Shiroi Tsubasa escrita por Shiroyuki


Capítulo 22
Capítulo XXII




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/136935/chapter/22

A lua não havia aparecido àquela noite, encoberta por espessas nuvens que cobriam o céu com uniformidade, impedindo a aparição das centenas de estrelas que com certeza poderiam despontar brilhantemente naquele lugar, afastado das ofuscantes luzes de neon de Tokio. Iluminada pela parca luz azul, uma figura se encolhia, na varanda de um dos quartos do Hotel Homura, quase imperceptível no canto da porta que dava acesso para o lado de fora.

— Rima-chan... você não quer tomar um banho? – Nadeshiko indagou com voz suave, aproximando-se da pequena bolinha que era a garota naquele momento. Rima tinha razão quanto ao comentário que fizera ao chegar naquele lugar. Ela realmente combinava com aquela atmosfera, de diversas formas. Agora, usando a yukata azul marinho de hóspede, que caia perfeitamente em seu corpo magro, sem deixar evidenciar nenhuma curva inexistente, ela parecia ainda mais perfeita, quase irreal. Era difícil, vendo-a refletindo a noite, com aquelas feições serenas e livres de qualquer alteração, supor de que na verdade, tratava-se de um garoto por trás daquele sorriso e daquelas vestes. Ainda assim, a loira conseguia ouvir, ao fundo daquela voz calma e feminina, a nota de preocupação do garoto que amava, e seu coração se agitou com isso, apenas para doer ainda mais depois, em face da realidade dos fatos.

— Eu não quero, Nadeshiko. Não quero nada. – Rima murmurou inexpressivamente, sem sequer olhar para ela. Afundou ainda mais o rosto nos braços que abraçavam os joelhos, e dessa forma, conseguiu ficar inacreditavelmente menor. Seus ombros pequenos tremiam sem parar e Nadeshiko pode ouvir um ínfimo soluçar vindo dela.

Suspirou, sabendo bem o motivo daquele comportamento, e calmamente, sentou ao seu lado, sobre os joelhos, como uma distinta dama. Entendia que Rima deveria estar se sentindo traída, ferida, revoltada, triste... tudo ao mesmo tempo. E, intimamente, estava fervendo de raiva, om vontade de dizer algumas verdades ao pai dela, e de  ir até o quarto daquele quatro-olhos e quebrar tudo – incluindo o quatro-olhos. Mas de nada adiantava a sua fúria. Não resolveria seus problemas, pelo contrário, apenas complicaria ainda mais a vida de Rima. Soltando o ar mais uma vez, Nadeshiko mudou de posição. Esticou as pernas para frente, abrindo-as displicentemente, ao mesmo tempo que que relaxava a abertura do yukata, deixando mais um pouco de pele a mostra, e soltava os cabelos com um movimento polido, deixando de lado a fita vermelha. Em menos de um segundo, Nagihiko surgiu, como um passe de mágica.

— Vai ficar tudo bem, meu amor – ele disse, mudando o timbre, e Rima sobressaltou ao ouvir a voz masculina tão perto depois dos segundos de silêncio. Não teve tempo de responder, pois logo foi circundada pelos braços gentis do garoto, que a trouxe para mais perto com facilidade, aconchegando-a em seu peito – Eu não vou deixar nada disso acontecer com você, está bem?

— M-mas... o meu pai... ele quer que eu... que eu... – Rima balbuciou indistinta, afundando o rosto no peito do garoto.

— Mashiro-sama não pode obrigá-la a fazer nada. Pra começar, você tem apenas 15 anos! E ele não pode fazer você se casar com alguém apenas por que é da sua vontade. A sua opinião tem que ser levada em conta! Você não é um dos carros importados dele, que ele pode estacionar onde quer, não mesmo! Eu não vou deixar isso acontecer.

