Férias Frustradas escrita por Nunah


Capítulo 10
10 - guerra fria, fúria contida e consequências




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Ele entrou fazendo barulho no quarto. Tinha acabado de voltar da praia.

Ela estava deitada de bruços abraçando um travesseiro, um dos seus travesseiros. Levantou a cabeça, desnorteada, fazendo uma careta enquanto percebia que o sol estava alto.

Ele parou, cruzando os braços de um modo inquisitivo. Na hora ela percebeu e largou o travesseiro. Ele reprimiu a vontade de sorrir e continuou sério.

Retirou as roupas calmamente, quase morrendo de calor, e as trocou por uma bermuda. Ele se virou novamente e a encontrou olhando-o com uma sobrancelha levantada, acompanhando seus movimentos.

Ela estava deitada no meio da cama, por cima das cobertas, com o queixo apoiado em um travesseiro e os olhos semicerrados. Seus dedos brincavam distraidamente com a ponta do lençol.

Ele se sentou na beirada da cama, olhando em seus olhos. Com algum esforço, ela se levantou, suspirando; seus olhos ardiam. Foi até o closet e pegou um short jeans desfiado e uma camisa de alças verde e branca. Ela não estava com saco pra tomar banho. Quanto mais rápida fosse, mais rápido ela sairia dali, com ou sem a permissão de Afrodite.

Antes de se trocar, ela se olhou no espelho grande que tinha no closet (não podia faltar né) e percebeu que estava parecendo uma garota depois de uma noitada. A blusa preta grande caía por um dos ombros, deixando à mostra uma alça do sutiã. Seu cabelo estava bagunçado, leves manchas escuras apareciam abaixo dos olhos e seu corpo doía. Só faltava a maquiagem borrada.

Afastando aqueles pensamentos nada legais de sua mente, ela se trocou no closet mesmo.

Quando voltou pro quarto, ele não estava mais ali. A porta estava aberta e a cama bagunçada.

Revirando os olhos, ela saiu, deixando tudo desarrumado.

Se ele não ajuda, por que eu tenho que fazer as coisas sozinha?

Desceu os lances de escadas e ele não estava na cozinha.

Andou mais um pouco e o viu: Deitado no sofá, com um braço atrás da cabeça e os dedos da outra mão mexendo com uma almofada felpuda em formato de coração.

Afrodite.

Seu olhar estava perdido, como se ele estivesse relembrando de algo.

Bufando impaciente, ela lhe deu uma bela almofadada, fazendo-o acordar pra vida. Ele fez cara de ‘WTF?’ e ela lhe devolveu com uma bela expressão de ‘Fuck Yeah’. Ele se levantou, jogando as almofadas no sofá com um gesto rude, com aquela expressão autoritária. Ele podia vestígios de medo e surpresa nos olhos dela, e isso fazia seu orgulho inflar.

Mas ela continuou com a postura desafiadora, assim como seu pai fazia.

Várias cenas se passaram em sua mente, ele poderia ter feito várias coisas, desde as piores e mais horríveis até as melhores e mais prazerosas. Mas apenas sustentou seu melhor olhar superior e passou reto, ignorando-a totalmente.

Os dois seguiram silenciosamente para a cozinha. Ele estava calmo; e ela estava praticamente surtando por dentro.

O tempo se arrastou no que pareceram horas, apesar de não chegar nem perto disso, e eles continuavam naquele silêncio.

.

.

.

Depois do café, eles seguiram para a sala, como deveriam, senão Afrodite iria pirar.

“Vocês só podem estar tirando com a minha pessoa. Mas o que que aconteceu hein? Ontem vocês só faltavam-”

- Não precisa acabar, Afrodite, muito obrigada. – disse Athena se sentando o mais longe possível dele.

“Olhem só vocês” Ela falou, com cara de quem sabe botar moral (aham, como se ela tivesse muita). “Dois dos deuses mais respeitados do Olimpo agindo como perfeitas crianças birrentas e mimadas, eu não acredito!” Ela exclamou, jogando as mãos para o alto.

Pela primeira vez, Athena notou o fundo da tela. Era a Sala dos Tronos, dourada (tá, admito, também tenho tara por dourado) e imponente, como sempre. E lá estavam seus dez deuses restantes, cada qual em seu trono.

Alguns olhavam pra eles divertidos, como Hermes e Apolo, outros meio apreensivos, como Zeus (esses deuses bipolares...) e Hera – que não estava nem um pouco feliz com aquilo, uns fulos da vida, como Ártemis e Héstia... Enfim.

- O que você quer agora? Isso está ficando tedioso. – murmurou Poseidon, também se sentando do outro lado da sala.

“Vocês têm que fazer as pazes, entenderam?” Afrodite disse, com uma expressão severa, que não combinava nada com ela. “Fizeram algum voto de silêncio, por acaso? Pelo amor dos deuses, parem de ser infantis.”

