Eternal Flame escrita por bandolinz


Capítulo 19
Irreversível


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo promete fortes emoções e é o penúltimo da temporada. Espero que gostem! ;D



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Eu fiquei tão absorta na idéia de me entregar a Jacob que de fato não me importei quando, naquela mesma noite a pedido de Edward, Nahuel foi embora. A intenção era encontrar Johan e impedi-lo de chegar até nós, uma vez que Cadence recusava-se terminantemente a ir embora.

Foi necessário algum esforço para elaborar o plano perfeito nos dias que se seguiram, entretanto com Bella bloqueando nossas mentes, as chances estavam a favor. Como eu imaginei, Candy estava ávida para nos ajudar e, no fim das contas, grande parte do esquema proveio dela. Contando com um pouco de sorte, era simples e prático. Esta tarde meus pais viajaram para caçar, esse era o tipo de chance que aguardávamos. Eu e Candy planejamos ir para o chalé ao invés de passar a noite na mansão dos meus avós como o de costume. Chegando lá Candy sai, Jacob entra e o resto... Bem, o resto não é preciso planejar.

Eu estava absolutamente ansiosa e assustadoramente feliz quando desci as escadas da mansão Cullen naquela noite. Carlisle e Candy conversavam na sala.

– Então os Volturi procuraram mesmo vocês. Interessante. – comentou Carlisle, parecendo intrigado.

– Procuraram. Eu não gostei nenhum pouco! Caius estava decidido a matar meu pai, acredita? Sorte que Aro o impediu quando notou os inúmeros dons de Johan.

– Inúmeros dons? Ele tem algum talento especial como Alice, Jasper, Bella ou Edward?

– Eu não sei. – Cadence deu de ombros.

– Como não sabe? – Jasper, que estava parado em pé no canto da sala, estranhou.

– Bem, eu simplesmente não sei. – Cadence respondeu francamente – Essas foram as palavras que Aro usou, mas Johan nunca leu minha mente, viu o futuro ou qualquer coisa. Ele é um cientista. De repente, essa é uma atividade que os Volturi valorizam.

– Certamente. – Carlisle concordou pensativo, encerrando o assunto.

– Está animada Nessie. – Jasper observou.

– Um pouco. – tentei controlar minhas emoções, desse jeito meu comportamento chamaria muita atenção. – Eu estava pensando em dormir no chalé esta noite.

– Sozinha? – as sobrancelhas de Carlisle se ergueram.

– Claro que não. Com a Candy. – sorri angelicalmente para a semi-humana.

– Que idéia maravilhosa, Nessie! Podemos assistir a alguns filmes, conversar sobre bobagens até tarde, dormir na sala... – lancei um rápido olhar de repreensão para o exagerado improviso de Cadence e ela entendeu o recado parando por ali mesmo. – Enfim! Seria bacana.

– Parece saudável. Podem ir. – meu avô sentenciou.

Essa foi fácil. Suspirei lentamente focada em não deixar a euforia me dominar.

– Por mim vamos agora. – Candy animou-se.

– Ótimo. Boa noite pra vocês. – soprei beijos para Jasper e Carlisle e caminhei até a garagem o mais rápido que pude.

Entramos no Mercedes e saímos pela noite escura. Levaria menos tempo indo a pé, mas como estava chovendo, optei pelo carro. Chegando lá, avisei a Jacob que estava apenas à espera da minha ligação.

– Nervosa? – Candy sugeriu acendendo a lareira.

– Muito. – confessei.

– Vai dar tudo certo.

– Será maravilhoso, eu tenho certeza. Eu não poderia estar mais segura quanto essa escolha. Só me preocupo quando meus pais souberem...

– Não pensa nisso agora, Nessie. – Candy se levantou limpando as mãos na calça, colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha e sorriu amplamente abrindo os braços. – Ai, me dá um abraço, vai!

Eu ri e a abracei. Giramos dando pulinhos e gritinhos histéricos.

– Tudo bem, minha hora de ir. Depois quero saber dos detalhes.

Franzi os lábios e uni as sobrancelhas em resposta.

– Ou não. – completou fazendo uma careta engraçada.

