Giuliet Volturi - Dark Side Of The Earth escrita por G_bookreader


Capítulo 16
Pedaços Partidos - 1668


Notas iniciais do capítulo

Querem uma sugestão? Procurem a música My Immortal, do Evanescence, e ouçam enquanto lêem. Principalmente no final. o/



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-Vocês querem repassar o plano mais uma vez? – Andreas perguntou, enquanto estava em pé no meio da sala, enquanto nós quatro absorvíamos a notícia.

Noite passada ele havia tido muitas visões, e tentou esconder a maioria. No final da noite, nos reuniu e nos contou que um grupo de dez vampiros estava vindo nos atacar, e que estavam há dois dias de chegar. Disse também que eles não viriam direto, primeiro iriam se reunir em um local para discutirem os últimos detalhes, tudo seria feito em uma casa afastada da nossa. E esse seria o momento em que deveríamos entrar em ação. Nossa melhor chance seria se nós fôssemos até eles ao invés de eles até nós. Teríamos o elemento surpresa, seriam pegos fora de preparo. Partiríamos na noite seguinte para montar o cerco.

Andreas poderia dizer o que quisesse, mas eu sabia que não era só isso.

-Acho que todo mundo entendeu bem. – Respondeu Giacomo, falando pela primeira vez desde a conversa que tivemos.

O silêncio se abateu sobre a sala. Eu pensava em muitas coisas. Na batalha que estava por vir, na informação que Andreas escondia, em como Giacomo havia mudado em algumas décadas. Sério, uma de suas antigas piadas deslocadas era tudo que eu precisava naquele momento.

O resto da noite foi isso, silêncio. Ninguém falava nada, ninguém se movia, ninguém fazia um ruído. Quando o Sol amanheceu, as estátuas resolveram se agitar. Arrumar algumas coisas, se distrair, se preparar. Eu sentei no piano e comecei a tocar. Eu raramente fazia isso, Andreas era melhor do que eu, mas a vontade de tocar me abateu de forma irremediável. As músicas eram todas composições dele, eu não conseguia imaginar nem uma combinação de nota sequer. Algumas pessoas nascem com dom para isso, e eu não era uma delas. Eu tocava uma música suave, nem animada demais, nem parada demais. Não sabia qual era o nome dela, mas havia ouvido Andreas tocar algumas vezes.

Ouvi quando ele se sentou atrás de mim. Quando eu terminei a música, ele não falou nada, mas não fiz nada para completar o silêncio. Comecei outra, e depois outra. Eu poderia ter passado o dia assim, pensando em música e não em violência. Terminei mais uma música, pensando em qual seria a próxima.

-Você vai cumprir com o combinado, certo? – Andreas perguntou de onde estava. Girei no banco para poder olha-lo, mas ele não me olhava de volta. Encarava algum ponto na parede.

Eu sabia que ele ia perguntar isso em algum momento. Os detalhes de amanhã eram um pouco desagradáveis. Primeiro, Andreas não iria com a gente. Ele estaria lá, mas não conosco. Ele havia visto que quem estava liderando o grupo estaria mais afastado um pouco no momento que atacássemos, então, ele montaria um cerco para ele. Depois de acabar com ele, ele se uniria a nós na casa. Não eram dois pontos distantes, eram alguns metros da casa, mas nunca havíamos nos dividido antes. Não ficando o grupo todo e indo um sozinho.

Enquanto isso, eu deveria guiar os outros três para a batalha. Eu nunca havia entrado no papel de liderança durante uma batalha, mas não era a minha maior preocupação.

-Eu prometi que obedeceria suas ordens. Se você quer assim, então que assim seja.

-Tem certeza? Não é do seu feitio aceitar o que eu falo de primeira.

-É como eu disse, eu fiz uma promessa. Mas eu não vou mentir para você, a única coisa que me prende a isso é a promessa.

-Pelo menos algo te prende a isso. Ainda bem.

-Nunca é tarde demais para me contar o que está acontecendo. – Pressionei, tentando desesperadamente entender.

-Só confia em mim. Você vai liderar bem, melhor do que eu.

-Ah, claro. – Eu disse, o tom sarcástico na minha voz.

