Eternal Flame escrita por bandolinz


Capítulo 34
3x07 - Apenas Amigos?




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– Eu avisei que esse jornal era sensacionalista – Gabriel comentou enquanto lia o conteúdo do, agora amassado, pedaço de papel.

Karen e Emma foram embora, mas não sem antes esbarrar no Lefroy, largando violentamente o jornal no peito dele.

– Eu não acredito que isso está acontecendo. – suspirei cobrindo o rosto com as mãos.

Péssima, péssima maneira de não atrair atenção. Se metade do colégio já estava me incomodando com essa ideia fixa de que eu e Gabriel estávamos tendo um caso, depois disso, os comentários e piadinhas ficariam insuportáveis. Ainda mais quando eu sou capaz de ouvir os cochichos que nunca são ditos diretamente para mim.

Gabriel riu de alguma coisa escrita na matéria.

– Você está rindo?!

– Desculpe. É que esses caras tem muita criatividade para os detalhes. – ele disse sem parecer remotamente preocupado.

– Como pode estar tão calmo? – perguntei incrédula.

Gabriel deu de ombros.

– Eles inventam porcarias para escrever nesse jornal o tempo todo. Daqui a pouco todo mundo esquece. – ele falou como se não fosse grande coisa – Eu mesmo já estive aqui, lembra?

Verdade. E eu estupidamente acreditei no que li. Respirei fundo, me recompondo.

– Quem publica isso, afinal? – indaguei.

– A coluna de fofoca? Eu não sei.

– É um aluno desse colégio, alguém tem que saber.

– Eu poderia tentar descobrir, mas duvido que faça alguma diferença agora...

– Argh! – grunhi frustrada.

– É só um abraço, ninguém pode provar nada. Por que está tão nervosa?

– Você não entende. Eu sou nova aqui, não vou querer passar o resto do ano como a vadia que destruiu o seu namoro.

– Você não destruiu. Cedo ou tarde eu e a Jen terminaríamos, é a vida. E você não é uma vadia.

– É, mas você é o único que pensa assim.

– Por que você se importaria com o que os outros pensam?

Suspirei, olhando ao redor. Era só ignorar os olhares maldosos e fazer o meu melhor para não dar atenção aos comentários que ficaria tudo bem.

– Tem razão. Desculpe. Eu estou exagerando. Não é nada demais.

– Era isso o que eu queria ouvir. – Lefroy sorriu para me encorajar. – Agora vamos para a aula antes que o professor Campbell chegue.

Assenti, voltei ao meu acolhedor armário e peguei os livros. Foi o tempo que foi preciso para uma muito desequilibrada Jennifer Collins surgir do nada e estapear Gabriel.

O barulho fez todos em volta pararem o que faziam para olhar.

– Isso foi por não ter aparecido sábado e me deixado como uma idiota recebendo aquela coroa sozinha! – Collins falou alto.

Gabriel ainda a encarava com seus grandes olhos azuis atordoados. Era a primeira vez que eu o via levar mais de três segundos para encontrar o que dizer.

– E-eu realmente não pensei que você iria querer me ver depois de sexta. Eu achei que o baile seria a última coisa com a qual... – ele começou.

– Eu me importaria? Sério? Você tinha um compromisso! Tinha de estar lá para receber aquela maldita coroa e dançar comigo! Eu não me importo se você pensa que vai terminar comigo por causa da falsa santa aqui – ela gesticulou para mim – Isso ainda não acabou.

Eu estava perplexa.

– E quanto a você, – ela virou-se para mim, me olhando com desprezo de cima a baixo – Divirta-se enquanto pode. Ele é meu e não vai demorar muito para voltar para onde pertence. É melhor tomar cuidado até lá.

Dizendo isso, Collins sacudiu seus longos cabelos loiros e marchou pelo corredor até sua aula, sendo acompanhada por alguns aplausos deslocados e gritinhos de encorajamento.

– Por essa eu não esperava – Gabriel murmurou, passando a mão no local onde recebera a tapa.

Até que ele olhou para mim. Não sei exatamente o que ele encontrou no meu rosto, contudo fez com que ele se aproximasse de mim com uma urgência súbita.

– Eu sinto muito pelo que acabou de acontecer. De verdade. Você não precisava passar por isso, é um problema entre eu e a Jen. Prometo que não vou deixá-la fazer qualquer coisa pra te incomodar de novo.

Desviei o olhar e assenti, ajeitando a mochila nas costas.

Era desse tipo de problema que eu estava falando. Nem de longe eu estava com medo das ameaças de uma garota que surtava por causa de uma coroa. Mas eu tinha de admitir, a convivência com a Collins seria particularmente irritante de agora em diante.

Depois disso Gabriel não me deixava sozinha por um momento que fosse. Minha teoria era que se sentia culpado pelas garotas não falarem mais comigo, tanto quanto pelo episódio com a Jennifer e queria compensar de algum jeito. Eu não me incomodava, pois, de qualquer forma, ele sempre seria melhor companhia do que elas.

Ele até chegou a pedir para almoçar comigo no intervalo, porque não queria gerar um mal estar ficando na mesma mesa que a Collins, como era de costume. Como eu não queria ele perto o suficiente para reparar que meus “irmãos” de fato mal tocavam na comida, acabamos almoçando os dois sozinhos.

Assim foi pelo resto da semana.

Eu estava começando a estranhar toda a atenção que ele estava me dando. Mesmo tendo ficado completamente sem amigos em uma escola onde todas as meninas me odiavam e os caras se achavam no direito de se colocar no meu caminho a qualquer momento com alguma cantada ridícula, eu não precisava que Gabriel bancasse o guarda-costas. Eu podia me virar muito bem. E tinha minha família.

