Meu Vizinho Infernal escrita por Mandy-Jam


Capítulo 5
Não sou uma ladra


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo!



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“I-Isso... Não pode ser...” Eu gaguejei.

“É verdade.” Afirmou ele com calma e eu imaginei se ele já tinha dado essa notícia para outras pessoas.

“Mas... Você é um Deus?” Perguntei dando um passo em sua direção. “Você é mesmo Hermes?”

Ele assentiu.

Eu sorri. Não seu porque, mas sorri. Talvez fosse por eu sempre gostar dessa história de mitologia quando criança, e... Ele ser o meu Deus favorito... Bem. Não sei explicar, mas eu por um minuto fiquei feliz. É. Por um minuto.

“Sim. Sou eu.” Ele falou com toda a paciência do mundo.

Eu pisquei.

“Mas... Isso tá errado.” Eu falei lembrando-me de algo. “Veja bem... O meu pai é William Kelly. Ele trabalha em New York. Em algum banco, ou algo assim.”

Ele negou com a cabeça.

“Ele não é o seu pai. Pelo menos não... Não por sangue.” Ele falou. “Ele deve ter se casado com a sua mãe depois que... Eu fui embora.”

Eu pisquei os olhos.

“Ele... Não é o meu pai, né?” Perguntei um tanto triste.

“Sinto muito...” Disse ele.

“Não... Tá tudo bem. Mas...” Eu me sentei ao seu lado no sofá.

Meus olhos brilhavam. Não por alegria, mas sim porque estava contendo choro. Eu o fitei. Ele tinha um jeito compreensivo que me fazia sentir confortável, e só por isso eu tive coragem de continuar falando.

“Você... Você pode até ser um Deus.” Falei devagar e com dificuldade. “Mas... Eu não posso ser uma semideusa. Olhe o Perseu, por exemplo. Ele era um herói. Ele matava monstros, e não corria para a casa se esconder com medo.”

“Alice...” Ele tentou falar, mas eu o interrompi.

“Além de não ser heróica... Eu não sou especial.” Contei quase chorando. “Eu não tenho nenhuma habilidade especial. Eu... Eu só tenho um grande dom para arrumar encrenca.”

“Isso é normal.” Falou ele.

“Não.” Eu franzi o cenho e levantei do sofá. “Não, isso não é normal. Eu fui sempre expulsa das escolas. Não de todas, mas da maioria. Minha mãe e meu tinham que se mudar o tempo todo por causa disso. Ontem mesmo eu fui atacada por aquele monstro e hoje também... E eu não fiz nada! Não liberei nenhum tipo de super-poder, nem nada parecido. Eu... Eu só corri.”

Ele levantou-se e pôs a mão sobre meu ombro. Seu olhar encontrou o meu, embora eu tentasse desviá-lo para o canto.

“Você fez muito bem correndo.” Ele disse. “Lembra? Eu sou o Deus de todos os que pegam a estrada. É por isso que você consegue correr tanto.”

Eu pensei naquilo. Fazia sentido.

“Mas mesmo assim. Se eu fosse sua filha, eu não deveria ter mais força, ou... Conseguir pelo menos me defender? Semideuses fazem isso nos filmes.”

“É, mas eles foram treinados para isso.” Ele explicou. “Alice, você tem 19 anos e nem mesmo sabia que era uma semideusa. Nunca ninguém te contou isso, você também nunca foi treinada. Até que para alguém que não sabia de nada, você agiu muito bem.”

Eu respirei fundo. O que ele falava fazia todo o sentido do mundo. Tudo naquele momento pareceu se encaixar. Ou... Quase tudo.

“Mas porque aqueles monstros me atacaram?” Perguntei. “Eu nem mesmo sabia de nada. E... Eu nem tinha feito nada!”

“Eles sentiram o seu cheiro.” Explicou. “Semideuses tem um cheiro diferente para os monstros. Vocês acabam atraindo a atenção deles.”

“Que legal.” Eu murmurei. “Eu sei que pode ser uma pergunta idiota, mas... Tem mais deles por aí?”

“Muitos.” Afirmou ele, e eu gelei. “Mas não se preocupe por enquanto.”

“Não se preocupe por enquanto?!” Repeti. “Como não vou me preocupar?! Eu quase virei comida de cachorro duas vezes!”

“Isso acontece. Mas você é uma semideusa. Tem reflexos de defesa naturais.” Ele explicou. “Se algo acontecer, tenho certeza de que saberá o que fazer. Você agiu bem indo para a casa ao lado.”

“Obrigada... Espera!” Eu estreitei os olhos. “Como você sabe o que eu fiz?”

Ele riu.

“Eu sou um Deus.” Ele repetiu. “Sei mais coisas do que imagina.”

