Rotina

- Bel-senpai? - Chamou aproximando o rosto e tentando ver, apesar da penumbra no quarto, se Belphegor abria os olhos.

- O quê? - Resmungou sonolento, irritado com a ousadia de Fran em acordá-lo no meio da noite.

- Eu posso dormir com você? - Por aquilo Bel realmente não esperava e chegou a soltar uma curta risada de escárnio. Mas estava com tanto sono que não cogitara sequer estripá-lo. Também não notara a ausência do chapéu de sapo o qual não deveria ser retirado. Ele apenas virou-se e imediatamente voltou a adormecer.

Fran ainda observou seu senpai adormecido por um instante antes de optar pela decisão que mais lhe convinha. Já que Belphegor não dissera nada - ou tivera qualquer outra reação -, ele entendeu que não havia oposição e, portanto, foi-lhe permitida a permanência ali.

Ele ainda pensou se Belphegor se irritaria no dia seguinte ao perceber que ele dormira ali, mas aquilo não o preocupou tanto assim, já que logo ele também dormiu.

X

Quando Belphegor acordou no dia seguinte, sentindo que abraçava algo relativamente quente e com um aroma diferente do que normalmente sentia ao acordar, abriu os olhos, curioso, deparando-se com os cabelos de Fran bem próximos ao seu rosto.

Seus braços envolviam o corpo do kohai de modo que ele podia sentir sua respiração lenta e ritmada.

- Ei, sapo idiota! - Bel afastou-se de Fran e sentou-se esperando que o garoto acordasse.

Em resposta, Belphegor escutara um resmungo baixo, embora ele continuasse imóvel.

- Você tem dez segundos para sair da minha cama. - Ele sentia-se irritado. Seu leito praticamente havia sido violado por um novato insolente que simplesmente aparecera ali, do nada, e que merecia todas as facadas que iria levar.

- Mas, Bel-senpai, você me deixou dormir aqui... - A voz dele estava tão sonolenta, que a alegação estava mais para um choramingo. Ele ainda não se mexera, não encarava Belphegor, mas sabia que, provavelmente, o senpai deveria estar furioso com o que ele dissera. Se não se enganava - e ele não costumava errar - a intenção assassina envolvendo-o só poderia significar uma coisa.

- Eu não me lembro disso...

- Você estava bem sonolento mesmo.

- Você ainda tem que sair da cama do príncipe, Kohai insolente.

- Você é tão cruel, senpai. Ainda está muito cedo. - Pela primeira vez ele vira os olhos de Fran e a expressão sonolenta em seu rosto, o que lhe dava mais vontade de matá-lo por ter ousado dormir ali.

Mesmo relutantemente, o garoto deixou a cama de Bel e estava quase saindo, quando ouviu as últimas palavras do outro.

- E volte a usar o chapéu, sapo idiota.

X

Bel durante toda a semana que se passou andava bastante estressado. Qualquer coisa, mesmo sendo mínima, servia de motivo para que suas facas se cravassem nas costas e nos membros de Fran. Todos os integrantes da Varia perceberam aquela mudança, especialmente Lussuria, que, sentindo-se responsável pelo bem-estar de seus companheiros, decidira investigar a causa daquele mau humor.

Com Bel seu plano não foi exatamente bem sucedido, já que ele sabia apenas reclamar de Fran - o que era perfeitamente normal. Partindo para o próximo investigado de sua lista, o próprio Fran, tudo pareceu um pouco mais claro, embora a causa exata daquilo tudo ainda fosse um mistério para Lussuria.

Quer dizer, mais ou menos.

- Bel-senpai? Ele está assim desde que eu comecei a dormir com ele. - Respondeu, embora não tivesse entendido muito bem como uma coisa poderia influenciar a outra.

O que não fazia muito sentido, é verdade.

- E por que você está dormindo com ele?

- Por que não estou acostumado a dormir aqui. Então dormir sozinho é difícil.

- E por que não eu? Ou Levi? Ou até Squalo?

- Squalo-senpai estava dormindo com o chefe e eu não queria dormir com você ou com o Levi.

Lussuria estava se sentindo ultrajado com a recusa de sua companhia por Fran. Mas sentira-se realmente ultrajado e frustrado quando não conseguiu descobrir mais que isso.

X

Belphegor não era tolo a ponto de não perceber o quanto suas atitudes mudaram. Mas não podia evitar sentir-se incomodado. Fran estava por todos os lados e o cheiro que ele atualmente conhecia tão bem depois de tantos dias acordando abraçado a ele estava impregnado na sua memória, fazendo de alguns momentos do seu dia uma tortura.

Aparentemente aquele kohai abusado fazia aquilo de propósito. Sempre aparecia em seu quarto quando ele estava sonolento demais e conseguia dormir ali com ele.

E, se como se dormirem um ao lado do outro não fosse suficiente, Bel ainda tinha que acordar abraçado - na maioria das vezes - ao corpo adormecido do outro.

Um príncipe não deveria acordar abraçado com um sapo idiota. Aliás, ele sequer deveria permitir que aquele kohai dormisse com ele.

Mas o que mais o irritava era justamente o fato de que ele não impedia que Fran entrasse em seu quarto e dividisse o mesmo leito que ele. E a situação já durava uma semana.

Quando Fran chegou ao quarto de Bel naquela noite, ele não estava dormindo, embora fingisse perfeitamente bem.

- Senpai, eu vou dormir aqui de novo. - Insolente.

Fran sentiu a faca cravando-se no seu braço e soube que ele não estava dormindo.

- Isso doeu, Príncipe caído. - Sua voz era um lamurio não muito distante da cama onde o outro estava deitado.

- Isso vai lhe ensinar a não querer dar ordens no quarto do príncipe. - Falou, rindo em seguida.

- Mas eu só falei a verdade. - Falou deitando-se ao lado de Bel, mesmo que sentisse que outra faca o havia acertado. - Por mais que o senpai reclame e atire essas coisas em mim, eu ainda não fui expulso daqui. Acho que você se sente sozinho por ser um príncipe caído e até gosta da minha companhia. E a minha presença aqui virou uma rotina.

- Cale-se, seu sapo idiota. O príncipe quer dormir.

Os dois calaram-se. Bel sentia o cheiro de Fran próximo dele e, sabia que era ridículo, mas havia algo dentro dele que o impelia a abraçá-lo. As primeiras vezes foram completamente acidentais, por algum motivo que ele desconhecia, abraçara-o enquanto dormia.

Mas sabia que, apesar de se incomodar no dia seguinte, ele se permitia “cair”.

E então, deixando-se levar pelo impulso repentino que brotara em sua mente, ele simplesmente abraçara Fran, colocando seu rosto bem próximo ao pescoço do outro, pensando que este já dormia.

Mas o ilusionista sorriu muito levemente. Belphegor realmente se acostumara àquela rotina.