Entre Mares e Livros escrita por mille_crotti, kat_h


Capítulo 20
Cheeseburguer e turtle


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos!
Sim, sabemos, demoramos muito.... mas eu voltei a fazer faculdade e a kat tem aulas a tarde, então fica meio corrido... mas NUNCA iremos abandoná-los!

Antes tarde do que nunca!

Esse cap está parecido com o livro, mas foi de propósito, eu simplesmente adoro essa cena!

mega obrigada a ly_uzumaki pela 12a recomendação!


Boa leitura!

Beijos
Mille e Kat



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Pov Percy.

Eu sentia uma forte dor de cabeça. Tentava abrir os olhos, mas eles pareciam ser feitos de ferro estígio. Fiquei nessa batalha por algum tempo que não sei precisar, até que finalmente consegui abri-los. Mas eu ainda não enxergava, tudo o que via era uma forte luz branca. Eu sentia uma mão pesando sobre minha testa. A pequena e macia mão de Annabeth.

Quando consegui me acostumar com a luz, pude perceber o ambiente ao meu redor. Eu estava em algum tipo de quarto improvisado, mas o teto e as paredes eram de tecido. Ao lado da minha cama de armar, havia mais duas, e sentada em uma cadeira ao meu lado dormindo profundamente estava Annie.

Enquanto observava a pequena dormir, comecei a tentar entender o que meus sonhos tentavam me dizer.

Exausto de forçar minha mente, passei apenas a observar as feições de Annabeth. Ela dormia calma e tranqüilamente. Aos poucos, ela começou a se mexer, e logo nossos olhos se encontraram. Ela abriu um sorriso de tirar o fôlego.

- Percy. Você esta bem?

- Sim. Estou. Por quanto tempo eu apaguei? Onde estamos? Como viemos parar aqui? O que aconteceu no ônibus? – Perguntei tudo de uma vez só.

- Calma, afobado, uma coisa de cada vez.

Ela sorriu. E nessa hora eu senti segurança. E senti meus medos indo embora, junto com todas as minhas preocupações. E nessa hora Grover entrou no quarto, lembrando que não dá pra ficar sonhando acordado o resto dia.

- E ai cara? Acordou?

- Não. Estou dormindo ainda.

- Então trate de acordar, temos uma missão pra terminar.

- Grover! Ele acabou de acordar! – Annie o repreendeu. – E ele não ainda precisa comer!

Grover deu um sorriso. A comida era seu ponto fraco.

- Venha, Percy, vamos comer.

- Na verdade, Annie, eu realmente preciso de um banho.

- É, tem razão. Você está fedendo.

Todos caímos na risada.

- Vamos deixar ele se trocar Annie. – Disse Grover.

- Tudo bem.

Eles me deixaram sozinho e então fui tomar meu banho. Ao primeiro contato de meu corpo com a água, senti minhas forças se renovando. Vantagens dos filhos de Poseidon.

Logo que me troquei, saí do quarto e pude ver pela primeira vez a casa onde estávamos. Todas as paredes eram forradas com tecidos. O local era enorme, além do quarto que eu estava, tinha uma sala de estar, dois banheiros, e uma cozinha. Bem ao centro, uma mesa para 8 pessoas cheia de comida, pães, frutas , sucos e tudo o que você puder imaginar. E, é claro, Grover devorando tudo o que via pela frente.

Sentei-me ao lado de Annabeth e comecei a comer. Mas eu precisava de respostas, então logo repeti as mesmas perguntas a Annabeth, mas dessa vez com mais calma.

- Onde estamos?

- Ensolarado’s Eco Resort, baby! – Grover falou divertido.

Para mim, aquilo não era um quarto de um resort, apesar de ser bem confortável, mas se ele estava falando quem sou eu para discordar.

- Como chegamos aqui?

- Apolo. – Eles falaram como se fosse óbvio.

- Uau! Ele tem um resort?

Eles começaram a rir da minha cara, mas eu não entendi a piada.

- É... eu perdi alguma coisa? Do que vocês estão rindo?

