Capitulo 37 – Feroz.

Janeiro de 2006

A vida parecia ter voltado ao normal... tão normal quanto morar em uma casa cheia de vampiros, cuja a maioria era centenária.

Alice parecia... não menos alegre, só que mais contemplativa, é claro...

–Vamos fazer compras! – não era uma pergunta.

Ela não deixava de ser Alice. Até exigiu que fossem ao baile da escola em Maio, considerando toda a situação recente mesmo Bella acabou cedendo.

Bella revirou os olhos ambares, empoleirada no suporte de corrimão, suas pernas balançando um pouco, lendo seu livro favorito: Morros dos Ventos Uivantes. Rosalie gemeu e deu um tapa em Emmett quando o enorme vampiro quase explodiu a vidraça mais próxima com sua risada escandalosa, Edward, Carlisle e Esme estavam fora caçando nas proximidades e Jasper só sorriu um pouco, feliz que o ocorrido de algumas semanas antes não tivesse afetado tanto sua companheira.

–Bem? – exigiu Alice, aparecendo na frente de Bella que simplesmente ergueu a cabeça de seu livro, ergueu uma sobrancelha e suspirou.

Março de 2006.

–Eu vou caçar – anunciou Bella, seus olhos negros estavam começando a preocupar Esme e mesmo que soubesse que poderia aguentar mais alguns dias, queria que a matriarca parasse de lhe lançar aqueles olhares consternados – alguém quer vir comigo?

–Eu vou – Rosalie estava ao seu lado no mesmo instantes, Carlisle se levantou do sofá calmamente e lhe sorriu.

Bella, Rosalie e Carlisle estavam caçando um pouco mais a leste. Carlisle acabara de ouvir um bando de cervos um pouco mais ao sul e Rosalie foi à direção oposta não querendo entrar no meio da caça do pai. Bella já havia drenado dois alces adultos.

Não sabia quando iam caçar novamente, especialmente com o clima estranho que estava lá em casa. Alice estava nervosa e ela também. Não eram visões, mas sim um pressentimento, não gostava de não saber o que ia acontecer.

Correndo mais um pouco pulou para dentro da clareira que tantas vezes já havia ido com Edward. Era um belo lugar. O chão era coberto por flores e o orvalho na grama refletia a luz do sol. Deixando que a luz lhe banhasse, desejou ainda poder sentir o calor do sol, mas ele era incrível em suas pálpebras fechadas mesmo assim. A luz solar revelando sua verdadeira natureza.

Assim que o sol lhe tocou a face, as gengivas não mais escondiam os longos caninos, seus lábios cheios tendo de se separar um pouco para acomodar as poderosas presas que saiam da boca, as veias roxas ficaram proeminentes ao redor de seus olhos, mas suas íris continuavam douradas. Estas só ficariam azuis com o vermelho substituindo o branco dos olhos se deixasse seu lado primitivo tomar conta.

Escutou um urso preto a dois quilômetros para direita e estava prestes a saltar naquela direção quando outro som entrou no seu campo de audição. Passos apressados e compassados, a brisa levou o cheiro de madeira e eucalipto... Laurent?

–Bella? – ele parecia genuinamente surpreso por vê-la ali. Por que estaria? Ela morava ali perto...

–Olá Laurent.

Essa era a diferença entre um vampiro que se alimenta de animais e de um que se alimenta de humanos na luz do sol: Laurent já tinha o branco dos olhos em um vermelho sangue – muito mais feroz do que os de Bella ficariam, as íris um azul claro.

–Não esperava vê-la aqui – claramente, a escudo pensou em dizer.

–Oh?... achei que estivesse no Alasca...

Precisava saber o que Laurent queria depressa. Rosalie e Carlisle já estariam quase acabando àquela altura, discretamente começou a expandir seu escudo mental para trás. Rosalie estava acabando o ultimo cervo, Carlisle já estava pronto para partir, mas andava calmamente na direção oposta de Bella, não querendo desviar Rosalie ou a ela de suas caçadas. Estavam longe o bastante para não ouvirem e não serem ouvidos.

–Tem razão, fui para o Alasca. Mesmo assim... eu realmente não esperava ver você aqui... nem qualquer um dos outros para ser sincero.

