Inspirados - o Andarilho do Tempo escrita por Pedro_Almada


Capítulo 12
Destoa, Pyrah!


Notas iniciais do capítulo

nota: o nome Pyrah é pronunciado da seguinte forma - "paira". Só um aviso, quaso alguém não saiba xD

boa leitura pessoal.


Se gostarem, ReCoMeNdEm!!



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Destoa, Pyrah!

            Completo silêncio. Nem mesmo o vento, antes selvagem, desafiava a quietude dos campos com seu assobio agourento. Apenas passos, rápidos, mas cautelosos. O céu estava nublado e, embora o grande sino da catedral acabasse de indicar meio-dia, era impossível ver sequer uma única trança dourada de Sol vespertino.

            A figura de longa capa negra se projetou sobre a ponte, enfiando-se no pomar de maçãs. Tratava-se de um homem, ou quase isso. Em seu rosto, repleto de cicatrizes, fora estampado um sorriso frio. O homem de meia-idade apresentava boa disposição, olhos violeta, muito astutos, e um rosto quadrado e ossudo. A maior das cicatrizes estava desenhada desde o seu queixo à altura de sua cabeça, onde tufos de cabelo deixaram de nascer. Seria apavorante, se não fosse o fato de esse mesmo homem estar fugindo.

            - Ninguém vai me alcançar aqui... – murmurou o homem para si mesmo, rindo entre os dentes – ninguém...

            O vulto apertou o passo, mas, de forma curiosa, evitava fazer o menor barulho. Era tolice, ele estava sozinho nos campos e nenhuma macieira iria se queixar de suas extravagâncias. Isso, claro, não passou por sua mente. O homem sabia, exatamente, que não precisava ver ninguém para saber que estava sendo seguido... E caçado.

            Finalmente avistou a dianteira do rio, onde suas águas calmas permitiam a travessia. O homem não conhecia aquele lugar perfeitamente, afinal, acabara de chegar de um lugar bem distante.

            Suas botas de borracha afundaram na lama, mas não foi o suficiente para impedi-lo. Ele continuou a sua corrida silenciosa. Chegou à margem, lançou um rápido olhar para trás. Nada alem de macieiras e um cheiro desagradável de sangue no ar. Estava começando a sentir sua sede viciosa e dominadora.

            - Concentre-se, Fertes... – disse ele para si mesmo, estapeando a própria cabeça e prendendo a respiração – concentre-se... Falta pouco, agora...

            Sua caminhada deveria persistir. Ao atravessar o rio, no entanto, deparou com um pescador que dormia em uma rede presa às tabuas do píer. Fertes encarou a figura robusta e branca, com as veias pululando avivadamente com o sol aquecendo o sangue e atiçando o frescor do cheiro. O instinto começava a gritar em seus ouvidos, fazendo-o regressar à sua natureza, desligar-se de seu perseguidor e, enfim, saciar a sede incontrolável.

            Já não conseguia mais resistir ao aroma. Precisava se entregar, drenar o sangue que levaria para longe sua fome. Saltou sobre o homem com fúria. “Apenas uma parada”, ele tentava se convencer, “ela não pode me alcançar nesse meio tempo”.

            O pescador nem ao menos conseguiu gritar. A voz escapou-lhe da garganta e, enquanto Fertes cravava os dentes na jugular daquele homem, seus olhos iam perdendo o brilho, a vida ia, aos poucos, esvaindo-se. Logo, Festes tinha apenas um reservatório de sangue. Em suas mãos, apenas a morte. Ele trincou os dentes, furioso. Desejava abraçar a morte daquele corpo tanto quanto desejava o sangue.

            Fertes atirou o corpo dentro do rio, enxugou a boca na capa e, lançando um olhar em todas as direções, certificou-se de não estar sendo seguido. Ao longe, ele pôde ver os pomares sendo atiçados por algum movimento. Ela estava bem próxima.

            Retornou à sua fuga. Agora, misturado à satisfação do paladar, estava o medo. Se fosse encontrado, sabia o que lhe esperava. Sentiu ódio de si mesmo por ser fraco e não superar sua tentação. Fertes sentiu o calor do pescador em suas mãos e, percebeu que poderia estar bem próximo de se juntar a ele.

            O vampiro estava correndo desenfreadamente quando, de súbito, fora arremessado contra uma árvore, sentindo alguma coisa queimando em suas costas. Sua capa estava em chamas. Fertes atirou-a para o lado e, sem olhar para trás, correu.

            - Destoa! – uma voz feminina e furiosa soou, ecoando em todo o cenário deserto.

            Um círculo de fogo rodeou Fertes, mas ele saltou, escapando por pouco.

            - Não fuja, Fertes! É inútil! Destoa! – a voz preservava o mesmo tom furioso.

            Bolas de fogo do tamanho de bolas de golfe começaram a cair do céu, espalhando a chama descontrolada, consumindo árvores e arbustos.

            Fertes sentiu o fogo lamber-lhe as pernas, enquanto a queimação começava a arder em uma dor sem tamanho.

            - Vai preferir enfrentar mil sóis quando estivermos face a face, vampiro! Facilite as coisas!

            Fertes começava a apresentar os primeiros sinais de pavor em sua respiração e feições. Acabara de perceber o quão tolo fora ao se alimentar daquele homem.

