Suffocate escrita por GreenDay


Capítulo 2
One night stands and cheap regrets




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Ri dramaticamente em efeito de meu cérebro virando borboletas. Me encostei no ombro da garota que também ria enquanto levava a garrafa de vinho a boca. Puxei antes que ela pudesse dar outro gole, e irriguei minha goela com o líquido barato que ela trazia no porta-malas.

- Você está tão mais lindo agora, Sir Paul McCartney – Dizia enrolando a língua enquanto apertava o tronco da árvore ao lado, e quase caía o fazendo, se eu não a tivesse segurado desajeitadamente pelo braço.

Estávamos rindo compulsivamente sobrepondo o som do celular que chamava exageradamente alto. Eu já não me importava com nada, nem mesmo com o mundo a minha volta. Talvez pudesse culpar o álcool aquela altura. A única coisa que tinha certeza era de que estava fazendo a coisa certa.

- Isso está ficando tão entediante quanto essas rugas na sua cara – Disse sem motivos aparentes, correndo em direção ao carro logo em seguida.

- Volte aqui! – Falei mais desesperado que desejei.

- Hein? – Dizia voltando com um envelope amarelo. – No hablo tu lengua.

Ela jogou-se ao meu lado novamente, tirando um pacote de dentro do envelope. Desembrulhou e despejou o familiar pó branco em minha frente.

- Pó de Perlimpimpim, baby. Vai te fazer voar como uma chinchila! Tem uma nota aí?

Tentei falar, mas a única coisa que saiu foi um vago “Ahn” enquanto eu apontava para dentro do carro.
Escondeu metade de seu tronco lá dentro por alguns segundos, e voltou se equilibrando no ar com uma nota de cinqüenta dólares.

- Voilà  – Dizia enrolando a cédula até que a mesma virasse um canudo.

Peguei o canudo impaciente, e respirei profundamente a maior quantidade do material que consegui. Meu maxilar se enrijeceu quase que instantaneamente assim como um grito rasgante que saiu do meu peito, antes mesmo que eu pudesse perceber.
A abracei encostando meus lábios em seus cabelos.

- De que buraco você saiu, garota? – Perguntei, fazendo-a se soltar de meu braço, e arrancar o carro noite afora.

Senti meu rosto ralar no azulejo quando tentei me mexer. Abri os olhos, e fitei as gotas caindo descompassadas do chuveiro, enquanto organizava os pensamentos. Me levantar acabou se tornando uma péssima idéia, visto que vomitei minhas entranhas quando o fiz.
Novamente tentei me levantar, cambaleando até um ponto firme onde pude me apoiar. Me segurei na pia e encarei a imagem confusa dona de grandes olhos vermelhos, que o espelho refletia. Bufei desapontado e saí do banheiro, me jogando sobre a cama. Sabia que estava em problemas, e eles pulariam em meu pescoço assim que eu desse sinal de vida.
Quem diabos era aquela garota? Seu rosto martelava em minha cabeça e meu estômago o ansiava como uma espécie salvação. Eu estava fisicamente esgotado, e tinha inúmeros motivos para estar preocupado agora. Porém, estava curiosamente bem. Me sentia a salvo, como se nada pudesse me tocar. Estava aliviado como nunca tivera me sentido antes. Eu poderia até fazer uma aposta pretensiosa, ao dizer que eu estava feliz.

Finalmente decidi me levantar. Meus olhos pareciam estar atrofiados pela escuridão do quarto, fazendo que tudo ficasse meio esverdeado quando saí.
Deslizei pela escada, ignorando alguns degraus, e cheguei ao hall tombando no último.
A voz de Addie ecoava por toda casa, ainda meio vazia, em conseqüência de nossa mudança recente.
Caminhei até a cozinha, e parei me encostando na porta. Addie me fitou duramente e continuou dando ordens a faxineira.

- Se divertiu ontem à noite, querido? – Perguntou ironicamente.

- Ahm, foi divertido. Encontrei uns velhos amigos e tomamos algumas cervejas. – Falei casualmente.

- Algumas cervejas? Você queria fazer xixi no guarda-roupa... – Dizia tentando claramente esconder o riso e manter a postura inflexível.

Dei um sorriso de lado, e a abracei por trás dando um beijo em sua bochecha. Ela rapidamente se soltou, me empurrando para trás, e me olhou com cara de frustração. Addie estava definitivamente irritada, visto que me deixou passar a noite no banheiro naquele estado deplorável.

- Não vou mais me preocupar com você. Faça o que quiser da sua vida. – Disse amargurada.