Grover caiu da cadeira de tanto rir, e Annie enxugava algumas lágrimas.

- Percy... – Ela falou, recuperando o fôlego. – Vá lá fora e veja o prédio do seu... hã... Resort! – E com essa, eu saí emburrado para fora da... cabana? Aquilo era uma barraca?

Acho que fiquei uns 10 minutos entrando e saindo pela porta, o que quase matou Annie e Grover de asfixia. Para quem olhava por dentro, era uma casa enorme, como já descrevi antes. Mas olhando de fora, era apenas uma simples barraca de camping para 2 pessoas. Na verdade, era maravilhoso. Voltei para a mesa e esperei por alguém tempo meus amigos retomarem seus estados de normalidade.

- Acabaram? – Perguntei, não estava achando a menor graça. – Por quanto tempo eu apaguei?

- Quatro dias Percy.

Olhei bem para a cara de minha amiga, procurando algum vestígio de que o que ela acabara de me contar era mentira, mas não havia nenhum.

- Mas como isso é possível? O que aconteceu? Eu só lembro de estarmos lutando com a Sra. Dodds e suas irmãs, ela sumiram mas aí... nada. Não lembro.

- Aí, Percy, o ônibus ia explodir mas não dava tempo da gente sair. E você, bem, criou uma bolha d’água em volta de nós, por isso sobrevivemos. Mas você exigiu demais dos seus poderes, e puf! Apagou.

- É verdade, Percy, você abraçou a Annabeth no último instante e aí criou a bolha da hora. Só que o povo do ônibus viu, aí eles ficaram pensando que foram vocês que explodiram o ônibus, eu não sei o que eles viram através da névoa, aí eles queriam brigar com a gente, mas aí Apolo chegou e deu um jeito em tudo, e aí tamo aqui cara. – Ele disse, finalizando com uma bela dentada em uma lata de Diet Coke.

Annie estava vermelha. E eu estava mais ainda.

- Bom, e, para onde vamos agora? – Perguntei, tentando mudar de assunto.

- Andar para o oeste. – Grover falou.

- Nossa. Belo plano.

- Ei! Annabeth não pensou em nada e eu tive que me virar. Ela estava muito ocupada cuidando de você 24h por dia. Ela nem comia direito.

Ela deu um chute nele.

- Bem, então vamos comer, principalmente você, mocinha, pois temos que seguir viagem.

Malas arrumadas, barrigas cheias e duas horas e meia depois, estávamos saindo dos limites mágicos do Ensolarado’s Eco Resort.

Após duas horas de longa caminhada por um percurso estreito e irregular, finalmente chegamos à estrada.

Não havia nenhum carro passando, e beeeeeeeeeeeem ao longe havia um ponto escuro que devia ser uma casinha de fazendeiro.

- O que acham? – Perguntei.

- Bom, podemos parar lá para pegarmos água, e descobrimos onde exatamente estamos, para então traçarmos um novo plano melhor que “Vamos para oeste”. – Disse Annabeth.

           

A casinha era ainda mais longe do que parecia. Levamos em torno de 5 horas e meia para chegarmos lá, debaixo de um sol de rachar, com sede e empapados de suor.

A casa era bem velha, com paredes rosas desbotadas, um kit de jardinagem do lado de fora, ao lado de um pequeno estacionamento  para, no máximo, 4 carros. Acima do telhado, uma placa dizia algo como MEOPRÓI ED NESÕA ED JIDARN AD IAT ME.

- Empório De Anões de Jardim da Tia Em. – Grover traduziu.

Não vou negar. A casa estava acabada e quando se é um semideus você deve desconfiar de tudo. Eu já ia sugerir que não entrássemos, quando um cheiro maravilhoso de cheeseburguer invadiu minhas narinas. Em apenas um olhas, nós já estávamos abrindo as portas do estabelecimento.

A parte de dentro da casa tinha um enorme jardim, que parecia ser dividido em várias partes. A da frente era uma floresta de estátuas: animais de cimento, crianças de cimento, até um sátiro de cimento tocando as flautas, o que deixou Grover arrepiado.

