que fazer agora.

-Giuliet, ele é só uma criança, não é culpa dele. – Fátima disse.

-Exatamente por isso. Ele é só uma criança. E vai permanecer assim. Não podemos deixar isso acontecer.

-E quem vai fazer isso? – Giacomo  perguntou, já não fazia esforço, a vampira parecia ter desistido. Houve um grande silêncio antes que eu me pronunciasse.

-Isso é responsabilidade minha. Vou me assegurar de que ele não sinta dor. – Falei, a voz morta. Era querer demais que alguém se oferecesse para isso.

Aproximei-me de James e botei a mão em seu ombro, me inclinando para ficar da altura dele.

-Ele não vai sentir dor, eu prometo. – O garoto concordou com a cabeça, mas eu podia ver a infelicidade nos seus olhos. – Quer falar algo com ele? – Ele olhou para o irmão e acenou um não. – Tudo bem. Você fez o certo, obrigada.

Saí de perto dele e me aproximei do menor, sem saber muito bem como agir. Ele me olhava com os grandes olhos vermelhos, me avaliando. Era estranho. Agachei à sua frente, tentando parecer menos ameaçadora o possível. Claro que, depois de ralhar com a mulher que o transformou, isso seria meio difícil.

-Qual o seu nome? – Perguntei.

-Jack. – Ele falou baixinho. Mesmo pesarosa, a voz era perfeita.

-Olá, Jack. Você pode me acompanhar um instante?

-Por que?

-Você precisa ir dormir.

-Mas eu não estou cansado.

-Vai com ela, Jackie. – Encorajou James. O menino o olhou um tempo antes de se virar para mim e concordar com a cabeça.

Levantei e andei para a porta que dava para o outro cômodo. Abri para que ele passasse. Enquanto ele entrava, olhei para o cômodo onde todos estavam, mas ninguém olhava na nossa direção. Só a mulher, cujo olhar encontrou o meu. Ela parecia poder ler a minha alma, tão grande era a intensidade do olhar. Giacomo falou algo e dei graças a Deus por ter um motivo para desviar.

-O que? – Perguntei. Não havia ouvido mesmo.

-O que fazemos com ela? – Ele repetiu.

-Nada. Nós daremos a ela uma chance de se redimir. – Falei em inglês, para que ela entendesse. – Se algum dia voltar a fazer qualquer coisa parecida, terá a pior das mortes.

-E aquele ali? – Ele tornou a perguntar, apontando com a cabeça para James.

-Ele é maduro o suficiente para sobreviver. – Eu disse.

Entrei no cômodo, que não era diferente do outro, porém um pouco menor, e fechei a porta às minhas costas. Agora era só fazer a coisa mais difícil que eu teria de fazer em toda a minha existência.


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