Get Back escrita por Anna Peixoto, Anah


Capítulo 4
Whispers in The Dark




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Após uma noite um tanto perturbadora, Bruno e Philipe estavam no quarto do mais jovem. Bruno havia consumido drogas aquela noite e agora sofria com o vazio e o mal-estar da abstinência. Sabia que estava voltando à gravidade de seu primeiro ano em São Paulo, que Ana e Claire lutaram para que ele largasse. Ele estava com dor de cabeça, enjoado, trêmulo e confuso. O namorado parecia exausto, um pouco abalado.

Deitado melancolicamente em sua cama, recobrando um pouco da consciência que lhe faltava toda vez que se aventurava nas noitadas, Bruno observava vagamente a cidade de São Paulo de sua janela. Não conseguia ver muita coisa, somente uma parte de uma importante avenida no centro da cidade. Philipe o encarou no escuro, assentado na beirada da cama perto da janela, enquanto o moreno somente olhava vagamente o luar pálido. Philipe acariciou seu rosto.

- Está se sentindo melhor? – murmurou Philipe.

- Acho que sim. – sussurrou ele em resposta.

Philipe se deitou ao seu lado, olhando seus olhos, virados um para o outro. Ele se aproximou e beijou-o longamente. Bruno estava muito mal e por mais que quisesse parar, não fez isso para não magoá-lo. Porém ele começou a se preocupar quando ele insinuou a levantar sua blusa.

- Philipe, pare, tudo bem? – pediu Bruno.

- Por favor. – sussurrou ele ao seu ouvido.

Na verdade Bruno não queria, contudo vinha negando-o aquilo tinha dias. Eles se beijaram novamente, mas daquela vez, ele virou o rosto. Quando ele fez aquilo, Philipe deu um suspiro. Ficaram alguns minutos no silêncio da noite. Então o mais velho insistiu novamente em beijá-lo. Bruno sentia os lábios dele contra os seus e via que aquilo não tinha o menor sentido. Philipe não estava respeitando-o. Bruno sentiu-o agarrando seu braço.

- Philipe, eu não quero! – explicou ele.

Apesar disso, eles voltaram a se beijar. Ele começou a se sentir culpado por estar deixando-o fazer aquilo. E ao mesmo tempo, ele era seu namorado e eles se amavam. E ele já tinha perdido tudo, não queria perdê-lo. E ele insistia em beijá-lo. Em pouco tempo, eles já estavam deitados um sobre o outro, com Philipe beijando-o no pescoço. Ele se levantou e tirou a camisa. Bruno encarou aqueles olhos azuis na noite, mais uma vez tão próximos dele. Não poderia fazer aquilo.

- Pare, Philipe.

Ele tentou se levantar, mas o namorado não deixou. Na verdade, ele agarrou seus cabelos e forçou-o mais um beijo. Bruno tentou empurrá-lo, mas não conseguiu livrar dele. Ele estava fraco, confuso. Ele era seu namorado e o amava, ao mesmo tempo estava forçando-o a fazer aquilo.

- Pára! – pediu Bruno – Philipe, por favor... eu não quero.

- Eu te amo, faça isso por mim. Você não quer me perder, quer?

- Não. Por favor, não vai embora. – choramingou ele.

Então Bruno simplesmente deixou-se levar. Nunca fez algo tão forçado. Como estava mal, não conseguiu se livrar de nada. Quando acabaram, ele virou-se de costas para Philipe, que dormia virado para o outro lado. Ele suspirou, sentindo-se anormalmente frágil. Philipe nunca fizera aquilo. Sentiu lágrimas em seu rosto.

Acordou às seis da manhã no dia seguinte, horário com o qual se acostumara para ir ao cursinho com Ana e Claire. Ele tinha raiva de acordar àquela hora, no entanto, após algum tempo se recuperando da sonolência, levantou-se e ficou assentado à beira da cama. Ele olhou para Philipe de relance e com certo nojo lembrou-se da noite anterior. Bruno levantou-se, ainda meio tonto, mas conseguiu ir para o banheiro.

Quase uma hora e meia mais tarde, Philipe despertou. Ele piscou algumas vezes, passou a mão no rosto e olhou para o lado bocejando, esperando encontrar Bruno. Ele franziu a testa e chamou-o. Ele não costumava sair sem acordá-lo e, pior do que isso, era domingo e ele não teria que estudar. Não houve resposta. O banheiro da suíte estava desocupado e como de praxe, Philipe tomou um banho e se trocou. Ele saiu do quarto enxugando os cabelos rebeldes e procurando pelo namorado.