- Béééé! - baliu. - Parece meu tio Ferdinando!

Paramos diante da porta do armazém.

- Não bata - implorou Grover. - Sinto cheiro de monstros.

- O único cheiro que estou sentindo é de hambúrgueres. Você não está com fome?

- Carne! - disse ele, desdenhoso. - Sou vegetariano.

- Você come enchiladas de queijo e latas de alumínio - lembrei-o.

- São vegetais. Venham, vamos embora. Essas estátuas estão... olhando para mim.

Então a porta se abriu rangendo, e diante de nós estava uma mulher alta, do Oriente Médio - pelo menos foi o que presumi, porque usava um longo vestido preto que escondia tudo menos as mãos, e sua cabeça estava totalmente coberta por um véu. Seus olhos brilhavam embaixo de uma cortina de gaze preta, mas isso foi tudo o que pude distinguir. As mãos cor de café pareciam velhas, mas bem cuidadas e elegantes, portanto imaginei que se tratasse de uma avó que fora outrora uma bonita dama.

O sotaque dela também tinha um quê do Oriente Médio. Ela disse:

- Crianças, já é muito tarde para estarem sozinhas na rua. Onde estão seus pais?

- Eles estão... ahn... - Annabeth começou a dizer.

- Nós somos órfãos - falei.

- Órfãos? - disse a mulher. A palavra soou estranha em sua boca. - Mas meus queridos! Certamente não!

- Nós nos perdemos da caravana - disse eu. - A caravana do nosso circo. O Mestre de cerimônias nos disse para encontrá-lo no posto de gasolina se nos perdêssemos, mas ele pode ter esquecido, ou talvez se referisse a outro posto de gasolina. De qualquer modo, estamos perdidos. Esse cheiro é de comida?

- Vão direto para os fundos do armazém, por favor. Ali há um lugar para refeições.

Agradecemos e entramos.

Annabeth murmurou para mim;

- Caravana do circo?

- Sempre há uma estratégia, certo?

- Sua cabeça está cheia de algas.

- Achei que o apelido fosse por causa da praia.

- Eu também.

Eu ia protestar, mas nem tive tempo. Ela foi sentar. Longe de mim.

Tudo o que me preocupava era achar o lugar das refeições. E, sem duvida, lá estava, no fundo do armazém, um balcão de sanduíches com uma grelha, uma maquina de refrigerantes, uma estufa de pretzels e uma máquina de queijo nacho. Tudo o que poderíamos querer, mais algumas mesas de piquinique de aço na frente.

- Por favor, sentem-se - disse a tia Eme.

- Fantástico - comentei.

- Hum - disse Grover com relutância -, não temos nenhum dinheiro, senhora.

Antes que eu pudesse dar uma cotovelada nas costelas dele, a tia Eme disse:

- Não, não, crianças. Nada de dinheiro. Esse é um caso especial, certo? Para órfãos tão simpáticos, é por minha conta.

- Obrigada, senhora - disse Annabeth.

Tia Eme enrijeceu-se, como se Annabeth tivesse dito algo de errado, mas depois, com a mesma rapidez, relaxou. Portanto achei que estivesse imaginando coisas.

- Não tem de quê, Annabeth. Você tem uns olhos cinzentos tão bonitos, criança. - Só depois me perguntei como ela sabia o nome de Annabeth, já que não tínhamos nos apresentado.

- Admirável - disse ela. - Mas, por favor, relaxe.

Tia Eme não comeu nada. Ela não descobrira a cabeça nem para cozinhar, e agora estava sentada com os dedos entelaçados, observando enquanto comíamos. Era um pouco incômodo ser observado por alguém cujo o rosto eu não conseguia ver, mas me sentia satisfeito depois do sanduíche, e um pouco sonolento, e imaginei que o mínimo que podia fazer era puxar um pouco de conversa com nossa anfitriã.

- Então, você vende anões de jardim. - falei, tentando parecer interessado.

- Ah, sim - disse tia Eme. - E animais. E pessoas. Tudo para o jardim. Sob encomenda. As estátuas são muito populares, sabe.