- Certo. Te amo, querida. – Falei um tanto sonso dando um beijo em sua cabeça e subindo as escadas.

Liguei o chuveiro, e deixei que a água percorresse todo o meu couro cabeludo. Devo ter passado horas ali debaixo, analisando minhas limitadas opções de fazer qualquer coisa da minha vida. Pelo menos qualquer coisa que me mantivesse vivo e em liberdade legal. A questão da liberdade está sendo muito mais tentadora do que deveria ser quando se está na meia idade. Agora, eu só queria ser o bosta inconseqüente que sempre fui. Pensei em tudo que supostamente resumiria isso e percebi que não poderia fugir daquilo. Aquela era minha vida, era o sangue que corria em minhas veias, era disso que eu precisava.
Uma vontade súbita de estar nos palcos me tomou. Lá eu posso ser quem eu quiser e tenho toda a liberdade do mundo para isso.
Desliguei o chuveiro e me enrolei na toalha em busca do telefone. Disquei alguns números e a confortante voz do Mike tomou meus ouvidos.

- Alô?

- Mike? Vamos trabalhar? Acho que já tivemos tempo suficiente de férias, não?

- Ah, claro...

- Faremos um show surpresa do Foxboro essa semana. Tudo certo para você?

- Por mim tudo bem. Já não agüento mais ficar em casa... – Dizia gargalhando.

- Ok, fique com Deus, Mr. Cade. – Desliguei o telefone rindo.

Me joguei na cama, fazendo minha toalha cair no chão. Ainda não conseguia parar de pensar naquela menina. Ela era tão singular e inspiradora, que eu poderia começar a escrever todo um álbum baseado nas poucas horas que estive com ela. Fechei meus olhos e a imaginei. Um tanto diferente do que eu me lembrava, e muito mais do que meus olhos conseguiram ver, confesso. Senti um calor imenso tomar meu corpo, até que a porta abruptamente aberta, me fez pular de susto. Tentei me cobrir com as cobertas, mas Addie já me olhava incrédula.

- O que você está fazendo?

- Na..Nada – Gaguejei – Só estava pensando na vida.

Ela apertou os olhos e fez uma convincente cara de nojo saindo do quarto.
Suspirei embaraçado e enfiei a cara no travesseiro.

- Que bosta! – Soltei, arremessando meu punho contra a parede.

Me vesti e peguei uma cerveja no frigobar. Fiquei ali o resto do dia, alternando meu tempo entre os programas da TV aberta e tweets aleatórios sobre fatos do passado. Abri a cortina e percebi o dia se esvaindo, manchando o céu de azul no meio de todo o laranja vivo. Saí do quarto e desci as escadas.
A casa parecia vazia, exceto pela vaga movimentação na cozinha. Fui até lá e vi Addie entre vários papéis velhos.

- Cadê os meninos? – Perguntei me aproximando.

- Karatê. – Disse depois de um tempo.

- Mais tarde eu volto. – Falei pegando a chave do carro em cima da bancada e me virando.

Addie fingia não ter ouvido. Saí porta afora e entrei no carro. Algo corroia meu estômago ao pensar em voltar aquele lugar.
 Ela certamente não estaria lá, e se algum dia estivesse, não seria como ontem, e eu acabaria com toda a experiência de tê-la conhecido.

Por um minuto pensei em pegar o retorno e ir a outro lugar. Mas seria uma completa estupidez. Sabia que não obedeceria a mim mesmo e iria parar lá, de qualquer jeito.
Uma vista estonteante transformou o vidro do carro em uma verdadeira obra de arte, assim que cheguei lá. O pôr-do-sol dourava as folhas secas das árvores e o azul marinho tornava a outra parte dos arbustos meio melancólica. Por mais que tudo isso me impressionasse, meus olhos procuravam incessantemente um carro estacionado pelas redondezas. Até que percebi uma sobra entre as árvores, e quase corri até lá, sorrindo como um doente. Me controlei, e avancei com o carro até que estivesse razoavelmente perto.
Saí do carro, e como de costume me sentei no capô com um livro, que na verdade nem sabia qual era. Minha visão periférica a mostrava me encarando e sorrindo. Não resisti e olhei para o lado. Suas sobrancelhas dançavam em sua testa e ela abriu novamente um largo sorriso mostrando seus incisivos ligeiramente avantajados. A luz dourada do sol a deixava com um aspecto angelical, apesar de sua maquiagem forte.
Ela me fitava entorpecida, até que se virou e continuou lendo seu livro. Eu apenas fingia fazer o mesmo, pois era praticamente impossível ler contra a luz forte do sol.