Foi então que eu notei que era ele quem não sabia o que fazer com o tempo livre que ganhou, não tendo mais que estar com a Jennifer. Obviamente, nós dois andando sempre juntos pelos corredores só apoiava os rumores. A diferença era que nenhum de nós ligava para isso agora. Não pode com eles, junte-se a eles.

Alegar que nosso relacionamento não passava de amizade não estava funcionando, então resolvi deixar para lá. Eu não deixaria de ver Gabriel por causa disso, então que se danem as fofocas. Às vezes até brincávamos, fingindo que estávamos flertando quando Karen ou Emma estavam por perto nas aulas ou na cafeteria. Não ajudava em nada, admito. Entretanto, eu pelo menos tinha a chance de me divertir vendo como elas ficavam horrorizadas com nosso atrevimento.

Agora eu estava tomando chocolate quente em uma calorosa lanchonete, ouvindo Catherine falar sobre as surpresas que a turma dela estava preparando para a apresentação no Festival de Outono.

– Se contar tudo vai acabar perdendo a graça quando ela for assistir. – Gabriel falou, colocando uma bandeja de biscoitos na mesa, depois sentou ao lado de Cat.

– Claro que não. Assistir à performance é uma história completamente diferente. – defendi.

Exatamente. – Cat esticou a palavra e então mostrou a língua para o irmão. – Obrigada, Nessie.

– Por nada! Sempre estarei aqui quando leigos tentarem se intrometer no nosso assunto. – eu sorri para ela.

– Rá rá, muito engraçadas vocês duas. Melhor se apressarem, acabou de anunciar na TV que uma tempestade daquelas está vindo aí.

Olhei para o relógio desesperada. Alice avisou sobre essa tempestade, disse que deveríamos voltar para casa antes das 7 da noite ou teríamos sérios problemas na estrada. E já eram 7:30.

– Melhor irmos logo então. – falei.

– Mas os biscoitos acabaram de chegar! – Cat gemeu em protesto.

– Podemos levar para viagem. – argumentei.

– Calma, acho que dá tempo de comer. – Gabriel disse estranhando minha pressa.

– Melhor não arriscar, está chovendo desde cedo, podem acabar interditando as estradas...

– Está bem, se você está tão preocupada assim, podemos ir.

Pagamos a conta e levamos os biscoitos, sob os protestos de Cat.

A chuva já estava forte quando saímos e atravessamos a rua correndo para entrar no carro. Nesse momento, novamente tive a impressão de que alguém estava nos observando. Olhei ao redor, mas nada em particular capturou minha atenção.

Enquanto pegávamos a estrada para o norte, em direção à minha casa escondida na floresta, mal se podia ver a mesma, coberta pela névoa escura.

– Tá tudo tão escuro. – Catherine murmurou.

– Não se preocupe, logo, logo estaremos em casa. – Lefroy respondeu.

Já havíamos saído do centro da cidade e pego a estrada de terra que dava início ao caminho até a mansão Cullen. Tudo tinha virado lama e por essa razão o carro estava se movendo cada vez mais lentamente, até que o pneu direito afundou com um solavanco em um buraco de lama recém-formada.

– Ah não. Não, não, não... – Gabriel repetia para si mesmo enquanto tentava inutilmente levar o carro adiante.

– O que foi? – Cat perguntou assustada.

– Não me diga que... – comecei a perguntar, mas o olhar frustrado de Gabriel me deu a resposta. – Droga.

– O que foi? – Cat repetiu.

– O carro atolou. – Gabriel respondeu.

– Como?! Vamos ficar presos no meio da floresta, no escuro, com essa chuva? – a voz de Cat ficava mais fina à medida que ela falava.

– Claro que não Cat, nós vamos dar um jeito nisso, não vamos? – tentei acalmá-la, lançando um olhar de alerta para o Lefroy fazer o mesmo, a despeito do pânico crescente no rosto dele.

– Com certeza. Porque não come seus biscoitos enquanto resolvemos isso Cat?

Catherine se encostou novamente no banco e pegou o pacote de biscoitos, ainda parecendo desconfiada.

– Quão ruim está? – perguntei baixo, para que ela não ouvisse.

– Péssimo. Vou ter que ir lá fora empurrar. Você fica aqui e liga o carro.

Antes que eu pudesse argumentar, Lefroy já havia saído para a chuva torrencial. Eu saltei para o banco do motorista e dei partida, enquanto ele empurrava lá atrás. Era inútil insistir com isso, só faria o carro afundar ainda mais.

Após alguns minutos de insistência, um ensopado Gabriel voltou para o carro.

– Não vai adiantar. – ele suspirou.

– Bem, minha vez de tentar então.

– Ficou louca? Está congelando lá fora. Tudo o que você vai conseguir é um resfriado.

– Vale a tentativa. Você quem vai pegar um resfriado se continuar com essas roupas molhadas por muito tempo. – insisti.

– É uma questão de força, bailarina. Precisaria de no mínimo uns três caras para fazer esse carro se mexer.

Argh, como era inconveniente não poder admitir que eu sou sim, forte o suficiente para isso.

– Vou ligar para os meus pais então.

– Essa sim é uma boa ideia.

– Fora de área. Ótimo.

– E agora? – Cat indagou, ficando na ponta do banco traseiro.

Lefroy trocou um olhar preocupado comigo antes de responder.

– Agora parece que vamos ter de acampar no carro. – ele disse por fim, tentando fazer a ideia parecer interessante.

Cat processou a proposta por um momento.

– Vocês podem pelo menos acender a luz?

– Claro.

Gabriel acendeu a luz e colocou o aquecedor no máximo, enquanto tirava o casaco. Seu cabelo bagunçado, agora caindo sobre a testa molhada deixava ele perturbadoramente atraente.

Pare Renesmee.

Eu não deveria estar notando isso, eu não deveria estar pensando nisso. Chamei por Edward em meus pensamentos o mais alto que pude, torcendo para que estivéssemos perto o suficiente para que ele pudesse me ouvir.

