William esfregou os olhos, sonolento, e então ergueu as costas para sentar-se. Realizava tal movimento por costume, pois ainda não havia se dado conta de que o céu continuava escuro e manhã não havia chegado. A primeira coisa que viu, ainda que um tanto fora de foco, foram dois pontos amarelados em meio à escuridão, como se fossem olhos o espreitando.
–William: “Aquilo é...?”
O manipulador do vento esfregou os olhos novamente, num movimento que durou apenas um instante, mas quando voltou a enxergar já não havia mais nada amarelo ao seu redor.
–William: Será que... foi só impressão?
Uma fina garoa caía naquela manhã, tratando de despertar todos rapidamente. Em pouco tempo, estavam preparados para partir, mas ainda havia algo importante a ser decidido.
–Fernand: Agora que só restam três pilares já não temos muitas opções. Para onde iremos a seguir?
–Samantha: Iremos em direção a Releav, é o pilar mais próximo de nossa posição atual, depois seguiremos para o norte para derrubar o penúltimo.
–Yasmin: Estão deixando o pilar da capital como último de propósito, não é?
–Samantha: Exatamente, e imagino que você entenda o motivo.
–Luna: Mas esperem, por que não vamos ao norte primeiro e depois voltamos pra Releav? Se dermos a volta ao redor do Bosque Sinelth vamos demorar mais do que se seguíssemos na direção do outro pilar.
–Samantha: Quem disse que vamos dar a volta? Vamos atravessar o bosque, isso sim.
–Luna: Mas isso é arriscado...
William limitava-se a acompanhar a conversa, confiando na capacidade de planejamento de rotas e de persuasão de Samantha. Karin, por outro lado, estava muito curiosa para saber que rumo tomariam.
–Karin: O que tem de tão ruim no Bosque Sinelth?
–Yasmin: É um lugar muito parecido com a Floresta Everdread, só que menor. Daqui até o outro lado leva uns dois dias de caminhada, mas como ele é comprido, dar a volta causaria um atraso enorme.
–Karin: F-Fico com calafrios só de lembrar dos monstros que encontramos em Everdread...
–Fernand: Estamos em seis! O que vier pela frente nós encaramos e vencemos!
–Luna: Não é tão simples! Monstros mantém comerciantes e viajantes longe de Sinelth, mas há outra criatura que vive lá que devemos evitar!
Um momento de silêncio deu sequência à declaração de Luna, até que Yasmin finalmente sanou a curiosidade daqueles que não haviam compreendido.
–Yasmin: Scythe.
–Fernand: Isso é algum dragão, fantasma ou outro tipo de monstro poderoso?
–Yasmin: Na verdade não, Scythe é um membro da Ordem da Rosa Branca que vive no Bosque Sinelth desde quando a ordem surgiu.
–Fernand: Espera um pouco... quer dizer que o cara tem mais de duzentos anos?
–Luna: Não, idiota! Quando um novo Scythe substitui o anterior ele também recebe a missão de conter as feras que vivem no bosque.
–Karin: Mas se é tão importante assim ter alguém da ordem segurando os monstros, por que não tinha ninguém além do Kenoh em Everdread?
–Yasmin: É porque praticamente não há cidades ou vilas perto daquela floresta, mas existem várias comunidades perto de Sinelth.
–Fernand: Ok, isso é um problema. O que faremos então?
Ninguém respondeu de imediato, pois Samantha, Yasmin e Luna sabiam que seus argumentos tinham tanto um lado positivo quanto um negativo. No fim das contas, quem decidiu o impasse, vencido pela impaciência, foi William.
–William: Vamos atravessar Sinelth. Há a possibilidade de que o tal Scythe não esteja lá e sim protegendo um dos pilares restantes, assim como a possibilidade de que, mesmo que ele lá esteja, consigamos passar despercebidos.
–Yasmin: E se ele estiver lá e nos encontrar?
–William: Há a possibilidade de que ele não saiba que estamos tentando derrubar os pilares.
–Luna: ...e se ele souber que estamos tentando fazer isso?
–Fernand: Aí descemos a porrada nele, caramba! Vamos logo que eu já estou cansado desse papo!
–Karin: Gostei do plano.

Castelo Releav, uma imponente construção rodeada de torres e muralhas, erguida no centro da cidade de Releav. Sobre uma das muralhas estava Quartzo, o assassino de Kenoh, admirando a bela espada em suas mãos ao invés de se dedicar ao seu trabalho de observar o pilar no meio do cemitério ao lado do castelo.
–Vortex: Você não pára de admirar esta espada desde que voltou, Quartzo.
Vortex, o homem de longos cabelos negros, caminhava lentamente na direção de seu colega.
–Quartzo: Mas é claro, veja como ela é incrível! A legítima Draconis!
–Vortex: Você não tem levado suas obrigações a sério, rapaz. Tente não me causar mais problemas...
–Quartzo: Qual o problema? Nós vamos deixar que eles derrubem o pilar, não vamos?
–Vortex: Sim, mas se ficar evidente que nós permitimos isso, “ele” vai começar a suspeitar, imbecil!
–Quartzo: Tá bom, entendi, não precisa ofender...

À noite, Yasmin e seus companheiros já estavam atravessando o Bosque Sinelth, carregando galhos transformados em tochas pela capitã. Todos, sem exceção, apresentavam expressões de cansaço e avançavam devagar.
–Fernand: Eu não sei vocês, mas eu não vou aguentar muito mais tempo...
–Luna: Talvez seja um resultado da luta acirrada de ontem. Acho melhor descansar mais cedo hoje.
–Samantha: Concordo, nesse ritmo não iremos muito longe mesmo.
Todos se detiveram numa pequena clareira e então Yasmin lançou chamas sobre um longo tronco derrubado, transformando-o numa fogueira.
–William: Não acham estranho que subitamente estejamos todos cansados e que isso tenha acontecido após entrar neste bosque?
–Yasmin: É, vendo por esse lado...
O manipulador do vento fechou os olhos e logo todos sentiram um forte vento soprando. William estava usando seus poderes para avaliar a área e descobrir se realmente estavam sozinhos. Quando ele finalmente abriu os olhos novamente, seu rosto estava estampado com uma expressão muito séria.
–William: Revele-se, eu sei que você está aí!
Em resposta a William, uma figura surgiu dentre as árvores. Aparentava ser uma pessoa baixa e magra, vestindo um uniforme surrado, sujo e rasgado da Ordem da Rosa Branca. Porém, diferente das roupas dos outros membros da ordem, aquele sobretudo possuía um capuz que cobria parte do rosto. Além disso, luvas da mesma cor que o uniforme cobriam as mãos do indivíduo misterioso e este segurava uma comprida foice com sua mão esquerda.
–Luna: Scythe...
–Karin: É agora que começamos a dar porrada?
–Fernand: É, eu acho que sim.