Inspirados - o Andarilho do Tempo escrita por Pedro_Almada


Capítulo 13
Tharsos, o Leprechaun


Notas iniciais do capítulo

Enjoy!



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Tharsos, o Leprechaun

            Garza recolheu suas asas, escondendo o rosto entre as plumas. Haviam atravessado parte do oceano e pousaram em uma ilha minúscula, onde um galho da grande árvore descansava suas folhas sobre a pequena porção de terra e, na sua extremidade, uma pequena casa de pedras e pau estava erguida, modesta, porém consistente.

            A música parara de tocar e, em pouco tempo, Garza d’Uthopia pegou em um profundo sono. Charlie encarou a casinha, imaginando quem seria o tal Tharsos.

            - Antes que perguntem, Tharsos não é uma fábula. Desde a fundação do Meio-Termo os leprechauns habitam essas terras. Vou logo avisando, ele não gosta muito de Inspirados e, quando souber que temos um Desfabulador aqui, ele vai enlouquecer. Mas não liguem... Nunca o vi matar ninguém sem motivos razoáveis.  

            Os irmãos trocaram olhares apreensivos. Esperavam que Munphus sorrisse, dizendo algo do tipo “é brincadeira, jovens”, ou algo do gênero. Mas, não. O velho simplesmente caminhou em direção à casa e bateu na porta três vezes.

            - Será que devemos ter medo de alguém que mora numa casinha dessas? – perguntou Andrew.

            - Por via das dúvidas, mantenha seu braço dentro da jaqueta e, se ele perguntar, você é o Inspirado.

            Munphus aguardou alguns segundos, mas ninguém atendeu. Bateu mais uma vez, em vão. A casa parecia estar inabitada, com as janelas quebradas e a grama alta balançando nos fundos da casa.

            - Acho que ele morreu – falou Andrew, esperançoso.

            - Não sejam tolos, Tharsos sempre foi assim. Sujo e desleixado. Acho que foi pescar, não vejo seu barco em lugar nenhum. E não sejam covardes. Tharsos devora os covardes no jantar.

            Munphus lançou um olhar minucioso a sua volta, procurando pelo amigo, enquanto Charlie e Andrew tentava imaginar como seria o aspecto de Tharsos. Foi quando Munphus avistou um barco.

            - Ah, vejam só! Lá está ele. – Munphus acenou e, ao longe, eles puderam visualizar uma pequena embarcação de madeira com uma vela peita de trapos remendados. Um vulto nanico acenou, parecendo pouco encantado com a visita.

            Em menos de dois minutos, o homem baixinho estava amarrando sua pequena embarcação em um toco preso à margem.

            Tharsos era tipicamente o leprechaun que se ouvia falar na Terra. Um homem baixinho de cabeleira ruiva, uma barba espessa até a cintura, uma barriga saliente e roupas da idade média de diferentes tons de verde e marrom. Orelhas pontudas, nariz adunco e, como se não bastasse, o lábio inferior era um pouco mais carnudo e enrugado. Sobre sua cabeça um chapéu de três pontas pendia para o lado.

            - Pegou alguma Kappa hoje, Thor? – perguntou Munphus.

            Tharsos rosnou:

            - Está vendo alguma coisa no meu barco? Diga, Munphus, o que faz aqui? E quem são eles moleques? E, pela última vez, não me chame de Thor. Não faz o menor sentido.

            A voz do pequeno Tharsos era esganiçada, porém grosseira, o que, por muito pouco, lhe dava um aspecto mais agressivo. Ainda assim, Charlie não conseguia imaginar aquele homem como sendo um “devorador de covardes”.

            - Viemos treinar. – avisou Munphus.

            Suas palavras foram suficientes para fazer os olhinhos amarelos de Tharsos se estreitarem.

            - Qual deles é um Inspirado? – perguntou o leprechaun.

            Charlie engoliu em seco.

            - Eu – disse, enfim.

            Tharsos aproximou-se de Charlie, andando em círculos, mantendo o garoto em seu campo de visão. Parecia estar mais pensando do que olhando.

            - E o outro? O moleque baixinho? – perguntou o leprechaun.

