Cidade de Voltrina, reino de Kenderon, na era onde as constantes guerras entre Marinheiros e Piratas dominam o curso da história.

 A noite acabava de começar e os primeiros clientes já chagavam ao estabelecimento. Alguns, mais interessados nas bebidas, sentavam-se em grupos o mais próximo possível do balcão. Já outros, sentados em pequenas mesas espalhadas por todo o salão, estavam mais interessados no que esta casa têm de melhor a oferecer: belas mulheres. Estas, que praticamente em sua totalidade, estavam ansiosas com a noite que começava. Os rumores eram de que acabara de retornar à cidade a tripulação de um famoso almirante, que permanecera em auto mar durante meses à procura de piratas. Tripulação da qual os melhores clientes deste estabelecimento fazem parte, jovens marinheiros ou mesmo marinheiros com altos postos, que vinham aqui para aliviar o estresse de sua vida no mar e seus casamentos arruinados. Os motivos pouco nos importam, desde que sejamos pagos, bem pagos. Afinal, para nós do Solar da madame Agatha, o melhor estabelecimento do distrito sul ou mesmo distrito luz vermelha da cidade portuária de Voltrina, esta será apenas mais uma longa noite.

 Desci as escadas calmamente para ir atender os poucos clientes que haviam no salão, rezando para que não dessem por minha falta lá em cima. Antes mesmo de chegar ao fim da escada alguém já me chamava lá de cima.

- Millenia, venha cá, deixe-nos arrumá-la ao menos um pouco. - No topo da escadaria, uma dama de pele clara e cabelos castanhos ondulantes, usando um belíssimo vestido azul, sorria para mim. Elora, teimosa como sempre.

- Obrigada Elora, mas não precisa. Já está na hora de eu ir para o balcão atende-los, e além do mais, eu apenas sirvo bebidas, não preciso estar mais arrumada que isso. - Eu disse, fazendo um gesto que ia desde meus cabelos vermelhos e lisos presos no topo de minha cabeça, até o simples vestido cinza escuro rodado e com mangas longas que eu usava.

- Mas Millenia, não é só porque você não é uma prostituta como nós que não deve se arrumar. Você é tão bela Millenia, por favor deixe-me ao menos arrumar seus cabelos.

- Deixe-a Elora, ela ainda não se acostumou com isso. E no mais, ela está certa, ela não precisa arrumar-se tanto para servir bebidas, serviria apenas para deixar os clientes ainda mais admirados com a beleza dela, e nos daria trabalho explicar-lhes que Millenia não faz este tipo de serviço.

Sem conseguir evitar ficar vermelha, dei um sorriso em agradecimento à Madame Agatha que estava parada ao final da escadaria, e passei por ela, assumindo meu posto atrás do balcão que ladeava a escada. Servi os homens que estavam ali, sorrindo educadamente com seus elogios e comentários sobre o quanto eu era educada e graciosa demais para estar ali, ou mesmo alguns comentários indiscretos de sempre dizendo que era uma pena eu não ser como as outras.

Pouco tempo depois a casa começou a encher, alguns clientes já conhecidos chegavam, assim como outros que eu nunca vira, mas que já encontravam rapidamente uma moça e juntos subiam as escadas. Pelo visto a tal tripulação chegara mesmo, afinal eram muitos rostos que para mim eram desconhecidos, mas que para as garotas pelo visto era diferente. Como era esperado, tive de dizer a muitos que nunca haviam me visto ali que eu apenas servia-lhes as bebidas.

Enquanto limpava algumas canecas e copos atrás do balcão, percorri com meus olhos todo o salão, como já era de meu costume. Vi a porta abrir e apenas como hábito, continuei olhando para poder ver quem entrava, sem um real interesse. Três homens passaram pela porta, um mais à frente dos outros, certamente mais nobre. Ele tinha os cabelos cortados de um jeito desforme, de modo que as mechas mais longas em cor de mel chagavam aos seus ombros. Seu rosto era muito belo, não devia passar dos trinta anos. Seu olhar cruzou com o meu e pude notar que seus olhos tinham um lindo tom de azul, como o mar. Desviei meu olhar rapidamente, voltando a concentrar-me em meu serviço, limpando algumas canecas.

- Dê-me uma dose de uísque, senhorita.