– Talvez eu devesse sair para procurar ajuda. – se eu corresse chegaria em casa a tempo de trazer meus pais e fazer parecer que nos encontramos por acaso.

– Sair nessa chuva, sozinha pela floresta à noite? O máximo que vai conseguir é ser atacada por um zumbi. – Gabriel riu, descartando a ideia.

– Zumbis não existem. Dã. – Cat murmurou. – Vampiros, talvez.

– Estou certa de que nenhum dos dois existe. – acrescentei austera, para esconder meu desconforto.

– Querem biscoitos? – Cat ofereceu.

Peguei uma porção enquanto Gabriel fez que não.

Eu certamente estava detestando a possibilidade de ter de passar a noite presa dentro de um carro na floresta quando eu poderia facilmente sair dessa. Mas não havia como fazer isso sem alarmar Cat e o Lefroy, havia?

– Ei, Renesmee, eu não sei se você sabe, mas meu aniversário é semana que vem. – Catherine falou após bons minutos de silêncio.

– Sério? Como ninguém me avisou?

– É porque a festa é no meu colégio e eu acho que você não vai poder entrar. Só podem parentes. – ela explicou rápido.

– Conclusão: eu vou ter que ser a penetra.

Gabriel riu.

– Não precisa. Eu e o Gabs temos uma comemoração diferente. Todo ano gosto de mudar a pintura do meu quarto. Se quiser, adoraríamos a sua ajuda. Considerando o quão bonitos foram os desenhos que você fez no meu gesso e tudo mais.

– Seria uma honra. – eu sorri grata pelo convite.

Catherine bocejou e deitou no banco de trás, remexendo-se várias vezes até encontrar uma posição confortável. Tirei meu casaco e ofereci para ela como travesseiro. A menina aceitou sem fazer cerimônias.

Estava ficando quente e abafado, pelo menos para mim. Gabriel continuava tremendo no banco da frente com uma muito ensopada camisa, que eu agradecia a Deus por ele ainda não ter tomado a iniciativa de tirar. Após notar que Cat estava dormindo, ele apagou a luz do carro.

– Uma tradição incomum essa de vocês. – puxei assunto.

– Nosso pai quem começou. Todo ano ele pintava o quarto da Catherine do jeito que ela quisesse, para agradá-la. Eu só dei continuidade. – ele deu de ombros.

Eu sabia como ele ficava vulnerável quando o assunto era o pai dele. Gabriel olhava para as próprias mãos trêmulas, o que me deu uma tremenda vontade de me aproximar dele, tocá-lo, aquecê-lo.

– Hey, você sabe que vai ficar tudo bem não é?

– Eu sei, é só que... Minha mãe deve estar enlouquecendo uma hora dessas. – ele fez uma pausa franzindo o rosto – Provavelmente ela ainda está no hospital, mas quando chegar em casa com certeza vai enlouquecer.

– Vamos explicar tudo e ela vai entender. – encorajei, colocando minha mão sobre a dele.

– Caramba! Você está pegando fogo. – ele exclamou baixo, para não acordar Cat.

Imediatamente recolhi minha mão, ainda sob o olhar espantado dele.

– Você quem está virando um picolé. – me esquivei.

– Não, você está quente até mesmo para alguém que passou o dia no aquecedor. Está se sentindo bem? – ele se inclinou sobre mim no banco, colocando a mão na minha testa para conferir se eu estava com febre.

– Estou. Estou. – tirei a mão dele do meu rosto. – Eu tenho anidrose diagnosticada.

– O quê? – sua testa se vincou em confusão.

– Está sob controle. Meu pai é médico esqueceu?

Gabriel continuava me olhando como se eu estivesse falando em outra língua.

– Eu tenho baixa transpiração, logo meu corpo esquenta com maior facilidade. – expliquei.

Houve um longo momento de silêncio e eu não estava cem por cento convicta de que Lefroy tinha caído nessa. Para meu alívio, ele finalmente falou algo.

– Como você nunca me disse isso? – perguntou ofendido.

– Como você nunca me disse que estava com seu pai no acidente? – rebati.

Eu queria a qualquer custo desviar o assunto de mim e funcionou. Gabriel foi pego de surpresa e se afastou, encostando-se no carro, do lado oposto ao meu.

– Porque não era da sua conta. – falou cruzando os braços.

– Eu digo o mesmo. – espelhei o tom dele.

Ele me lançou um olhar magoado e bufou.

– Como você ficou sabendo disso afinal? – perguntou num rompante.

– Cat me contou. – balbuciei. – Eu só queria dizer que eu sinto muito. Sei como deve ter sido difícil...

– Não, você não sabe.

Um relâmpago iluminou tudo por uma fração de segundo e depois a floresta passou a parecer mais sombria do que antes. Engoli em seco.

– Tem razão, eu não sei. Desculpe, eu não tinha o direito de trazer isso à tona.

Virei o rosto para a janela, observando o nível de lama aumentar ao lado do carro, conforme a chuva continuava implacável se chocando contra o vidro.

– Não, sou eu quem deve pedir desculpas. Eu não deveria reagir desse jeito. Você não tem culpa de nada do que aconteceu. – Gabriel falou em um tom amigável. – Também não tem culpa se minha irmã fala demais.

Virei-me para ele que me deu um meio sorriso como oferta de paz.

Suspirei.

– Pensei que fôssemos amigos, que você confiasse em mim.

– Eu confio. Apenas... Isso não é algo do qual eu estou acostumado a falar, ok?

– Porque você se sente culpado...? – sugeri num tom cauteloso.

Os olhos dele de repente estavam inundados de remorso.

Ao invés de me dar alguma resposta, Lefroy apenas balançou a cabeça e começou a desabotoar a camisa.