O azul arroxeado já se expandia por todo o céu, deixando apenas vagos feixes de luz quebrando sua cor homogênea.
Minha posição já começava a incomodar, e eu tentava entender porque raios eu tinha um livro em Japonês no meu carro. Senti o livro ser tomado de minhas mãos.

- Você está lendo ao contrário – Dizia o encaixando novamente em minhas mãos.

Ela gargalhou e caiu ao meu lado espalhando as brasas do cigarro. Estremeci quando as senti queimando em minha pele.

- Então, você está aqui todo dia? – Perguntei soltando um palavrão interno.

Como eu sou estúpido.

- Sempre que você vem aqui, eu venho te esperar. – Disse sorrindo e passando um braço em volta do meu pescoço.

Ela fechou a cara e se acomodou em meu ombro suspirando.

- Ahm, hoje não tem diversão ilegal grátis? – Perguntei rindo, com a intenção de perder o pouco usual acanhamento que sentia agora.

Ela riu alto dando uma repentina mordida em minha bochecha. Saltou do carro e voltou depois de algum tempo com uma garrafa do mesmo vinho e um pacote que deixava transparecer o que trazia.
Escondeu seu rosto dentre as coisas que carregava, e reapareceu abrindo a boca “surpresa”.

- Todo dia é dia, darling.

Estávamos nos divertindo imenso. O entorpecente me deixara com o ego inflado, como de costume.

- Então você nunca ouviu falar de mim? – Perguntei com falso ar arrogante.

- Nunquinha. Vendi minha TV para comprar crack. – Fala em meio a uma crise de risos. – Mas acredito em você. Vou te tratar como Sid Vicious.


A noite voou, e o efeito dos entorpecentes passava, deixando uma enorme exaustão tomar meu corpo. Parecia acontecer o mesmo com ela, que agora estava deitada com a cabeça para baixo.

 - É tudo tão sem graça e entediante. Quero fugir para a Finlândia e viver entre uma tribo de pigmeus albinos. Mas tudo seria tragicamente entediante, visto que só fugiria de Fred, meu gato, que não acredito que se importe o suficiente para gravar meus programas favoritos enquanto eu estiver fora.  – Dizia dobrando o pacote quase vazio.  – Talvez eu devesse mudar meu nome para Mary.

- A propósito, qual é o seu nome?

Ela se levantou e sorriu apertando os olhos.

- Mary.

O som do telefone chamando tangia desgraçadamente em meus ouvidos. Estiquei o braço meio desorientado e atendi.

- Alô?

- Billie? – Soou uma voz exageradamente calorosa para meus ouvidos de ressaca.

- É.

- Sou eu, George. Desculpa, eu te acordei?

- Ahm, na verdade acordou sim. – Falei tentando não soar muito seco.

- Desculpe. É que Mike marcou cem ingressos para hoje na Gilman, posso confirmar?

- Hoje? Não. Hoje nem pensar. Tenho um novo projeto e tenho que mostrar para eles antes.

- Que projeto? Uma nova banda paralela? – Perguntou em tom surpreendido.

- Não, é só uma música.

- Ah. Amanhã, então?

- Espere. – Fiz alguns cálculos mentais. – Amanhã, acho que dá. Qualquer imprevisto eu aviso.

- Mas preciso que confirme, o espaço não está vazio o tempo todo.

- É o Foxboro Hot Tubs, tudo é obrigatoriamente pendente e imprevisto.

George suspirou.

- Ok, então me ligue para dizer algo. – Falou desligando o telefone.

Me encolhi novamente nas cobertas, e uma epifania repentina me despertou. Palavras corriam por minha mente, e uma explosão de inspiração me tomou.
Levantei desnorteado a procura de uma caneta ou qualquer coisa próxima disso. Um sorriso estúpido tomou meus lábios ao avistar uma. Peguei um pedaço qualquer de papel e comecei escrevendo uma frase aleatória.

“Do you want to elope tonight?”

Minhas mãos estavam incontroláveis, escreviam compulsivamente, me obrigando a ler, assim que acabava de escrever.

Oh, mother Mary take my hand
I'll be your saint, I'll be your man
 I'll do most anything, 'cause i don't care”

Passei o resto da manhã acertando os arranjos e aprimorando a letra. Estava realmente empolgado, me sentia inspirado e positivo.
Quando parei por um momento, pude sentir meu corpo latejante e sujo. Me arrastei para o banheiro, e passei um bom tempo lá, recordando o mundo real, o qual parecia tão distante agora.
Depois de algum tempo, decidi descer e tentar manter as coisas em ordem. A casa estava vazia, exceto por Jakob que jogava um vídeo-game barulhento e a babá.
Me aproximei e beijei sua testa.