Nós duas rimos.

– Obrigada por tudo.

– Não foi nada. Nos vemos amanhã querida. – ela beijou meu rosto, pegou o casaco e saiu alegre e saltitante.

Chequei o reflexo no espelho mais uma vez. Eu estava repleta das melhores expectativas a respeito dessa noite. Não importava o que acontecesse, eu estaria com Jacob e eu sabia que ele tornaria esse momento mágico e perfeito. Um momento só nosso.

Duas batidas na porta, meu coração palpitou.

– Posso entrar? – a voz de Jacob ecoou pela casa, eu poderia estar imaginando coisas, mas a pergunta dele pareceu mais maliciosa do que o normal.

– Jake! – corri me atirando em seus braços.

– Meu amor – ele murmurou me abraçando apertado e então me beijou.

– Nem acredito que finalmente estamos sozinhos.

Ele segurou meu rosto entre as mãos e beijou meus lábios outra vez.

– Independente de qualquer coisa, eu quero que você tenha a certeza de que é a única mulher que eu amo e que vai dar tudo certo. – prometeu Jacob, ele estava radiante.

– Eu sei que sim, Jake. – deslizei o indicador pela linha do queixo dele. – Você é a pessoa em quem eu mais confio. Eu te amo tanto, tanto, tanto...

Ele pressionou a boca na minha em um beijo lento e apaixonado, como se tivéssemos toda a eternidade para desfrutar daquele instante perfeito. E era assim que eu me sentia quando estava com Jacob, livre de qualquer influência externa, não importava o tempo, o lugar. Tudo o que importava era a simetria perfeita entre nossos corpos, como duas metades iguais que ansiavam por se unir e estarem completas de novo.

– Como eu vou conseguir ficar longe de você, hein, Nessie? – Jake sussurrou em meu ouvido.

– Talvez nessa parte eu possa ajudar. – disparou Leah, irrompendo pela porta.

– Leah? – eu e Jake nos assustamos em uníssono.

– O que você veio fazer aqui? Cai fora. – Jake foi firme, mas pude notar uma nota de medo em seu tom.

– Eu vim impedir que você faça a maior burrada da sua vida Jacob, e olha que em meio a tantas essa é a mais estúpida. – Leah grunhiu.

– Eu já disse para você não se meter nisso.

Jacob avançou até ela e a agarrou pelo braço tentando colocá-la para fora, mas Leah se manteve firme.

– Eu não vou voltar para a matilha de Sam. – garantiu entredentes – E eu não vou deixar você estragar sua vida correndo atrás dessa morcega branca! Por Deus, Jacob! Olhe só para você. Está vivendo como um deles agora!

Eu observava atônita. Que direito ela achava que tinha sobre Jake para interferir na nossa vida desse jeito?

– Leah, saia daqui antes que eu perca a cabeça. – Jacob ameaçou subitamente transtornado, seus braços tremiam.

– Aposto que não contou a ela. – Leah disparou com a expressão distintamente afetada, agora ela aparentava ter um grande trunfo na manga. – Contou Jake?

– Vá. Embora. – Jacob praticamente cuspiu as palavras encarando a loba furiosamente, Leah sustentou o olhar dele com igual fúria.

– Não contou o que? – indaguei em absoluta confusão.

Jacob trincou os dentes com um estalo audível e fechou os olhos com força. Eu não estava gostando do rumo que aquela conversa estava tomando, pelo visto, muito menos ele.

– Vai me proibir de falar? – Leah desafiou com deboche. – Se é o que pretende, é melhor fazer logo Black, porque eu não estou brincando.

– Sabe que eu nunca vou te perdoar. – Jake falou baixinho.

– E eu pensei que depois que Bella se juntasse a eles, você esqueceria esses malditos Cullen e cuidaria da própria vida. Você ia embora, ia viver o resto da vida como um lobo. Lembra disso Jacob? Não fazia parte dos seus planos ficar para ver a mulher que você amava vivendo nesse conto de fadas mórbido e bizarro. Você queria esquecê-la Jacob. Queria deixar esses sanguessugas estúpidos para trás, queria acabar com todos eles e agora está agindo como o cachorrinho da filha dela!