–Por que seria isso? Dissemos-lhe que mantemos residência permanente...

–Sim, mas com Victoria rondando eu pensei... – era uma boa coisa que com o passar das décadas Bella tenha se tornado tão boa atriz. O que Victoria teria haver com isso? Mas felizmente Laurent não parecia ter percebido, nunca quis tanto ter o dom de Edward.

–Oh? – levantou uma sobrancelha.

–Bem – agora ele parecia quase divertido – acho que eu estava errado. A maioria dos clãs já teria a eliminado ou ido embora. Ela queria que eu verificasse se vocês haviam se separado. Sabe como é fácil os membros de um clã grande se desentenderem.

–Sei disso... não... me parece que está aqui apenas para verificar... será que há... algo mais?

–Sim, na verdade Victoria havia me pedido algo a mais.

Bella realmente não gostava dos olhos especulativos e vermelhos de Laurent, a postura de ambos começando a ficar hostil, se Laurent passara todos esses meses nos Denali seus olhos já deveriam há muito estar dourados. Pelo visto a dieta “vegetariana” não o apeteceu.

–Bem... creio que posso ajudar se estiver dentro de minhas capacidades...

–Sabe... ela não ficou nada feliz com o resultado do o ultimo encontro – o vampiro continuou como se Bella não tivesse falado – gostava muito de James, ela havia me pedido isso como favor, ficou me... testando, acho. Você entende, certo? Sempre mantenho minhas portas abertas... Victoria pediu que eu reduzisse o numero de Cullens.

Bella rosnou – o barulho de enormes pedras se chocando uma com a outra ressoou pela clareira, seus grandes caninos brilhando no sol, suas íris começando a se tingir de azul. Laurent respondeu com seu próprio rosnado. Os dois estavam curvados, prontos para avançarem.

Foi quando ouviu um som que não ouvia a 70 anos: passos grandes, enormes, mas anormalmente silenciosas e macios. O vento que soprava na direção dos dois vampiros trazia o cheiro de carne queimada, madeira apodrecida e cachorro molhado, os dois vampiros congelaram no lugar enquanto cinco enormes criaturas entravam na clareira.

O maior deles, de pelo intensamente preto estava na liderança, um quase tão grande do seu lado direito – segundo no comando – tinha pelo marrom avermelhado; do outro lado um pouco menor do que os outros dois de pelo marrom. Atrás havia mais dois, um era cinza escuro e parecia o mais furioso dos cinco, rosnados bestiais irrompiam de sua garganta e pelos seus dentes trincados o outro era cinza com manchas escuras ao longo do lombo.

Laurent sequer olhou para trás e começou a correr para o lado oposto, verdadeiro medo em suas feições. Os dois de trás imediatamente começaram a persegui-lo. Os três primeiros, o líder e os outros observavam Bella atentamente, mas assim que seus olhos se encontraram eles rosnaram e começaram a perseguir Laurent com os demais.

A escudo estava completamente petrificada no lugar, tamanho era seu medo. Era tão incomum... ter medo pela própria segurança, mas naquele momento em que aquelas feras enormes, ainda maiores do que aqueles que viu sete décadas atrás, entraram no seu campo de visão, temeu pela própria vida pela primeira vez em mais de um século e meio!

O barulho ensurdecedor de metal protestando e gritos lascivos ao longe a tirou do torpor de medo.

–CARLISLE!!!

Mais tarde ia negar com todas as suas forças ter gritado tão desesperadamente pela figura paterna... naquela hora nem pensou nisso, mas a floresta inteira deveria ter ouvido e nem sequer era uma hipérbole ou uma expressão humana, às vezes ter uma garganta tão potente e resistente feito pedra não era lá uma vantagem.

–O que faremos?

–O numero é quase o dobro de 70 anos atrás...

–Mas o nosso também é!

–Se nos mudarmos agora vai ser suspeito demais.

–A situação foi a mesma na primeira vez, Bella, Edward e Alice estão só há quatro meses de se formarem.

–Mas mesmo assim ainda é tempo demais...

–O que Laurent estava querendo dizer com Victoria afinal?

–Eu não vejo Victoria em lugar nenhum perto de nós.

