Entre Mares e Livros escrita por mille_crotti, kat_h


Capítulo 3
Explodi nossa professora-bruxa...


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Mais um para vocês, esse ficou maior!

Beijos

Mille e Kat



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Fomos de encontro a Grover, que estava sentado embaixo de uma árvore um pouco mais a frente. Daquele lugar, podíamos assistir ao trânsito de pedestres da Quinta Avenida.

Acima de nós, uma imensa tempestade estava se formando, com as nuvens mais escuras que eu já tinha visto sobre a cidade. Imaginei que talvez fosse o aquecimento global ou qualquer coisa assim, porque o tempo em todo o estado de Nova York estava esquisito desde o Natal. Tivemos nevascas pesadas, inundações, incêndios nas florestas causados por raios. Eu não teria ficado surpreso se fosse um furacão chegando.

Com exceção de Annie e Grover, ninguém mais pareceu notar. Enquanto nós três observávamos preocupados as grossas nuvens negras, alguns dos garotos estavam jogando biscoitos para os pombos. Nancy Bobofit tentava afanar alguma coisa da bolsa de uma senhora e, é claro, a Sra. Dodds não via nada.

Sentamos na beirada do chafariz, longe dos outros. Pensamos que, se fizéssemos isso, talvez ninguém descobrisse que éramos daquela escola - a escola para esquisitões lesados que não davam certo em nenhum outro lugar.

- Detenção? - perguntou Grover.

- Não - disse eu. - Não do Brunner. Eu só gostaria que ele às vezes me desse um tempo. Quer dizer, não sou um gênio.

Com esse comentário, Annie abriu o primeiro sorriso em muitas horas.

- É claro que não, você é um Cabeça de Algas!

Está bem, deixe-me explicar: esse apelido eu ganhei quando uma vez minha mãe nos levou (eu e Annie, naquela época ainda não conhecíamos Grover) à praia. Eu, para variar, estava irritando minha amiga, jogando a chutes água do mar nela. Mas aí veio uma onde gigantesca por trás, e eu tomei o maior caldo da minha vida. Quando consegui me levantar, tinha uns três pedaços de alga na minha cabeça. Nem preciso falar que Annie faz questão de me lembrar disso até hoje, não é?

- Percy, está aí? – Annie passava a mão na frente dos meus olhos. Caramba, viajei mesmo.

- Claro, não vou largar do seu pé assim tão fácil.

- Droga! Achei que tinha me livrado! – E, com esse comentário super amoroso da loira, caímos na risada. Mas esse sentimento de alegria durou pouco, e a lembrança da conversa com o Sr. Brunner voltou com força.

Grover não disse nada por algum tempo. Então, quando achei que ele ia me brindar com algum comentário filosófico profundo para me fazer sentir melhor, ele disse:

- Posso comer sua maçã?

Eu não estava com muito apetite, então a entreguei a ele. Annie caiu na risada, de novo.

- Sei como se sente, Percy. Minha madrasta vive enchendo a cabeça do meu pai, falando que não sou dedicada, que essa história de dislexia é desculpa para eu não estudar e que meus irmãos são muito melhores que eu. O pior é que meu pai faz tudo o que ela quer, então ele concorda com tudo o que ela diz. – Seus olhos estavam cheios d’água. – Acredite, é muito melhor ser cobrado pelo seu professor do que decepcionar quem amamos. Tenho certeza que meu pai pensa que sou o maior erro da vida dele.

Parei de respirar por um instante. Sabia que Annie e a madrasta se odiavam, mas não imaginava que o pai dela caía na conversa da mulher. Observei os táxis que passavam descendo a Quinta Avenida e pensei no apartamento de minha mãe, na área residencial próxima ao lugar onde estávamos sentados. Ela me abraçaria e ficaria contente de me ver durante a semana, mas também ficaria desapontada. Imediatamente me mandaria de volta para Yancy e me lembraria que preciso me esforçar mais, ainda que aquela fosse minha sexta escola em seis anos e que, provavelmente, eu seria chutado para fora de novo. Não conseguiria suportar o olhar triste que ela me lançaria. Annie tinha razão, decepcionar um professor é ruim, mas não tanto quanto decepcionar a quem amamos.

O Sr. Brunner estacionou a cadeira de rodas na base da rampa para deficientes. Comia aipo enquanto lia um romance. Um guarda-chuva vermelho estava enfiado nas costas da cadeira, fazendo-a parecer uma mesa de café motorizada.