- Eu não sou infantil. – ela disse.

- Nem um pouco. – ele murmurou, desinteressado.

- Orgulhoso.

- Egocêntrica.

- Tarado.

- Mimada.

- Criança.

- Já tivemos essa conversa antes. – disse ele, fazendo-a se calar.

“Isso! Estamos tendo um progresso!” A deusa disse, feliz.

- Não vejo onde. – Athena murmurou, desviando o olhar.

- Nós vamos acabar destruindo a casa.

“Vocês começaram a se falar, isso é um bom sinal.” Ela abriu aquele sorriso sarcástico. “Vocês podem acabar com a casa começando pela cama, o que acham? Não vejo problema algum.”

- Vocês são todos iguais. – disse Athena revoltada, levantando e jogando a almofada na tela da TV. Virou e saiu pisando fundo pela porta que dava para a praia.

Ele a olhou, já sabendo o que estava por vir.

“Vá atrás dela.” Ela ordenou, assassinamente (?).

- Não. Não vou não. – disse ele, levantando a voz. – Eu sou um dos Três Grandes, mais poderoso que muito deus por aí, e você, Afrodite, não tem o direito de me obrigar à nada. – ele se levantou. – Se quiser, vá atrás dela, mas isso já ficou cansativo. Eu não sou obrigado a aturar a dona sabe-tudo.

E se foi. Subiu as escadas praticamente soltando fogo pelo nariz. Deixando Afrodite pasma, de boca aberta, e os deuses atrás dela mais surpresos ainda.

Todos quebravam juramentos, não é mesmo? Ele e Zeus tiveram filhos depois daquela guerra, Thalia e Percy. Os deuses não respeitavam as juras do casamento. E ele estava praticamente convencido de que sua sobrinha tinha quebrado o dela.

Por isso, ele não se preocupava.

Era um deus, não poderia morrer. Nada aconteceria com ele, pelo menos, era isso que ele achava.

It’s like you’re a drug

It’s like you’re a demon I can’t face down.

.

.

.

Ela não sabia bem o que estava fazendo, na verdade.

Sabia que estava fugindo, tentando se esconder, de tudo e de todos. Mais precisamente, dele. É claro.

E não entendia então porque tinha ido justo de encontro à ele. Para o mar.

O que ela estava fazendo ali, afinal? Não era... Errado?

As pessoas racionais quando entram em guerra, mesmo que seja um tipo de Guerra Fria*, procuram não topar com nada que lembre/pareça o inimigo.

E ela estava justamente no território inimigo. No território dele.

Mas o que raios eu estou fazendo aqui?

Incomodada, ela olhou a água. Estava normal, um pouco mais revolta. Mas estava escura. Muito escura. E aquilo lhe causava arrepios.

Ela estava... Com medo?

Assustada, talvez. Mas... Com medo do mar? Aquilo significava que... Ela estava com medo de Poseidon? Seu próprio tio?

Claro que ele era um dos Três Grandes, um dos poderosos, que sabia ser ruim e desagradável, mas ele quase nunca se irritava.

Quase.

Mas a verdade é que a paciência dele havia realmente se esgotado. E ela sabia que sofreria as consequências, porque ela era uma das causas de ele estar assim, se não for a única.

Oh santo Zeus, por que ela? Por que justo ela? O que Afrodite pensara? Que eles achariam graça naquilo?

Ele talvez ache.

Ela não tinha a menor dúvida que ele gostasse de irritá-la, mas não conseguia relevar, era algo automático.

E ela tinha perfeita consciência do que fazia. Ela provocava, respondia e ignorava um deus que poderia ser sua ruína. Sim, porque com seus poderes, Poseidon poderia acabar com ela em dois tempos. Ela era apenas e nada mais que sua sobrinha. Uma das filhas de Zeus. A mais velha e inteligente, mas não muda nada.

Ela fazia algo que ninguém teria coragem: Ela o enfrentava. Assim como enfrentava Afrodite, Hera, Hades, e até mesmo seu pai, tirando o resto.

Ela não ligava para o fato de que aquilo era ‘errado’ e ‘contra as regras’. Ela tratava a todos como iguais. Não deveria, claro. Porque por mais que quisessem, os seis maiores nunca se igualariam aos outros. Mas ela era diferente. Não abaixava a cabeça, não aceitava as coisas facilmente.

E ela não tinha ideia de porque tinha cedido à proposta de Afrodite naquele dia.

Porque você queria fazê-la calar a boca, ela repetiu inconscientemente em sua cabeça.

Foram poucas as vezes que vira seu tio irado. Claro que ele não estava bem e não chegava ao ponto de destruir cidades com terremotos. Mas estava perto disso.

Ele estava realmente fora do sério, quase se descontrolando. E se mantinha em silêncio para não fazer coisas de que Zeus se vingaria mais tarde. Mas ela se tocava disso? Não. Por que? Bem, porque ela é Athena, a deusa sabe-tudo-teimosa, lembra?

