IV. Onde há fogo, há uma festa proibida.

  Assim que o relógio soou as doze badaladas, todos os alunos começaram a deixar silenciosamente seus dormitórios. Em pouco tempo, o velho e mofado estábulo, iluminado por algumas lanternas e um velho lampião a querosene, estava cheio de veteranos, que riam e conversavam. Havia uma música bem baixa vindo de um celular – não podiam arriscar fazendo barulho demais – e era difícil ver alguém sem uma lata de cerveja na mão. Alguns dividiam garrafas de vodca, uísque ou rum. Os mais atrevidos misturavam as bebidas em pequenos copos plásticos. Blake estava sentado num canto mais afastado, com uma garrafa de Absolut nas mãos, ao seu lado, Heath e Alison Redford dividiam uma garrafa de cerveja. Heath brincou com a namorada:

- Alison má, imagina se sua mamãe descobre que a filhinha está indo à festas ilegais e dando amassos em público.

- Sou filha da diretora, não uma freira – retrucou Alison, beijando Heath. Blake grunhiu, com uma careta de nojo.

- Vão para um quarto, cara.

- Vá se ferrar – Alison riu. Blake tomou outro gole de vodca e resolveu dar uma rodada pelo local e procurar alguém mais disponível para conversar. Acabou por ser barrado por Lauren, que o puxou pelo braço e o colocou contra a parede, beijando-lhe loucamente. Ele ouviu alguns assobios e vaias.

- Achei que a gente já tinha terminado esse assunto, querida – Blake murmurou, segurando os quadris de Lauren, que beijava carinhosamente seu pescoço.

- Você sabe que, por mim, a gente nunca terminaria, docinho.

  Apesar de quase seis meses de namoro, Blake não sentia nada por Lauren além de uma simples atração. Ele sabia também que Lauren estava apaixonada por ele e não raramente ela tentava arrancar alguma declaração dele. Blake já estava meio a fim de dar um fora em Lauren antes que ela começasse a gostar dele um pouco demais. Ele poderia ser um canalha, mas não era do tipo que ilude. Mas antes de ele pudesse pensar em algo para falar, Fanny Richter, a melhor amiguinha de Lauren, se aproximou, puxando a amiga pelo braço.

- Lamento Blake, mas eu vou roubar a minha amiga de você por alguns minutos.

  Noutro canto, Hayden tragava silenciosamente um baseado. Olhava a irmã, Alison, que se esfregava no imbecil do Heath Connan, com certo desgosto nos olhos. Não que sentisse ciúme da irmã ou que fosse mais santo que Heath, mas era bem estranho ver a irmã mais nova no maior malho com um cara. Agradeceu por ter uma mãe cega e surda aos boatos sobre os filhos que chegavam até a sala da diretoria. Caso contrário, ele provavelmente estaria numa escola militar e Alison numa escola só para garotas. Hayden passou o cigarro para Brendon, seu melhor amigo no campus e também seu colega de quarto. Brendon tragou e soltou a fumada em baforadas curtas.

  Brendon Hamilton era alto e magro, bem diferente de Hayden e dos outros garotos, cujos corpos sarados e atléticos eram resultado dos esportes obrigatoriamente praticados durante o ano todo. Usava óculos Ray Ban wayfarer de grau e deixou o cabelo crescer durante o verão para jogá-lo numa comprida e charmosa franja sobre a testa. Com seu estilo meio geek, parecia meio deslocado no meio de alunos que pareciam ter saído de um outdoor da Hugo Boss ou Burberry. Ele passou o cigarro para Fred Hitchcock, que estava abraçado com a namorada, Valerie Hartley, a quem todos achavam pudica e recatada até a festa de aniversário de Fred na primavera, onde bebeu todas e acabou subindo numa mesa, disposta a fazer um strip-tease. Um escândalo bem memorável. Fred negou o cigarro então Brendon devolveu o cigarro para Hayden.

- Ora se não é a galera do cachimbo da paz – Blake riu, se aproximando – Hey, caras – cumprimentou Hayden e Fred.

- Blake – Brendon cumprimentou, sem esconder o desprezo no olhar. Blake apenas acenou com a cabeça, imitando a expressão de Brendon.

  Diz a lenda, que há um tempo, Brendon e Blake já foram os melhores amigos do mundo. Mas, depois das férias de verão do primeiro ano, cada um foi para o seu canto. Não trocavam uma palavra sequer além de “oi” e “tchau” e muitas vezes não chegava a tanto. A razão do fim daquela grande e bela amizade era um mistério para os alunos mais velhos do Maryon Mount. Cortando o ligeiro clima de tensão, Hayden se dirigiu a Blake:

- E como anda a Lauren, cara? – e deu um soco amigo no ombro de Blake. - Por que não pergunta isso a ela?

- Eu posso? – Hayden arqueou as sobrancelhas, numa malícia fingida. Fred riu.

- Quem tem que te dizer isso é ela – Blake respondeu calmamente, tomando outro gole de vodca.

- Ah – fez Hayden – Vocês não estão mais namorando?

- Estamos. Mas eu tô a fim de terminar.

- Sério? – Hayden franziu o rosto – Por quê?

- Sei lá. Não quero mais – Blake deu de ombros.

- Lauren vai ficar louca quando você falar isso pra ela - Fred falou, tentando parecer sério. Blake teve vontade de rir da sua cara de chapado e dos olhos vermelhos. Mas a vontade de rir passou imediatamente quando ele ouviu um barulho estranho e assustador.

  Latidos.

  Mas não eram quaisquer latidos. Eram latidos dos cães demoníacos do Black, o zelador velho e enrugado que parecia sentir um prazer sádico em botar os alunos em frias. Sem precisarem de um segundo aviso, todos começaram a correr, pegando garrafas, copos e lanternas. No meio da confusão, alguém esbarrou no velho lampião, que caiu de cima do caixote mofado onde estava equilibrado, se quebrando em mil pedaços. A pequena chama, em contado com o feno e com a madeira, logo cresceu e começou a tomar conta da velha construção. Alguns garotos tentaram apagar, mas os latidos e os berros de Black assustaram, pondo-os para correr. O velho Black, ao ver o velho e estábulo ser devorado pelas chamas, começou a gritar:

- Fogo!