–Mas ela esteve rondando...

–Talvez tenha sido pega pelos lobos...?

–É preocupante mesmo assim, nas ultimas caçadas eu não peguei o cheiro dela em nenhum lugar...

–E quanto ao tratado? Aquele território era nosso.

–Se eles não o respeitarem não podem reclamar se desrespeitarmos também!

–Dois erros não fazem um acerto! Continuaremos a respeitar a nossa parte.

–Mas se eles não respeitam a deles de que adianta respeitarmos a nossa?

–Isso pode começar uma guerra!

–Humanos demais podem morrer se lutarmos com os lobos.

–Estamos em maior numero e se Bella só colocar um escudo grande o bastante ao nosso redor podemos controlar uma briga.

–SILENCIO! – o grito de Carlisle paralisou a todos, era algo extremamente raro, tanto que da ultima vez que o medico gritara fora há mais de 60 anos – Não haverá brigas!

–Mas se houver os estragos vão ser ainda piores do que seriam da ultima vez – Bella apontou preocupada, Edward passou um braço pelos ombros pequenos da parceira a trazendo mais perto de si.

–Pelo amor de Deus! Eu ainda acho o que achava 70 anos atrás: vamos lá acabar com a raça deles! – Emmett foi silenciado por um olhar duro de Carlisle.

–E eu ainda acho o que achava 70 anos atrás: não precisamos entrar em uma luta desnecessária. Dessa vez as proporções estão grandes demais. Eu repito: humanos demais podem morrer se lutarmos com os lobos mesmo se a luta for afastada e Bella estiver controlando um escudo, se sua concentração for quebrada não servirá de nada... se o que Edward descobriu da ultima vez for verdade o atual líder deve ser da linhagem Black provavelmente um neto ou bisneto.

“Vamos falar com o líder atual. Não vamos entrar em uma luta. Sei que eles desrespeitaram os limites do tratado, mas se levarmos em consideração o que Laurent disse... ele disse que não achava que iria nos encontrar aqui uma vez que Victoria estava à nossa espreita, talvez os Quileutes tenham achado o mesmo. O tratado não fala nada sobre a nossa ausência, eles tem o direito de proteger a área que eles quisessem na nossa ausência. Nesse caso nem eles nem nós quebramos o tratado”.

A folha no qual havia sido escrito o tratado havia a muito sido destruída, sua mera existência era uma violação das leis de silencio das criaturas sobrenaturais. Mas com a memoria perfeita dos vampiros e as “lendas” sendo passadas de geração em geração pelos Quileutes fielmente, sua lembrança e cada um de seus aspectos foi preservada.

Os Cullen olhavam Carlisle ansiosos e receosos.

–Como vai ser isso? – perguntou Esme aparecendo do lado do parceiro.

–Edward tem de ir com você – ponderou Jasper entrando completamente no seu papel de estrategista – ele pode cobrir o que não está sendo dito... Alice, como está o problema com as visões?

–Estão melhor, acho que... sei porque estava tão embaçada antes... Edward descreveu como é... a mudança de homem para lobo é instintiva. Assim como nossos recém-criados, é extremamente difícil para um lobisomem jovem controlar este aspecto então, no inicio, suas transformações não são escolhas deles. Como a sede de um vampiro maduro, quando mais velhos suas transformações são mais facilmente canalizadas, mas sempre haverá aquele instinto primitivo.

“Quando humanos, eles ficam meio borrados, como se um humano estivesse abrindo os olhos debaixo d’agua, porque eles podem ser tomados pelo instinto a qualquer momento e mudar de forma sem qualquer escolha deles... os mais velhos provavelmente serão mais nítidos afinal terão mais controle. Nesse único segundo que leva para eles se metamorfosearem de humano para uma forma completa lupina, eles são um ponto completamente cego na minha visão, simplesmente porque não é escolha deles, eles não podem simplesmente escolher parar no meio da mudança e voltarem a ser humanos. No entanto suas formas de lobo são perfeitamente claras pois agora suas mentes são deles próprios e eles estão em perfeito controle de suas decisões”.

