Porta 54 escrita por That Crazy Lady


Capítulo 15
Fim (ou não?)




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Os dias seguintes não podiam ter sido melhores. Quando a notícia de que o Rei Dricon caíra e sua filha, Clysse, assumiria o trono, os quatro cantos do país de Kae pararam para comemorar. De repente, todos os feiticeiros escondidos surgiram para se juntar às hordas de festeiros que enchiam as ruas, criando luzes e fogos de artifício para deixar tudo mais animado.

Quanto à Catarina, é, ela estava muito bem, obrigado por perguntar. Tendo finalmente trocado o uniforme por um dos muitos vestidos de Clysse (depois de algumas reclamações do tipo “isso pinica, cara!” e “tá muito grande, desistam logo seus otários”) e voltado a comer três refeições por dia, Catarina tinha deixado de ser suja e desleixada para andar por aí esbanjando sua beleza de Alice-feliz-por-ter-terminado-o-trabalho.

Só Trivel era um problema.

Os dois meio que evitavam se encontrar durante os primeiros dias, porque a situação em que estavam era um tanto quanto constrangedora. Por fim, Trivel a encurralou em um corredor para dizer:

- Bom, Cah, eu sei que o que aconteceu naquele dia pode ter sido mal interpretado por você, mas eu não quero nada firme...

E foi logo interrompido por um:

- Graças a Deus! Eu também não quero nada assim, mas nem sabia como tocar no assunto. Me salvou agora, Trivel.

Os dois sorriram. Apesar de tudo, Catarina não pôde deixar de notar que três refeições diárias faziam muito bem ao garoto.

- Amigos? – Trivel propôs, estendendo o braço.

- Amigos – Catarina concordou, sorrindo e fazendo o velho aperto-de-cotovelos.

Então um abraço, um último sorriso e cada um seguia seu caminho.

Apesar de tudo, não fora uma surpresa. Catarina via como Trivel e Clysse passaram a se olhar depois que tudo acabou, e principalmente depois que Pekkala confessou que Clysse não era uma feiticeira; ela apenas armara para a garota, abrindo a porta magicamente e fazendo parecer que fora Clysse.

- Melhor assim – a princesa comentava animada para quem quisesse ouvir. – Ser rainha é tão, tão, tão cansativo! Ocupa o meu tempo todo. Eu nem ia ter tempo para as aulas.

- Bom, eu não me importaria em te dar algumas aulas – Trivel comentava de volta.

Aliás, foi a partir desse comentário que Catarina começou a perceber os olhares dos dois, mas abafa o caso.

É claro que todo bom momento tem o seu fim. Catarina, apesar de tudo, precisava voltar para casa; sua mãe já devia estar preocupada, e ela realmente sentia falta de um pouco de arroz com feijão no prato! Devia arrumar as malas imediatamente, e agradecia muito a hospitalidade de Clysse.

- Absolutamente, Caphirina – a princesa lhe disse, sorrindo e a abraçando. – Vou sentir sua falta! Sua visita mudou tanto as coisas por aqui, eu quase me acostumei a ter você por perto...

- Também vou sentir sua falta, Clysse – Catarina disse de volta, a abraçando também. – Você é uma amiga que jamais vou esquecer.

- Ainda bem! Mas eu vou acompanhar você e Trivel até a porta, claro, pois seria uma tremenda falta de educação não fazê-lo... – Clysse continuou, soltando-se do abraço para voltar a caminhar com Catarina do lado. E, enquanto a princesa tagarelava sobre quantos vestidos queria que Catarina levasse com ela, a garota sentiu um embrulho nada agradável no estômago.

Mas, por fim, o esperado dia chegou.

Catarina, depois de muito tempo tentando escolher o que vestir, optou por um vestido simples. Afinal, ela precisaria de provas para dizer à mãe tudo sobre essa coisa toda de Alice (ou simplesmente decidiria que a filha fora sequestrada por algum pedófilo descontrolado e passaria dias fazendo Catarina depor para a polícia), e o uniforme não era uma prova.

Sem malas, apenas com uma cartola-agora-boina branca, a garota observou seu quarto por uma última vez. Suspirou, e ensaiou mentalmente o discurso que preparara para Trivel.

De novo.

Mas ela não poderia errar. Nem uma palavra. Ou o garoto se descontrolaria, assim como Chess lhe alertou. A situação era extremamente delicada, afinal.

Com o vestido branco batendo agradavelmente em suas pernas a cada passo, Catarina saiu do quarto e desceu as enormes escadas de mármore do castelo que levavam até o Salão de Entrada. Trivel e Clysse já esperavam por ela.

- Já está pronta? – Clysse perguntou sorrindo.

Catarina concordou com a cabeça. O nó em sua garganta a impedia de fazer qualquer outra coisa mais complexa.

- Então vamos. Fry vai nos levar.

- Fry é a dragoa dela – Trivel explicou rapidamente, só para Catarina. Parecia estar de extremo bom humor. A pequena Alice odiou a si mesma naquele instante.

A viagem, apesar de tudo, foi tranquila. Trivel comentava, descontraidamente, como a grande variação de temperatura fazia com que ainda estivesse frio, mesmo que o sol já estivesse nascendo; E Clysse ria excessivamente em resposta, frequentemente soltando comentários do tipo “Sério? Como você é esperto, Trivel!”. Isso era ligeiramente irritante, mas Catarina conseguiu ignorar até que eles chegassem à porta.

