Rima bocejou, pela enésima vez naquela noite. Atirou-se na cama, de bruços, ao lado de Nadeshiko, que estava sentada olhando para a parede. Depois do que aconteceu mais cedo, no horário da saída, ela havia entrado em estado catatônico.

— Eu... eu fui... por um cara... - balbuciava às vezes, sem produzir som.

Rima fitou o olhar parado de Nadeshiko por alguns instantes, com a cabeça apoiada nos cotovelos, e resolveu fazer alguma coisa. Não estava mais aguentando vê-la balançar a cabeça em negação a cada 20 minutos.

—O que você vai fazer, Nadeshiko? Vai aceitar a declaração?

— Claro que não!  - Nadeshiko bradou, ofendida, demonstrando ouvir Rima pela primeira vez.

— E por que não? Você nem sabe quem é! Pra ser capaz de mandar uma carta de amor nos dias de hoje só pode ser um cara legal!

— M-mas... eu... isso.... - Nadeshiko procurava uma maneira de argumentar e rebater a afirmação de Rima, sem deixá-la desconfiada.

— Mas não custa nada ir até o telhado na hora do almoço amanhã, como pede a carta – Rima disse, impassível – só pra ver quem é!

— Mas eu não quero nem saber quem é esse... esse... argh!

— Então você já tem alguém que gosta? - Rima indagou repentinamente, sentando na cama, interessada.

— Q-que bobagem, é c-claro que n-não! - Nadeshiko desviou-se, corando subitamente.

— Vamos! - Rima aproximou-se, animadamente ameaçadora – Me conta quem é! Como ele é!

— Aanh... eu não sei do que você está falando... – tentou disfarçar, olhando para o lado desconfortável, enquanto Rima vinha cada vez mais para perto.

— Claro que sabe, conta logo qual é o motivo de você não aceitar essa declaração. Se não for por causa de outra pessoa, eu não consigo imaginar por que seja.

Nadeshiko deitou para trás, suspirando. Por que Rima tinha que ser tão insistente?

— C-certo, talvez t-tenha alguém... – disse, dando-se por vencida.

— Mesmo? – Rima inclinou-se na direção dela, com os olhos brilhando de expectativa – Eu conheço?

— Não! Aaanh... eu...

— E como ele é?

— Ah... é muito... bonitinho, e fofo... – Nadeshiko começou a falar, mais para si mesma, olhando para o dossel da cama sem conseguir controlar sua fala – ...o tipo que faz todos querem protegê-lo. Não é alguém que consiga expor seus sentimentos, ou ser honesto consigo mesmo, e tem muito medo de não ser valorizado... Mas também é capaz de irritar até mesmo um monge budista, é teimoso, metido e gosta de receber atenção... Eu diria que é praticamente um Pikachu, fofinho, mas dá choque! – ela completou, lamentando a própria metáfora infame.

— Parece alguém difícil de conviver – Rima disse, mostrando a língua –... por que você gosta dele?

— É uma ótima pergunta... – Nadeshiko murmurou, entre dentes.

— Então você não pode aceitar essa outra declaração... como vai recusá-la?

— Eu não faço a menor idéia.

— Espere um pouco! – Rima disse, levantando-se e indo em direção ao celular. Discou números rapidamente, falando em tom de quem tenta convencer alguém a fazer o que não quer. Poucos minutos depois desligou, com o semblante radiante – Eu já sei quem mandou a carta para você!

— Como? – Nadeshiko perguntou retoricamente, atônita.

— Liguei para a Amu. Ela me contou!

— E quem é?

— Háa, você ta curiosa, não é? Eu sabia! – Rima riu sarcástica.

— Fala duma vez... – suspirou impaciente, sentando na cama.

— Ho-to-ri Ta-da-se – Rima cantarolou cada sílaba, numa entonação de suspense.