            - Eu, baixinho? – Andrew retorquiu – falou, Golias!

            - Ele só está de passagem...

            O leprechaun suspirou, encarando o amigo com certo desdém.

            - Você está ficando displicente, caro Munphus. Não pode manter uma criança comum aqui. É perigoso.

            - Eu garanto a você que ele sabe se cuidar... Aliás, você recebeu o que eu mandei?

            - O que? A garota chorona e o gato vadio? Eu os deixei no porão. Sabe, aquela menina bem que poderia ficar aqui, ela cozinha salmão muito bem.

            - Não seja cruel, Tharsos, ela é uma princesa. Até onde sei, Morganna não está nada feliz. Precisei convencê-la de que os curandeiros do meu reino podem consertar.

            - Aquela bruxa ainda acredita que você seja um rei. Logo percebe-se que ela não tem tino pra nada... Mas, me diga, Munphus. Como foi acontecer? Isso me parece obra de um... Desfabulador.

            O velho bibliotecário assentiu.

            - Se nos permitir entrar, contarei tudo e, logo, te deixaremos em paz.

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            O interior da casa era aconchegante e bem maior do que aparentava ser. Havia uma sala com sofá e duas poltronas. Um pequeno muro de barro de um metro separava sala da cozinha, essa maior do que primeiro cômodo. No canto havia uma cama e, atrás de um armário velho de madeira havia uma privada.

            - Sentem-se. Não tenho nada a lhes oferecer... Gostariam de, han... Água salgada do mar?

            Munphus revirou os olhos.

            - Hei, senhor... – Andrew murmurou para o bibliotecário – ele não parece tão feroz quanto diz ser.

            Tharsos virou-se para o rapaz.

            - Ah, quer saber? Eu sou um simples leprechaun. Obrigado, Munphus, mas ninguém acreditaria que eu sou um devorador de... Seja lá o que você tenha dito dessa vez.

            Munphus deu de ombros, dizendo:

            - Eu bem que tentei, caro amigo. – Munphus virou-se para os jovens – ele se sente inferior aqui... Há muito não tem o respeito que merece.

            - Vamos logo ao que interessa. Não movo uma palha sem saber em que estou em metendo.

            - Ok – Munphus olhou para Charlie – por onde começamos?

**********************************************************************

            - Então vocês foram atacados por uma sombra e o baixinho aí carrega um Desfabulador. Sim, isso é, completamente, a cara de um semi-vivo. O garoto com a cabeça grande (“Calminha aí”, queixou-se Charlie) é o Inspirado que liberou as feras de seu Literadouro clandestino e, agora, vocês estão criando essa teoria louca de que o Despertar do Vazio pode estar próximo e que, de um jeito mirabolante, Northon Galahan, o infeliz que foi jogado pela eternidade dentro daquele maldito Vazio, está por trás de toda essa maluquice.

            Munphus, Charlie e Andrew ficaram em silêncio, os olhares cheios de expectativa em direção ao homenzinho ranzinza. Ninguém trocou uma única palavra e, durante esse tempo, Tharsos parecia estar analisando as possibilidades.

            - Você esclerosou de vez, Munphus. Vá se tratar, homem!

            Munphus sacudiu a cabeça, pesaroso.

            - Olha, Tharsos. Você não precisa acreditar em mim. Mas, faça um favor a um amigo à beira da loucura. Ajude-me a ensinar esse garoto a alcançar todos os seus talentos. Sozinho eu levaria muito tempo.

            - Munphus... Você sabe que, quando menos souberem, menos problemas nós teremos.

            - Tharsos... – Munphus lançou um rápido olhar em direção a Charlie e falou, quase em um sussurro – estamos em tempos difíceis, com todas essas aparições... Ele precisa aprender...

            O homenzinho encarou o velho, desconfiado. Charlie logo percebeu que, de cruel o leprechaun não tinha nada. Apenas um enorme ressentimento com o resto do mundo. Qualquer um dos três.

            - Tudo bem – disse, enfim – Se começarmos agora, acabamos mais cedo, vocês desaparecem da minha casa e eu posso ser feliz novamente.