Os três desceram da dragoa. Cheshire já os esperava, em frente a uma porta que – felizmente – não estava a seis metros de altura. Trivel desceu com sua pequena mala de pano e, depois de se despedir uma última vez de Clysse, caminhou até a porta.

- Vamos, Cah?

Catarina concordou com a cabeça, as articulações entorpecidas. Foi como se uma força invisível a forçasse a andar para frente e enfiar a chave certa na porta.

- Alice? – Chess chamou. – Não tem algo a dizer a seu amigo?

Catarina parou. Soltou o enorme molho, fazendo com que todas as chaves ficassem suspensas somente por aquela enfiada na fechadura, e observou Trivel com um olhar que pedia desculpas.

- Trivel, eu... Eu não posso te levar comigo.

Subitamente, o garoto assumiu uma expressão extremamente confusa, como se Catarina tivesse lhe dado um tapa na cara. Depois de algum tempo se recuperando do choque, perguntou atônito:

- P-Por quê?

- Porque... Porque apenas a Alice pode atravessar entre os mundos, Trivel. Eu sou a habitante de todos eles. Habito Kae, habito a superfície, habito a porta ao lado... Eu posso passar entre eles porque pertenço a todos. Mas você pertence a Kae – ela disse angustiada. – Não posso te levar à superfície. Os mundos... Todos eles, menos a superfície... Sofreriam uma enorme reviravolta. Desequilíbrio. Apocalipse! É antinatural!

Trivel não encarava mais Catarina. Ele parecia não ter a capacidade de olhá-la nos olhos. Ao invés disso, fitava o chão, com as mãos em punhos.

- Você sabia disso? – perguntou com a voz tremendo. – Quando pediu minha ajuda?

Uma lágrima escorreu pela bochecha de Catarina.

- Sim. Eu sempre soube.

Não era bem o plano jogar a verdade assim. Se tivesse tempo, ela diria que ignorava muita coisa antes de resolver se aceitar como Alice, e que ainda não sabia tudo o que deveria. Diria que realmente precisava daquela ajuda e que jamais fez por mal. E que, mesmo sabendo, não achava que Trivel fosse realmente levar a sério, principalmente depois que a magia ficasse legal novamente. Afinal, agora ele tinha condições para levar sua vida em paz!

Mas ela não teve tempo.

Porque, antes mesmo de abrir a boca, uma onda muito forte de energia se chocou contra ela, jogando-a longe. Catarina foi de cara na poeira, e sentiu seus joelhos ralarem no chão do deserto. Em algum ponto, Clysse gritou.

- Eu não vou aceitar mais mentiras. Não vou! – Trivel berrou, completamente fora de si. Catarina ergueu o rosto e viu o garoto pulsando ódio, levantando areia e deixando o ar mais denso. A cena era aterrorizante. – Você me enganou, Caphirina. E eu odeio você por isso!

O garoto levou a mão até a maçaneta. Catarina então percebeu o que ele iria fazer.

- Trivel, NÃO! CHESS, FAÇA ALGUMA COISA!

Mas Chess era de fumaça. O que uma fumacinha poderia fazer contra um mago super poderoso e super irritado?

Sem ninguém para detê-lo, Trivel abriu a porta e, com uma última olhada para Catarina, saiu.

BUM!

É difícil explicar. Mas foi como se, de repente, todas as forças naturais resolvessem se revoltar – ao mesmo tempo. O solo rachou; o ar se dobrou e se juntou, formando espaços onde era impossível respirar e redemoinhos aleatórios que levantavam poeira; o céu pareceu assumir uma coloração estranha e errada, e mesmo o passar dos segundos ficou diferente.

E, mais importante do que tudo isso, um berro de agonia pura cortou o ar, desequilibrando ainda mais o mundo. Que surpresa não foi constatar que saía de uma Catarina contorcendo-se no chão!

Pois era simplesmente impossível descrever a dor que a garota sentia naquele momento. Era como se todos os mundos que estivessem desmoronando fossem apenas reflexos de desmoronos internos na própria Catarina, que mal conseguia aguentar-se consciente.

- Caphirina! – Clysse berrou assustada de algum ponto. Infelizmente, a garota não estava em condições de responder.

Só havia uma coisa a ser feita. Engolindo o medo, Clysse, com muita dificuldade, montou Catarina em uma Fry assustada e depois subiu junto. Depois de receber uma ordem hesitante, Fry encolheu as asas e entrou correndo na porta aberta, antes que esta desaparecesse completamente.

E, naquele piscar de olhos, Kae já não existia mais, engolido por suas próprias forças naturais.

Clysse olhou em volta. Estavam na Sala Redonda, e Trivel não se encontrava à vista. Uma incômodo começou a surgir em suas articulações, e ela ficou grogue. A princesa só teve tempo de descer Catarina da dragoa, e então desmaiou em cima de uma Fry já inconsciente.


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Notas finais do capítulo

Entããão, finalmente acabou!
Aposto que não esperavam esse final. ~~PAMPAMPAMPAAAAM~~
Tenho planos para um segundo livro, mas pode demorar um pouco - ou não. Férias são meio mágicas.
Adorei ter vocês lendo nesses últimos meses, e espero que tenham curtido o bastante para, pelo menos, não morrerem entediadas no meio :3
Beijos!
Lah~