Senti-me petrificar sem entender porque ele estava fazendo aquilo agora. O rubor ganhava cada vez mais espaço no meu rosto à medida que ele terminava de desabotoar a blusa e a tirava de vez.

– Está vendo? – ele apontou para uma fina cicatriz que começava no seu ombro esquerdo e ia até a lateral das costelas. – Ele poderia ter se salvado se a melhor cirurgiã da cidade não estivesse ocupada demais cuidando de mim.

– Sua mãe? – arrisquei.

Lefroy fez que sim.

– Não é a toa que ela nunca me tratou da mesma forma, desde então. Às vezes tenho a impressão de que ela queria que eu tivesse morrido naquele acidente, no lugar do meu pai. – Gabriel confessou e meu coração apertou por ele – Acho que deu pra perceber naquele dia no hospital. – ele lembrou.

– Eu nem reparei. – menti – De qualquer forma a escolha foi dela, você não pode se culpar por isso. – argumentei. – Nenhum de vocês dois deveria se culpar. Foi uma fatalidade.

– Não é bem assim. Ele estava me levando para fazer um teste com uma gravadora fora da cidade. O teste era muito cedo, então ele preferiu dirigir até lá na noite anterior. Estava chovendo como hoje. – ele gesticulou para fora do carro com pesar – Se eu não tivesse insistido tanto naquele teste ele ainda estaria aqui.

Fiquei calada pensando nas palavras certas para dizer. Tudo o que eu queria era abraça-lo e dizer que estava tudo bem, mas aquilo seria estranho, principalmente com ele sem camisa.

– Desde então você não canta mais. – intuí.

– Não em público. Uma vez até tentei, mas apenas... Travei. Eu me lembro do meu pai e tudo o que aconteceu naquele dia e simplesmente não consigo.

– Precisa superar isso. – encorajei.

– É fácil falar. – ele suspirou recolocando a camisa, mas não abotoou.

– O modo como você se sente é compreensível. Ainda assim, pelo que entendi ele era o primeiro a te encorajar a seguir teu sonho, então ele deveria ser a exata razão para você ter coragem de subir no palco de novo e arrebentar. Se é que você é tão bom assim. – completei depois tentando quebrar o gelo.

Funcionou. Gabriel deu um sorriso fraco, o que já era alguma coisa.

– Obrigado. – ele se moveu, reaproximando-se de mim, apoiando as costas no banco, a cabeça inclinada na minha direção. – Por tudo. Por me fazer falar sobre isso... Por me ajudar com a Cat, por ter me feito companhia nessa semana louca...

Eu já estava quase sorrindo, lisonjeada, quando mais um relâmpago iluminou o carro como um flash. Gabriel parou de falar e continuou apenas me observando, seus olhos inesperadamente intensos, penetrando até minha alma. E de repente, mesmo com toda a escuridão que nos cercava, eu sentia como se ele estivesse me vendo pela primeira vez.

Minha respiração acelerou e do nada eu estava hiperconsciente do perfume que emanava dele. Era um cheiro bom, uma essência convidativa, mascarada pela colônia de aroma igualmente agradável e água da chuva.

Dois relâmpagos se seguiram e nenhum de nós se moveu ou falou uma palavra. Eu não estava certa do que ele podia ver com a pouca iluminação, mas para mim, os traços perfeitos do seu rosto estavam mais evidentes do que algum dia estiveram, moldados pelo cabelo ainda úmido que caía em sua testa. Não era como se eu nunca tivesse notado a boa aparência dele antes, entretanto, o disputado Gabriel Lefroy nunca se fez tão magneticamente atraente para mim até agora; nesse carro abafado, debaixo de uma chuva torrencial no meio da estrada escura. Especialmente depois da forma como ele se abriu comigo há poucos minutos, se fazendo tão vulnerável...

Gabriel recolocou uma mecha do meu cabelo no lugar e pousou sua mão ainda fria na lateral do meu rosto. Todo o meu corpo se contraiu de precipitação, implorando para que ele não se afastasse nem mais um centímetro. Eu queria tocá-lo, eu queria estar mais perto. Tenho ansiado por contato humano há tanto tempo que chegava a ser doloroso estar tão próxima de conseguir uma amostra do que é estar viva novamente.

Eu precisava ardentemente disso e nem havia me dado conta.

Eu podia ouvir o coração dele acelerar a medida que Lefroy se aproximava lentamente de mim e tudo o que eu repetia para mim mesma era quão tranquilizador era o fato de ele não ser capaz de ouvir a inquietação crescente do meu.

Inalei o perfume que ele exalava, agora tão próximo de mim. Quando seus lábios desviaram dos meus e tocaram o meu rosto, em um beijo lento e inesperadamente caloroso, a respiração dele foi de encontro ao meu ouvido, me fazendo arrepiar. Passei meus braços sobre seus ombros, deslizando uma mão pela nuca dele enquanto a outra se apoiava em seu ombro largo. Os lábios de Lefroy percorreram um torturante caminho pelo meu maxilar até finalmente se aproximarem dos meus. Meus dedos se fecharam em volta do cabelo úmido dele, o puxando para perto de mim.

Foi o barulho de Catherine se mexendo no banco de trás após um trovão que me trouxe de volta a realidade. Rapidamente me afastei de Gabriel, antes que nossos lábios se tocassem, o deixando atordoado.

– Desculpe, eu não posso fazer isso. – murmurei. – De onde isso veio, mesmo? – eu ri comigo mesma tentando disfarçar a estranheza da situação.

Esperei que Gabriel se juntasse a mim na conclusão de que aquilo havia sido um lapso de loucura, mas ele apenas me olhava sério, reflexivo.

Eu sabia que estava fazendo um papel ridículo ali.

– O que deu em você? – Lefroy indagou.

