Segundo Capítulo

Eu estava sozinho num cômodo sem janelas, a sensação opressora do lugar era sufocante. Me fazia sentir como o garotinho sem memórias que eu fui à quase sete anos atrás, com medo de tudo e todos.

Suspirei de alívio quando a única porta do lugar foi aberta com cuidado e a Yuuki, tão linda quanto sempre, apareceu sorrindo travessa. As suas mãos estavam entrelaçadas nas costas e seus olhos castanhos pareciam prever algo que ela faria.

– Kaname... – sussurrou meu nome baixinho antes de correr para os meus braços, suas pernas firmemente presas na minha cintura e seus braços em meus ombros. – Você consegue se lembrar?

Franzi o cenho sendo tirado daquela nuvem de felicidade que me cercara assim que seu corpo quente se encaixou novamente ao meu.

Do que ela queria que eu me lembrasse?

O que quer que fosse, parecia ser realmente importante pra ela. Seu rosto gentil e angelical estava tenso de seriedade. Parecia um daqueles desfechos de livros onde apenas um fato pode mudar todo o resto da trama.

– Do que eu devo me lembrar, Yuuki?

Dando uma risada baixa, quase como se dissesse 'eu sabia exatamente que seria isso que você ia dizer', ela lambeu minha bochecha enquanto saia do meu colo e entrelaçou nossos dedos, me puxando para a frente de um enorme espelho.

Eu tinha certeza que ele não estava ali à momentos atrás. Sonhos nunca faziam muito sentido.

– Vamos, Kaname... Porque está sendo tão preguiçoso? – continuou sussurrando enquanto se movia para trás de mim, era quase como se estivesse falando com outra pessoa e não comigo.

Aquilo me frustrou.

– Estou bem aqui na sua frente, não entendo o que você quer. – pode ter saído mais rude do que qualquer garota toleraria do seu... 'namorado', por assim dizer, mas por algum motivo, o sorriso dela cresceu.

Arregalei meus olhos quanto ela pulou graciosamente nas minhas costas, procurando uma posição confortável que fizesse seu rosto de porcelana ficar apoiado no meu ombro direito.

– Olhe. – pediu, beijando meu rosto.

Impaciente, voltei a olhar para minha imagem, pronto pra perguntar o que havia de tão importante nisso.

Meus olhos se arregalaram de pavor e os da pessoa idêntica a mim, do outro lado do espelho também. Foi isso que me fez saber que eramos a mesma pessoa.

Não sei como esplicar, eramos idênticos, mas ao mesmo tempo tão diferentes que parecia ilógico sermos as mesmas pessoas.

O 'Kaname' que me encarava do espelho tinha os olhos vermelhos brilhantes, e exalava tanto poder que eu poderia testá-lo na ponta da minha língua.

A 'Yuuki' também era confusa, ainda sustentava o mesmo rosto que me fascinava mas algo que mudava na minha figura a afetava também. Uma aura sombria os envolvia, e me atraia como um inseto que cai direto nas teias de uma aranha.

Dei um passo a diante, quase como se controlado pelo outro 'eu' da imagem.

Ele me olhou por breves instantes e, depois, eu estava sozinho, perdido do meio da escuridão total.

Abri meus olhos assustado, sentia meu coração batendo próximo à minha garganta como se qualquer batida mais forte fosse fazê-lo saltar de dentro de mim.

Corri para a frente do espelho e olhei para o meu rosto atentamente, e não consegui me decidi se estava feliz ou decepcionado que meus olhos continuassem sendo castanho-avermelhados.

Passei a mão pelo meu cabelo, preferindo me sentir aliviado.

Zero estava parado na porta do quarto, já vestido com o uniforme da 'Class Day' e secava o cabelo molhado com uma toalha.

– Finalmente sair com aquela sanguessuga te deixou maluco, não? – ele riu debochado sentando na cama dele. – Eu sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde, pena que você nunca me escuta.

Um sorriso de escárnio se desenhou nos meus lábios e eu estava pronto pra retrucar, mas me forcei a morder a língua. Zero chegou na casa Kaien-san um tempo depois de mim.