— Mesmo? – ela murmurou com voz fraca e curiosa – Mas... o meu pai... ele não vai mais gostar de mim se eu... se eu... – ela hesitou, apertando o tecido do yukata com os dedos frágeis, e Nagihiko sentiu o corpo pequeno dela tremer contra o seu. Num rompante, ele entendeu a dúvida dela. Ela não estava preocupada somente com o casamento arranjado, mas também com a opinião do pai. Nagihiko conhecia o relacionamento frágil do Sr. Mashiro e sua filha, e sabia o quanto ela necessitava do carinho de um pai. E, definitivamente, Nagihiko não iria interferir nisso. Ele não tinha o direito de fazer Rima escolher entre o pai e ele, com toda a certeza, e ele não o faria.

— Não há como ele não gostar de você Rima-chan. Ele é seu pai – ele tentou tranquilizar a menina, afundando o rosto nos cabelos ondulados dela – e você é adorável. Ficou muito bem nesse yukata, sabia? – arriscou, querendo mudar de assunto.

— Fiquei? – ela replicou, insegura, afastando-se minimamente para deixar o kimono cor-de-rosa decorado com flores de pessegueiro aparecer.

— Sim, com certeza, está linda – disse à Rima, que corou e sorriu com o elogio, e Nagihiko se sentiu aliviado por ter conseguido arrancar um sorriso dela – Eu pensei que os kimonos do hotel não iam servir em você... – Nagihiko deixou escapar, e tarde demais, viu o sorriso de Rima desmanchar.

— Esse é o infantil… – ela bufou, virando o rosto, e Nagihiko riu.

— Isso só faz você parecer ainda mais fofa, na minha humilde opinião – ele sussurrou, inclinando-se na direção da pequena loira, virando o rosto dela na sua direção, com um toque gentil. Ela tentou desviar o olhar, mas na mesma hora em que viu aqueles olhos de ouro derretido focados inteiramente nela, perdeu-se neles. Era impossível não se perder.

Nagihiko abraçou Rima pela cintura, e sem pedir permissão, invadiu os lábios dela, em um beijo urgente, ávido e necessário. Rima sentiu suas pernas fraquejarem, e se não estivesse de joelhos, desabaria ali mesmo. Com muito esforço, ela conseguiu enlaçar os braços no pescoço do garoto, e assim manteve-se erguida, enquanto sentia Nagihiko trazendo-a ainda mais perto de si, com anseio. Ele transmitia, através do toque, todos os seus temores. Não queria afastar-se de Rima. Não queria perde-la. E não permitiria, de forma alguma, que isso acontecesse.

——————————————————————————————————————————

Tadase parou em frente ao portão da mansão, e cerrando os punhos, engoliu em seco. O ar da noite o fez tremer, de frio e de adrenalina para o que estava prestes a fazer. Era a terceira vez que parava naquele mesmo lugar, com o mesmo objetivo e a mesma convicção. Porém, dessa vez, seria diferente. Nas duas primeiras, ele foi ponderado, e pediu educadamente por informações. Tudo o que fizeram foi mentir a ele, e dizer que Hitomi tinha viajado para fora do país. Pois, segundo Tadase, era óbvio que se tratava de uma mentira. Quando ele passou pela casa durante o dia, viu claramente Rocambole, Pudim e Onigiri nos jardins, e ele tinha certeza de que Hitomi jamais se ausentaria por tanto tempo sem leva-los junto com ela.

Mas agora, ele ia mudar sua maneira de agir. Seguindo os conselhos de Ikuto, ele ia tomar uma atitude drástica, que nada tinha a ver com sua forma usual de se portar, mas não havia espaços para arrependimentos. Repentinamente, Tadase se lembrou da conversa que teve com seu Onii-chan, horas antes.

Era fim da tarde de um fim de semana, e Tadase, que havia se recuperado, parcialmente, do episódio traumático do drama do primeiro amor, estava no Café de Ikuto. Sentado no balcão, com uma generosa caneca de chocolate quente a sua frente, ele terminava de narrar sua mais recente aventura, que envolvia ocultamento de cadáver, tentativa de homicídio e brownies. Enfim, era a vida agitada de um jovem cidadão japonês.

— ... e então, depois que nós terminamos o chá, o mordomo da Mashiro-san voltou e disse que a governanta estava bem, embora continuasse a dizer coisas desconexas sobre uma suposta drag queen que queria se aproveitar da inocência da princesa Mashiro... enfim, ela deve ter batido a cabeça com muita força... – Tadase riu fracamente, incerto sobre o quanto Ikuto sabia daquela história.