- Muito movimento nessa estrada?

- Não, nem tanto. Desde que a auto-estrada foi construída... a maioria dos carros já não passa por este caminho. Preciso cuidar bem de cada cliente que recebo.

Senti um formigamento na nuca, como se alguém estivesse me observando. Virei-me, mas era apenas a estátua de uma garotinha segurando uma cesta de Páscoa. Os detalhes eram incríveis, muito melhores que os vistos na maioria das estátuas de jardim. Mas havia algo de errado com seu rosto. Ela parecia assustada, até aterrorizada.

- Ah! - disse tia Eme com tristeza. - Você pode notar que alguma das minhas criações não dão muito certo. Elas são defeituosas. Não vendem. O rosto é a parte mais difícil de sair perfeito. Sempre o rosto.

- Você mesma faz estas estátuas? - perguntei.

- Ah, sim. Já tive duas irmãs para me ajudar no negócio, mas elas faleceram, e a tia Eme ficou sozinha. Só tenho as minhas estátuas. É por isso que as faço, sabe? São minha companhia. - a tristeza na voz dela parecia tão profunda e tão real que não pude deixar de sentir pena.

Annabeth tinha parado de comer. Ela se inclinou e disse:

- Duas irmãs?

- É uma história terrível - disse tia Eme. - Não é para crianças, na verdade. Veja, Annabeth, uma mulher má estava com inveja de mim, muito tempo atrás, quando eu era jovem. Eu tinha um... um namorado, sabe, e essa mulher má estava determinada a nos separar. Ela provocou um acidente terrível. Minhas irmãs ficaram do meu lado. Compartilharam a minha má sorte enquanto foi possível, mas por fim morreram. Elas se esvaíram. Só eu sobrevivi, mas a um preço. E que preço.

Não entendi muito bem o que ela queria dizer, mas senti pena. Minhas pálpebras estavam cada vez mais pesadas, o estômago cheio me deixara sonolento. Coitada da velha senhora. Quem ia querer fazer mal a alguém tão gentil?

- Percy? - Annabeth me sacudia para chamar minha atenção. - Acho que devemos ir. Quer dizer, o mestre-de-cerimônias do circo deve estar esperando.

A voz dela pareceu tensa. Eu não sabia muito bem por quê. Grover estava comendo o papel encerado da bandeja, mas se tia Eme estranhou aquilo, não disse nada.

- Que olhos cinzentos bonitos - disse ela, outra vez para Annabeth. - Ah, mas faz muito tempo que não vejo olhos cinzentos como esses.

Ela estendeu o braço como se fosse acariciar o rosto de Annabeth, mas Annabeth se levantou abruptamente.

- Precisamos mesmo ir.

- Sim! - Grover engoliu o papel toalha encerado e pôs-se de pé. - O mestre-de-cerimônia está esperando! Isso!

Eu não queria ir. Estava satisfeito e contente. Tia Eme era muito gentil. Queria ficar um pouco com ela.

- Por favor, queridos - implorou a tia Eme. - É tão raro eu estar com crianças... Antes de ir, não gostariam de pelo menos de posar para uma foto?

- Uma foto? - perguntou Annabeth com cautela.

- Sim, uma fotografia. Vou usá-la como modelo para um novo conjunto de estátuas. Crianças são muito populares, sabem? Todo mundo ama crianças.

Annabeth se balançou de um pé para o outro.

- Acho que não podemos, senhora. Vamos, Percy...

- Claro que podemos - disse eu. Estava irritado com Annabeth por ser tão mandona, tão mal-educada com uma velha senhora que acabara de nos dar comida de graça. Ela nunca era assim. O que ela estava pensando. - É só uma foto, Annabeth. Qual é o problema?

- Sim, Annabeth - a mulher murmurou. - Não há mal nenhum.

Percebi que Annabeth não tinha gostado, mas deixou que tia Eme nos levasse para fora pela porta da frente, para o jardim de estátuas.

Tia Eme nos conduziu até um banco de jardim perto do sátiro de pedra.