– O que? Nada. Quero dizer... – o nervosismo me atrapalhou com as palavras. – Nós somos amigos. Não vamos confundir isso.

– Poderíamos ser mais.

– Não! Não fala isso. O que você está dizendo? Vai dar razão para as fofocas agora? – eu estava cada vez mais inquieta.

– Talvez eles tenham razão. Talvez o motivo de eu não me sentir o mesmo em relação à Jennifer seja por que era com você que eu queria estar esse tempo todo.

– Não, não, por favor, para de falar assim. Nós somos amigos. Por favor, não vamos estragar as coisas. – implorei.

– Tudo bem. – ele falou defensivo. – Já pode parar.

– Com o que?

– De me olhar como se eu fosse pular em cima de você e te agarrar a força a qualquer momento. – Gabriel explicou, parecendo magoado.

– Ãn? Eu não...

– Isso é por causa do seu ex-namorado, não é?

Pisquei algumas vezes. Claro que tudo sempre voltava para Jacob.

– Você ainda não o superou. – ele completou.

Eu não queria magoar Lefroy por causa de Jacob, mas ele também não deveria ter feito isso. Começado isso. Certo, provavelmente eu tinha a mesma porcentagem de culpa no caso. Eu estava atraída por ele e, Deus me ajude, ele estava atraído por mim.

Por que não poderíamos apenas apagar essa inconveniente revelação e continuar nossa amizade da forma que era antes?

– Ok. É Jacob. Eu não superei ainda. Por mais que eu queira ficar com você... – o rosto de Gabriel se iluminou quando eu confessei que também o queria – sinto como se estivesse traindo ele.

– Você não está.

– Eu sei. Mas o que tivemos foi muito forte. A separação doeu demais. Ainda dói. Abrir meu coração para outra pessoa é a última coisa que eu quero fazer agora.

O olhar no rosto de Gabriel me entristeceu, mas eu não poderia deixar de ser sincera com ele nesse momento.

– Por que você não o procura, então? – ele falou, encarando os próprios pés.

– Eu já tentei, acredite. Ele simplesmente não quer falar comigo de nenhuma maneira.

– Está me dizendo que esse cara te ignora desde que você se mudou para cá?

– Mais ou menos. – admiti.

Os cantos dos lábios de Gabriel se ergueram enquanto ele tentava sem sucesso reprimir um sorriso.

– O que? – indaguei.

– Nada. Só que isso significa que ele está fora do jogo.

– Não tem jogo nenhum.

– Se ele não está aqui lutando por você, esse cara não te merece, bailarina.

O rubor voltou às minhas bochechas. Embora ele não soubesse nada sobre Jacob, Gabriel tinha um bom argumento.

Nesse momento um par de faróis apareceu na nossa frente. Ambos nos viramos esperando para ver quem era e para meu completo alívio, era Emmett em seu jipe.

– Ei! Precisando de ajuda aí? – meu tio perguntou, exibindo seu sorriso moleque pela janela.

– Graças a Deus! – suspirei.

Gabriel carregou uma ainda sonolenta Catherine até o jipe, recebendo um olhar surpreso de Emmett, ao ver sua camisa aberta. Logo meu tio ergueu as sobrancelhas na minha direção, com um sorriso perverso cravado no rosto. Eu conhecia bem aquela expressão.

Fiz sinal para ele ficar calado e entrei no jipe também.

– Como nos achou aqui? – Lefroy perguntou num misto de alívio e surpresa.

– Vocês demoraram a voltar e, a menos que tivessem decidido passar a noite em outro lugar, algo certamente tinha acontecido. Considerando como essa é a única estrada até nossa casa por essa área, eu só precisei refazer o caminho até a cidade.

– Obrigada, Emm. Você é o melhor. – disse grata.

– Eu sei disso.

Deixamos os Lefroy em casa e depois voltamos para a mansão Cullen, ainda em meio à chuva. Emmett assegurou que daria um jeito de mandar o carro de Gabriel de volta porque tinha um ótimo contato no guincho. O que era mentira, obviamente. Mas que o carro de Gabriel estaria na porta da casa dele no dia seguinte era algo que ninguém podia duvidar.

– Você e o garotão hein... – Emmett ergueu as sobrancelhas sugestivamente enquanto fazíamos nosso caminho de volta.

– Não rolou nada.

– Tenho certeza que não. – ele concordou falsamente, um sorriso de orelha a orelha.

– Quer saber? Tanto faz. – afundei no banco, desistindo de convencê-lo.

– Eu só quero que saiba que se tivesse rolado eu daria o maior apoio.

Revirei os olhos.

– Espera. Não rolou mesmo? – meu tio perguntou surpreso após checar minha expressão.

– Ainda estamos nesse assunto? – bufei.

– Se tivesse rolado você estaria irritadinha, mas constrangida, com bochechas vermelhas e tudo mais. Você está apenas emburrada. – ele concluiu.

– Eu estou muito contente por não estarmos tendo essa conversa. – falei saindo do carro no instante em que ele estacionou.

Entrei em casa e, ao passar pelos meus pais e uma curiosa Alice, contei o que havia acontecido resumindo a história ao máximo.

Eu precisava urgentemente ficar sozinha. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Fui para o meu quarto, tomei um banho e ao colocar o pijama, busquei a caixa no fundo do closet onde eu mantinha MJ guardado.

Sentei na cama encarando o pequeno lobo. A pelúcia não possuía o menor resquício do cheiro dele, ainda assim eu continuava fantasiando que um dia eu o abraçaria e o perfume de Jacob estaria lá.

Quão ridículo.

Aquele lobo de pelúcia e a pulseira que Jacob me dera tantos anos atrás eram os únicos vestígios de que, um dia, estivemos juntos.

