Assim que acordei e toquei meus pés no chão, a porta do meu quarto abriu. Levantei os olhos um pouco sonolenta, mas logo ri um pouco.

- Bom dia. – Disse com uma voz falhada para Ares e Apolo. Eles me fuzilavam com um olhar de raiva, mas eu estava achando aquilo muito engraçado.

- Bom dia. – Responderam do mesmo jeito que alguém fala “Por favor, morra”.

- Como foi a noite de vocês? – Perguntei não agüentando. Eu tinha que mexer com a cara deles.

- Como você acha que ela foi? – Perguntou Ares irritado. Podia ver que o pescoço dos dois estava manchado de batom, o que me fez prender o riso – Além de ter que escapar daquelas duas, ainda tivemos que ouvir o Hades ficar reclamando no nosso ouvido.

- É! E eu levei um soco! – Reclamou Apolo passando a mão pelo braço – Odeio quando os pais revoltados batem em mim por ficar com as filhas deles. O que eu posso fazer se sou irresistível?

Ares revirou os olhos e deu outro soco no braço do Apolo, que respirou fundo de repente.

- Odeio você... – Murmurou ele com dor para Ares.

- Idem. – Respondeu ele de mau humor – Agora se a princesinha já acabou de rir de nós, é melhor você se arrumar e vir com a gente.

- O que? Para onde? – Perguntei sem entender.

- Jantar de família. – Respondeu Apolo – Hera quer chamar todo mundo para comemorar de novo o noivado duplo.

- Ah, que lindo... – Murmurei revirando os olhos, mas depois franzi o cenho confusa – Espera... Mas vocês disseram “jantar”. Nem tive o café da manhã ainda.

- É. É só no fim do dia, mas... – Ares olhou para a porta como se temesse que alguém entrasse no quarto com uma faca – Não é com o jantar que você tem que se preocupar agora...

- Hera está atrás de mim? – Perguntei em um tom baixo.

- Também não é com ela que você tem que se preocupar agora... – Murmurou Apolo. Eles olharam para mim prontos para falarem o nome da pessoa, mas a mesma abriu a porta fazendo uma entrada triunfal.

- Alice, meu amor! – Exclamou Afrodite com seu jeito feliz – Você já está de pé? Que gracinha! É tão bom quando as pessoas pensam o mesmo que você e já agilizam o processo das coisas.

- O que você quer dizer, Afrodite? – Perguntei sem entender.

- Querida... Alô-ô? – Disse ela batendo de leve a ponta do seu dedo indicador na minha testa – Não soube das novas? Jantar de noivado. Jantar. E em Paris. Isso implora por uma roupa nova!

- Ou seja... – Respirei fundo antes de concluir a frase – Compras.

- Exatamente! – Exclamou ela batendo palmas de felicidade – Você simplesmente tem que fazer compras. Tipo assim... Agora mesmo. E quanto á nossa opinião masculina...

- Ah! Lembrei que Hera tinha me chamado! – Exclamou Ares de repente – Pois é, tenham um ótimo dia, garotas. Divirtam-se e fiquem bem longe de mim.

- É! Hermes também queria falar comigo e tudo mais. Sinto muito. – Disse Apolo. Ele e Ares saíram correndo o mais rápido que puderam, e eu revirei os olhos.

- Covardes! – Exclamei o mais alto que pude. Virei-me para Afrodite e suspirei – Olha... Eu acho que eu posso usar muito bem alguma coisa aí de dentro mesmo. Você mesma fez aquelas compras todas antes de nós chegarmos aqui em Paris. Deve ter um vestido ou...

- Claro que não! Eu fiz aquilo sem contar com jantares de família. Só jantares casuais, jantares românticos, e jantares de aniversário. – Disse ela contando nos dedos.

- Da na mesma para mim. – Comentei sem querer.

- O que?! Nunca! Não diga uma coisa dessas! – Exclamou ela chocada. Afrodite foi até o closet – Veja só... Esse vestido aqui foi o que eu separei para jantares românticos. Ele tem um ar diferente e não serve para reuniões familiares levemente românticas. Ele é romântico demais... Mas... Onde está ele?

Afrodite franziu o cenho saindo do closet, e eu me toquei que ela devia estar falando de algum dos vestidos que Ares jogou pela janela ontem a noite.

