Mar de Lembranças escrita por Misuzu


Capítulo 3
Cortada




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Não havia tantos clientes na taverna, apenas quatro mesas ocupadas com alguns clientes bebendo e discutindo, o que é comum dos bêbados. Também não havia nenhum perto do balcão.

– Você pode, pelo menos, esperar a casa fechar, Bonnie? – o mais sensato agora seria tentar adiar isso o máximo possível, mas se tratando de Bonnie, isso não seria algo fácil. Na verdade, seria impossível.

– E você por acaso esperou algo antes de atirar-se para cima do senhor Marshall? – A voz de Bonnie já não era mais doce como sempre. Ela falava em um tom de voz um pouco mais elevado que o normal.

– Bonnie, você sabe que eu...

– Não me venha com essa conversinha de boa moça que não quer vender o corpo. – Disse Bonnie me interrompendo antes mesmo que eu terminasse minha frase. – A verdade está bem evidente para mim agora. Essa historinha de coitadinha que perdeu a memória é apenas uma farsa. Uma desculpa para você poder ficar aqui sem vender seu corpo, esperando até aparecer um homem rico o bastante para o seu gosto. Mas o senhor Marshall não é burro Millenia.

Golpe do baú? Como a imagem que ela tem de mim é boa. Até parece que eu faria isso com alguém. É arriscado, sem contar que as chances de falha são grandes. E que tipo de idiota ficaria um ano inteiro servindo bebida e escutando cantadas de bêbados todos os dias só pra tentar casar-se com um homem rico? As pessoas realmente sabem distorcer a realidade quando elas querem.

– Esqueceu-se de dizer que eu peguei uma espada e fiz um corte enorme e grave na minha barriga e depois me atirei no mar. – Revirei os olhos – Elora me disse que você estava junto quando me encontraram, vai dizer que a ferida era falsa? Você viu o tempo que fiquei naquela cama até me recuperar.

Ela parou e me analisou da cabeça aos pés, com uma expressão de repulsa no rosto. Depois de terminar a análise pela terceira vez, ela voltou a me olhar nos olhos e deu um sorriso asqueroso.

– Certamente, o senhor Marshall apenas queria algo... Exótico. Você não é feminina nem bela o bastante para ele. Os homens preferem uma pele clara, como a minha, e não uma bronzeada como a sua. – Minha pele nem é muito mais escura que a dela, mas tudo bem – Seus cabelos também não possuem uma cor bonita e são muito curtos. – Eles vão até pouco depois dos ombros, não acho que isso seja realmente curto – A única coisa que você tem de belo são seus olhos verdes, não que isso seja o suficiente. – Ah, que gentil, ela elogiou meus olhos, assim vou me apaixonar.

– Então você não acha que se esse fosse o caso, ele chamaria você e não eu?

Acertei no ponto certo, ela ficou ainda mais irritada, e eu que pensava que isso não era possível. Se ela se olhasse no espelho agora, certamente teria um ataque histérico. Seu rosto estava tão distorcido de raiva que deixara de ser belo.

– Vadia! – Ela gritou e correu para cima de mim, e antes que eu pudesse tentar desviar ela já havia se agarrado nos meus cabelos, puxando-os como louca.

– Já se olhou no espelho? Acho que a vadia aqui não sou eu.

Uma das mãos dela saiu do meu cabelo e antes que eu pudesse de alguma forma defender ela já havia atingido meu rosto em cheio no lado esquerdo com uma bofetada. Cambaleei para o lado oposto e acabei por atingir o balcão que estava encostado na escada com a lateral do meu corpo. Depois ela vem dizer que é uma dama. Virei meu corpo, ficando com meu braço esquerdo para frente e investi contra ela, batendo meu ombro em seu tórax. Ela cambaleou para trás. Com isso a fiz soltar meu cabelo, embora ela tenha levado uma parte dele com ela.

Mas ela logo vinha para cima de mim novamente, pegando uma garrafa vazia de rum de cima do balcão no caminho. Ela então se aproximou mais rápido, e investiu com a garrafa contra a minha cabeça, do lado esquerdo. Dei alguns passos rápidos para trás e ela acertou a garrafa no balcão, quebrando-a. Ela estava vindo novamente, dessa vez mirando em meu tórax, e quando tentei desviar para trás novamente minhas costas bateram na parede. Droga. Cruzei os dois braços na frente do meu corpo, e a garrafa atingiu o direito, rasgando a manga do meu vestido, e junto o meu antebraço. Desgraçada.