E então tinha Gabriel por toda parte. Do livro de ficção científica que ele havia me emprestado há semanas e ainda repousava sobre minha escrivaninha, até a nítida sensação do toque dos seus lábios deslizando sobre minha pele. O cheiro dele, de alguma forma parecia persistir como uma nuvem ao meu redor, tão fresco na minha memória, como se eu ainda estivesse presa com ele naquele carro abafado. Quando me dei conta, meus dedos percorriam repetidamente o trajeto dos seus lábios pela minha bochecha e maxilar, imaginando qual seria a sensação caso eu tivesse permitido que um beijo acontecesse.

Agora eu estava me odiando por ter sido tão franca com ele. Lefroy tem sido meu melhor e único amigo. Não vou conseguir conviver comigo mesma se ele começar a se afastar de mim. E é óbvio que isso vai acontecer. As coisas já ficaram absolutamente estranhas entre nós. No caminho de volta ele mal falou comigo ou se despediu.

Soltei um grunhido e me deitei inconformada. Como eu poderia continuar assombrada pelo fantasma de Jacob depois de todos esses anos? Quero dizer, já está bem claro para mim que ele está seguindo em frente com a vida dele, mesmo que isso signifique me riscar completamente dela.

Eu tenho tentado tão desesperadamente me manter ligada a ele de qualquer modo que eu não consigo aceitar que nós só existimos no passado.

Eu lembrava nossos momentos juntos, lembrava que eu costumava ser feliz ao lado dele... Mas lembrar de como era sentir essa felicidade, estava fora do meu alcance. Meus atuais sentimentos por Jacob se resumiam a saudade, tristeza, insegurança, culpa e medo. Não havia sequer uma coisa positiva na qual eu conseguisse pensar no momento.

Tudo o que eu tenho com Jacob são lembranças, e até mesmo essas eram dolorosas e começavam a parecer pouco confiáveis. Às vezes eu tinha a impressão de que minhas memórias eram distantes demais, embotadas demais e já repassadas, desesperadamente, para mim mesma por tantas vezes ao ponto de já não parecerem minhas.

Eu acreditava que mesmo com o tempo e distância nós estaríamos juntos novamente algum dia, então tudo estaria certo e tudo voltaria a ser como antes. Mas pelo visto isso não passa de uma estúpida fantasia. A verdade é que a cada dia que passa nos tornamos estranhos um na vida do outro. Pelo menos ele tem se esforçado bastante para isso.

Nove anos de absoluto silêncio. É esse tipo de tratamento, é essa a consideração que ele tem por mim após tudo o que vivemos? Eu me tornei algo tão repugnante para Jake ao ponto de nem minha amizade servir para ele?

Ao mesmo tempo em que eu me revoltava por Jacob deixar isso acontecer, não consigo culpá-lo, se a minha experiência mais pura e imensa de felicidade também lhe pertence.

Contorci-me na cama, os dentes trincados de raiva, meus dedos freneticamente agarrados ao lençol enquanto eu fazia o meu melhor para não chorar. Eu me recusava. Essa não seria mais uma noite que eu passaria em claro, chorando por Jacob.

Eu estava apenas... Tão cansada de esperar por ele. De colocar meu coração nessa montanha russa de expectativas a troco de nada, a cada carta enviada, a cada telefonema ignorado... Estava cansada de esperar que ele magicamente me resgatasse.

É hora de encarar os fatos, Renesmee. Isso nunca vai acontecer.

Por outro lado tinha Gabriel, sem nenhum motivo aparente, se esforçando tanto para remendar a criatura destruída e vazia que eu havia me tornando com o passar dos anos. Arrancando sorrisos sinceros do meu rosto quando eu já acreditava ser impossível.

Cada relâmpago que iluminava meu quarto ao longo da noite, me trazia de volta a imagem de seus olhos azuis, tão intensos, encarando os meus. Enquanto a madrugada fria avançava, eu percebia o quão angustiante era estar sozinha. Contudo eu não precisava continuar assim. Jacob poderia estar fora do meu alcance, mas eu não precisava afastar o Lefroy de mim. Eu não queria.

Quando o sono finalmente chegou, eu estava decidida a procurar Gabriel na manhã seguinte. Eu ainda não tinha certeza do que faria para me desculpar.

Tudo o que eu sabia era que eu não iria perdê-lo também.


Acordei mais tarde do que o de costume, devido ao tempo gasto para conseguir dormir. O céu estava assustadoramente limpo, considerando a tempestade de ontem.



Liguei para o Lefroy, ele não atendeu. Esperei, liguei novamente e depois liguei para a casa dele. Catherine atendeu.


– Oi Cat, é a Renesmee. Tudo bom?

– Tudo sim e com você?

– Bem.

– Tivemos uma aventura e tanto ontem, não foi? – ela falou animada do outro lado da linha.

– É verdade. Er... Cat, o Gabriel está?

– Não. O Gabs saiu cedo, foi para a casa da Jennifer.

– Jennifer? Jennifer Collins?– engasguei incrédula.

– Yep.

– Você tem certeza? – não dava para acreditar que ele havia corrido de volta para a ex depois do que aconteceu ontem.

Quero dizer, quase aconteceu.

– Sim. – a menina repetiu – Você está chateada Nessie? Porque o Gabe parecia chateado hoje de manhã.

– Não, não estou chateada.

Decepcionada, talvez.

– Olha, Cat, pode me fazer um favor? Quando Gabriel chegar me avisa?

– Tudo bem.

Desci as escadas sem entender porque o Lefroy iria ver Jennifer... Ou o motivo de isso me incomodar tanto.

– Nessie, querida. Bom dia. – Esme me sorriu.

– Bom dia. – sorri em resposta.

– Preparei um lanche delicioso para você. Venha provar. – ela convidou.

– Claro.

– Renesmee, – Edward interrompeu – algo nos seus pensamentos chamou minha atenção e eu gostaria de conversar a respeito.