– Jake do que ela está falando? – balbuciei desorientada.

Jacob não respondeu. Ele soltou Leah e se afastou, recuando até encostar-se a parede onde tombou a cabeça para trás com os olhos ainda firmemente fechados.

– Estou falando que se fosse pelo Jacob, você nem estaria aqui! – Leah gritou. – Ele era apaixonado pela Bella, tentou de todas as formas que pôde separá-la do Edward e sabe de uma coisa? Ele quase conseguiu. Acho que, ao seu modo doentio, Bella também o amava. Jacob lutou com todas as forças por ela, para protegê-la e conquistá-la. É claro que ela não merecia, mas de qualquer forma, Jacob estava lá. Era Bella quem ele queria, entendeu? Ele nunca quis que você nascesse porque você a estava matando. Eu tive que compartilhar esses pensamentos a cada atormentado dia da vida dele, e acredite, Jacob te odiava mais do que qualquer coisa. Mais até do que ao Edward.

– Isso não é verdade! – protestei.

– Por que eu mentiria? – Leah rebateu secamente erguendo uma sobrancelha.

– Desaparece daqui! – fui para cima dela e imediatamente Jacob se pôs entre nós, me segurando. Me debati nos braços dele obstinada a arrancar pelo menos um olho daquela desgraçada. – Vê se nos deixa em paz! Qual o seu problema? Porque está sempre querendo chamar atenção dele, não importa como... Mal amada! É isso o que você é!

– Nessie, Nessie. – Jake chamou em voz baixa. – Não faz isso, por favor.

A culpa transbordava dos olhos dele, o que me desestabilizou. Aquilo não poderia ser verdade, isso não podia estar acontecendo. Não comigo e com Jake. Ele não seria capaz de fazer isso com a gente. Procurei engolir através do imenso nó em minha garganta.

– Jake. – murmurei tentando me equilibrar na beirada do precipício que se abriu em minha mente. – Jake, por favor, me diz que isso tudo é mentira.

Ele comprimiu os lábios balançando a cabeça uma vez em negativa. Nesse instante me dei conta de quantas vezes eu estive perigosamente perto da verdade, de quantas chances Jacob teve de me contar e ainda assim não o fez. De repente ficou difícil encontrar o ar.

– Sinto muito. – balbuciou.

Então a perturbação deu lugar à indignação. Afastei-me dele abruptamente e encarei Jacob como se o estivesse vendo pela primeira vez.

– Por que mentiu para mim? Por que você me enganou todos esses anos? – inquiri minha voz se elevando.

– Eu só queria te proteger, Nessie. – Jake argumentou agitado pelo nervosismo – Era o que todos nós queríamos.

– Mentindo para mim? – sibilei entredentes.

– O que você queria que eu dissesse? ‘Oi, Renesmee, eu já fui apaixonado pela sua mãe, mas não se preocupe, eu amo você agora. ’ Por favor, Nessie! Você nem havia nascido quando tudo aconteceu!

– E se dependesse de você, nem teria nascido não é verdade? – murmurei ácida.

Eu não esperava que Jacob respondesse e sinceramente, eu não queria que ele respondesse. Já estava doendo muito saber que o homem que eu amava teve um caso com minha própria mãe.

– Nessie, me escuta. – Jake aproximou-se me olhando nos olhos – Eu confesso que cheguei a pensar em te... – ele engoliu em seco hesitando antes de concluir – Em te matar.

Aquelas palavras atravessaram meu coração como um punhal. Eu poderia ouvir isso de qualquer pessoa, menos dele, que jurou me proteger e me amar, o homem a quem eu estava prestes a me entregar por completo e agora estava parado diante de mim como um estranho. Lutei contra as lágrimas que brotaram em meus olhos e fracassei miseravelmente.

– Eu me odeio só de pensar em quão estúpido eu fui, mas tudo mudou no instante em que eu te vi... – Jacob segurou meu rosto murmurando em total aflição – Por favor meu amor, me perdoa...