–É uma teoria incrivelmente precisa e plausível, Alice – Carlisle aprovou com um brilho orgulhoso nos olhos dourados, o que fez com que vidente se perdoasse um pouquinho por não ter visto o perigo que sua irmã correria mais cedo naquele dia.

Tinha que confessar que entrou em pânico quando viu sua melhor amiga completamente petrificada enquanto três monstros enormes a encaravam como se a qualquer momento iriam pular nela e desmembrá-la. No entanto, mesmo Edward disse que ela não podia controlar tudo o que acontecia no mundo e que não era culpa dela quando ela não via algo acontecer.

–Bem, continuando – Jasper chamou a atenção para si novamente – acho... – ficou bem relutante nessa parte – que Alice deve ir também, precisamos testar sua teoria e essa situação vai ser incrivelmente útil, afinal um deles vai ter de se transformar em humano para falar conosco, embora com Edward lá ele não precisaria fazer isso... mas o lobo não saberá disso. Se o que vocês me disseram continua valendo até hoje, eles não saberão de nossos dons se – olhou para Esme e Carlisle antes de continuar – houver um confronto, podemos usar essa “surpresa” ao nosso favor, então vamos tentar... e eu realmente queria encontrar uma expressão melhor... mas efetivamente vamos “esconder” os nossos dons, em especial no caso de Alice e Bella.

“Os lobos provavelmente vão achar que mandaremos nossos lutadores mais fortes... faremos exatamente isso, no entanto com a ignorância deles de nossos dons e a interpretação deles de força sendo força bruta, Emmett vai. Bella provavelmente seria a melhor escolha no caso das coisas saírem do controle, mas não queremos dar pistas de “poderes a mais” que os lobos ouviram falar e Alice estando lá já vai ser meio suspeito, então eu vou no lugar dela, embora não serei tão efetivo quanto Bella posso manter os ânimos de todos sob controle de modo bem mais sútil para que eles não percebam nossas... vantagens, vamos dizer assim... cinco contra cinco, um balanço justo”.

Emmett sorriu meio presunçoso meio animado. Rosalie lhe lançou um olhar meio irritadiço, mas qualquer podia ver a preocupação quase selvagem em seus olhos âmbares. Jasper tinha um careta no rosto desde que falou que era uma boa ideia Alice ir, como se estivesse discordando o tempo todo em sua cabeça, a vidente circulou a cintura do parceiro com seus braços finos e lhe lançou um sorriso. Esme estava conversando com Carlisle em um tom extremamente baixo e apressado que um humano jamais entenderia, mas os outros seis vampiros na sala todos presenciaram o patriarca, o líder e pai de todos ali de repente virar apenas uma criancinha indo passar a noite fora de casa pela primeira vez enquanto a mãe lhe passava inúmeras regras. Bella tinha se ajeitado no peito de Edward e o aperto que tinha no seu braço quebraria até mármore, o leito de mentes fazia círculos tranquilizadores em suas costas.

Quando o relógio da sala de estar marcou sete horas da manhã todos já estavam prontos para suas respectivas tarefas. Se o colegial ensinou alguma coisa àqueles vampiros centenários era o poder da fofoca.

Cada um deles preparado para o que tinha de ser feito.

Alice e Bella às vezes conversavam com Ângela então não seria assim tão esquisito se as duas Cullen começassem uma conversa como quem não quer nada...

Edward e Rosalie podem simplesmente, como Bella chama isso, deslumbrar a secretária Sra. Cope e o diretor Greene respectivamente...

Emmett apesar de fisicamente tão intimidante que todo corpo estudantil e de professores iriam preferir serem atropelados a engajar uma conversa com o enorme rapaz, um empurrãozinho de Jasper vai fazer com que os jogadores do time de futebol da escola abram os bicos...

Precisavam descobrir um meio de se comunicarem com um dos Quileutes naquele dia, mesmo que os humanos comecem a desconfiar... os Cullen sempre foram muito reservados e nunca pareciam notar ninguém, claro que isso era mentira.

Edward sempre fazia uma revista semanal para verificar se havia alguém desconfiado demais dos Cullen...

Quebrar a ilusão de que a misteriosa família sequer notava alguém de fora era um preço pequeno a se pagar se isso significa evitar uma guerra.