Eu estava prestes a desembrulhar meu sanduíche quando Nancy Bobofit apareceu diante de nós com as amigas feiosas - imagino que tivesse se cansado de roubar dos turistas - e deixou seu lanche, já comido pela metade, cair no colo de Grover.

- Oops. - Ela arreganhou um sorriso para mim, com os dentes tortos. As sardas eram alaranjadas, como se alguém tivesse pintado o rosto dela com um spray de Cheetos líquido.

Tentei ficar calmo. O orientador da escola me dissera um milhão de vezes: "Conte até dez, controle seu gênio." Podia sentir Annie, que também se levantara, segurando em meu braço e murmurando algo como “Se acalme Percy”. Mas estava tão furioso que me deu um branco. Uma onda rugia nos meus ouvidos.

Não me lembro de ter tocado nela, mas quando dei por mim Nancy estava sentada com o traseiro no chafariz, berrando:

- Percy me empurrou!

A Sra. Dodds se materializou ao nosso lado. Grover parara com a maçã a caminho da boca e me fitava com expressão incrédula. Annie me olhava com os olhos tão arregalados que mais um pouco iriam pular das órbitas.   Algumas das crianças estavam sussurrando:

- Você viu...

- ...a água...

- ...parece que a agarrou..."

Eu não sabia do que elas estavam falando. Tudo o que sabia era que estava encrencado outra vez. E, como sempre, Annie também se encrencara.

Assim que se certificou de que a pobre Nancy estava bem, prometendo dar-lhe uma blusa nova na loja de presentes do museu etc. e tal, a Sra. Dodds se voltou para nós. Havia um fogo triunfante em seus olhos, como se eu tivesse feito algo pelo que ela esperara o semestre inteiro:

- Agora, meu bem...

- Eu sei - resmunguei. - Um mês apagando livros de exercícios.

Não foi a coisa certa para dizer. Annie murmurou um “Cale a boca, Perseu!”. É, para me chamar assim, estava brava.

- Venham comigo - disse a Sra. Dodds.

- Espere! - guinchou Grover. - Fui eu. Eu a empurrei.

Olhei para ele perplexo. Não podia acreditar que estivesse tentando me proteger. Ele morria de medo da Sra. Dodds.

Ela lançou um olhar tão furioso que fez o queixo dele tremer.

- Acho que não, Sr. Underwood - disse ela.

- Mas...

- Você... vai... ficar... aqui.

Grover nos olhou desesperadamente.

- Tudo bem, cara - disse a ele. - Obrigado por tentar.

- Meu bem - latiu a Sra. Dodds para mim. - Agora.

Nancy Bobofit deu um sorriso falso.

Lancei-lhe meu melhor olhar de "vou acabar com a sua raça". Então me virei para enfrentar a Sra. Dodds, mas ela não estava lá. Estava postada à entrada do museu, lá no alto dos degraus, gesticulando impaciente para nós.

Como ela chegou lá tão depressa? Annie devia estar pensando a mesma coisa, por que estava olhando de mim para a Sra. Dodds com uma cara confusa.

Tenho milhares de momentos desse tipo - meu cérebro adormece ou algo assim e, quando me dou conta, vejo que perdi alguma coisa, como se uma peça do quebra-cabeça desaparecesse e me deixasse olhando para o espaço vazio atrás dela. Com Annie também acontecia isso. O orientador da escola nos disse que era parte do transtorno do déficit de atenção, era nosso cérebro que interpretava tudo errado.

Eu não tinha tanta certeza. Fui atrás da Sra. Dodds.

No meio da escadaria, olhei para Grover lá atrás. Ele parecia pálido, movendo os olhos entre mim e o Sr. Brunner, como se quisesse que o Sr. Brunner reparasse no que estava acontecendo, mas o professor estava absorto em seu romance.

Voltei a olhar para cima. A Sra. Dodds desaparecera de novo. Estava agora dentro do edifício, no fim do hall de entrada.

Certo, pensei. Ela vai me fazer comprar uma blusa nova para Nancy na loja de presentes, e eu e Annie vamos ficar detidos por três meses, mesmo que as aulas terminassem daqui a dois. Isso se não fôssemos expulsos, de novo.

Mas aparentemente não era esse o plano. Seguimos museu adentro. Quando finalmente a alcançamos, estávamos de volta à seção greco-romana. A não ser por nós, a galeria estava vazia.

A Sra. Dodds estava postada de braços cruzados na frente de um grande friso de mármore com os deuses gregos. Ela fazia um ruído estranho com a garganta, como um rosnado.