- Ah, aí está você. – sorriu Philipe ao chegar a cozinha.

Ele estava com uma xícara de café puro entre as mãos, de olhos baixos. Olhos esses que estavam avermelhados e um pouco inchados. Bruno não o olhou, nem respondeu nada. Philipe desfez o sorriso do rosto e percebeu que ele apertava nervosamente a alça da xícara.

- O que houve?

- Eu te pergunto o que houve. – respondeu Bruno friamente.

Então se encararam. A boca de Bruno estava seca, ao contrário de seus olhos manejados. Philipe riu, não entendendo ou fingindo que não entendia. Aquilo irritou o mais jovem, tanto quanto o intimidou. Ainda não conseguia entender o que acontecera em seu quarto há algumas horas.

A verdade era que sua vida estava confusa desde que não passara no vestibular. Tinha voltado a usar drogas tanto quando usou quando chegou a São Paulo, estava sentindo-se avassaladoramente frustrado por não estar na faculdade assim como todos os seus colegas de classe, logo Claire mergulharia em um curso dificílimo e Ana se mudaria para Curitiba. Seu fracasso para ingressar na USP o fez lembrar a família que nunca acreditou nele. E agora, quando estava precisando ser compreendido e cuidado por Philipe, ele praticamente forçou-o a passar a noite com ele.

- Eu não entendi. – replicou Philipe.

- Por que fez aquilo? Eu não queria passar a noite com você, pedi que parasse.

- Você está brincando? – exasperou-se o outro. – Você é meu namorado!

- E daí, eu não queria! Você se aproveitou de mim.

- Você está drogado.

- Ei! – chamou-o Bruno de volta, quando ele deu-lhe as costas – Eu sabia o que estava acontecendo!

Bruno demorou-se na cadeira. O fato de Philipe tê-lo deixado poderia significar duas coisas: ele não estava entendendo ou o ignorou justamente afirmando o que fizera a ele. A questão era que por mais que se esforçasse para acreditar na primeira teoria, seu braço estava levemente dolorido pelo modo grosseiro que ele o agarrou. Bruno levantou-se da cadeira, dando um empurrão na mesa e indo para a sala. Philipe havia se agachado para ver alguns CDs da coleção de Bruno, que ficavam em um armário com um porta-CDs embutido.

- Olhe para mim! – gritou ele nervoso para o namorado. – Eu preciso da sua ajuda e é assim que você está encarando a situação?! Que tipo de pessoa você é, eu pensei que te conhecia! Por que fez aquilo?

- Fiz o quê?! Eu não te estuprei – ele soltou um risinho nervoso.

Por alguma razão aquilo atingiu-o como um baque e imediatamente sentiu lágrimas queimando a pele.

- Você é meu namorado! – ele falou indignado e com a voz falhando – Não seja ridículo, Bruno!

- Você deveria me ajudar, não se aproveitar da minha fragilidade! Meu Deus, como você fez isso?! Eu confio em você e te amo! – gritou ele, quase berrando. – Tem quanto tempo que finge para mim ou há quanto tempo está esperando por uma oportunidade como essa?

Ele fez uma pausa, deixando Philipe assimilar a situação, mas ele não o olhava diretamente. Bruno poderia estar conversando civilizadamente com ele, mas estava em pânico. Claire e Ana iam se distanciar e Philipe traiu sua confiança. Seria atirado novamente ao desprezo e a indiferença.

- Saia daqui. Eu na confio mais em você, acabou.

As palavras saíram de sua boca, mas outra pessoa parecia ter dito aquilo. Ele ainda teria Claire, que estudaria na PUC. Na verdade, ele quis dizer que teriam que dar um tempo após aquela confusão. "Acabou" não passava de uma hipérbole. Seu coração estava magoado demais com Philipe. Os olhos azuis voltaram-se para ele numa velocidade impressionante.

- Você não pode fazer isso. – sussurrou ele. – Precisa de mim.

- Não preciso de alguém que me desrespeite, saia da minha casa. Estou falando sério com você, Philipe! – ele permaneceu imóvel no lugar. – Isso aqui é a minha casa, eu não vou permitir desrespeito, não olhe para mim desse jeito!

- Você precisa de mim. – repetiu o mais velho, em tom baixo, mas visivelmente irritado. – Na verdade, você precisa de mim para tudo! Você não agüenta um dia sem mim! Acabei de cuidar de você e é dessa forma que você agradece? Nossa, realmente interessante notar sua capacidade de ignorar o que sinto por você por causa de uma noite!

