Porta 54 escrita por That Crazy Lady


Capítulo 8
Briga




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Quando Trivel mencionou “para o norte”, Catarina chegou a ter a ilusão de que seria uma fabulosa aventura de filme: algumas cenas de ação e problemas, que logo seriam resolvidos com a coragem e excepcionais habilidades dos mocinhos.

Mas o que Trivel realmente quis dizer com “para o norte” foi “se esgueirar buraco por buraco em uma estrada empoeirada enquanto olha para cima a cada 15 segundos para ter certeza de que não está sendo seguido”. E isso não era nada divertido, principalmente com os 40°C à sombra.

Quando a noite finalmente caiu, porém, eles já haviam conseguido avançar o suficiente para abandonar a paisagem árida e entrar em uma apenas semiárida. E isso obviamente preocupava seriamente o garoto, que passou a olhar para cima de 10 em 10 segundos e quase ter um infarto a cada farfalhar de asas de pássaros – e morcegos –, o que não  era muito produtivo.

- Trivel, pela vigésima vez, calma! – ela exclamou por fim.

Os dois se ocupavam montando acampamento; Ela dava os toques finais em uma barraca que tirara da cartola, enquanto ele juntava lenha em um canto. A fogueira não ia tão bem quanto deveria justamente porque o garoto frequentemente soltava os galhos secos no chão.

- Eu estou calmo! Só estou vigilante – ele respondeu, observando Catarina de soslaio e tirando os galhos do chão mais uma vez.

- Vigilante? Você está paranoico, isso sim. Não vão nos achar tão fácil, okay? Agora relaxe e faça fogo logo, que eu estou morrendo de fome e fica frio no deserto à noite.

Trivel resmungou alguma coisa, mas obedeceu. Passou a olhar para cima somente a cada 30 segundos.

Fogueira acesa, comida arranjada da cartola (não era tão boa, mas era comida) e barraca montadas, os dois se sentaram observando as chamas com cansaço. Catarina sentia o corpo todo doer, mas nem ousava revelar que sentia dor por causa de “uma caminhada de nada”.

- Ei, Trivel.

- Hm?

- Como sua tia e as outras lá vão ajudar a gente?

Ele cutucou o fogo com uma vareta.

- Tia Pek é feiticeira também. Ela me criou depois que minha mãe... – Pausa. – Ela me criou. Ela, mais Cat e Larin. Cat é uma guerreira, Larin é médica. Um tempo atrás, as três foram para o norte resolver algumas “pendências” e não voltaram mais. Então eu pensei que, talvez, pudessem nos ajudar.

Catarina digeriu as informações por exatos dois segundos.

- Mas então elas foram “para o norte”.

- Isso.

- “Para o norte” onde, exatamente? – Antes que ele pudesse responder, acrescentou: – Pelo amor de Deus, não me diga que não sabe aonde elas foram.

- Tudo bem. Eu não digo.

Catarina quase avançou nele. Ela se levantou, furiosa.

- Eu não acredito! Andei o dia inteiro para você me dizer que não sabe aonde diabos essas infelizes se meteram?!

Trivel se levantou junto. Ela reclamava demais para o gosto dele.

- Escuta aqui, nem comece a reclamar! Você estaria completamente perdida se não fosse por mim. Na melhor das hipóteses! Podia ter sido presa. Roubada. Enganada. Podia ter sido acusada de feitiçaria e estaria a caminho da fogueira, nesse momento!

- Ou poderia ter me dado muito bem. Eu sei me virar! Sou autossuficiente!

- Ah, sabe. – Ele gargalhou sarcasticamente. – Como é que se acende uma fogueira? Como se anda no deserto sem deixar rastros? Como se camufla seu cheiro? Hein, autossuficiente?

- Você sabe muito bem que eu não sei esse tipo de coisa – ela acusou. – Não porque eu não quis. Porque eu passei todos os anos da minha vida em uma cidade, lembra onde? Na superfície! Ah, ops, é pra lá que você quer ir, não é? Talvez não vá. Não faz o seu trabalho!

Trivel parecia realmente furioso nesse momento. Então, de repente, ele parou.

As cenas seguintes ocorreram em intervalos de segundos. Imagine em câmera lenta para ficar mais fácil de entender.

O fogo se apagou. Catarina ficou confusa por alguns milésimos de segundo, até sentir uma mão magra tapando sua boca e a puxando para baixo. Não teve tempo para protestar, já que subitamente um clarão quente e esverdeado surgiu e tomou a barraca, quase alcançando os dois garotos. Ela ergueu a mão para tentar se levantar, extremamente assustada, mas então percebeu que sua mão simplesmente não estava lá. Estavam invisíveis!

- Não adianta se esconder! – uma voz exclamou subitamente. – Um feitiço simples da invisibilidade ajuda, mas não funciona para sempre e você sabe disso!

Trivel desceu a mão da boca para o braço de Catarina, não a soltando para que o feitiço fizesse efeito nela também. Naquele instante, nenhum dos dois sequer pensou em continuar a discussão.


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