- Aonde está sua mãe?

- Ela saiu. Acho que foi ver alguma coisa do Emily’s Army com o Joey.

- Não quer dar uma volta?

- Não. – Falou balançando a cabeça.

- Aham. Vou chamar o Mike e o Tré para passar umas coisas. Qualquer coisa, estou no porão.

O dia se passou depressa. Todos chegaram rápido, e mostrei a música de plano inicial, chamada “It’s Fuck Time” e em seguida, a nova composição, que mais tarde nomeei “Mother Mary”.
Adorava cada minuto que cantava e tocava aquelas músicas, sem o menor compromisso. Definitivamente bandas paralelas são a grande salvação de alguém cheio de responsabilidades com o hobby.

O sol já se punha, e eu jogava baseball com Jakob. Corri porta adentro quando ouvi o celular chamando. Olhei no ecrã, e vi uma confortante ligação de Addie.

- Billie? Estou na casa da Rose, ela está com alguns problemas.

- Ah, tudo bem.

- Quando eu chegar, acho que devemos conversar um pouco...

- É, eu também acho.

- Então está certo. – Ela já se preparava para desligar.

- Addie?

- Sim?

- Eu te amo.

- Eu também.

Aquelas duas palavras me deixaram verdadeiramente serelepe. Tudo estava dignamente perfeito. Até que me lembrei do grande motivo de toda a magistral felicidade que habitava em mim.
Mas não me sentiria culpado, era apenas uma amiga, um objeto de inspiração que me levava de volta aos tempos fáceis, onde tudo era maleável.
Subi as escadas de volta para o quarto, e busquei automaticamente a chave do carro. Desci novamente, e deixei Jakob aos cuidados da babá.

- Não vou demorar. – Falei saindo e pegando o carro.

O vento gélido colidia contra os vidros do carro e deixavam os raios de sol muito mais preciosos.
Ela não estaria lá àquela hora. Quer dizer, ela não podia estar lá sempre.
Ao chegar lá percebi que estava certo da forma mais infortuna possível. Mas ao mesmo tempo, estava um tanto aliviado. Seria meio estranho se ela estivesse me esperando sempre.
Saltei do carro, e procurei rapidamente sem nenhuma esperança de encontrá-la. Já planejava entrar no carro e voltar para casa, quando escuto uma doce e familiar risada. Olhei para os lados, e mesmo assim não encontrei ninguém. Franzi a testa e procurei em cada centímetro dos espaços entre as árvores. Outro riso, desta vez muito mais alto, ecoou nas rochas. Algo bateu fortemente em minha nuca, e ao me virar, percebi que era um sapato. Olhei para cima, e lá estava ela sentada no tronco da cerejeira. Sorria afetadamente e balançava as pernas como uma inocente criança esperando atenção de um adulto.

- Chegou cedinho hoje. – Falou pulando habilmente do tronco e me conduzindo sem direção.

- Não posso ficar muito tempo hoje.

- Ah, não? Quer dizer, você não tem nada para fazer da vida.

- Ahm, na verdade eu não tenho mesmo. É que eu não quero ficar aqui.

- E esse é o meu homem de verdade. – Dizia rindo enquanto me puxava contra seu corpo.

Agora conseguia enxergar o leve degradê dos seus olhos azuis, contradizendo com o forte amarelo, que deixava tudo cintilante e pálido.
Ela se aproximava lentamente, até que estivéssemos tão perto, que qualquer pessoa olhando de fora, confirmaria um beijo. O aroma suave que saia dentre seus dentes, seduzia meu olfato de uma forma que me fez inclinar mais ainda a cabeça. Por um momento tive a leve impressão de que nossos lábios se tocaram rapidamente. Quando quase o fazia, de fato, fui repentinamente interrompido pelas suas inconvenientes palavras.

- Então, nós vamos ter relações sexuais? – Dizia chegando ainda mais perto, e se distanciando logo em seguida.

Ela sentou no capô do meu carro e me puxou pela manga da camisa.

- Cadê seu carro? – Perguntei.

- Está na minha casa, oras.

- Você veio a pé?

- Quando eu vi que você estava vindo essa hora, não deu tempo nem de ligar o carro. – Disse rindo.

- Você mora em alguma caverna por aqui? – Perguntei olhando ao redor.

- Nossa, que perspicaz. – Falou arqueando uma sobrancelha. – Não sou tão coitada quanto você pensa, Sir Bill Gates.

Agora parecia realmente ofendida, devia ter tocado em alguma ferida. Ou devia estar assustadoramente certo.