- Por causa de uma noite, você estragou tudo entre nós! Onde está escrito que eu devo ceder a tudo o que você quer?! Nós somos um casal, mas duas pessoas diferentes!

Seus lindos e perfeitos olhos azuis faiscaram de raiva. Philipe se ergueu e como era significativamente mais alto que Bruno, este vacilou com um passo atrás. Nunca tinha o visto agir dessa maneira. O que estava acontecendo, onde ele tinha perdido o namorado que ele tinha há alguns dias?

- Eu amo você. – sussurrou Philipe.

- Eu não posso amar você mais. Você é um canalha!

Por alguma razão, tudo aconteceu tão rápido, que a única coisa que Bruno se deu conta depois de ter dito aquelas palavras foi que estava caído no chão e com o lábio ensangüentado. Sua cabeça girava e num rápido fechar dos olhos, tentando se conter para não chorar, uma similar sensação de desprezo jorrou em seu peito. Ele conhecia aquela dor. Muito menos física do que psicológica, o mesmo modo agressivo que seu pai usara com ele em algum dia no Rio de Janeiro.

- Não diga isso de novo! – ofegou Philipe.

- CRETINO, SAIA DAQUI! SAI DA MINHA FRENTE! – rugiu ele, às lágrimas. – SAIA DAQUI!

Vacilando, Bruno tentou se reerguer pateticamente, engolindo soluços sentidos. Estava perdendo Philipe também e ele não queria que aquilo acontecesse, definitivamente estaria perdido no mundo. Philipe avançou sobre ele novamente, dessa vez agarrou a gola de sua camisa e o ergueu até que ele se levantasse.

- Eu sou seu namorado, não fiz merda nenhuma com você! Seja sensato, se você tivesse motivos o suficiente para abrir a boca, em quem acha que eles vão acreditar, em mim ou em você?

- Me solte, Philipe, por favor! TIRE A MÃO DE MIM!

Neste instante, a porta da sala se escancarou. Ana e Claire se depararam com aquela cena terrível: o amigo parecia apavorado. Ana arrancou um berro do fundo dos pulmões, mandando Philipe soltá-lo imediatamente. Obedecendo ao comando, o mais velho de todos ali presentes empurrou o namorado grosseiramente contra o chão de tábuas corridas novamente.

- WHAT THE FUCK ARE YOU DOING? – berrou Claire para o primo.

- Saia daqui! – bradou Bruno pela enésima vez, meio sem fôlego, ainda aos prantos.

- Não acaba assim! – arfou ele.

- Pare com isso! – Ana tornou a berrar, dessa vez com a voz falhando no final, em choque com a atitude dele.

Claire arrastou o primo para fora da sala, agarrando sua jaqueta e logo depois ela bateu a porta da frente em um estrondo ensurdecedor. Rapidamente, Ana trancou a porta e se afastou dela, um tanto receosa. Claire e Philipe brigavam em inglês do outro lado. Ela sentia o coração acelerado, a boca seca e as mãos suadas, um suor frio. Ela tremia levemente, aterrorizada com o que Philipe acabara de fazer. Após breves segundos observando a superfície lisa e amarronzada da porta e ouvir os gritos de Philipe e Claire sumindo escadaria abaixo, ela se virou para Bruno. Instintivamente, ela se aproximou e ofereceu uma mão para que ele se levantasse.

- Vem, vou preparar alguma coisa para você tomar para acalmar os nervos e você me conta do que houve, tudo bem?

Ele acenou afirmativamente com a cabeça e levantou-se com a ajuda dela, limpando o rosto, um pouco envergonhado por causa de suas lágrimas. Ana quase nunca o via chorando, porém desde o dia em que os resultados do vestibular foram divulgados, aquilo se tornou uma constante. Fosse por esta frustração ou por causa das lembranças do passado que vieram à tona ou até mesmo pela saudade precoce. Estava sendo um tanto difícil ter que lidar com tudo ao mesmo tempo. Ele temia tanto quanto ela quando se assentou novamente à mesa da cozinha.

- O que houve com vocês? Estão juntos há um ano e meio e isso nunca aconteceu antes. Vocês pareciam felizes ontem ao se despedirem de nós. – ela assumiu um tom maternal e apertou a mão dele, pois ele ainda estava tão atônito que não sabia o que fazer.

- Eu não sei o que houve para ser sincero. – sussurrou ele após um minuto de silêncio.

- O que ele fez com você?