- Ahm... Não sei. Nunca se sabe. Eu devo ter colocado em algum outro lugar. – Disse fingindo inocência – Mas então tudo bem. Vamos fazer compras.

Eu troquei de roupa, e nós fomos. Por sorte ela não perguntou mais sobre o vestido de jantar romântico. Claro que se eu contasse que fora Ares que o jogara pela janela, ela reclamaria com ele. Mas tinha certeza que ele ia me coloca no meio da briga de alguma maneira.

Ou pior. Ela me forçaria a comprar mais um vestido daquele, ou seja... Mais compras com Afrodite.

Assim que nós chegamos no andar debaixo do hotel, vimos que Scott estava parado na frente da casa dele, conversando com um grupo de motoqueiros. Afrodite segurou o meu braço e me puxou em direção á ele.

- Ah, não... Deixa ele lá. – Pedi, mas ela não me deu atenção. Assim que Scott nos viu, ele sorriu e acenou.

Os motoqueiros pararam para olhar para mim e para Afrodite, mas algo me surpreendeu.

- Alice? – Disse um deles – Alice! Quem diria que nos íamos nos encontrar de novo!

Franzi o cenho sem lembrar de onde eu conhecia aquele cara, mas então a ficha caiu na minha mente.

- Jack! – Exclamei me lembrando – Tudo bem com você?

- Você conhece ele, Alice? – Perguntou Scott.

- Você conhece ele? – Rebati sem entender.

- Eu concerto as motos deles. – Respondeu ele – Jack é gente boa.

- Eu sei. Ele me ajudou um pouco. Ahm... Bem, de um certo modo ele me ajudou mesmo. – Confirmei olhando para os motoqueiros que estavam junto com ele.

Ares tinha razão, infelizmente. Eu era completamente maluca por ter parado no meio da noite para falar com motoqueiros que eu nem mesmo conhecia. Eram estranhos, e estranhos bem tensos. Mas tive sorte deles serem “gente boa” como dissera Scott.

Fica aí a lição crianças. Nunca falem com estranhos, senão você pode se dar muito mal. Voltando á história...

- Bem, rapazes, sinto atrapalhar a conversa, mas gostaríamos de chamar o Scott para nos acompanhar. – Disse Afrodite com um leve sorriso. Todos os motoqueiros ficaram impressionados com a voz suave dela, e acabaram concordando. Jack olhou para mim e depois para Scott.

- Como conhece o Collins, Alice? – Perguntou ele.

- Ah, ele é meu melhor amigo. Nós... Já namoramos também. – Contei ajeitando o cabelo para trás da orelha – Mas isso foi há um tempo.

- Você é um cara de sorte. – Sorriu Jack para Scott, que ficou com o rosto levemente vermelho e assentiu.

- Eu sei disso. – Confirmou.

- Não se acham garotas como ela por aí. O que me lembra... – Jack pareceu protetor de repente – E quanto aquele cara? O tal do Ares. Ele tem te tratado direito, não é?

Sinto informar, mas ele nunca me tratou bem, Jack.

- Sim. Ele sabe ser legal quando quer. – Disse e Scott fez uma careta de brincadeira sem ninguém ver – Mas... Obrigada por se preocupar, Jack.

- Qualquer coisa fala com a gente, que nós resolvemos o problema. – Disse Harry e Jack assentiu. Eu senti vontade de rir da cena do Ares apanhando para um grupo de mortais motoqueiros, mas me resumi a agradecer e assentir.

- Pode deixar comigo. Eu aviso. – Disse calmamente – Vamos Scott?

- Só se for agora. – Sorriu ele assentindo – Bem... Tenho que ir, caras.

- Se deu bem, hein Scott? – Brincou Jack e os outros riram. Eu revirei os olhos com o rosto um pouco vermelho e Scott também – Até mais! Tenham um bom dia.

Nós fomos direto para um shopping ali perto. Afrodite ia logo atrás de nós, enquanto eu e Scott conversávamos mais na frente. Volta e meia ela dizia coisas como “Oown, vocês são uma gracinha!”, ou “Por favor, se beijem. Só um beijinho!”.

Quando entramos na loja, demoramos vários minutos escolhendo o vestido. Na verdade, Afrodite demorou.

Por fim, ela decidiu fazer uma pequena mudança. Ela escolheu uma saia de cós alto bege em tom pastel, e uma camisa rosa e branca listrada (também em pastel). Estava bem bonito, tinha que admitir. Afrodite perguntou á Scott o que ele achava, e pude notar que aquilo era pura maldade.