Seus pais eram caçadores e foram assassinados de forma cruel por uma vampira de puro-sangue. Quando ele chegou, não falava nada. Até que eu fui tentar jogá-lo na banheira e acabei escorregando, ele riu.

Nos tornamos amigos surpreendentemente rápido, nenhum de nós era muito 'falador' então nossas conversas iam até onde era interessante e nenhum de nós tinha vergonha de simplesmente dar o fora quando o assunto ficava chato.

A única coisa que ele nunca aceitou de mim foi a proximidade que eu sempre mantive com a Yuuki mas, desde que ela não chegasse muito perto dele, ele também a ignorava. Não era aquela maravilha, mas foi melhor do que ter que passar pelo primeiro encontro deles todo dia.

Acredite, ver a garota que você gosta levar uma facada na barriga não é lá muito bom pro coração.

Talvez algum dia eu conseguisse fazê-los se darem bem, e é por isso que eu acredito tanto no ideal do Kaien-san: Vampiros e humanos convivendo em paz.

– Vamos lá, Romeu. Sua Julieta vai ficar impaciente se você não for salvá-la daqueles 'fãs' malucos logo que o sol se pôr.

As vezes, esses deboche dele me faziam querer mandar a amizade de anos pro inferno e lhe dar um chute na bunda.

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Passei a mão no meu cabelo, depois de brigar pela sétima ou oitava vez com a mesma garota que insistia em tentar ultrapassar o limite que Zero e eu demarcamos.

Ah, se eles soubessem o quão perto, mesmo no espaço marcado, estavam de levar uma mordida...

Quando o sol finalmente começou a se pôr, os portões da 'Class Night' finalmente foram abertos e todo o festival de 'quem grita o nome do seu ídolo mais alto' começou.

– Olá, garotas! Estão animadas hoje? – Aidou-senpai vinha na frente atiçando as meninas que correspondiam, felizes, a atenção que ele dava a elas.

Não era como se a Class Night fosse muito sociável.

Pra falar a verdade, Aidou nunca foi muito legal comigo. Sempre que passa por mim, ele perde o sorriso galã e me olha meio... Serial Killer. Exatamente como ele está fazendo agora.

– Hanabusa, vamos. – Kain, que Yuuki uma vez me disse ser primo do 'loiro psicopata que me odeia', sussurrou como se para que alguém não escutasse.

Aparentemente, ele vivia tirando Aidou de enrascadas.

Logo após vieram Ruka e Rima parecendo conversar sobre qualquer coisa sobre cabelo. Garotas eram garotas sempre. Grave isso. Não importa se são humanas, vampiras ou até E.T's.

Por último, como sempre, vinha Yuuki entre Shiki-senpai e Ichijou-senpai. Ela parecia rir de algo que um deles tinha dito e já ia parar pra falar comigo, até que eu senti a aura malígna do Zero pairando sobre mim.

Deus, ele me fazia parecer uma menininha indefesa.

– Kaname! – Yuuki me chamou propositalmente alto, fazendo todos pararem a zueira que faziam. Sorrindo tão travessa quanto no meu sonho, seus braços apertaram meu pescoço e logo nossos lábios estavam colados.

Isso era muito bom.

Sempre dava um tipo de adrenalida tentar um beijo francês com alguém que tem caninos.

Quando ela me soltou, as garotas humanas pareciam estar consolando umas as outras, alguns vampiros ainda esperavam para ver o que aconteceria e os 'nobres' – elite que andava com a Yuuki – tratava de adiantá-los.

– Como tem passado? – perguntou rapidamente enquanto tirava a franja de cima de seus olhos quase idênticos aos meus.

Idênticos.

– Na verdade, tive um sonho estranho hoje... – era meio estúpido comentar isso, admito, mas aquele pensamento anterior me trouxe de volta ao momento 'analizando sonhos com Kurosu Kaname'. – Er, Yuuki, você já sentiu como se tivesse duas faces, duas personalidades diferentes?

– Já. – seu sorriso se tornou um pouco triste. – Todos nós temos personalidades diferentes, o jeito e a hora de libertar a verdadeira é o que define o desfecho de um monte de coisas.

Confuso, só notei que ela havia fugido do assunto quando ela já estava longe demais para ser vista.

Maldição.