-Você vai ver. – Ele disse, encerrando a discussão.

Dei de ombros e saí do piano, procurando qualquer outra coisa para distrair a mente. Ele se sentou no lugar onde eu estava antes.

-Se importa se eu assumir daqui para frente? – Ele perguntou, já posicionando os dedos nas teclas.

-De forma nenhuma. – Respondi, sentando-me no sofá.

E ele começou a tocar. Até isso parecia diferente hoje, parecia mais melancólico. O pensamento da despedida voltou à minha mente, mas eu lutei e consegui afasta-lo. Ele não estava indo a lugar nenhum, só iria sair mais cedo para lutar a mesma luta que nós. Mas por que eu sentia que cada segundo que passava ele estava mais distante?

Então, de repente, a música parou e ele se levantou. Sem falar nada subiu as escadas e ficou um bom tempo lá em cima. Eu podia ouvir conversas lá em cima, mas não entendia o que era. Provavelmente não era para eu entender mesmo.

Então ele desceu, depois de vários minutos. O rosto estava duro que nem pedra, e estranhamente parecia um total estranho para mim. Agora eu sabia que não era paranóia minha, ele estava diferente. Mas não iria questionar, ele estava decidido a fazer o que quer que tivesse que fazer.

-Está na minha hora. – Ele disse, parado há alguns metros da porta.

Levantei-me e me aproximei dele, de repente temendo aquele momento.

-Toma cuidado. – Eu disse, tentando decidir se o encarava ou se olhava algum ponto adiante.

-Eu vou ficar bem, não se preocupe. – Ele disse, um sorriso fraco no rosto.

Ele me abraçou e me deu um beijo na testa, se alongando mais do que o normal no abraço. Eu retribuí, sem ter muito mais o que fazer.

-Eu confio nas suas decisões. Não duvide delas. – Ele disse no meu ouvido. – Eu te amo.

Ele se afastou e saiu antes que eu conseguisse raciocinar para responder.

Minhas decisões? Porque levar três vampiros experientes para uma luta que eu não teria que interferir em nada dependeria de tanto de minha capacidade de liderança? Enquanto via sua silhueta desaparecer, comecei a pensar que teria que fazer um trabalho muito bom mais tarde. Ele iria voltar para casa, bem. Vivo.

Alguém desceu as escadas, era Fátima. Ela não parecia com uma cara muito boa, talvez ele houvesse se despedido dela também. Ela parou ao meu lado, olhando para a janela também.

-O que deu nele? – Ela perguntou, a voz um pouco fraca.

-Não faço idéia. Só espero que ele fique bem. – Respondi, sinceramente.

-Ele sabe o que faz. – Ela disse, tentando ser otimista.

-Espero mesmo que saiba. Ele me obrigou a prometer que eu obedeceria cada vírgula do que ele falasse dessa vez.

-Quando ele falou comigo lá em cima, foi estranho. Como se... – Ela não completou a frase, mas não havia necessidade. Era como se ele não fosse voltar.

-Comigo também. Desde ontem eu tenho lutado contra essa idéia.

-Vai ficar tudo bem. – Ela disse, mais para si do que para mim. – Quando sairemos?

-No final do crepúsculo. Melhor se prepararem.

Ela acenou com a cabeça e ficou ali parada do meu lado. Eu sempre notava a semelhança dela com Giacomo, mas agora ela lembrava Andreas muito mais, eu não sabia porquê. Conforme o tempo passava, Giacomo também desceu e ficou próximo. Hecate só apareceu perto da hora de partirmos.

Olhei para todos eles, como se quisesse decora-los. Estava na hora. Eles eram a única família que eu havia tido. Pelo menos a única de verdade. E agora eu os levaria para uma batalha.

-Estão todos prontos? – Perguntei, assumindo o papel de líder. Eles acenaram concordando. – Ótimo. Vamos indo.

Já estava totalmente escuro quando chegamos no ponto combinado. Do alto de uma árvore, eu podia ver a casa. Era uma mansão, maior que a nossa, e mais resistente. Aparentemente os humanos que habitavam ali a haviam abandonado fazia tempo, assim como acontecera com a nossa.