Segui a ordem da voz baixa e rouca, sem olhar para seu dono, abaixei-me, peguei a garrafa e servi uma dose, logo direcionando meu olhar para a frente, para assim entregar ao homem sua bebida. Era o homem jovem que acabara de entrar. Coloquei a bebida sobre o balcão e voltei ao meu serviço, organizando as bebidas embaixo do balcão.

- Senhor Marshall, como foi em auto-mar? Quer que eu chame Bonnie ou outra de minhas moças?

Levantei-me, tendo terminado de arrumar as garrafas e tratei de servir outra pessoa que me pedira uma bebida, enquanto tentava discretamente prestar atenção na conversa entre a Madame Agatha e o tal senhor Marshall. Então esse era o tal cliente de Bonnie da qual ela falava tanto e que estava no mar desde antes de eu começar a trabalhar aqui.

- Não Madame, não precisa chamar a Bonnie hoje. - coitada, ela ficaria decepcionada, passara o dia inteiro ansiosa pela volta do senhor Marshall – Quero esta jovem. - ele disse gesticulando em minha direção.

Eu estava abrindo minha boca para defender-me quando a madame, mais rápida que eu, começou a falar.

- Sinto muito Sr. Marshall, mas ela não faz este tipo de serviço. Faz pouco tempo que ela recuperou-se, foi encontrada por algumas garotas que trabalham aqui caída na praia, com uma enorme ferida no ventre. Foi um milagre ter sobrevivido.

Ele olhou para mim com os olhos curiosos e um pouco receosos. Deveria agradecer à Madame Agatha mais tarde, ela adora contar minha historinha de superação a todos.

- Pois bem Madame Agatha, despertou minha curiosidade. Ficarei com esta jovem por hoje. Não se preocupe, não vou fazer nada que ela não queira. Quero apenas matar minha curiosidade agora. Tudo bem, madame Agatha?

 Como eu temia, ela acenou um sim com a cabeça. Já tenho trabalho de mais em servir todos esses homens e limpar esse salão depois. Não estou reclamando, faço isso sem problemas, já que a madame Agatha me acolheu aqui como sua filha, mas ter de passar a noite com um desconhecido não é algo que eu aceite facilmente. Agora isso, ter que contar minha história de vida para um desconhecido - não que ela seja muito longa, já que não tenho muitas memórias - isso é, se ele realmente for um homem de palavra. Mas, o mais provável é que eu tenha que tentar proteger minha possível virgindade. Não que eu pretenda me casar, afinal nenhum homem decente casaria-se com uma dama que nem mesmo sabe o próprio sobrenome, ou pior, nem mesmo seu nome. 

- Vá com ele Millenia. Eu chamo alguém para substituí-la aqui por hoje.

Ela sorria, como se isso fosse algo bom, e puxou-me para perto de si, sussurrando em meu ouvido:

- Não se preocupe Millenia, ele é um homem de palavra. Mas caso ele tente algo, basta você mostrar aquilo.

Ele fez um gesto com a mão, indicando que eu fosse à sua frente. Desvencilhei-me de madame Agatha e segui até as escadas com ele ao meu lado. Eu podia sentir os olhares invejosos das outras sobre mim, ele devia ser bem cobiçado aqui. Mas, definitivamente, nenhum desses olhares me assustava, ao menos não tanto quanto o da jovem loura que agora estava ao lado da madame Agatha. Bonnie. Será difícil explicar isso a ela amanhã.

Já no segundo andar, entramos no ultimo quarto do corredor. Eu entrei na frente e o Sr. Marshall entrou logo depois, trancando a porta atrás de si. Ele caminhou até a cama que havia no centro do quarto, sentou-se e foi retirando o casaco. Ele olha para mim, dando leves batidinhas na cama, logo ao seu lado, chamando-me para sentar ali. Respirei fundo e sentei-me ali. Ele levanta sua mão direita e a leva até meu cabelo, brincando com uma mecha que havia solta ao lado de meu pescoço.

- Pois bem, senhorita Millenia, meu nome é Allan Marshall, e espero que você me divirta por esta noite. - Ele me olhava com um sorriso malicioso nos lábios e eu me perguntava se aquilo realmente bastaria para me proteger esta noite.