Parece que todas as coisas que aconteceram entre eu receber a carta de Hogwarts e ir, de fato, para lá foram condensadas em um vídeo de cinco minutos. Ou menos.

Em um instante eu estava em casa, chorando abraçada na minha carta, desejando com todas as minhas forças que Hogwarts seja real. No outro eu escutava meus pais brigando, tentando decidir o que fazer. Pisquei os olhos e apareceu um professor com uma barbicha de bode na minha casa, fazendo todo o possível para convencer meu pai a me deixar ir para aquela tal escola.

Meu pai não me dirige a palavra, ele nem sequer me dirige o olhar durante esse tempo. Minha mãe não sabe o que fazer e acaba não falando comigo também, mas eu escuto as súplicas que ela faz para o meu pai, à noite.

- Não é culpa dela, Ivan. - Ela tentava dizer, com a voz controlada, mas ele não a ouvia.

Tudo que eu lembro do meu pai fazer durante esse tempo é bater a porta do carro e ascender um cigarro no quintal. E eu, mas uma vez, choro até dormir, abraçada nas minhas próprias pernas.

O professor com cara de bode continua tentando convencer os meus pais, mas eu sou proibida de falar com ele. Claro que eles não dizem isso para mim, é mais como um grito para o vácuo, mas eu sei que não posso falar com ele.

Ainda assim, aquele professor não desiste. Eu preciso admitir que ele é esperto, veio na hora em que meu pai está trabalhando. Não sei direito o que eles conversaram, mas minha mãe não tentou convencer meu pai naquela noite. Ela também parara de chorar.

Outro piscar de olhos e o tempo passa mais uma vez. Mamãe me chama e me abraça, como não fazia há muito tempo.

- Kassie, você é muito especial, sabia? - Ela me diz, e eu fico sem entender. Pensando bem, não entendo direito até hoje. Ela tinha chamado um táxi e, juntas, nós vamos até o centro de Londres.

Gostaria de lembrar melhor da primeira impressão que O Caldeirão Furado teve em mim, mas acho que não deve ter sido diferente das outras. Um boteco sujo e cheio de pessoas mal vestidas de mal encaradas.

O cara de bode está lá, e eu descubro que o nome dele é Goatsilver. Ele se apresenta como professor de Defesa Contra Artes das Trevas, que eu não tinha a mínima ideia do que era. Dos sete professores que eu tive nos meus sete anos em Hogwarts, eu digo sem nenhum pingo de culpa que ele foi o melhor.

Goatsilver leva mamãe e eu para o Beco Diagonal, onde trocamos algumas notas de libras por umas pesadas moedas de outro. Um homem baixinho, que eu deveria ter percebido que era um duende mas não percebi, tenta me explicar quantos Nuques fazem um Galeão e quantos Sicles fazem um Nuque, mas eu não presto muita atenção. Tem muitas outras coisas fascinantes ao meu redor.

Passamos mais tempo que o necessário na livraria mágica, a Floreios e Borrões, e eu compro alguns livros que não estavam na lista dos materiais escolares.

Minha mãe estava tão desconfortável ali que eu sinto pena dela até hoje. Coitada. Eu sei que eu a agradeci naquele dia e em muitos outros, mas ainda parece que ela não sabe o quão importante ela foi.

Horas mais tarde, nós duas chegamos em casa, felizmente antes de papai. A mãe me dá mais um daqueles abraços nostálgicos antes de me mandar subir.

- Kassandra - Ela falou, olhando bem nos meus olhos. - Seu pai não pode saber nada do que aconteceu hoje. Entendeu?

Eu fiz que sim com a cabeça.

- Eu não vou falar nada, eu prometo. - Eu disse.

Antes de eu sair correndo para o meu quarto e esconder todos os meus mais novos tesouros, minha mãe me dá um beijo na bochecha.

A próxima coisa que eu me lembro é de mim e de minha mãe mais uma vez dentro de um táxi, escondidas do meu pai. Mas dessa vez mamãe voltou sozinha, porque eu embarquei no Expresso de Hogwarts.