Tentei deixar meu rosto o mais tranquilo, enquanto previa uma conversa sobre o que aconteceu ontem à noite.

– Não se preocupe, a parte que me chamou atenção não é a que está imaginando. – meu pai antecipou ao notar minha hesitação.

Ele sentou na poltrona e eu o acompanhei, sentando no sofá ao lado.

– Você acha que tem alguém te seguindo? – perguntou concentrado em mim.

De repente todos os Cullen se reuniram a nossa volta. Bella parou atrás da poltrona de Edward, os olhos alarmados me encarando aguardando uma resposta.

– Não. Quero dizer, eu tive essa impressão duas ou três vezes, mas nunca vi algo suspeito ou busquei um rastro.

– E não deveria mesmo. Pode ser uma armadilha. – Jasper alertou.

– Eu pensei que fosse o trabalho de Alice prever essas coisas. – Rosalie disparou.

– Se algo estivesse ameaçando nossa família eu com certeza veria. Se for apenas Renesmee, fica mais difícil enxergar através do ponto cego, de qualquer forma eu conseguiria ver alguma pista. Mas não vejo nada.

– Será algum truque dos Volturi? – Carlisle indagou.

– Não. Eu tenho vigiado as decisões de Aro. Se ele tomasse alguma decisão que nos afetasse diretamente eu veria. – disse Alice.

– Quem pode ser então? – Bella indagou.

– Provavelmente foi só minha imaginação. – falei para acalmar a todos. – Se houvesse algum perigo Alice já saberia.

Minha pequena tia acenou concordando.

– Eu não sei... A ideia de alguém espionando Renesmee, vampiro ou humano, me deixa desconfortável. – disse Bella.

– Eu confio no meu dom. – Alice respondeu despreocupada.

– Mas é subjetivo. – Rosalie apontou.

– Eu não vejo ninguém rodeando Renesmee às escondidas. Na pior das hipóteses teria de ser alguém que fugisse às minhas visões como um lobo ou outro semivampiro. Quais são as chances? – Alice riu.

– Não sei. Talvez Candy esteja de volta à cidade. Ou o próprio Nahuel. – Edward especulou.

– Por que eles não viriam falar diretamente comigo? – falei, considerando a teoria de Edward por um momento.

– Não sei. Aquela Cadence tem um parafuso a menos. Não seria a primeira coisa estranha que ela apronta. – Bella disse vagamente.

– Acho que estamos nos preocupando a toa. Provavelmente não é ninguém e se for a Candy, não há o que temer. Uma hora ela vai aparecer e dizer o que quer. – falei na tentativa de encerrar o assunto.

– Ainda acho que não é ninguém. – Alice deu de ombros.

O telefone tocou e eu me apressei em atender. Era Catherine avisando que Gabriel havia voltado.

– Preciso sair.

– Não antes de comer, mocinha. – Esme censurou, me guiando na direção da cozinha.

Comi rápido, me troquei e fui para a casa dos Lefroy. Ao segundo toque da campainha, Gabriel atendeu. Eu poderia dizer que ele parecia bastante surpreso por me ver.

Não me lembrei de pedir a Cat para não comentar sobre minha ligação, por conta disso, apenas deduzi que ela contaria a Gabriel. Pelo visto não.

– Oi. – comecei.

– Oi. – ele respondeu, fechando a porta atrás de si.

Ótimo. Só faltava agora ele ter trazido a Collins para casa.

– Pensei em passar por aqui para checar se seu carro tinha sido entregue, se estava tudo bem...

– Sim, ele foi. – disse rápido. – Obrigado por se dar ao trabalho de vir até aqui. Uma ligação seria suficiente. – seu tom de voz era amigável, mas seus olhos gritavam “Que diabos você está fazendo aqui?”.

– Está tudo bem? Digo, entre a gente? – perguntei incerta.

– Claro. Por que não estaria? – seu tom era grave.

Ele encolheu os ombros, colocando as mãos no bolso do moletom vermelho.

– Por causa de ontem...

– Ontem o que? – a pergunta estava carregada de intensidade. Parecia que ele estava tentando descobrir o que a noite passada significou para mim mais do que tentando ser hostil ao me interromper.

Seu olhar sustentava o meu como uma forma de desafio e isso me desconcertou. Levei alguns segundos para responder.

– Nada.

– Foi o que eu pensei. – ele comprimiu os lábios decepcionado com a minha resposta.

Eu vim consertar as coisas e até agora só havia conseguido deixar o clima ainda mais estranho entre nós.

– Encontrei! – uma voz feminina gritou de dentro da casa. A familiar e irritante voz de Jennifer Collins.

A porta se abriu e lá estava ela.

– Eu disse que minha lingerie da sorte estava com você. – ela falou em uma voz baixa e sensual, exibindo para Gabriel a minúscula roupa íntima em suas mãos.

Se ela tivesse saído de lá vestida de hipopótamo eu estaria menos chocada.

Lefroy lançou um olhar assassino para a garota.

– Ótimo, Jennifer. Significa que você já pode ir para casa.

– Eu vim no seu carro, esqueceu? Vou precisar de uma carona. – ela sussurrou, se apoiando no peito dele.

Gabriel imediatamente afastou as mãos dela.

– Prefiro pagar um táxi. – ele falou em um tom moderado, mas impaciente.

No mesmo instante um táxi parou em frente à casa.

– Como isso é possível? – Collins franziu o rosto frustrada.

Gabriel também parecia confuso.

– Eu chamei um táxi. – Catherine apareceu, exibindo o sorriso mais inocente. – Você já estava de saída, não era, Jen?

Collins fulminou Catherine com o olhar antes de pegar a bolsa das mãos da menina e sair quase esbarrando em mim. Saí do caminho dela ainda atordoada com o pequeno escândalo.