Scott estava tão sem graça que resolveu abaixar a cabeça e começar a mexer nos botões da camisa, e dizer que estava ótimo.

- Ótimo. Bom saber que a roupa está aprovada. – Sorriu ela – Vou ao caixa acertar as contas, e já volto.

Olhei para Scott enquanto Afrodite ia embora, e resolvi que era melhor fazê-lo sentir-se á vontade novamente. Peguei um chapéu engraçado e coloquei na cabeça.

- Scott... Você acha que eu fico melhor assim? – Perguntei fazendo uma careta engraçada. Ele levantou os olhos timidamente para mim, mas acabou morrendo de rir.

- Parece que você saiu do clipe de “Harlem Shuffle” dos Rolling Stones. – Riu ele se levantando. Eu e Scott começamos a prova chapéus engraçados e a rir um da cara do outro. Quando cansamos, sentamos juntos no banco da loja.

Não sei o que aconteceu, mas a medida que fomos parando de rir, o meu coração se apertou mais. De repente, eu não me sentia tão bem. Olhei para Scott com um sorriso levemente triste e desviei o olhar.

- Scott... – Uma idéia nada agradável passou pela minha mente – E quando eu for embora?

- Como assim? – Perguntou ele depois de alguns segundos.

- Eu vou deixar você para trás. Não vamos mais nos ver. – Disse sentindo alguém me esfaquear no peito diversas vezes. Scott pareceu sentir o mesmo, pois respirou fundo e voltou a olhar seus botões.

- Você é sortuda, Alice. Daria tudo para voltar aos Estados Unidos. – Disse ele em um murmuro – Eu já cansei de ficar longe de todo mundo. Mesmo que eu não vá conversar com todos que eu conheço lá...

- Você quer tê-los por perto. – Completei e ele assentiu confirmando.

- Sinto saudades da Califórnia. – Disse ele em um tom sonhador – Sinto saudade... Dos nossos tempos da California. Era divertido correr por aí sem problemas nenhum. Até a nossa turma da escola era legal. Tirando aquele besta do Kurt.

- Se não fosse por ele você não teria me conhecido. – Disse em um murmuro – Afinal... Por que você me ajudou aquele dia?

Scott olhou para mim como se fosse óbvio.

- Por quê? Bem... Acho que nunca te contei, não é? – Falou ele e depois olhou para frente como se estivesse vendo a cena novamente – Você era muito legal. Mesmo não falando comigo, eu olhava você de longe Alice. Você parecia diferente de todo mundo, como se não quisesse estar perto da turma. Lembrava eu mesmo.

- Sério? – Perguntei, e ele assentiu.

- Sério. Eu ainda lembro do dia em que eu te vi pela primeira vez. Quando você chamou a minha atenção. Era o campeonato da escola e estava todo mundo animado, mas faltava uma pessoa para a competição de atletismo. Você não falava muito com as pessoas, mas mesmo assim se ofereceu para ir. – Disse ele se lembrando com um sorriso nostálgico – Você ganhou o primeiro lugar, e todo mundo comemorou. Mas era como se você... Eu não sei. Mesmo você não falando muito, você tinha todos ao seu redor. Aí eu pensei...

Scott parou. Olhei para ele querendo ouvir o final da história.

- Pensou o que? – Perguntei. Minha mão moveu praticamente sozinha para cima da dele. Ele olhou para mim e depois olhou novamente para frente.

- Eu pensei “Puxa... Eu quero muito ser uma das pessoas que estão em volta dela”. – Contou ele e eu sorri sem jeito. Scott virou-se para me olhar, e continuou – Mas depois... Era diferente. Quando eu te salvei do Kurt, e de ser expulsa, foi porque eu não queria pensar na idéia de não te ver mais na escola. Aí eu já pensava... “Puxa... Eu quero ser o garoto que está do lado dela”. Mesmo que na época não tivesse ninguém.

Fiquei sem palavras. Sentia a loja inteira rodar em volta de mim, mas pude sentir também que meus olhos estavam úmidos. Olhei para Scott, e dei um meio sorriso.

- Scott... Eu nem sei o que dizer. – Disse negando com a cabeça.