– Não encosta em mim! – gritei empurrando-o para longe – Eu te odeio Jacob Black! Eu confiei em você! Eu te dei todo o meu amor... E você me traiu... – minha voz sumiu em meio às lágrimas e eu cobri o rosto com as mãos sentindo uma imensa vontade de desaparecer.

Àquela altura eu nem sabia se Leah ainda estava parada ao pé da porta testemunhando minha desgraça e também não me importava. Nada amenizaria a descoberta de que todos aqueles a quem eu conhecia e amava estiveram me enganando durante toda minha vida.

– Nessie, por favor, por favor... – Jacob implorou. Eu não tirei as mãos do rosto para olhá-lo, mas pela voz sufocada ele parecia estar prestes a chorar.

Deixei minhas mãos caírem ao lado do corpo. Respirei fundo e entrecortado, tentado me controlar.

– Vá embora Jacob.

Ele inspirou de modo irregular e fechou os olhos. Meu coração transbordou por ele. Apesar de toda a raiva, ainda havia algo, uma parte da dor que não havia sido interpretada, vasculhada, mas ecoava dentro de mim anunciando que ainda vinha muito mais por aí. Por que a verdade me incomodava tanto?

De repente eu entendi. Jacob nunca me amou. Eu era a segunda opção. O que ele pode encontrar mais próximo de Bella, já que não pôde ter a mãe, ele se conformou com a filha. Que irônico! Essa idéia cresceu na minha cabeça tão rápido que eu não pude evitar ou ponderar. Tudo o que vivemos foi apenas ilusão. Mais do que traída ou magoada, eu me senti usada.

– Era nela que você pensava quando estávamos juntos. – murmurei num fio de voz.

Os olhos de Jacob se alargaram em choque. Ele sacudiu a cabeça me avaliando como se eu acabasse de proferir uma blasfêmia.

– Claro que não! Eu entendo que você esteja chateada pelo modo como soube de tudo, mas... Você sabe... Você tem que saber, é você quem eu amo.

A dor e a culpa nos olhos dele pareciam tão sinceras que quase acreditei naquelas palavras. Eu queria acreditar, simplesmente não conseguia.

Jacob ainda me fitava com algum tipo de esperança. Sustentei o olhar dele por alguns instantes, antes que o choro me dominasse outra vez.

– Eu não sei de mais nada.

– Eu achava que amava a Bella. Hoje ela é uma irmã para mim, nada mais do que isso. – explicou.

– Ela também me traiu. – desabafei entre os soluços.

Eu me sentia tão pequena e fraca. A presença de Jacob só fazia tudo doer ainda mais.

– Não é verdade! Ela tinha medo de te magoar contando o que houve. Bella te ama mais do que qualquer coisa, Nessie. E eu também.

– Chega! – explodi – Não fala mais mentiras! Eu não quero mais te ver! Vai embora daqui! – avancei sobre ele empurrando-o para fora – Acabou, seja lá o que eu pensei que existisse entre a gente... Acabou! Eu nunca vou te perdoar Jacob! Some daqui, some da minha vida!

Ele hesitou por um instante antes de cruzar a porta, eu sabia que o havia magoado também, o sofrimento estava impresso nas feições dele. Jacob suspirou encolhendo os ombros, a testa vincada de apreensão.

– Nessie, como pode pensar uma coisa dessas depois de tudo o que a gente viveu? – Jacob falou baixo, os olhos suplicantes fixos nos meus – Você me conhece...

– Não. – fui firme – Eu achava que te conhecia. Sinceramente, não sei mais quem você é. Por favor, vai embora. Me deixa em paz... – foi tudo o que eu consegui falar antes da minha voz ser sufocada pelas lágrimas.

Jacob finalmente liberou a passagem, me permitindo bater a porta com notável estrondo. Encostei-me na porta deixando o sofrimento atingir cada célula do meu corpo e se instalar, no lugar que pertenceria exclusivamente a ele, por muito tempo.

Permaneci ali, debilmente bloqueando a passagem, até ter certeza de que Jacob realmente tinha ido embora. Enxuguei as lágrimas com as costas das mãos, um esforço inútil já que instantaneamente novas gotas espessas se acumularam e trasbordaram de meus olhos, cambaleei até a estante, enfeitada com diversas fotografias, examinando-as através da minha visão embaçada. Era difícil saber qual doía mais.

