Porta 54 escrita por That Crazy Lady
Dois dias antes
Uma garota, de não mais de 17 anos, caminhava apressada pelos corredores do castelo. Carregava uma pequena pilha de roupas coloridas; azuis, verdes, douradas, e principalmente vermelhas. Sua grossura denunciava o tipo: vestidos. Provavelmente mais decorados que o dela, de cores pastéis e simples que batia em suas pernas a cada passo.
Então, parou. Estava em frente à uma porta de carvalho pesado, com uma tocha acesa ao lado direito que deixava sua sombra oscilando assustadoramente. Bateu três vezes com o nó dos dedos e entrou.
- Milady – chamou. – Eu trouxe os vestidos que a senhorita pediu.
Uma garota, ainda mais nova que a primeira, desceu da cama. Tinha cabelos loiros, leves e ligeiramente cacheados que deixariam babando qualquer cabeleireiro de supermodelo, mais o rosto branco um pouco sardento e os olhos cor de mel. Sorriu ao ver a pilha de roupas.
- Ah, Pek! Você conseguiu consertar o branco? Conseguiu? – perguntou excitada enquanto corria até a criada. Não mexeu nas roupas – afinal, isso era trabalho de Pekkala –, mas parecia cobiçosa para fazê-lo.
- Não foi nada muito complicado, milady, precisava apenas de um remendo.
Por sorte, a menina não tinha nenhuma noção de costura e não desconfiaria de como o túnel que tinha conseguido abrir na manga sumira misteriosamente. Magicamente.
- Agora vamos, temos que te preparar para a festa. Não se faz 15 anos todo dia, certo? – Pek disse animada, levando as roupas até uma penteadeira entalhada com flores no canto do quarto. – Que vestido vai querer usar hoje? Também temos que desenterrar sua tiara do baú e encontrar aquele cordão que seu pai lhe deu. Fiquei sabendo pelo Grib que ele espera que você o use hoje.
A menina se sentou na cama, parecendo irritada.
- Eu sei por que ele quer que eu o use. Quer impressionar Duque de Fior, aquele rabugento que vive me encarando.
Pek quase sentiu pena da menina.
- Seu pai está apenas procurando um bom noivo para você, e tenho certeza de que o Duque será ideal. – Ela passou a remexer no pequeno baú com um Clysse entalhado. – Pode acha-lo rabugento agora, mas não sabe como ele é na vida íntima. Ele pode se mostrar um cavalheiro, e ótimo marido. Além disso, não terá que sair do castelo para se casar, como sua irmã.
- Eu não ligo em sair do castelo. Na verdade, eu não ligo em sair de Kae. Odeio esse lugar, Pek! Odeio! – com essas palavras, Clysse levantou-se e começou a andar pisando forte pelo quarto. Foi até a maior janela, em frente à sua cama, e observou o céu noturno com olhos faiscantes.
Pek suspirou alto e baixou com cuidado as joias que tinha tirado de dentro do baú. Caminhou calmamente até a menina e apoiou a mão direita em seu ombro, o maior gesto de afeição que poderia fazer sem ficar mal-educado.
- O mundo é maior, não é, Pek? – perguntou. – O céu e a terra não podem se juntar ali no horizonte. É perto demais.
Pekkala sorriu. Já respondera àquela pergunta mais vezes do que podia contar.
- Claro que não, milady. O céu e a terra encontram-se muito longe daqui, ao sul, pouco depois do fim do mundo. Dizem que, lá, surgiu uma porta que leva a outro mundo.
- Criada pela magia? – a princesa perguntou, virando-se de repente para observar Pek. Tinha, nos olhos, a arrogância, o medo e a raiva acumulada pelos 15 anos de sua vida em que tinham martelado em sua cabeça: Magia é ruim. Magia é ruim.
- Não, milady. A magia surgiu muito depois da porta. – Pekkala sorriu e olhou sonhadoramente para as estrelas. – Não, a porta é do tempo em que esse mundo foi criado, antes mesmo de o primeiro grão de areia se instalar no deserto. Antes de a primeira estrela brilhar no céu! Mas essa é uma história para um dia em que você não tiver um aniversário para ir. Aniversário para o qual está atrasada!
Clysse sorriu travessamente, obviamente se sentindo melhor, e deixou Pekkala vesti-la e enfeita-la como se fosse uma boneca.
As duas caminharam juntas, Clysse na frente e Pek atrás, por todo o percurso até o Grande Salão. Na porta, separaram-se; Clysse entrou e Pek seguiu pelo corredor, a caminho da cozinha. Trabalharia até tarde, limpando restos de comida do chão. Esse pensamento empolgante a fez suspirar de desgosto.
Então, foi como se tivesse batido em uma parede invisível. Seus pelos se arrepiaram e seus sentidos se aguçaram, mais do que ela estava acostumada há algum tempo. Subitamente, sua cabeça se virou para a direita e seus olhos se encontraram com os de um vulto encapuzado.
Não procure teu adversário, dizia uma voz severa em sua cabeça. Saiba onde ele está.
- Não acha que estás te aventurando em terras hostis demais, Saphur? – Pekkala perguntou em voz baixa.
- Há uma festa no Grande Salão. Não preciso me preocupar – respondeu uma voz masculina, no mesmo tom.
- Justamente por isso deves dobrar tua preocupação. A guarda espera que algo aconteça. Vão anunciar o noivo de Clysse hoje, e o rei está decidido a deixar a ocasião ser... perfeita.
Saphur riu. Inicialmente baixo, e, depois, com vontade. Pekkala olhou alarmada para os lados e sibilou:
- Ou te calas ou eu me vou!
- Então é melhor que te vás, Pekkala. Deves ter um álibi para não ser considerada suspeita.
A garota abriu a boca para começar a discutir, mas ouviu – e sentiu – passos duros vindo em sua direção. Com um último olhar fulminante para Saphur, continuou seu caminho para a cozinha, dessa vez bem mais rápido.
Foi a conta de chegar. Gritos vieram do Grande Salão, e os empregados em massa saíram para socorrer seus amos.
- Está morto! Duque de Fior está morto! – gritava uma voz do meio da multidão. Pek olhou em volta, alarmada, então seu braço foi tomado por mãos pequenas, macias e urgentes. Encontrou Clysse agarrada a ela com o rosto em pânico, à beira das lágrimas.
- Um mago o matou – ela sussurrou. – Ouvi meu pai dizer. Um mago o matou, Pek.
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