“Sério?” Perguntei. “Tipo o que?”

“Tipo... Você não comprou essa camisa, não é?” Ele ergueu uma sobrancelha para mim.

Eu senti o meu rosto ficando vermelho. Desejaria nunca ter perguntado aquilo para ele.

“E-Eu não roubei. E nem queria...!”

Eu tentei explicar, mas o seu olhar dizia: “Não minta para mim, mocinha.” Nossa... Ele realmente podia ser o meu pai.

“Está bem... Talvez no fundo eu quisesse roubá-la da loja, mas... Eu não fiz isso de propósito.” Me desculpei.

“Não mesmo?” Perguntou ele. “Foi por isso que você não devolveu?”

“Claro que não!” Exclamei. “Quero dizer... Como eu devolveria a camisa? Se eu chegasse à porta da loja com ela, eles iam me acusar de roubo!”

“Você nem mesmo tentaria explicar, não é?”

“Ah, claro.” Concordei. “’Olá pessoal! Vocês não sabem a loucura que aconteceu. Eu estava passando na frente da loja de vocês e vi essa camisa. Queria muito ela, e quando cheguei em casa notei que estava dentro da minha bolsa. Nem sei como ela foi parar lá! A minha bolsa deve tê-la pego sozinha... Mas de qualquer jeito, aqui está’.”

Ele riu.

“Além de chamarem a polícia, iam dizer que eu sou maluca.” Falei.

“Eu estava brincando. Pode ficar com ela, não tem problema nenhum.” Riu ele. “Os mortais não entendem, e nem vêem o que nós vemos.”

“Foi por isso!” Eu ri. “A minha vizinha olhou a minha porta e disse que a pintura estava descascando!”

Ele sorriu.

“Isso mesmo. Por causa da névoa, eles não podem enxergar como nós. Vêem o que pensam que estão vendo.” Explicou ele.

Eu não entendi muito bem, mas acho que peguei a parte mais importante. Aquelas pessoas não vêem o que realmente está acontecendo.

“Mas... E a minha mãe?” Perguntei parando de rir. “Quero dizer... Ela te viu... Não viu?”

Ele sorriu.

“Viu sim. Ela pode me ver. Achava que eu era um carteiro.” Ele sorriu ao lembrar. “Nós ficamos juntos por vários meses... Quando você nasceu... Eu tive que ir. Mas eu falei tudo para ela. Contei sobre os problemas que você iria enfrentar. Contei sobre os lugares mais seguros de ficar. Expliquei tudo do melhor jeito possível. Ela entendeu.”

Eu assenti, e então houve um momento de silêncio mortal.

“Então...” Disse eu quebrando o silêncio. “Todas as coisas estranhas que aconteceram comigo... Foi só porque você é o meu pai?”

Ele assentiu em silêncio. Seus olhos diziam: “Sinto muito”, embora ele continuasse calado. Eu desejei não ter falado daquele jeito. Parecia que eu tinha o deixado triste ou algo assim, pois ele não estava mais sorrindo.

“Eu... Não ligo. Não tem problema.” Falei. “Quero dizer... O meu Deus favorito do Olimpio é o meu pai.” Eu sentei ao seu lado no sofá novamente. “É uma notícia... Surpreendente, mas... Eu entendo. Eu só... Queria que...”

Ele sorriu para mim novamente.

“Queria ter sabido disso desde o começo.” Desabafei. “Quero dizer... Por que você esperou 19 anos para me ver? Você... É o meu pai.”

“Eu queria, acredite em mim.” Falou ele. “Você era adorável, e continua sendo. Mas eu sou um Deus. Eu ando sempre ocupado. Não posso ficar por perto o tempo todo. Na verdade... Eu olhava você ás vezes, mas... Você não me via.”

Eu assenti um pouco triste. Ele era um cara muito legal. Devia ser um ótimo pai, mas... Não queria ter esperado 19 anos para vê-lo.

“A minha mãe mentiu para mim.” Falei.

“Ela queria te proteger.” Explicou ele. “Estava certa. Aposto que o seu padrasto passava bastante tempo com você.”

“Sim, passava. Mas... Não é a mesma coisa.” Eu disse. “Mas eu entendo. Deuses devem ser muito ocupados.”

“Infelizmente nós somos.” Ele falou. “Nesse momento... Devem ter umas 590 ligações não atendidas, e milhares de encomendas para serem entregues.”

“Encomendas? Então você realmente trabalha como carteiro?” Eu sorri.

“Carteiro, não é um nome tão legal. Mas se você prefere... Sim.” Ele falou.

“Carteiro... Dos Deuses?” Eu perguntei sorrindo. “Que engraçado, mas legal.”