- Agora - disse ela - vou posicionar vocês corretamente. A mocinha no meio, e os dois jovens cavalheiros em cada lado.

- Não há muita luz para uma foto - observei. Confesso que sua extrema doçura estava me deixando alarmado. Para um meio sangue, nada é assim tão fácil.

- Ah, é o suficiente - disse tia Eme. - Suficiente para enxergarmos um ao outro, não é?

- Onde está a sua câmera? - perguntou Grover.

Tia Eme deu um passo atrás, como que para admirar a foto.

- Agora, o rosto é o mais difícil. Vocês podem sorrir para mim, por favor, todo mundo? Um grande sorriso?

Grover deu uma olhada para o sátiro de cimento a seu lado e murmurou:

- Parece mesmo com o tio Ferdinando.

- Grover! - ralhou tia Eme. - Olhe para este lado, querido.

Ela ainda não tinha nenhuma câmera nas mãos.

- Percy... - disse Annabeth.

Algum instinto me advertiu a dar ouvidos a Annabeth, mas eu estava lutando contra a sensação de sono, a agradável moleza induzida pela comida e pela voz da velha senhora.

- Não vai demorar nem um segundo - disse tia Eme. - Sabe, não consigo vê-los muito bem por causa desse maldito véu...

- Percy, alguma coisa está errada - insistiu Annabeth.

- Errada? - disse tia Em, erguendo as mãos para remover o véu em volta da cabeça. - De modo algum, querida. Estou em tão nobre companhia esta noite. O que poderia estar errado?

- Aquele é o tio Ferdinando! - disse Grover, arfando.

- Não olhem para ela! - gritou Annabeth. Num piscar de olhos, ela enfiou o boné dos Yankees na cabeça e desapareceu. Suas mãos invisíveis empurraram Grover e eu para fora do banco.

Eu me vi caído no chão, olhando para as sandálias nos pés de tia Eme.

Pude ouvir Grover correndo para um lado e Annabeth para o outro. Mas eu estava aturdido demais para me mexer.

Então ouvi um som estranho, um chiado, acima de mim. Meus olhos se ergueram para as mãos de tia Eme, que se tornaram enrugadas e cheias de verrugas, com afiadas garras de bronze no lugar das unhas.

Quase olhei mais para o alto, mas em algum lugar à minha esquerda Annabeth gritou:

- Não! Não olhe!

Mais chiados - o som de pequenas serpentes, logo acima de mim, que vinham de... de onde deveria estar a cabeça da tia Eme.

- Corra! - baliu Grover.

Ouvi-o correndo pelos pedregulhos, gritando “Maia!” para dar partida em seus tênis voadores. Eu não conseguia me mexer. Fiquei olhando fixamente para as garras encarquilhadas de tia Eme, e tentei lutar contra o transe entorpecedor em que a velha me pusera.

Não estava entendendo nada. Era muito estranho.

- Que pena ter de destruir um jovem rosto tão bonito - disse-me em tom confortador. - Fique comigo, Percy. Tudo o que tem a fazer é olhar para cima.

Combati o ímpeto de obedecer. Em vez disso, olhei para o lado e vi uma daquelas bolas de vidro que as pessoas põem nos jardins - uma esfera espelhada. Pude ver o reflexo escuro de tia Eme no vidro alaranjado; seu véu se fora, revelando o rosto como um círculo pálido tremeluzente. Os cabelos se mexiam, se contorcendo como serpentes.

Tia Eme.

Tia ―M.

Como pude ser tão estúpido?

Pense, disse a mim mesmo. Como foi que a Medusa morreu no mito?

Mas eu não conseguia pensar. Algo me dizia que a Medusa do mito estava dormindo quando foi atacada por meu xará, Perseu. Agora, não estava nem um pouco sonolenta. Se quisesse, poderia usar aquelas garras ali mesmo e rasgar o meu rosto.

- A dos Olhos Cinzentos fez isso comigo, Percy - disse a Medusa, ela não soava como um monstro. Sua voz me convidava a olhar para cima, a simpatizar com a pobre vovó velhinha. - A mãe de Annabeth, a maldita Atena, transformou a bela mulher que eu era nisto aqui.