A dor tomou conta do meu braço, e uma imensa vontade de bater nela tomou meu corpo, e minha mente. Sem pensar, fui em direção a ela, preparando-me para dar um tapa no rosto dela com a mão esquerda. Não foi um tabefe realmente forte, mas a deixou desnorteada. Desnorteada o bastante para não perceber a aproximação de minha mão direita, que estava fechada e ensanguentada. Acertei seu rosto em cheio, deixando o meu próprio sangue ali e fazendo-a cair no chão. Ela levou a mão ao rosto e assustou-se com o sangue.

Algo atingiu meus pés e eu caí no chão, batendo minhas costas e minha cabeça na parede com força. Bonnie havia chutado meus pés para que eu caísse. Minha visão ficou embaçada e fiquei tonta. Eu podia ver que ela já estava de pé novamente e também podia ver sua silhueta se aproximando, mas não com a nitidez necessária para saber de onde viria o ataque e também, devido à tontura, eu não conseguiria me defender. Minha visão melhorou em alguns segundos, a tempo de ver Bonnie sendo impedida de me atingir novamente. Alguém a puxou com força pelos cabelos loiros, fazendo-a esboçar uma expressão de dor enquanto um grito agudo saía de seus lábios. A pessoa então a empurrou para o lado, fazendo com que ela se chocasse contra o balcão. Então eu vi os longos cabelos castanhos e ondulados da garota. Elora. A expressão no rosto dela era a mais assustadora que eu já vira no rosto de alguém, a mais extrema ira. Ela puxou Bonnie pelo braço, aproximando seu rosto do dela.

– Se você encostar em um fio de cabelo da Millenia de novo, eu mato você. – A voz de Elora saiu baixa, calma e ameaçadora, de uma forma que eu nunca vira antes. E a ênfase que ela deu à palavra “mato” deixou Bonnie em pânico.

Elora soltou o braço de Bonnie, empurrando-o para trás e caminhou em minha direção. Ela agachou-se na minha frente e olhou em meus olhos. Ela colocou minha mão esquerda em torno de seu pescoço e ficou segurando-a com força, enquanto passava sua mão direita em torno de minha cintura. Ela tomou impulso e ajudou-me a levantar. Elora lançou um olhar na direção de Bonnie, que estava parada ainda no mesmo lugar, com a mão no rosto, que continha uma expressão de puro pânico.

– Luce, tira essa daí da minha frente antes que eu realmente mate ela.

Só então eu vi que a garota de cabelos negros e pele pálida estava parada ao lado da escada com um olhar aflito. Ela logo seguiu a ordem de Elora e tirou Bonnie dali com cuidado. Elora então me tirou de trás do balcão e entrou em um pequeno corredor que havia ao lado da escadaria. Entramos na ultima porta do corredor, o meu quarto. Ela levou-me até minha cama onde eu me sentei.

Elora saiu do quarto por alguns minutos e voltou com uma jarra de água e algumas ataduras. Ela puxou um banco e sentou-se na minha frente. Gentilmente, ela segurou minha mão direita com a sua esquerda, logo depois colocando a minha sobre a sua perna.

– Isso vai doer um pouquinho, Millenia. – Ela disse enquanto sorria gentilmente tentando me reconfortar.

Ela limpou as feridas, dois cortes longos, mas não muito profundos, realmente doeu um pouco. Logo depois colocou as faixas em torno de meu antebraço. Retirei meus sapatos e deitei-me na cama. Elora sentou-se do meu lado e ficou acariciando meus cabelos. Era reconfortante. Quando eu estava com Elora não me sentia tão vazia. Mas agora isso não adiantava muito. O buraco que eu sentia em meu peito parecia ficar cada vez mais escuro e me doía cada vez mais, uma dor que nenhuma atadura poderia resolver. Como eu queria me lembrar de tudo. Como eu queria que aquela dor parasse de me consumir. As lágrimas desciam pela minha face silenciosamente, e Elora secava cada uma delas com sua mão. Eu realmente queria lembrar-me de tudo. Queria que aquela dor parasse de me corroer. Cada toque reconfortante de Elora em meus cabelos ou na minha cabeça mais me fazia querer lembrar-me de tudo. Lembrar se eu tinha uma mãe que me reconfortava assim e que agora chorava por mim. Se alguém sentia minha falta tanto quanto eu sentia sem nem mesmo conhece-los. Depois de algumas horas chorando e ouvindo Elora sussurrar palavras de conforto, minhas lágrimas secaram e a exaustão aos poucos tomou conta de mim, fazendo-me cair nas profundezas do sono.


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Notas finais do capítulo

Agradeço a quem estiver lendo minha história, e peço que deixem um reviewzinho, eles costumam inspirar o escritor.Beijinhos, vejo vocês no proximo capítulo~