- Nem eu. Acho... Acho que disse tudo. Mas... Eu queria que você dissesse. – Falou ele franzindo o cenho – O que você pensou quando me viu?

Neguei a cabeça tentando me lembrar. Acho que não tive um pensamento tão bonito quanto o dele. Acho que de cara, eu achava que Scott era só um garoto louco que arriscou a pele dele salvar a minha de uma expulsão da escola. Naquele momento eu me senti uma grande insensível. Talvez até pior que Ares e Hefesto juntos.

- Acho que de cara... Eu não pensei a mesma coisa. – Disse negando a cabeça, e pude ver ele sorrir triste e assentir – Mas... Mas depois... Eu... Eu pensava que... Se eu pudesse ter um lugar seguro, alguém com quem eu sempre pudesse contar, fosse como amigo, namorado ou qualquer outra coisa, era você.

- Você sempre pode contar comigo. – Sorriu ele – Mesmo que nós não tenhamos dado certo... Somos praticamente irmãos. Eu vou estar sempre apoiando você, Cooper.

Senti meus olhos ficarem mais úmidos ainda, e eu não estava entendendo nem mesmo o motivo para aquilo. Scott franziu o cenho para mim.

- Alice, você... Você está chorando? – Perguntou ele preocupado. Eu neguei com a cabeça para dizer não, e senti uma lágrima escorrer. O que era aquilo?!

Nem mesmo sei o que passou pela minha cabeça, mas eu simplesmente abracei Scott com força e afundei minha cabeça em seu peito.

- Eu não quero ir. Eu não quero mudar as coisas! Por que elas não podem ficar do mesmo jeito?! – Exclamei com uma voz abafada. Scott me abraçou carinhosamente, e nós ficamos daquele jeito por alguns minutos. Não era só Scott que eu não queria deixar. Era Ares e Apolo também. Não queria ter que escolher só um e dar adeus para o outro.

- Calma... Isso... Alice, lembra? Nós costumávamos dizer que... – Scott procurava um jeito de me fazer sentir melhor – Não importa o quanto as coisas estejam ruins...

- Um dia vai ficar tudo bem. – Completei a frase com mais vontade de chorar ainda. Mesmo assim eu respirei fundo e me controlei. Eu nuca fazia aquilo. Não chorava do nada. Mas... Algo pareceu me atingir. Eu me levantei e olhei em volta. No canto da loja tinha um banheiro – Eu vou lavar o rosto antes que Afrodite me faça mil perguntas.

- Quer que eu te ajude em alguma coisa? – Perguntou Scott sem saber o que fazer. Ele se pôs de pé e veio até perto de mim – Por que se você quiser...

- Não, está tudo bem. Eu só... Tenho problemas demais, eu acho. – Disse sem saber a explicação para aquilo. Eu me virei para andar, mas Scott me seguiu. Ele tropeçou em alguma coisa no chão e caiu em cima de mim.

Nossos rostos pararam centímetros um do outro, e nossos rosto ficaram vermelhos.

- Sinto muito. – Disse Scott.

- Tudo bem. Você só tropeçou. – Disse olhando para ele.

Só levamos um segundo para puxarmos o rosto um do outro para si, nos beijando por vários segundos. Quando separamos os nossos rostos, nós dois estávamos com os olhos arregalados.

- E-Eu... Eu... Ahm... – Scott gaguejava sem conseguir formar frases. Ele sentou-se do meu lado e passou as mãos pela cabeça, tenso. Abri a boca para falar alguma coisa, quando...

- Pronto, queridos. Já está tudo pago. Vamos embora agora? – Perguntou Afrodite aparecendo.

Foi aí que tudo fez mais sentido para mim. Aquele diálogo sensível, as minhas lágrimas inexplicáveis, o nosso beijo... E porque Afrodite estava misteriosamente longe, perdendo todas essas cenas.

- Vamos. – Confirmou Scott se levantando, sem notar o mesmo que eu. Acho que a cabeça dele ainda estava bagunçada por causa do beijo, mas a minha podia ver claramente o que tinha acontecido.

Na verdade... Não só isso, mas porque ultimamente Apolo e Ares estavam cada vez mais se aproximando de mim. Por que tudo estava tão complicado. Por que a minha vida tinha virado de cabeça para baixo com essa história de casamento.

A resposta para tudo era Afrodite, mas isso não ia sair barato desse jeito para a Deusa do amor.