Nadeshiko expirou, derrotada. Ele parecia do tipo bem sensível, e a última coisa que ela queria era o peso de um coração partido nas suas costas. Já tinha seus próprios problemas para lidar. Como faria para dispensar o garoto sem ferir seus sentimentos?

— Já sabe como vai fazer para negar a confissão dele?

— Me dê um minuto para pensar – Nadeshiko levantou-se, andando pelo quarto com a mão no queixo, uma ruguinha surgindo entre as sobrancelhas, e um ar de profundo pensamento em volta de si.

-

Nadeshiko andou pelo corredor, com passos precisos e a cabeça erguida. Seu semblante estava notadamente diferente. Não era mais a dama perfeita desfilando pela escola, era o agente especial em uma missão de suma importância. Yaya vinha ao seu encalço, não conseguindo conter a excitação por estar participando de um plano. Um plano que, cuidadosamente estudado por todas no meio da noite, era bastante simples, na verdade. Não envolvia planejamento intenso ou estratégias de guerra. Basicamente, era fazer com que Tadase se ocupasse com outra garota e não encontrasse com Nadeshiko no telhado no horário do almoço. Nada muito complexo, mas que exigiu bastante da paciência inesgotável de Nadeshiko, ao tentar fazer todas colaborarem.

Parou ao lado de Rima, que esperava parada na janela, em uma posição que sugeria que ambas estavam somente falando da vida alheia durante o intervalo entre as aulas, como as outras colegiais. Yaya foi até o outro lado do corredor, ajoelhada como se fosse atar os tênis (embora ela estivesse usando sapatilhas internas). Nadeshiko mexeu levemente o pé, e a luz incidiu sobre o fio transparente amarrado no seu tornozelo, que atravessava até onde estava Yaya.

Alguns segundos depois Amu surgiu no corredor, trazendo uma figura muito confusa e perdida.

— O professor deve estar esperando por você lá na sala, Tadase-kun – ela disse, parando no início do corredor - vá até lá e nos falamos depois - completou, deixando Tadase sozinho e sem entender.

— Agora, Rima – Nadeshiko sussurrou imperceptivelmente.

— Eeei! – ela acenou com os braços, para uma garota que estava parada do outro lado. Ela tinha longos e bagunçados cabelos negros, que iam até o meio das costas, e olhos azuis, brilhantes e ferozes – Yamisaki-san, venha até aqui, por favor?

A garota olhou para Rima, com seus olhos enormes transbordando indiferença, e começou a caminhar, lentamente. Ao mesmo tempo, quase como se fosse cronometrado, Tadase começou a andar, na direção que Amu havia apontado.

Nadeshiko assistia a cena em câmera lenta, com um sorriso prepotente no rosto. Estava saindo exatamente como havia planejado.

Tadase deu mais um passo em direção ao seu destino consumado. Nadeshiko fez um pequeno gesto com a cabeça, e Yaya puxou o fio, tão fino que era impossível notá-lo. O loiro enrolou o pé no fio, como havia sido previsto, e foi em direção ao chão. Ou melhor, na direção de Yamisaki-san, que atravessava o corredor no mesmo instante.

Os dois caíram no chão, com Tadase por cima, em uma posição incrivelmente constrangedora e sugestiva. Ambos atingiram a cor escarlate ao mesmo tempo, em um recorde de centésimos. Tadase levantou-se rapidamente, recompondo-se e estendendo a mão para a garota, que pôs-se de pé sozinha, ajeitou a saia, e desferiu um sonoro tapa no rosto ainda corado de Tadase, saindo pelo outro lado do corredor resmungando. O garoto ficou atônito, com o queixo caído e a mão na bochecha, piscando a cada segundo.

Nadeshiko e as garotas saíram, todas juntas, sem esboçar reação. Passaram por Amu, que esperava escorada na parede ao lado do bebedouro, fazendo um pequeno sinal com a mão.

Amu afastou-se, e mesmo estando em outro corredor, todas puderam ouvir muito bem a voz dela.

— Você deveria pedir desculpas!

Missão Completa.