- Just kidding, my dear. – Falei tentando aliviar a situação.

Ela balançou a cabeça e entrou, com a habilidade de um verdadeiro contorcionista, janela adentro do carro.

- Vou te levar para conhecer minha caverna e Fred, meu mastodonte. – Dizia enquanto dava tapinhas no banco do passageiro.

- Na...Não, não é preciso. Eu sei que você não mora em uma caverna, só estava brincando. – Balbuciei nervoso.

Ainda continuava me olhando e esperando que eu entrasse no carro.

- E eu tenho que voltar para casa logo.

- Entra!- Insistiu. - Ou eu roubo esse carro, agora mesmo.

Entrei no carro e ela o arrancou bruscamente, ecoando um grande estrondo do pneu colidindo com o chão.

- Eu realmente preciso voltar para casa. Tenho inúmeras coisas para resolv...

- Cala a boca. – Interrompeu-me, sorrindo de canto. – Não se aperreie, vou te deixar em casa na hora. No regrets, no punishments, my big boy.

Depois de alguns comentários aleatórios sobre o último jogo dos Yankees e muitos cigarros, ela estacionou em frente a uma típica casa do subúrbio, com curtas janelas de madeira escura e uma desbotada cor cinza nas paredes.
Ela desceu do carro, e bateu levemente a porta do carro, olhando para mim, como se esperasse alguma reclamação.
Em resposta, franzi a testa e fechei a porta do carro o mais forte que consegui.

- Vamos logo. – Disse pisando rudemente no gramado mal cuidado.

Ela caminhou acompanhando as trepadeiras que se esparramavam pela parede escura, parando em uma larga árvore ligeiramente desalinhada, e sentou-se em um balanço de pneu.

- Mon château. – Falou apresentando a casa ao lado com o braço.

- Ahm, não se parece mesmo com uma caverna... – Que merda! Porque eu não parava de falar na maldita caverna?

- Não é uma caverna. – Reforçou, franzindo a testa e balançando a cabeça, como se fosse a coisa mais absurda do mundo. - Quer conhecer o Fred?

A segui até a janela, onde ela tentava, desesperadamente, enxergar algo lá dentro.

- Porque não tenta abrir a porta? – Perguntei.

- Nós não vamos entrar. – Falou vagamente enquanto analisava a casa com os olhos fixados no vidro. – Fred! Aqui está você, seu merda. Venha ver, rápido.

Caminhei um tanto receoso com o que poderia vir a ser Fred. Encostei meu rosto ao vidro, e observei a imagem de, o que parecia ser, um gato realmente gordo.

- Não se parece com um mastodonte, não é mesmo? – Perguntou rindo.

- Na verdade, não se parece mesmo.

Ficamos parados no mais absoluto silêncio por um longo tempo, até que uma jovial balada dos anos sessenta soou. Ela deslizou graciosamente até o balanço de pneu novamente.

- Esse pneu é a coisa que mais me faz feliz no mundo. Eu sempre quis ter um pneu. Sempre. Me lembro de toda minha infância, cada segundo dela, como se fosse ontem. Todos os “dramas” familiares e as aulas de Francês no final da tarde. – Dizia em tom nostálgico, apreciando cada balanço do pneu. - Enquanto todas as crianças se divertiam em seus balanços de pneu, amarrados com segurança por seus pais, eu me deleitava com o som melancólico do piano, que vinha de alguma casa da vizinhança, a qual eu nunca descobri.

Eu continuava calado, calculando qualquer frase que demonstrasse o meu interesse pelo fim da historia.

- Parte de minha infância também foi complicada. Meu pai morreu quando eu tinha dez anos, e minha mãe já tinha problemas suficientes para conseguir lidar com minha dor de alguma forma...

- Eu só queria ser criança. Só queria que meu pai olhasse para mim, pelo menos uma vez. Só queria sentar no meu balanço de pneu com um bom livro colorido no final do dia. – Continuou, com os olhos vidrados, ignorando completamente o que eu acabara de dizer.

Uma misericórdia me tomou, me fazendo dar um abraço desajeitado em sua cabeça. Aquela garota que parecia não ter começo nem fim, começara a ganhar uma forma concreta, real. E eu estava simplesmente fascinado com tudo isso.

- Mas nunca é tarde para se realizar os pequenos desejos da infância. Veja agora, pode... se balançar quando quiser. – Falei da forma mais idiota possível, dando longos intervalos entre as palavras.

- Você sabe que não.


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Notas finais do capítulo

Toda a história faz referência a várias músicas, ninguém percebeu nenhuma? :BE pelamor, deixem os reviews, assim nem rola escrever mais nada ):



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