Aquela onde eu e Jacob estávamos abraçados e sorridentes? Ou aquela, onde Edward e Bella estavam agachados ao meu lado em meu aniversário de três anos? Quem sabe a fotografia onde toda a família Cullen estava reunida, representando o quadro perfeito da mentira onde eles me mantiveram presa durante todos esses anos.

Fixei o olhar no quadro em menor evidência, uma moldura antiga de madeira. Enrijeci enquanto uma onda de náusea percorria meu corpo. Bella e Jacob. Juntos. Abraçados. E sorridentes. Um retrato tão natural que nunca antes havia me despertado interesse. Toda a realidade implícita nos menores detalhes da minha vida que chegava a ser ridícula minha ingenuidade.

Arrastei todas as molduras atirando-as no chão e o barulhento estilhaçar dos vidros me agradou. Era exatamente assim que eu estava por dentro. Caindo aos pedaços.

 Marchei para fora do chalé incapaz de respirar o ar ainda infectado pelo cheiro dele, sem que a angústia nublasse minha mente. Precisava fugir dali o quanto antes.

Ao sair de casa recebi a lufada de vento gelado com prazer, grata pela ausência de qualquer odor que não fosse o da própria floresta, o que inevitavelmente também me fazia lembrar momentos ao lado de Jacob, causando uma nova rodada de agonia. O pior de tudo é que eu nem sabia o que fazer. Jake era o primeiro a quem eu recorria sempre que tinha algum problema, sem ele eu estava absolutamente perdida, era tão absurdo como não sentir o chão sob meus pés.

Ignorando a chuva fina que caía, alcancei a porta da minha Mercedes como se agarrasse um bote salva vidas e quando entrei no carro eu realmente não sabia pra onde ir. Eu só queria ir para algum lugar bem longe e, com um pouco de sorte, nunca mais voltar.

Dirigi até a rodovia principal que, àquela hora, estava praticamente vazia e segui a toda velocidade sem prestar atenção na direção que tomava. A discussão com Jacob ainda ecoava na minha mente e eu revivia a dor de cada palavra. Como era possível aquilo ser verdade? A destruição completa de tudo em que eu acreditava justo na noite que deveria ser a mais bonita da minha vida. Nem nos meus piores pesadelos eu iria adivinhar que tudo acabaria assim.

De fato nada é como parece ou como sonhamos. Mesmo aqueles por quem você daria a vida podem te apunhalar pelas costas e destruir tudo em questão de segundos. E você já não os conhece mais. Já não se reconhece mais.

O ponteiro do velocímetro marcava números cada vez mais altos em harmonia com as luzes da estrada, passando cada vez mais rápidas tornando-se meros borrões. Dirigi por horas e minha raiva não cedeu, pelo contrário, ganhava novos toques de frenesi a cada quilômetro avançado, sem que a dor ficasse para trás... Eu continuava afundando.

Temi profundamente que essa sensação jamais passasse.

Eu não tinha a menor idéia de quão longe tinha ido até avistar uma placa de Port Townsend, uma cidade pequena que ficava a quase cento e cinquenta quilômetros de Forks.

– Uau! – suspirei reduzindo a velocidade.

Eu não esperava ir tão longe. Na verdade eu não esperava ir a lugar algum então achei melhor parar por aqui mesmo. Apesar de nunca ter estado em Port Townsend a cidade me pareceu familiar e agradável, bem, deveria ser sob a luz do dia, agora as ruas estavam assombrosamente vazias.

Passei pelas belas construções, elas lembravam restaurantes ou pousadas, e estacionei no fim da rua principal, em frente ao cais. Notei que não estava tão sozinha afinal. Três homens conversavam e riam alto demais, encostados em uma picape preta. Eles logo se calaram, trocando olhares de advertência, ajeitando-se melhor e observando meu carro com curiosidade e cobiça. Ouvi alguns comentários especulando sobre o ano de fabricação ou quanto o automóvel deveria custar, apesar de não parecerem muito confiáveis, não me importei. Eram apenas humanos.