– Oi Renesmee. – Cat me sorriu.

Acenei para ela.

– Pronto. Agora vocês dois podem conversar. – a pequena anunciou, voltando para a casa e fechando a porta.

Gabriel parecia tão chocado quanto eu com a astúcia de Catherine.

Houve um longo momento de silêncio constrangedor após o táxi partir com Jennifer. Esperei que Gabriel se justificasse, contudo ele não o fez.

– Lingerie da sorte, urh? – comecei, repudiando a imagem dos dois juntos na minha cabeça.

– Jennifer cismou que isso estava aqui. – ele murmurou evitando contato visual direto comigo.

– E você se esqueceu de levar quando foi a casa dela mais cedo. – completei sarcástica.

Ele me olhou ligeiramente ofendido, depois seu semblante ficou sério, o olhar frio como gelo.

– Exatamente. – respondeu.

O sangue estava fervendo em minhas veias. Eu estava tão irritada que poderia socar ambos. Lefroy e Collins. Eu poderia correr até aquele maldito táxi, pará-lo e fazê-la engolir aquela maldita lingerie.

– Eu fui buscar minhas coisas na casa da Jennifer e deixar tudo que era dela lá, exatamente porque, depois de ontem, eu tive a certeza de que não quero mais nada com ela. – Lefroy explicou.

Eu vacilei, sendo pega de surpresa.

– Está me dizendo que vocês não dormiram juntos?

– Não, eu não dormi com a Jennifer. E se eu tivesse, não precisaria esconder isso de você. Ela é minha ex-namorada e eu e você não somos mais do que bons amigos, não é?

– Exatamente. – concordei a contra gosto.

Gabriel deu um passo na minha direção, os olhos cintilando com um ardor ainda desconhecido por mim.

– Mas se o fato de eu dormir com a Jennifer te incomoda, é hora de você pensar se quer mesmo continuar fingindo que o que há entre nós não passa de amizade.

– Não me incomoda. – menti.

– Então por que você está tão irritada?

– Eu não sei. – confessei, deixando minhas defesas caírem.

– Se o que aconteceu ontem significou algo e você não quer que eu durma com a Jennifer ou qualquer outra garota, você tem que me dizer Renesmee.

– Ok! Eu não quero que você durma com a Collins. Ela é uma vadia louca que não te merece! – praticamente gritei.

O queixo de Gabriel caiu e eu tapei minha boca com a mão imediatamente arrependida.

– Eu sinto muito. – murmurei. – Desculpa por eu ter agido como uma idiota ontem. Desculpa por eu continuar agindo como uma idiota agora, eu não tenho o direito...

– Acho que temos pedido desculpas um para o outro demais ultimamente.

– Concordo.

– Que bom, porque eu não vou me desculpar.

– Pelo que? – perguntei confusa.

– Por isso.

No instante seguinte Gabriel me puxou junto a ele e, ainda que eu tivesse agilidade e força o suficiente para desviar de seus braços, eu não iria. Ele colou seus lábios nos meus em um beijo urgente e, ao mesmo, tempo carinhoso.

Fiquei na ponta dos pés emaranhando meus dedos em seus cabelos, correspondendo ao beijo com a mesma intensidade. Os braços de Lefroy se fecharam ao redor da minha cintura me segurando firmemente junto a ele.

Como se eu tivesse a menor intenção de fugir...

Nossos lábios encontraram o ritmo um do outro rapidamente. Eu sentia o desejo e uma estranha satisfação, de quem não sabia o quanto queria aquilo até de fato tê-lo, explodirem dentro de mim como uma sequência de fogos de artifício. Eu estava beijando Gabriel Lefroy e o único pensamento de arrependimento que atravessava minha mente era por que eu não havia feito isso antes?

Ele terminou com breves beijos, então parou para me olhar.

– Você é mesmo quente. – Lefroy disse.

Eu sabia do que ele estava falando, mas o sorriso de moleque dele beirava a indecência.

– Anidrose. – sussurrei.

Meus dedos ainda entre seus cabelos, enquanto eu o puxava de volta para mim.

– Anidrose. – ele repetiu logo em seguida, com um sorriso imenso no rosto antes de voltar a me beijar.

Gabriel me girou lentamente, até me encostar contra a parede em meio a intermináveis beijos. O coração dele batia tão forte contra o meu peito que me fazia querer sorrir de orelha a orelha. Mas eu sabia que o meu também batia irregular e ele não precisava dos meus sentidos aguçados para sentir. Não quando estávamos tão próximos.

Ele desceu em beijos demorados pelo meu pescoço e eu me permiti inalar o perfume maravilhoso que emanava dele, me fazendo beirar ao desejo de mordê-lo ali mesmo. Ao invés disso, mordi meus lábios, inclinando meu pescoço para o lado, enquanto Lefroy explorava essa área.

Deslizei minha mão pelo ombro dele, acompanhando o caminho da cicatriz que, agora eu sabia, estava escondida embaixo das duas camadas de roupa. Eu queria tocá-lo e deixar meus pensamentos fluírem. Eu queria tanto mostrar o quão importante ele tem sido pra mim e que não havia outra forma de agradecê-lo por me ajudar a superar meus traumas a não ser o ajudando a superar o dele. Meu coração transbordava de carinho por aquele garoto e, pelo modo atencioso como os lábios dele gentilmente retornaram aos meus, antes de me envolver em um abraço, eu sabia que ele sentia o mesmo por mim.

E pela primeira vez em anos, eu tinha certeza de que não estava sozinha.


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Notas finais do capítulo

Vídeo do Capítulo:
http://www.youtube.com/watch?v=I-TZnM8Mmdw

Desenho do Capítulo:
http://lh4.ggpht.com/-BKedIWzdSz4/UXMPEjuaENI/AAAAAAAAEf8/RiDG9CrAhWk/s700/00.png