Demorou um tempo até eles aparecerem. Eram nove. Supus que, conforme as visões de Andreas, o líder não estivesse acompanhado. Os nove se espalharam pela casa, totalmente confiantes de sua segurança ali.

-Vamos ter pouco tempo de elemento surpresa. – Eu falei quase sem emitir som para meu clã. – Depois as coisas vão ficar complicadas, se preparem.

Giacomo fez um joinha e começamos a, sem emitir ruídos, nos aproximar da casa. Havíamos combinado que Giacomo e Fátima entrariam pelos cômodos do primeiro andar, enquanto eu e Hecate entraríamos no segundo. Iríamos atacando cômodo por cômodo, limpando a casa.

Os outros dois foram para a parte de trás da casa, enquanto nós duas fomos para o lado direito. Antes de subir, olhei ao redor, procurando um sinal de alguma luta fora do alcance, onde Andreas estaria. Nada. Mas havia uma espécie de anexo para o outro lado, talvez fosse lá.

Saltei e aterrissei em uma sacada. Hecate logo estava o meu lado, e abrimos a janela, que não estava trancada. Quando entramos, havia três vampiros jogando baralho, eles se levantaram rapidamente. Antes que pudessem chamar ajuda, eu já estava pulando no da esquerda, o maior, enquanto Hecate fazia o mesmo com outro. Não foi difícil derruba-lo, mas o outro me segurou por trás quando eu terminava de arrancar a cabeça do outro. Aproveitando o que restava do corpo do primeiro, chutei e dei um impulso para cima e para trás, girando no ar, me livrando de seus braços e o desequilibrando. Aproveitando enquanto girava, abracei sua cabeça o trazendo para o chão, onde o segurei e comecei a desmembra-lo, tentando inutilmente conter os berros que ele dava. Lá se vai o elemento surpresa.

Hecate havia terminado com o dela, e saímos no corredor. Haviam restado sete, mas pelos gritos que eu ouvi no andar de baixo, os números deles estavam caindo. Havia dois lados para seguir no corredor, mandei que Hecate fosse para um lado, e eu fui para outro.

Os sons no andar de baixo e atrás de mim continuavam, e por sorte não era a voz de nenhum de nós. Podiam ser bons lutadores, mas não haviam passado pelas coisas que nós havíamos.

Busquei um movimento nas portas, esperando uma porta que eu escondesse alguém. Já haviam passado cinco e nada. Só haviam mais duas. Quando passei a penúltima, sem escutar ruído, já havia perdido as esperanças de haver alguém. Então, com um ruído repentino, a porta que eu havia acabado de passar se abriu e braços me puxaram para dentro, me arremessando na parede contrária. Ouvi a estrutura se rachar atrás de mim e olhei para cima. Havia dois vampiros, todos altos e de cabelos castanhos. Na verdade, eram idênticos, provavelmente gêmeos que foram transformado juntos. Mas de onde eles vieram e quem eram era a menor das minhas preocupações. Ambos haviam me enganado, sinal de que não eram idiotas que nem os do outro quarto.

-Irmão, ela me lembra alguém. – Falou o da direita, que me olhava intrigado.

-É, sua próxima vítima, cala a boca e ataca. – Disse o da esquerda, avançando na minha direção.

Antes que ele me segurasse, consegui rolar para o lado, descobrindo que minhas costas doíam. Ignorando a dor, aproveitei para me levantar e me afastar, buscando uma tática. Não havia como pular a janela e buscar outro campo, um deles bloqueava a janela. Não havia como voltar para o corredor, a porta estava bloqueada pelo outro. Eu estava encurralada contra a parede, sem ter alternativas.

Droga, eu tinha um poder ou não? Me concentrei e deixei que a neblina se espalhasse pelo quarto, mas isso não aconteceu. Ela ficou contida ao meu redor, sem se mover nem mais um milímetro, e os dois sorriram superiormente. Um escudo, em algum lugar naquela casa, estava tornando o lugar intocável para poderes mentais. Como eu odeio escudos...