“É... Eu sou legal, né?” Ele sorriu.

“Sim.” Assenti.

Ele levantou-se e começou a andar até a porta.

“Espere!” Eu pedi. “Sei que você está ocupado, e que você vai achar isso um tanto ridículo, mas...”

Ele se virou e olhou para mim esperando que eu terminasse de falar.

“Sim?” Perguntou.

“Será que pode... Fazer algo... Mágico?” Perguntei sem graça. “É que você é um Deus, não é? Então... Pode me mostrar algo...”

“Posso.” Ele sorriu.

Ele fez coisa mais estranha que eu já vi. Tirou do bolso o celular e o jogou para mim. Eu não entendi nada. Era um celular, e daí?

“Ahm... O que...?” Eu franzi o cenho olhando para o aparelho.

Aliccccce!” Sibilou o celular.

“Wow!” Exclamei. “O que foi isso?”

Foi aí que eu notei. Lá estavam duas cobras enroladas na antena do telefone. Elas eram minúsculas, mas estavam lá. E uma delas tinha dito... O meu nome!

“Vocês falam?!” Eu perguntei.

“Ssssim!” Respondeu uma delas. “Meu nome é Marta.”

“E eu sou George.” Falou a outra cobra.

“... Ahm... Olá.” Eu falei sem conseguir tirar os olhos dela.

“Você tem um rato?” Perguntou George.

“Ahm... Não.”

“Esssstou com fome.” Sibilou ele.

“Não morda o meu dedo, por favor.” Eu pedi.

“Não ligue para ele Alice. Ele vive com fome, mas não vai te morder.” Sibilou Marta.

“Sssserá que ninguém nunca tem um rato?” Perguntou George mal-humorado.

“Des-Desculpe.” Falei sem graça.

“Deixa pra lá.” Falou Hermes. “Ele sempre faz isso.”

Ele pegou o telefone da minha mão delicadamente e pôs no bolso. Olhei para ele, e notei que seus olhos eram castanhos como os meus. Mais um fator genético...

“Bem, e tenho que ir agora. Tenho muito trabalho mesmo.” Falou ele.

“Quer que eu ajude?” Perguntei. “Você só está cheio de trabalho agora porque veio falar comigo.”

“Não, não precisa.” Ele sorriu. “Só quero que tome cuidado. Você tem mais poderes do que pensa. Aos poucos você vai descobri-los.”

Ele andou até a porta, mas então se virou.

“E tente não ser pega quando roubar.” Riu ele. “A bolsa vai ter ajudar nisso.”

“Ah! Espere!” Eu o chamei uma última vez.

Tirei a camisa, e revelei o meu pijama laranja. Estava frio naquele dia, por isso preferi vestir duas camisas, mas mesmo assim eu a tirei.

“Aqui.” Eu a entreguei para ele. “Pode ficar com ela.”

“Você não precisa...”

“Eu insisto.” Falei. “Por favor, devolva para a loja sem que ninguém note.”

Ele pareceu realmente surpreso.

“Você quer mesmo devolver a camisa?” Perguntou sem acreditar.

“Roubar não é certo. Mesmo que você queira muito alguma coisa, ou ela esteja sendo vendida por um preço absurdo. Eu não sou uma ladra.” Ele pareceu impressionado. “Mesmo sendo filha do Deus dos ladrões... Eu prefiro ser reconhecida como uma corredora, uma mensageira, ou algo assim... Ladra não.”

“A sua mãe te ensinou bem.” Ele ainda estava surpreso. “Nunca pensei que uma filha minha agiria desse modo.”

“Pois é... Eu sempre tive vontade de roubar algumas coisas, mas a minha mãe era bem severa. Com o passar do tempo eu notei que roubar não é certo.” Contei. “Devo tudo isso á ela.”

Ele assentiu.

“Cuide-se.” Ele piscou para mim e desapareceu em uma nuvem de fumaça.

“Tchau, pai.” Falei, mas ele já havia sumido.

Posso afirmar uma coisa. Assim que ele sumiu... Eu nunca me senti tão sozinha. Meu pai não era o meu pai de verdade. Ele me criara a vida toda, se casara com a minha mãe, mas não era realmente o meu pai. Eu era uma semideusa, o que explicava tudo que estava acontecendo á minha volta. Só que, tirando Perseu que já estava morto á milhares de anos, eu não conhecia nenhum outro meio-sangue.

Mas o impressionante é que no fundo... Eu estava um pouco... Feliz. 


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Notas finais do capítulo

Então, o que vocês acharam?

Os próximos capítulos vão ser mais engraçados, por isso... Aguardem!

Ah! E é claro. Eu espero por reviews!