Atena. Annabeth.

Era por isso que ela não relaxava. Como sou estúpido!

- Não dê ouvidos a ela! - gritou a voz de Annabeth, de algum lugar entre as estátuas. - Corra, Percy!

- Silêncio! - rosnou a Medusa. Depois sua voz voltou a ser um murmurar tranqüilizante. - Você está vendo por que preciso destruir a menina, Percy. Ela é filha de minha inimiga. Vou esmagar a sua estátua até virar pó. Mas você, querido, você não precisa sofrer.

- Não - murmurei. Tentei fazer minhas pernas se mexerem.

- Você quer mesmo ajudar os deuses? - perguntou a Medusa. - Entende o que o espera nessa missão boba, Percy? O que acontecerá se chegar ao Mundo Inferior? Não seja um peão dos olimpianos, meu querido. Você estará melhor como estátua. Menos dor. Menos dor.

Atrás de mim, ouvi um zumbido, como o de um beija-flor de cem quilos dando um mergulho. Grover gritou:

- Abaixe-se!

Eu me virei, e lá estava ele, Grover, no céu noturno, vindo bem na minha frente, com os tênis voadores batendo as assas, segurando um galho de árvore do tamanho de um bastão de beisebol. Seus olhos estavam fechados com força, a cabeça se agitando de um lado para o outro. Guiava-se só pelos ouvidos e o nariz.

- Abaixe-se! - gritou ele de novo. - Vou pegá-la!

Aquilo por fim me acordou para ação. Conhecendo Grover, tinha certeza de que ele ia errar a Medusa e me acertar. Mergulhei para um lado.

Plaft!

De início pensei que fosse o som de Grover atingindo uma árvore. Então a Medusa rugiu de raiva.

- Seu sátiro miserável - rosnou. - Vou acrescentá-lo à minha coleção!

- Essa foi pelo tio Ferdinando! - gritou Grover de volta.

Saí correndo aos tropeções e me escondi entre as estátuas enquanto Grover mergulhava para mais um ataque.

Pimba!

- Aaargh! - berrou a Medusa, as serpentes do cabelo sibilando e cuspindo.

Bem ao meu lado, a voz de Annabeth disse:

- Percy!

Pulei tão alto que meus pés quase derrubaram um anão de jardim.

- Ai! Não faça isso!

Annabeth tirou o boné dos Yankees e se tornou visível.  Fiquei aliviado de ver o rosto conhecido.

- Você tem de cortar a cabeça dela.

- O quê? Está louca? Vamos dar o fora daqui.

- A Medusa é uma ameaça. Ela é má. Eu mesma a mataria, mas... - Annabeth engoliu em seco, como se estivesse prestes a admitir algo difícil. - Mas você tem a melhor arma. Além disso, nunca vou conseguir chegar perto dela. Ela me faria em pedacinhos por causa da minha mãe. Você... você tem uma chance.

- O quê? Eu não posso...

- Olhe, você quer que ela transforme mais gente inocente em estátua?

Ela apontou para as estátuas de um casal apaixonado, um homem e uma mulher abraçados, transformados em pedra pelo monstro.

Annabeth, agarrou uma esfera espelhada verde de um pedestal próximo.

- Um escudo espelhado seria melhor. - Ela estudou a esfera com ar crítico. - A convexidade causará uma certa distorção. O tamanho do reflexo estará distorcido por uma fator de...

- Quer falar numa língua que eu entenda?

Ela fechou a cara.

- Estou falando! - Ela me jogou a bola de vidro. - Só olhe para a Medusa pelo espelho. Nunca olhe diretamente para ela.

- Ei, gente! - gritou Grover em algum lugar acima de nós. - Acho que ela está inconsciente!

- Grrraaaurrr!

- Talvez não - corrigiu ele. E mergulhou para mais um ataque.

- Depressa - disse Annabeth para mim. - Grover tem um excelente nariz, mas vai acabar caindo.