— Quantas emoções, não é? Quem diria que colegiais pudessem ser tão interessantes assim – Ikuto comentou despreocupadamente, limpando o balcão no mesmo lugar há mais de 15 minutos – E por falar em agitação e colegiais... como vai a garota que arrebatou o coraçãozinho da inocente donzela Hotori? Já falou com ela?

— B-bem... eu tentei – Tadase tomou um gole do chocolate, hesitante, já acostumado com as provocações do seu “Irmão” – Mas ela não quer me atender, e os seguranças dizem que está viajando... eu não sei o que posso fazer...

— Eu tenho um conselho de irmão mais velho para você, Tadase – Ikuto disse seriamente, segurando Tadase pelo ombro e o encarando fixo, parecendo inesperadamente digno de confiança nesse momento – Seja mau! Ilegal! Errado! Garotas adoram um badboy! Chega dessa vida de pamonha bonzinho, que pede “por favor” e dá dinheiro pra mendigos! Seja homem, Tadase! Ou pelo menos finja ser!

— Ser mau...? – Tadase balbuciou, incerto.

— Sim! Seja como o seu Onii-chan, e você vai se dar bem – ele piscou um olho, apontando para si mesmo – Agora... lembra que eu disse que precisava de alguém para cobrir a folga da Utau? É sua chance de se transformar em um adulto, Tadase! O trabalho edifica o homem! Você vai ficar exalando testosterona se trabalhar duro!

— Vou mesmo?

— Hm... Não, não vai. Certas coisas são impossíveis. Mas vai me ajudar bastante. É o preço dos meus valiosos conselhos. Aceita?

— Etto... eu não estou fazendo nada agora mesmo... – ele respondeu, em dúvida, e Ikuto sorriu satisfeito.

— Aqui está, seu uniforme – ele abriu o sorriso triunfante, e colocou o vestido azul que Utau usava em cima do balcão e Tadase sentiu algo como uma pedra afundar em seu estômago ao ver todos aqueles babados.

Não importando qualquer humilhação passada, o importante era que Tadase estava muito seguro de si agora. Trabalhar no café mais cedo rendeu algum dinheiro, é claro, e considerando as gorjetas generosas que os clientes deram, principalmente as garotas, ele pode comprar um presente formidável para Hitomi.

Respirou fundo, tocando o pequeno pacote que estava seguro no bolso da calça, e relembrando as palavras de Ikuto, ele avançou. Ao invés de seguir pelo portão, fez o caminho inverso, e chegou até o espesso muro de pedra, que era todo circundado por grades altas de ferro puro, e começou a escalá-lo. Não foi uma subida fácil, e qualquer um que visse de fora pensaria que a grade estava levando a melhor, mas depois de muito esforço, e posições nada confortáveis ou dignas, Tadase enfim conseguiu desabar do outro lado, na grama macia.

Encoberto pela vegetação rasteira, Tadase escondeu-se atrás dos arbustos, fazendo o mínimo de ruído que era capaz. Estava indo bem até, apesar do semblante visivelmente assustado, e do fato de estar se imaginando sendo preso por invasão de propriedade antes mesmo de ter idade para tirar a carteira de motorista, quando ouviu um ameaçador rosnado às suas costas.

Paralisou, não ousando nem mesmo respirar, enquanto ouvia passos pesados se aproximando, cada vez mais, e causando um arrepio gelado na espinha do garoto. Tudo o que ele pedia agora era que fosse rápido e indolor, apenas isso. Cerrou os dentes e os olhos, esperando pelo pior, quando algo molhado e quente varreu sua bochecha. Incrédulo, ele abriu os olhos, para então ver o enorme focinho de Pudim, que arfava alegremente com a língua pendendo para um lado, e com o rabo abanando, feliz em vê-lo.