De improviso, dou um impulso na parede e me choco com o que está perto da janela, causando um estrondo um pouco doloroso aos ouvidos. A pancada foi tão forte que eu caí no mesmo lugar do choque, enquanto o outro voava pela janela, levando um pouco da moldura da mesma com ele. Ouvi quando ele atingiu o chão, de pé, mas não voltou. Em um relance rápido vi Giacomo o pegar no andar de baixo. Não tive tempo de reagir muito mais do que isso, o outro se aproximou e mal consegui desviar a cabeça de suas mãos precisas. Em uma recuperação rápida, ele segurou meu pescoço, prendendo minha respiração, e me inclinou para fora. Metade do meu corpo estava para fora da casa, eu pude ver o telhado. Se ele conseguisse me jogar em baixo e pulasse comigo, eu não poderia fazer muita coisa no ar. Estaria sem um membro antes mesmo de atingir o chão.

Então, tive uma idéia. Ao invés de tentar tirar os dedos dele de meu pescoço, o que não faria diferença, eu não precisava respirar, usei as unhas para acertar os seus olhos. Não o cegaria, mas era um ponto fraco que eu poderia usar para sair da janela. E foi assim que aconteceu, sua cabeça aos poucos ia inclinando para trás, o que me custou o uso de muita força, e logo eu estava quase perfeitamente de pé de novo. Quando meus pés firmaram o chão, joguei-o para o piso, tentando domina-lo. No calor da ação, tentei fazer tudo com o máximo de violência o possível, não percebendo que uma de suas mãos havia se agarrado ao meu ombro. Quando eu o joguei ferozmente no chão, ele aproveitou-se para puxar o meu ombro. Eu havia firmado meus pés para não desequilibrar sob nenhum tipo de pressão, então, meu corpo ficou e meu ombro foi. Eu nunca imaginei que passaria por algum tipo de dor física parecida do que a que ocorre durante a transformação, mas aquela chegava perto. O barulho de rasgado e um outro som que eu demorei para entender que era o meu próprio grito de dor. As paredes giraram e o mundo ficou vermelho. Eu caí sentada para trás, levando a mão direita ao ombro esquerdo, e descobri uma fenda gigantesca dividindo meu braço de meu corpo. A única coisa que segurava meu braço no lugar era a roupa e o final da ruptura, no meu lado esquerdo, pouco abaixo do seio. Eu não consegui pensar mais em nada, até que me lembrei de que estava no meio de uma luta. Ele havia se levantado, e se preparava pra terminar comigo. E, sem um braço, não havia muito o que fazer. Eu sempre imaginei o porque de vampiros não continuarem a lutar com o que sobrava do corpo, mas era impossível. A dor era simplesmente alucinante. Então me conformei com a idéia de que havia acabado. Eu ia morrer, e era isso. Fim.

O vampiro desviou sua atenção de mim e olhou para a porta arrombada. Quando olhei de volta, sentindo dificuldade de virar minha cabeça para a esquerda, vi Fátima entrar no quarto, seguida de Giacomo. Giacomo rapidamente alcançou o vampiro e, acompanhado de Fátima, acabaram com o vampiro em questão de minutos. Ele lutou bem, mas eram dois extremamente habilidosos, ele não tinha o que fazer. Quando ele estava em pedaços no chão, os dois correram para mim. Fátima rasgou o lado da minha blusa, me fazendo grunhir de dor. Pela cara dela, não era coisa boa.

-Giacomo, ela não pode lutar assim. Eu não sei como o braço não saiu. – Ela falou, o tom de preocupação estampado na voz. Eu não sabia se era comigo ou com a diminuição nos números.

-Você ouviu Andreas. Leve-a para casa e faça-a ficar lá.

-Eu... consigo... – mais um grunhido de dor. – lutar.

-É, estou vendo. – Disse Giacomo, revirando os olhos. – Fátima, leve-a. Se ela ficar de rebeldia, divide ela em partes. – Ele disse, saindo do quarto correndo.

-Desculpe-me, Giuliet. – Ela disse, me pondo no ombro. Se sentada a dor era insuportável, dobrada sobre Fátima era pior ainda.

Ela pulou a janela e correu até a casa. A viagem pareceu durar uma eternidade e, para uma pessoa de cento e cinqüenta anos, era muita coisa. Quando finalmente chegamos, ela me levou para o último andar e me deitou no meu lado da cama. Então pegou uma camisa de Andreas no guarda roupas e  botou ao meu lado. Me sentou para que pudesse trabalhar melhor.

