Ele sentiu unhas cravarem-se em suas costas. Mas não eram as unhas que estava acostumado a sentir.

- Você está tenso, querido. O que houve? – sussurrou aquela voz cortante em seu ouvido.

Mas não era a voz que ele queria ouvir.

- Por que não relaxa? Vai se sentir melhor – disse ela.

Algo afastou sua camisa. Seus olhos estavam enevoados. Em sua frente, fragmentos do que acontecera minutos atrás se repetiam. Sua cabeça rodava. Sua boca estava com um gosto metálico. O deus sentia seu corpo pesar.

---

Havia uma mulher. Ela chorava e gritava. Ele não via o que estava fazendo. Seu corpo parecia estar no piloto automático. Ele levantou a mão. A mulher caiu.

---

- Eu... Eu não posso fazer isso – ele conseguiu dizer, num fio de voz.

- Do que você está falando? – murmurou aquela voz.

O deus estava começando a recobrar os sentidos, e algo estava em cima do seu corpo. Uma pessoa.

Uma mulher.

Mas, se bem se lembrava, não era quem ele gostaria que estivesse ali.

- Pelo amor dos deuses, o que está havendo? – disse ela.

Um rosto entrou em foco. Olhos arroxeados cheios de perversão.

---

Mais gritos. Sua cabeça quase não suportava. A mulher se levantou. Seus olhos se encontraram. Duas íris cor de mel o encaravam, lavadas por lágrimas que nunca cessavam.

---

- Zeus.

Seu nome o trouxe de volta à tona. Seu corpo parecia ter recebido um choque elétrico – irônico. Suas lembranças começaram a fazer sentido.

- Zeus, seu idiota. Você vai falar ou não o que aconteceu? – era Anfitrite. Ele sabia que já tinha visto aqueles olhos malignos.

- O-o que? – murmurou ele, olhando à sua volta.

Não demorou muito para sua cabeça doer mais. Havia lençóis. Uma mulher que agora ele reconhecia como a ex-esposa de seu irmão mais velho. Roupas espalhadas pelo chão. Água. Uma atmosfera pesada e cheia de luxúria.

Algo estava terrivelmente errado.

---

Então, ele levantou sua mão pela segunda vez. A mulher não se esquivou. Pelo contrário, ela continuou firme onde estava e esperou pelo golpe. Sua mão ficou molhada. Algo dourado pingava no chão. Ela fechou os olhos. Mais lágrimas. Mais gritos, dessa vez masculinos.

---

Anfitrite se levantou, enrolando-se no próprio vestido. A mulher sentou-se em uma poltrona, de cara fechada.

Zeus se apoiou nas mãos e fechou os olhos, deixando suas lembranças livres para atormentá-lo.

Ela o encarou seriamente, decidida a descobrir o que acontecera para interrompê-lo naquele momento. Nada nunca o havia feito parar.

---

Depois do quinto golpe, os joelhos da mulher fraquejaram. Ela caiu. Seu vestido branco estava sendo tingido rapidamente pelo próprio sangue presente em poças irregulares no chão. Sua adrenalina diminuiu. E foi com pesar que o deus dos deuses percebeu o que havia feito. Por todos aqueles séculos, com todas as brigas, ele nunca sequer pensara em levantar um dedo contra a esposa.

E agora ela jazia praticamente sem respirar em seus pés. O vestido estava rasgado. Seu corpo recoberto por hematomas. O cabelo bagunçado. Unhas quebradas.

- Oh não – sussurrou ele, para o nada. Mas, quando se abaixou para abraçá-la, ela se afastou.

Em segundos, sua mulher – se é que ele poderia chamá-la assim – desapareceu, deixando-o sem motivos para continuar vivendo.

...

- Zeus? – Anfitrite chamou-o na escuridão. – Venha. Eu vou cuidar de você.

---

O Lorde dos Céus se levantou rapidamente do lugar onde tinha sido colocado. Anfitrite o encarou incrédula. Ele não se importou.

- Onde pensa que vai? – perguntou ela, enquanto o via sair.

- Tentar recuperar minha vida.

Depois de minutos, suas tropas estavam recuando. Atlântida estava sendo deixada para trás. Zeus havia finalmente colocado a cabeça no lugar.