— Pudim! Você se lembra de mim… – ele sussurrou o mais baixo que podia, ciente da presença dos seguranças que circundavam toda a mansão, e afagou a cabeça do pastor alemão, sorrindo para ele – Você sabe onde a Yamisaki-san está, não sabe? Pode dizer para mim? – ele pediu, irracionalmente, e para sua surpresa, o cachorro respondeu com outra lambida, e correu para a lateral da casa, embaixo da única sacada que ainda tinha as luzes acesas, e então latiu na direção do loiro, aparentemente muito animado.

Tadase, ainda encurvado, esperou por uma boa oportunidade, e quando o segurança passou para o lado oposto, correu até onde estava o cão, sentindo desconfortavelmente exposto no pátio sem nenhuma vegetação por perto. Escorou-se na parede, perto de onde havia uma espécie de grade coberta de trepadeiras e foi quando ouviu uma voz alta e masculina vindo do lado de dentro.

— Ah! Então você está escondido aí, não é, seu rato?

O loiro arquejou, em pânico. Havia sido descoberto! E agora? Tentando controlar os nervos, ele inclinou levemente a cabeça, até poder enxergar pela janela do andar térreo. As luzes foram acesas, e então ele pode ver claramente a figura de um homem, de paletó. Tinha cabelos escuros e oleosos, que caiam desleixadamente até o queixo. Apesar de estar sentado em uma mesa de escritório, não se pareciam em nada com algum respeitável empresário nem nada do tipo. Do outro lado da sala, em um dos sofás, um homem ligeiramente mais velho, fumava um charuto. Tadase não podia ver seu rosto, pois estava de costas, mas parecia que a frase anterior não havia sido proferida por ele.

Soltando o ar, aliviado, ele se agachou, mantendo os olhos atentos no que acontecia na sala. Como a janela estava aberta, ele podia também ouvir claramente, mas não se arriscaria a sair dali, correndo o risco de ser visto. Tudo que podia fazer, por hora, era esperar pacientemente até que os dois homens se ausentassem. Fez sinal para Pudim também ficar quieto, e o cachorro obedientemente colocou-se acomodado ao seu lado, esperando.

— Você sabe muito bem o que eu vim fazer aqui, Yamisaki! - o homem do charuto disse, irritado, retomando alguma conversa anterior – O meu dinheiro! Eu já dei prazos demais a você, estou começando a ficar impaciente!

— Fique calmo. Eu garanto, você não vai precisar esperar muito mais tempo. Nesse exato momento, meus homens estão cuidando de um negócio grande, muito grande, que envolve muito mais dinheiro do que você seria capaz de gastar em dez vidas! – o homem levantou-se, empolgado, e gesticulando amplamente andou até a frente do homem que fumava.

— Não me venha com essa, pirralho! Eu sei que você andou fazendo negócios com importações de armas, sequestros e outras coisas pequenas, mas eu não quero migalhas! Ou você me paga tudo o que deve, ou eu posso fazer com que se arrependa amargamente por ter se envolvido comigo. Eu sei que você tem uma linda irmãzinha, pequena e delicada... – o Sr. Charuto deu uma risada pervertida e rouca, que causou aversão imediata em Tadase. O outro homem também não parecia muito confortável – Quem sabe quanto eu posso conseguir com ela em um dos meus leilões, ahn? Ainda mais sendo tão jovem... aaah, sim, acho que apenas a sua irmãzinha já pagaria a nossa dívida, e com juros, o que me diz?

— Vá embora daqui – o homem que estava de pé sibilou, adquirindo um ar taciturno, e o Sr. Charuto levantou-se, com dificuldade.

— Pense no que eu estou propondo, e talvez possamos fazer negócio. Ligue para mim – ele disse, entregando ao outro um pequeno cartãozinho – Eu conheço a saída, não precisa se incomodar em me acompanhar – ele disse por fim, e então saiu pela porta do escritório.

O homem de cabelos longos ainda se demorou, fitando com um semblante indecifrável o cartão que recebeu, e então se retirou, desligando as luzes e fechando a porta. Assim que ouviu o clique da porta sendo trancada, Tadase deixou seu peso ceder, caindo com as mãos na grama. Estava completamente em choque, e mal conseguia se mover agora. O que tudo aquilo significava? 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!