-Isso não vai ser agradável. – Ela avisou, segurando as duas partes do meu corpo.

Ela pressionou com força as duas partes, fazendo elas se aproximarem. Doeu infernalmente, e eu não consegui esboçar outra reação senão berrar novamente. Quando ela julgou que estava junto o suficiente, ou que eu já tinha berrado o suficiente, pegou a camisa e amarrou ao meu redor, fazendo um nó no lado bom. Isso manteria meus ombros juntos enquanto se curavam. Depois, me deitou novamente. Deitar fez a dor diminuir, mas só o suficiente para, talvez, falar direito.

-Não se mecha. – Ela avisou, indo para a janela. – Eles devem voltar a qualquer momento.

-Não vai voltar lá? – Perguntei.

-Não, Andreas me deu ordens para ficar e te impedir de fazer algo idiota.

Bufei, com raiva. Então me toquei de outra coisa.

-Vocês o viram?

-Não, ele não estava em lugar nenhum. Ele disse isso tudo enquanto se despedia de nós. Ele sabia que você ia se machucar.

-E por que Giacomo resolveu obedecer tão perfeitamente dessa vez? – Falei, ficando com raiva novamente.

-Porque Giacomo pode ser rebelde, mas ele não ousaria desobedecer Andreas com coisas assim. 

-Assim como?

-Você. Giacomo não é louco em questionar Andreas quando se trata de você. Ninguém tem coragem disso.

Silêncio. Por que ele tinha que obedecer no único ponto que eu ficaria feliz que ele desobedecesse?

-Andreas é um tolo. – Eu disse, o tom mais leve, mas ainda com raiva. – Eu não preciso de proteção.

-Sinceramente, Giuliet, não é um bom momento para usar esse argumento. – Ela disse, se virando para mim. – Agora, pare de falar e descansa. Você precisa dessa energia para curar esse braço.

Para o inferno o braço! Eu só queria estar lá, participando, cumprindo minha promessa interna de que traria Andreas vivo para casa. Maldito vampiro, maldito sei-lá-quem que havia preparado isso, maldito ferimento no ombro, maldito Andreas que não me disse nada.

As horas passaram e nenhum sinal deles. Eu ouvia Fátima andar para um lado de para o outro no primeiro andar. Pelo menos ela podia se mexer. O ferimento no meu braço não parecia ter tido grande evolução e minha garganta começava a arder. Eu precisaria de sangue para me livrar daquele problema. Muito sangue. E não poderia ir buscar. Além de ter desfalcado o grupo, ainda teriam que trazer o “café da manhã” na cama. Tudo isso enquanto eu ficava ali, totalmente inútil.

O dia amanheceu nublado e, logo, uma chuva começou a cair, ficando cada vez mais forte. Eu gostava do barulho da chuva, mas ele me incomodava agora. Como se cada gota fizesse o tempo se acelerar.

Fátima veio me checar várias vezes. Eu não sabia se era por preocupação, para saber se eu não havia feito uma fuga louca pela janela ou por tédio. Mas ela não falava nada, não precisava. Nós duas estávamos nos consumindo em ansiedade e o mundo parecia totalmente parado.

Então, ouvi passos do lado de fora, depois dentro de casa. Cochichavam com Fátima extremamente baixo, tanto que, por vezes, o som se perdia para mim. Eu não havia conseguido perceber quantas pessoas eram ou quem eram. A dor no ombro ocupava partes demais do meu cérebro para que eu pudesse processar essas coisas. Demoraram muito naquele cochicho, e então um silêncio mortal se abateu sobre o primeiro andar. O som não estava me escapando mais, eles haviam ficado quietos mesmo. Por algum motivo, eu senti o clima na casa mudar. De ansiedade para... eu não sabia definir, mas era algo horrível.

Então, passos nas escadas e em frente à porta do quarto. Seja lá quem fosse do outro lado, pensou dezenas de vezes antes de entrar. Então ouvi a maçaneta se mover e alguém entrar. Me esforçando para olhar, vi que era Hecate. Seu rosto não estava nada bom. Havia um semblante de dor, misturado com algo que fazia parecer que haviam dado uma missão impossível a ela.