            - Não volto pra lá! Jamais! – gritou Fertes, mesmo sem ver sua perseguidora.

            - É vivo lá ou morto aqui! Escolha!

            Ele parou, abruptamente. Sentiu, então, o peso daquelas palavras. Virou-se, trêmulo, ainda havia a presença do sangue quente escorrendo entre seus dentes. Se era medo, ou cautela, não importava mais. Se tinha opções, queria aquela que não lhe causasse mais tanta dor.

            A chuva de fogo cessou e, a frente do homem, surgiu uma garota. Aparentava pouco menos que vinte anos, mas seus olhos cor de âmbar carregavam dores de uma vida inteira. Seus cabelos castanhos ondulavam com o vento que, naquele momento, começava a soprar, cada vez mais persistente.

            - Viver lá... Não seja perversa, vida não combina com o Vazio... – disse ele, entre os dentes.

            - Não posso deixá-lo aqui, Fertes! Matou muitos durante a sua fuga. Aqui, não há perdão pra você.

            Fertes encarou a garota de face inexpressiva. Como podia ser tão fria e, ao mesmo tempo, tão bela e jovem? No íntimo, Fertes queria provar daquele sangue, devorar até a última gota, mas, sabia que jamais conseguiria.

            - Você persistiu em me capturar por quase um mês... Por que isso?

            Ela o encarou, enquanto sua expressão de gelo se encarregava de esfriar a atmosfera entre eles, ainda que fosse o fogo seu elemento.

            - Meu nome é Pyrah, sou uma Emissária, Corsario Pyro. É meu dever e, portanto, devo tirá-lo do nosso mundo. Poupe-me das caças e venha comigo.

            Fertes estremeceu. Caiu de joelhos no chão, cravando os dedos na terra úmida. O vento começava a soprar mais forte.

            - Não quero... Nunca mais, volta para o Vazio... Pyrah, certo? Nome forte...

            Ela não fez nenhum movimento, simplesmente observava o homem.

            - Sabe, Pyrah... Existe apenas uma regra no Vazio... “não morra”.

            Involuntariamente a jovem afrouxou sua expressão dura.

            - Não morra... – repetiu Fertes – é a pior coisa que alguém pode dizer... Morte é uma dádiva para nós, caçadora. Um presente que nos foi proibido... Tudo porque, um dia, alguém nos encheu de desejos e pensamentos torpes e nos abandonou... Não somos criminosos, Pyrah... Somos apenas a conseqüência.

            Pyrah não disse nada. Cada palavra do vampiro fazia seu corpo amolecer em completa compaixão, mas não poderia demonstrar.

            - É meu dever. Vamos...

            - Deixe-me morrer.

            Ela fitou-o, surpresa.

            - O vento está afastando as nuvens. Tão logo o sol irá despontar no céu... Deixe-me morrer... Você não sabe como é patético viver para matar e, ainda assim, sentir inveja dos que morrem em suas mãos... Fui covarde pela última vez ao fugir de você.

            - Não posso deixá-lo morrer – a jovem, antes furiosa, esforçava-se para manter em sigilo o seu tom de voz comovido – não é certo.

            - Se você me deixar morrer, jovem... Durma bem, todos os dias, sabendo que fez um grande favor a alguém que nada merecia... Isso é certo.

            Diante daquelas palavras, Pyrah não soube o que dizer, ou o que fazer. Estava prestes a agarrar o homem pelo braço e levá-lo de volta ao lugar de origem. Os olhos de Fertes estavam marejados, não com lágrimas, mas com gotas de sangue. O homem ficara congelado em uma expressão de dor e agonia.

            Pyrah olhou para o céu. Um filete mínimo de sol iluminou o rio. Ela decidiu. Sentou-se em uma pedra, próxima ao vampiro. Encarou aqueles olhos violeta brilharem. Fertes percebeu que seu pedido seria atendido e, incontido, sorriu para a jovem.

            - Você tem um belo mundo, caçadora... Cuide dele.

            O vento soprou com mais força. As nuvens foram repelidas aos poucos, abrindo caminho para os raios de sol. O ouro do astro inundou a margem do rio, aproximando-se deles cada vez mais. Pyrah apanhou um graveto no chão e começou a cutucar torrões de terra.

            - Misericórdia... Precisávamos disso no Vazio...

            Quando, finamente, o sol se aproximou, Pyrah virou o rosto para o lado oposto, enquanto ouvia um gemido logo atrás dela. Um grito contido de agonia. Fertes estava no chão, enquanto seu corpo era reduzido à cinzas.

            O sol, agora exibindo sua luz superestimada, reluzia a brasa que era carregada pelo vento. Não havia mais nenhum Fertes, e nenhuma dor. Apenas morte, o que, por um breve momento, foi a melhor coisa que alguém pôde ter.

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            Pyrah passou boa parte do dia assistindo as cinzas dançarem com o vento. Estava calmo, silencioso. Ela desejou que Festes pudesse sentir a mesma paz.

            Mal acabara de se levantar quando viu, ao longe, duas pessoas se aproximando montados em um lobo de pelagem escura. Pyrah suspirou, desanimada, assistindo a aproximação dos dois Emissários de Manhattan.  


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Notas finais do capítulo

merece review? xD