Mesmo sem o ruído, eu teria ficado nervoso. É esquisito estar só eu e Annie com a Sra. Dodds. Algo no modo como ela olhava para o friso, como se quisesse pulverizá-lo...

- Vocês estão nos criando problemas, meu bem - disse ela.

Fiz o que era seguro. Disse:

- Sim, senhora.

Ela ajeitou os punhos de seu casaco de couro.

- Você achou mesmo que ia se safar desta? A expressão em seus olhos era mais que furiosa. Era perversa. Ela é uma professora, pensei, nervoso. Não é provável que vá me machucar. Eu disse:

- Eu... eu vou me esforçar mais, senhora. Annie não tem nada a ver com... - Um trovão sacudiu o edifício.

- Nós não somos bobos, Percy Jackson - disse a Sra. Dodds. - Seria apenas uma questão de tempo até que o descobríssemos você e sua amiguinha aí, que aparentemente é uma inútil, provavelmente filha do mensageiro.  Confesse, e vocês sentirão menos dor.

Eu não sabia do que ela estava falando. Annie tampouco.

Tudo o que pude pensar foi que os professores haviam descoberto o estoque ilegal de doces que eu estava vendendo no meu dormitório. Ou talvez tivessem descoberto que eu copiara meu trabalho sobre Tom Sawyer de Annie sem ter nem lido o livro, e agora iam retirar minha nota, a mais alta até hoje. Ou pior, iam me obrigar a ler o livro. Mas que história era essa de Annabeth ser inútil? E filha do mensageiro?

- E então? - exigiu. Olhei para Annie, que estava com cara de “Hã?”.

- Senhora, nós não...

- O tempo se esgotou, meu bem. - sibilou ela.

Então algo muito estranho aconteceu. Os olhos dela começaram a brilhar como carvão de churrasco. Os dedos se esticaram, transformando-se em garras. O casaco se fundiu em grandes asas de couro. Ela não era humana. Era uma bruxa má e enrugada, com asas e garras de morcego e com uma boca repleta de presas amareladas - e estava prestes a nos fazer em pedaços. Annie tentou gritar, mas estava tão espantada que sua voz não saía.

Então as coisas ficaram ainda mais esquisitas. O Sr. Brunner, que estava na frente do museu um minuto antes, foi com a cadeira de rodas até o vão da porta da galeria, segurando uma caneta.

- Olá, Percy! - gritou ele, e lançou a caneta pelo ar.

A ex-Sra. Dodds deu um bote para cima de Annie.

Com um reflexo sobrenatural, Annie se esquivou com um mortal para trás e as garras do monstro cortaram o ar onde estava minha amiga um segundo antes. No impulso, agarrei a caneta esferográfica no alto, mas quando ela atingiu minha mão já não era mais uma caneta. Era uma espada - a espada de bronze do Sr. Brunner, que ele sempre usava em dias de torneio.

A ex-Sra. Dodds virou-se e dessa vez veio na minha direção com uma expressão assassina nos olhos. Meus joelhos ficaram bambos. As mãos tremiam tanto que quase deixei a espada cair.

Ela rosnou “Morra meu bem”. Annie gritou aterrorizada. O Sr. Brunner gritou algo. Grover fechou os olhos.

Um terror absoluto percorreu meu corpo. Fiz a única coisa que me ocorreu naturalmente: desferi um golpe com a espada.

A lâmina de metal atingiu o ombro dela e passou direto por seu corpo, como se ela fosse feita de água: Zaz!

A ex-Sra. Dodds era um castelo de areia debaixo de um ventilador. Ela explodiu em areia amarela, reduziu-se a pó, sem deixar nada do cheiro de enxofre, um grito estridente que foi sumindo e um calafrio de maldade no ar, como se aqueles olhos vermelhos incandescentes ainda estivessem me olhando.

Eu estava paralisado. Annie tremia ao meu lado.

Havia uma caneta esferográfica na minha mão.

O Sr. Brunner não estava lá. Não havia ninguém lá além de nós.

Minhas mãos ainda estavam tremendo. Nosso lanche devia estar contaminado com cogumelos mágicos ou coisa assim.

Será que havíamos imaginado tudo aquilo?  Fizemos a única coisa que pudemos pensar que mais se aproximava de sensato: voltamos para o lado de fora.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram?

Por favor, precisamos saber da opinião de vocês! Deixem reviews, responderemos todos!
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Beijos, o próximo sai até amanhã!

Mille e Kat