Peguei minha caneta e tirei a tampa. A lâmina de bronze de Contracorrente se alongou em minha mão.

Segui os sons de silvos e cuspidas do cabelo de Medusa.

Mantive os olhos cravados na esfera espelhada para ver somente o reflexo do monstro, e não a coisa real. Então, no vidro tingido de verde, eu a enxerguei.

Grover vinha descendo para mais um assalto com o bastão, mas dessa vez voou um pouco baixo demais. A Medusa agarrou o bastão e o desviou do curso. Ele deu uma cambalhota no ar e tombou nos braços de um urso-pardo de pedra com um dolorido “Uummmpff”.

A Medusa estava a ponto de pular em cima dele quando eu gritei:

- Ei!

Avancei na direção dela, o que não foi fácil, segurando uma espada e uma bola de vidro. Se a Medusa atacasse, seria difícil me defender.

Mas ela deixou que eu me aproximasse - seis metros, três metros.

Agora era possível para ver o reflexo do seu rosto. Certamente não era assim tão feio. As curvas verdes da bola espelhada deviam estar distorcendo a imagem, tornando-a ainda pior.

- Você não machucaria uma velhinha, Percy - sussurrou ela. - Sei que não faria isso.

Hesitei, fascinado pelo rosto que vi refletido no vidro - os olhos que pareciam arder refletidos no tom esverdeado, fazendo meus braços fraquejarem.

De cima do urso-pardo de cimento, Grover gemeu:

- Percy, não lhe dê ouvidos!

A Medusa gargalhou.

- Tarde demais.

Ela se lançou até mim com suas garras.

Dei um golpe com a espada, ouvi um plof! nauseante, e então um chiado como o de vento escapando de uma caverna - o som de um monstro se desintegrando.

Algo caiu no chão ao lado do meu pé. Precisei reunir toda a minha força de vontade para não olhar. Pude sentir uma secreção morna empapando minhas meias e pequenas serpentes agonizantes puxando os cadarços dos meus sapatos.

- Ah, eca! - disse Grover. Seus olhos ainda estavam bem fechados, mas imagino que conseguisse ouvir aquilo gorgolejando e fumegando. – Megaeca.

- Percy... – ouvi Annabeth vir em minha direção e me dar um abraço. Nem preciso dizer o quanto ficamos vermelhos não é?

- O que vamos fazer? – Grover perguntou.

- Qualquer coisa menos tirar fotos. – falei.

- E... “Só uma foto, Annabeth. Qual é o problema?” – Annabeth me imitou.

- Hey! Não é minha culpa!

- Ata. Vai sonhando, turtle. (N/A: turtle significa tartaruga em inglês)

Ela pegou uma caixa grande no chão e colocou a medusa dentro.

- É melhor levarmos.

- Não.

Peguei a caixa da mão dela e escrevi um endereço.  Joguei uma dacma e ela desapareceu junto a caixa.

- Pro onde você mandou?

- Presentinho pro meu padrasto.

- PERCY!! VOCE NÃO PODE!! – Os dois gritaram juntos.

- Posso. Se ele não tivesse casado com a minha mãe ela não estaria morta. Se ele não tivesse casado com ela...

- Você já teria morrido sem o cheiro dele. – Grover falou.

- AH! Vamos logo embora!

Voltamos a andar até achar uma cidadela com uma estação de trem.

Pegamos o trem sem falar nada. Fiquei no vagão longe dos dois, pensando em minha mãe e se realmente fiz a coisa certa.

“Só quero que ela seja feliz”

Foi meu último pensamento antes do sono me dominar.


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Notas finais do capítulo

E aí gostaram?!

POR FAVOR NÃO NOS ABANDONEEM! =/

reviews, críticas, sugestões, eloguos e, é claro, recomendações são muito bem vindas!
Para quem quiser ler a fic que a Kat está escrevendo, o link está aqui, é sobre PJ também mas nessa eu só sou a beta ok?

http://www.fanfiction.com.br/historia/151698/Vizinhos_Em_Guerra

beijos!

Mille e Kat!