Saí do carro, o olhar fixo nas águas escuras um pouco mais à frente. Graças à névoa formada pela fina chuva que insistia em cair, mal dava para ver o outro lado do canal, não sei bem o porquê, mas gostei disso. À minha frente se estendia uma espécie de ponte inacabada protegida por uma simples barreira e logo concluí que se tratava de uma espécie de rampa para os navios que atracassem. Perfeito, me pareceu um bom lugar para refletir.

Enquanto eu me adiantava em passar pela barreira ouvi um dos caras assobiando e chamando enquanto os outros acompanhavam com risinhos indiscretos. Aquilo me deixou mais irritada, acelerei o passo até chegar ao final da ponte parando a poucos milímetros da água escura. Não havia nenhum muro ou grade de proteção. Nada. Apenas as profundas águas agitadas pelo vento. Fechei os olhos sentindo a brisa me envolver.

– Ei! Ei, garota! – um deles, o de cabelos ruivos, gritou rompendo o silêncio sepulcral.

Enxuguei as lágrimas e virei lançando-lhe um olhar assassino.

– Não está pensando em pular, está? – um dos homens indagou de longe se colocando um passo a frente dos outros dois com um sorriso retorcido no rosto. – Por que não se junta a nós? – ele ergueu um braço acenando, eu nem precisava olhar para a garrafa de vodka em sua mão para adivinhar que ele estava bêbado.

– Idiota. – bufei, sentando no asfalto úmido.

Os outros começaram a rir em deboche falando coisas estúpidas. Concentrei-me no som da água batendo nos alicerces da plataforma já na dúvida se parar naquele lugar havia sido uma escolha tão boa assim. Por sorte os ruídos diminuíram o que indicava que eles estavam se afastando.

Ah, o que eu não daria para voltar a me sentir como antes, para reaver minha felicidade e a confiança no amor de Jacob por mim. E Bella? Como deixou que eu me apaixonasse por Jake sabendo que ele a amava e teria me matado para impedi-la de se unir a Edward. Meu pai entre todos era de quem eu menos sentia raiva e eu nem compreendia por qual razão.

Toquei o colar dourado em meu pescoço, li pela última vez a inscrição nele ‘mais do que minha própria vida’, puxei com força quebrando a corrente e instantaneamente atirando-a longe nas águas escuras.

No segundo seguinte me arrependi de ter feito.

– Droga. – murmurei ficando de pé enquanto assistia o presente de minha mãe afundar numa fração de segundos.

Será que eu conseguiria regatá-lo se pulasse agora? Bem, era melhor tentar do que conviver com a dúvida. Tirei o casaco e me atirei na água gelada nadando na direção do lugar onde o colar afundou. Devido a minha visão aguçada eu conseguia enxergar alguma coisa, ainda assim não era muito. Amaldiçoei esse dia inúmeras vezes ao passo em que mergulhava cada vez mais fundo sem nada encontrar. Senti a necessidade de ar antes mesmo de chegar ao fundo e nadei de volta para a superfície absolutamente frustrada.

Eu me sentia mais tola do que nunca escalando a estrutura de metal que ficava ao lado da plataforma. Derrotada, caminhei até as minhas coisas e desabei em lágrimas ali mesmo. Jacob não teria deixado que eu fizesse essa besteira. Edward também não. Jasper, Alice, Esme, Carlisle, Rose, Emmett, qualquer um deles teria me impedido, mas eu estava só.

Abracei os joelhos sabendo o quanto Bella ficaria decepcionada. Bem, eu também estava decepcionada com ela e acho que isso equilibrava um pouco as coisas. De qualquer forma, quem sempre sairia perdendo era eu. Entregue a toda essa angústia, amargura e solidão.

– Não acredito! Você pulou mesmo? – reconheci a voz do homem ruivo, tingida de descrença e depois o ouvi explodir em uma gargalhada atrás de mim.

Encolhi-me sentindo um calafrio percorrer minha espinha, ele estava cada vez mais perto. Respirei fundo tentando me acalmar, ainda assim os soluços não cessavam, era mais forte do que eu.