Ela pegou uma cadeira que havia no quarto e se sentou ao lado da cama, de frente para mim.

-Se sente melhor? – Ela perguntou, a voz suave e baixa.

-Me conta logo o que aconteceu. – Falei, direta.

Ele suspirou e olhou para baixo, evitando me encarar.

-Alguns vampiros fugiram, mas conseguimos alcança-los. Os derrotamos e voltamos. Quando voltamos e fomos procurar por... por... – Ele fechou os olhos, respirou, e continuou. – Havia duas fogueiras a mais. E mais ninguém. Todos mortos. Todos.

O significado daquilo me acertou como um coice de cem mil cavalos. A dor no ombro passou a não existir. Não havia nada, nem dor no ombro, nem dor de transformação, que se comparasse com aquilo. Era como se houvessem arrancado de mim parte da minha própria existência, parte do que eu era. Andreas estava morto. Não iria voltar. Eu havia falhado. Eu nunca mais o veria entrar em casa, sentar no piano. Nunca mais o veria fingir que não sorria todas as vezes que eu negava uma ordem, nunca mais sentiria a segurança e a paz que seus braços me traziam. Nunca mais. Para sempre. Ele havia ido, e eu não podia. O tempo não me levaria. Ninguém me levaria.

-Giuliet, pelo amor de Deus, fale alguma coisa. – Implorou Hecate, ainda olhando o chão.

-Me deixa sozinha. – Falei, sem saber como minha voz saiu.

Ela se levantou e foi para a porta, foi a única coisa que eu tive noção. Ela saindo e o teto. O teto e o buraco que se instalava em meu peito. Por um momento, eu não senti nada. Havia um topor agora, algo que me distanciava do mundo. Como se eu visse tudo por uma tela acinzentada. As coisas haviam perdido as cores.

Pela janela vi que o dia escureceu, depois clareou, escurecei novamente, clareou, escureceu mais uma vez. Talvez o ciclo tivesse se repetido mais vezes, mas eu não sabia.

O topor aos poucos ia me abandonando. Aos poucos a dor ia crescendo. A do ombro se mostrava presente, mas não o suficiente para causar qualquer mudança na minha rota de pensamentos. Comecei a notar outras coisas que antes passavam desapercebidas. O perfuma na camisa que prendia o meu ombro. A almofada com o formato da cabeça dele ali, do meu lado. Um papel jogado no canto com notas de uma música que ele não havia terminado de escrever. Tudo intocado, esperando que ele voltasse. Era como se ele não houvesse realmente partido. Como se a qualquer momento ele fosse abrir a porta e entrar, rindo, dizendo que foi tudo um grande engano. Porque, afinal de contas, como ele poderia partir sem me dizer.

Então, me dei conta de que ele me contou tudo.

“Veja isso então como uma identificação. Foi meu, do líder do clã. Agora é seu, da segunda no comando.”

“Você vai liderar bem, melhor do que eu.”

“Eu confio nas suas decisões. Não duvide delas.”

"Eu te amo"

A última foi a pior.

"Eu te amo"

Ele sabia o tempo todo. Ele não quis me contar porque sabia que eu o impediria. Ele havia preparado tudo para que eu continuasse sem ele. Passou o comando para mim. Ele se sacrificou pelo clã. Pelo mundo. Por mim.

Mas onde ele estava com a cabeça quando achou que eu poderia, de alguma maneira, continuar sem ele? Quem eu era comparada ao observador e inteligente líder, sempre com uma idéia revolucionária para tirar o mundo da lama? Droga, agora eu não era nada além de um resto quebrado, massacrado e quase sem um braço.

"Eu te amo"

Eu não havia respondido. Ele se foi sem saber que eu não era nada sem ele. Que eu o amava. O amava como nunca havia amado ninguém em cento e cinqüenta anos. Como nunca amaria ninguém por toda a eternidade. Ele se foi e eu não pude responder aquelas três palavras.

Então, uma última coisa ocorreu. Ele havia ido. Eu era a segunda no comando. Eu era a governante.


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Notas finais do capítulo

Lembrete: nada é o que parece.



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