Bruno fechou os olhos, pensando como explicar aquilo. Ele nem sabia se deveria dizer.

- Eu não queria passar a noite com ele. Mas ele me fez passar.

- Ele te forçou? – a voz de Ana saiu repleta de indignação.

- Praticamente. – confirmou ele.Bruno levantou um olhar lacrimoso para ela.

De certa forma, ele se sentia muito mal por aquilo ter acontecido. Como lidaria com o fato de que Philipe não era mais confiável, exatamente no momento em que sua presença seria indispensável, para qual fosse o novo rumo de sua vida? As coisas já não estavam indo bem com sua relação entre ele e as meninas. E agora, o que seria dele? Era invadido por uma fobia ao se imaginar sozinho novamente. Ana retribuiu seu olhar de modo acolhedor, com o mesmo pensamento em mente.

- A distância não importa.

- Para mim importa. – resmungou ele.

- Claire vai estar aqui com você. Ela pode não ter papas na língua, mas é uma pessoa de boa índole. Ela vai ficar do seu lado, você sabe disso. Ela não vai ficar do lado de Philipe quando souber do que ele fez com você. Nunca pensei que ele fosse capaz de fazer algo assim.

- Por que ele mentiu para mim por tanto tempo? – murmurou Bruno. – Nós sempre estávamos nos divertindo, saindo juntos, nos amando. Temos histórias tão parecidas. No fundo eu pensei que ele realmente gostasse de mim, não que fosse o cafajeste que dormiu comigo hoje. Por tantas vezes ele me deu as palavras que eu precisei. Mas quando estou no buraco novamente, a única coisa que ele quis foi continuar nossas vidas como se nada estivesse dando errado. Tudo bem, ele tem os direitos dele de namorado. Contudo se alguém te ama ela te respeita acima de tudo, não é?

- Sim, é verdade.

Bruno parou uns instantes e depois enviesou um sorriso e disse:- Ele agiu exatamente como meus pais.

- Tudo bem, vamos parar de falar disso e prepara um café pra nós. – Ana o repreendeu sem muita paciência.

Claire bateu a porta às suas costas e voltou os olhos claros para o rosto de Philipe, que ainda estava visivelmente nervoso com o ocorrido.

- O que você pensa que está fazendo?! – indignou-se Claire em inglês para ele.

- Foi bem merecido! – cuspiu ele, possesso de raiva, no mesmo idioma.

- Não seja estúpido, você arrebentou o rosto dele! Ignorante, grosso, idiota, eu não acredito que você fez isso com ele! Ele é louco com você, ele te ama!

Ele deu uma risada macabra:

- Não foi o que ele acaba de me dizer!

- Ah, então vocês brigaram e o senhor garanhão se sentiu no direito de quase espancá-lo?! – gritou Claire para ele.

Os primos foram interrompidos pelo olhar curioso de um de seus vizinhos. A garota e seu primo desciam as escadas, ainda brigando. Claire perguntou-o:

- O que ele fez com você?

- Nós tivemos uma briga. Ele é um idiota, disse que não me amava mais!

- Mas, raios, por que vocês brigaram?

Silêncio. Claire definitivamente não gostou daquilo. Como haviam sido criados como irmãos, ela sempre sabia que a falta de respostas era a mesma coisa de admitir algo terrivelmente errado. Eles desceram para a calçada. Claire olhou para os lados e espiou a janela do quinto andar para ver se não estavam sendo observados.

- Escute bem: você pode ser meu primo, mas ele é meu melhor amigo. Ele está ficando doente, porque não passou naquela merda de vestibular. Todos os fantasmas do passado dele estão voltado a assombrá-lo e a Ana vai embora na semana que vem. Se você não for ajudá-lo, fique longe dele. Ele não precisa de outro imbecil igual ao pai dele para ficar brincando com a cabeça confusa dele. Eu estou falando sério, eu nunca falei tão sério com você em toda a minha vida.

- Até parece que você faria algo contra mim. – disse ele sarcástico.

- Você não tem idéia do que eu sou capaz de fazer por qualquer um dos dois. – disse Claire se referindo a Ana e Bruno. – Pode me testar algum dia, se tiver coragem. Eu vou lutar até o final.

Philipe e ela se encararam por algum tempo, até ele resolver deixá-la na porta do prédio. Claire viu o carro caro que seus tios enviaram a ele desaparecendo no fim da rua. Ela engoliu em seco. Philipe certamente estava alterado, entretanto ela não sabia exatamente o que estava passando pela cabeça dele. E, de certa forma, não gostaria de saber.


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