– Você é louca? – perguntou ele, e deu um risinho quando não ouve resposta – O que eu estou falando? Só pode ser para estar na rua sozinha uma hora dessas. Esse lugar às vezes fica perigoso.

Ele se agachou ao meu lado e eu franzi o nariz ao sentir o fedor de bebida e suor. Respirei fundo outra vez, eu não queria demonstrar fragilidade. Apesar de estar destruída por dentro, fisicamente, eu poderia acabar com qualquer humano em um piscar de olhos.

– Não chora gracinha, conta pro Tom aqui o que aconteceu. – ele passou a mão pelos meus cabelos.

– Me deixa em paz. – murmurei e graças ao choro minha voz não soou tão ameaçadora o quanto eu pretendia.

– Shiii, docinho, não fala nada não, deixa que eu cuido de você. – falou devagar. Senti sua mão tomando liberdade demais em deslizar pelas minhas costas. – Você é muito linda sabia? Que tal trocar essas roupas molhadas hein? Na minha casa tem muitas roupas secas, fica logo ali na outra rua.

– Tire. Suas. Mãos. De mim. – grunhi ficando de pé, e finalmente observei seus traços: barba mal feita, entroncado e forte. Ele deveria ter uns vinte e oito anos, mas parecia acabado.

Ele sorriu aproximando-se ansiosamente, voltando a colocar as mãos em mim, dessa vez na minha perna. Minha paciência estava por um fio.

– Vamos lá, estamos só você e eu aqui...

– Eu estou avisando, pela última vez. É melhor me deixar em paz.

– Vai fazer o que? Correr? Gritar?

Quando ele inclinou o corpo na minha direção lhe dei um chute na virilha e um soco no estômago. O homem gemeu me olhando incrédulo e ainda tentou reagir, então eu o atirei com toda força na direção da grande estrutura de ferro ao lado da plataforma. Ele caiu inconsciente no chão com sangue escorrendo de algum lugar no couro cabeludo.

Arfei sentindo meu corpo estremecer. Dei meia volta pegando meu casaco, hesitei entre verificar se ele havia morrido ou não. Seria mais fácil conviver com a possibilidade do que com a certeza de que eu havia matado alguém, e o sangue espalhando-se pelo asfalto se mostrava cada vez mais tentador.

– Ai meu Deus! Eu matei um homem?

– Renesmee! – gritou uma voz saturada de alívio.

– Rose. – suspirei igualmente aliviada ao ver um rosto conhecido.

Rosalie disparou ao meu encontro como um projétil me abraçando.

– Oh, querida, olhe só para você. Como está se sentindo?

– Péssima – desabafei incapaz de conter o choro, surpresa por não ter esgotado o estoque de lágrimas do dia.

Rosalie olhou com espanto para o homem estirado no chão, antes que eu argumentasse, ela levantou a mão me impedindo.

– Estou certa de que ele teve o que mereceu, agora vamos embora. – disse Rosalie me conduzindo até o carro. – Todos estão desesperados atrás de você.

– Não, eu não quero. – gemi.

– Como?

– Não quero ver Jacob ou Bella. – confessei com a voz embargada. – Não quero voltar para Forks.

– Nessie, não diga isso... Bella é sua mãe.

– Ela me enganou! Todos vocês me enganaram! Como espera que eu reaja a isso?

A chuva se intensificou e Rosalie pegou as chaves do carro abrindo a porta do banco de trás para mim.

– Aqui não é o lugar para discutirmos isso.

Olhei em volta, checando as ruas vazias. Por piores que fossem as lembranças que esse lugar agora me trazia, não eram mais atormentadoras que encarar toda a minha família e principalmente, Jacob. Infelizmente eu não tinha escolha, precisava ir embora antes do surgimento de alguma testemunha. Derrotada, entrei no carro.

Rosalie assumiu o banco do motorista e saiu cantando pneu.

– Eu a encontrei. – avisou ao telefone, depois largou o celular no banco.

Fechei os olhos trabalhando em uma muralha interna em meu coração, eles podiam me obrigar a voltar, mas não poderiam me forçar a entendê-los ou perdoá-los. Coisa que eu duvidava ser capaz de fazer, mesmo querendo com todas as forças de minha alma.


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