            - Tentador, hãn?

            Tharsos conduziu o trio até os fundos da pequena cabana. Uma cerca, tomada pela grama alta, delimitava a área do jardim. Diferente do resto da casa, aquela era a parte mais bem cuidada, com belas flores, arbustos bem cuidados e com formas de golfinhos e pássaros. O caminho de pedras era desenhado com cascalho, enquanto outras pedras brancas, cinzas e azuis adornavam os espaços entre as folhagens. O perfume inundava o pulmão de Charlie, dando-lhe uma sensação de sonolência.

            - Planto muitos chás calmantes no jardim – avisou Tharsos – é bom para o humor. Não pisem em nada, ou esfrego o focinho de vocês na lama. 

            Andrew virou-se para o irmão e cochichou:

            - “Bom para o humor”, ele disse.

            Tharsos caminhou até o fim do jardim, onde as ondas do mar quebravam logo abaixo dele, em um amontoado de rochedos, onde cresciam musgos azulados.

            - Podemos começar – avisou o leprechaun, acenando para o amigo.

            Munphus tomou a dianteira. Andrew sentou-se em uma cadeira de balanço, de onde podia ver todo o jardim. 

            - Bem, Charlie. Antes de mais nada, saiba que seu dom é muito maior do que escrever e fazer acontecer... Você tem as mãos Inspiradas, a capacidade de criar e interferir o Meio-Termo... O que irei lhe ensinar, normalmente, não seria útil em nosso mundo, mas... Depois de tantos Literadouros serem abertos, o equilíbrio, já comprometido, ficou ainda pior... Com isso, seu talento se estendeu aos três mundos... A sua capacidade em, digamos, manipular o pensamento com as mãos.

            Charlie adotou sua habitual expressão de dúvida, o que dispensou comentários. O bibliotecário continuou.

            - Veja bem... Lembra-se na sua escola, quando você enviou sua história par ao Vazio, e alguém usou da “Troca Equivalente”, trazendo os dragões e as sombras? Pois bem... O mesmo aconteceu com os ratos, um dia antes. O objeto de troca foi, como você mesmo disse, o seu suco de uva...

            - Quem, diabos usa suco de uva numa troca equivalente? – rosnou Tharsos.

            Munphus ignorou o comentário e continuou:

            - Mas uma coisa aconteceu. Algo que, normalmente não acontece... Os ratos foram convertidos em suco de uva... Isso, Charlie, não foi obra do Literadouro, Vazio, ou seja lá o que esteja por trás disso. Foi você.

            Charlie piscou algumas vezes, olhou para o irmão, que deu de ombros.

            - Estamos passando por esse extremo desequilíbrio. As trocas estão sendo feitas com o Vazio e, acredito eu, isso desestabilizou o equilíbrio. Seu dom de inspiração não está afetando apenas o Meio-Termo, mas qualquer um dos três mundos... O que me leva a crer que estamos, cada vez mais perto, do...

            - Despertar do Vazio – completou Charlie, sentindo a preocupação escondida na voz do bibliotecário.

            - Mas podemos usar isso a nosso favor – informou Munphus – a Inspiração está ganhando força, e se estendendo aos outros mundos. Precisamos treinar para que consiga dominar sua mente, seu corpo e seus desejos.

            - O que ele quer dizer, rapaz, é que você pode transmutar as coisas, como fez com aqueles ratos – interrompeu Tharsos – mas, para isso, você precisa liberar sua Inspiração, à moda antiga.

            Charlie assentiu. Ainda não estava pronto para falar.

            - O que você fez, Charlie, foi manipular a forma mais simples: a forma líquida. Ela não possui um formato definido e as moléculas estão mais desprendidas. Mas se quiser lutar plenamente contra o Despertar, precisa libertar a Inspiração que existe em você.

            Charlie fitou o velho.

            - Como faço isso? – perguntou o garoto.

            - Bem, essa parte é mais difícil. – avisou Munphus – Nós temos...

            Tharsos interrompeu.

            - Um momento, Munphus, deixa que eu explico o resto. – ele sorriu para o garoto – nós precisamos queimar você.


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Notas finais do capítulo

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