It’s like I’m stuck

It’s like I’m running from you all the time.

.

.

.

Ele largou o tecido preto. Aquilo só pioraria sua situação. Cheirar uma roupa que ela acabou de tirar numa hora daquelas só o faria perder a cabeça.

Ela é rude. E impertinente.

E você gosta do cheiro dela, completou seu subconsciente.

Por que tudo aquilo estava acontecendo?

Vamos recapitular: Afrodite tinha tido um plano maluco, Apolo o tinha convencido a ir praquela casa, porque... Porque Hefesto estava sem audiência.

Então o culpado daquilo tudo era Hefesto.

Bem, não diretamente, porque ele não tinha culpa das ações da esposa maluca, mas quem tinha começado com aquilo era ele. Ou não. Porque quem tinha parado de ver seus programas eram as pessoinhas do Olimpo.

E... Que confusão.

Por que ele estava ofendido mesmo?

Ah sim, porque a sobrinha rude e impertinente tinha o chamado de sujo. Vê se pode uma coisa dessas? Puf puf. Nem ele se entendia. Por que estava ofendido? Ela já o tinha chamado de coisas cento e setenta e nove vezes piores, não é? É.

E o que ele estava sentindo, exatamente?

Raiva?

Deuses, por que aquilo tinha que ser tão confuso? Ele mal conseguia raciocinar!

Poseidon se levantou da cama, atordoado, e foi para a varanda, como de costume (costume? É o terceiro dia deles, credo). E ela estava lá, na praia, com os pés na água e os olhos fechados. Mas sua expressão era preocupada, e aquilo o preocupava, mesmo não querendo.

And I know I let you

Have all the power.

.

.

.

Ela realmente estava preocupada pelo fato de ainda não ter sentido nenhum tremor no chão.

Ele estava calmo. Aparentemente.

E aquilo a irritava profundamente. Toda aquela sua serenidade, aquela sua indiferença. Chegava a ser provocador.

Ela queria esquecer que estava ali. Que ele estava ali. Que aquilo tudo estava acontecendo.

É algo desnecessário.

Ele ficara ofendido por apenas uma pequena coisa, o que não acontecia há tempos, e ficara furioso, ela sabia. Porque ela também estava assim, como dito antes, é algo automático.

Mas ela sabia que ele estava lá. O tempo todo. Ela nunca conseguiria esquecer isso. Ela sentia um par de olhos verdes furiosos observando-a.

Ela se levantou, encarando-o lá de baixo. Seus olhos realmente estavam furiosos, assim como a água que agora estava agitada. Ela colou cinza no verde, mas não pôde discenir o motivo real por ele estar assim. Não parecia ser pelo mesmo motivo de antes.

Ele a via. E quando seus olhos se encontraram, a tontura que tinha sentido minutos antes o atingiu, mais forte. E ela ficava lá, com aquela sua pose superior, aquele olhar mortal.

Uma dor de cabeça terrível o atingiu. Mesmo ele sabendo que não era ela, aquilo lhe enraiveceu ainda mais. Ele combatia a dor com a fúria.

Ela via que ele não estava bem, realmente. Estava pálido, furioso, tenso. Era como se ele estivesse... Passando mal.

Quando ele cambaleou, ela teve uma vontade súbita de entrar e ver o que estava acontecendo.

E foi isso que suas pernas fizeram: A levaram para dentro, mesmo ela não se tocando.

And I realize I’m never gonna quit

You over time.

.

.

.

Ele estava lá, caído no chão frio da varanda.

Ele não estava morto, óbvio.

Mas ela estava preocupada, e isso a deixava furiosa.

Ela suspirou e se ajoelhou ao seu lado.

- Acha que devemos conversar? – ela sussurrou, depois de pensar muito sobre o assunto.

Nos olhos dele ela viu a fúria e a raiva de antes, o alívio e a hesitação.

- Eu não sei. – ele admitiu, com uma careta de dor. – Temos algo para conversar?

Ela deu de ombros. E logo sua cabeça foi invadida por uma dor agonizante.

Pensei que só eu pudesse fazer isso.

Sem forças, ela também caiu. Ao seu lado, com a respiração entrecortada.

- Afrodite. – ela sussurrou, fechando os olhos, mas viu ele assentindo, a raiva se dissipando por um momento.

It’s like I’m lost

It’s like I’m giving up slowly.

_

*Guerra Fria: Quem não sabe o que é, procura no Google! Brincadeira. É a 'guerra' entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas na época em que dividiam o controle da Alemanha, depois da Segunda Guerra Mundial. É chamada assim porque nunca houve um combate realmente. Alguns dizem que foi só um teatro para que os outros países brigassem e eles vendessem mais armas.


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Notas finais do capítulo

E agora eu vou dormir. Deuses.