Inspirados - o Andarilho do Tempo escrita por Pedro_Almada


Capítulo 10
Aparição – O Clown di Douprèe


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo postado! Espero que gostem!
reviews e recomendações são bem-vindas e necessárias (para o frágil ego do autor)

fiquem na Paz, e divirtam-seD!



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Aparição – O Clown di Douprèe

            A noite caiu rapidamente. Charlie decidiu que seria melhor não contar aos pais que faltaram à aula. Se o fizesse, seria provável que o irmão mais velho seria responsabilizado por tudo, cem porcento de culpa.

            Munphus pediu que esperassem um pouco mais. Estava com Andrew na sala, analisando a mão bizarra, enquanto Charlie, Helena e Ernesto se encaravam sobre o balcão da biblioteca, já fechada.

            - Não se preocupe – avisou Helena – meu pai ligou para sua mãe, disse que vocês ficaram aqui conosco. Disse que os levaria pra casa.

            - Ele não vai nos levar, ou vai?

            Ela riu, negando com a cabeça.

            - Então... Quando irei ver, de fato, o Literadouro?

            Helena trocou um olhar de desdém com o primo, que fez questão de mostrar sua insatisfação com a pergunta.

            - Não tão cedo. Já não foi o suficiente encarar a Rainha de Kanwitcha?

            - Não, acho que não. Eu tenho, ainda algumas perguntas. Por exemplo, depois que ele descobriu quem era o verdadeiro Charlie Galahan, ele me olhou com... Hesitação, ou algo mais. Por quê? Quer dizer, é só um pseudônimo.

            - Bem, acontece que você é um dos melhores escritores que o tio Munphus já viu e, quando um Inspirado escreve ou pensa, ou sonha (ou seja lá o que vocês fazem) tudo isso fica registrado no Literadouro, nas folhas das árvores.

            - Nas folhas das...

            - Não interrompa, eu ainda não acabei. Bem, quando se usa a Inspiração, a criação torna-se real. E, de todos os personagens, o meu tio era um admirador dos seus... Grimos, os inimigos Imperador Gregorius e Rei Theodore...

            Charlie lembrou-se deles. Os dois últimos foram criados naquele dia em especial, a primeira vez em que entrou na biblioteca, sem saber o que estava escondido, quando ainda não conhecia a si mesmo.

            - Acontece que nunca vimos isso acontecer. É a primeira vez que o pseudônimo é usado em lugar do verdadeiro nome. Na sala de livros, atrás daquela porta, tem uma estante só com “histórias, pensamentos e contos de Charlie C. Galahan”.

            - Mas meu pai – continuou Ernesto - sempre teve muita hesitação por Charlie Galahan, por causa do...

            - Sobrenome? – completou Charlie.

            - Exato – ela murmurou, pesarosa – ele nunca encontrou Charlie Galahan em sua busca pelos Inspirados, então começou a acreditar que, talvez, se tratasse do próprio Northon, escondido, tramando alguma coisa. Acho que quando ele leu a sua carta, todas as teorias dele sobre “como Northon fugiu do Vazio” foram por terra.

            - Sinto muito...

            - Tudo bem, meu tio deve estar feliz por saber que você não é Northon. Mas acho que ele ainda desconfia... Por que você adotou esse nome, é o que ele deve estar se perguntando agora.

            Charlie escondeu seu temor. Não havia uma resposta, não conseguia se lembrar de onde viera a idéia. Simplesmente, um dia, estava assinando um pseudônimo no lugar de seu verdadeiro nome. Seria, mesmo, algo para se preocupar?

            - Esse tal Andarilho do Tempo... O que ele faz de tão especial?

            Helena deu um sorriso sarcástico.

            - Ele é só a Fabula Prima do Meio-Termo. Ele vagou por todos os mundos, colhendo informações, obtendo conhecimento sobre tudo, sobre todos. Ele não precisa que aconteça o Despertar do Vazio, o Doomsday ou o Hagnarock pra conhecer todos os mundos e transpor os limites que nos cercam. Ele acabou descobrindo como viajar no tempo. Alguns dizem que ele avançou no tempo, e nunca mais voltou. Ele é a forma mais fácil de se obter a resposta para o Despertar do Vazio...

            - Ele é do mal? – Charlie arriscou a pergunta, mas logo sentiu a infantilidade em seu tom de voz. Era patético, no entanto ele não saberia definir os lados, a não ser “bem” e “mal”.

            - Não seja idiota! Ele nos salvou das idéias macabra de Northon! Mas não sei se isso faz diferença. Ele nunca mais foi visto. Alguns se atrevem a dizem que o Andarilho é só um mito bobo. Eu não acredito nisso. Sei que o Andarilho está por aí, em algum lugar...

            Charlie pode vislumbrar uma luz intensa nos olhos de Helena, uma mescla de esperança e medo. Algo que ele tão bem entendia.

            O rapaz aproveitou o silêncio para absorver toda a informação. Era muita coisa para uma cabeça normal, que não tinha maiores preocupações, além de tirar boas notas e se esquivar do pai.

            - O que vai acontecer com meu irmão, agora? – perguntou Charlie, temeroso.

            Dessa vez foi Helena quem deu de ombros.

            - Nunca vimos nada parecido. As sombras vivas, como vocês disseram, não temos idéia do que se trata.

            - Provavelmente meu pai está lendo suas histórias nesse instante – falou Ernesto – procurando pelas tais sombras.

            - Eu não as criei. – protestou Charlie, em sua defesa.

            - Logo vamos saber... Tudo o que você escreve é “arquivado” no Literadouro... Logo saberemos de onde, raios, vieram essas sombras, e se podemos ajudar seu irmão. Só espero... Oh, não.

            Ernesto parou de falar, olhando, apreensivo, em direção a uma janela da biblioteca, no ponto mais alto. Havia uma pequena fresta aberta, o suficiente para que um pássaro entrasse. Mas não foi isso que passou pela janela.

            Um besouro, ligeiramente menor que os demais, sobrevoou o teto da biblioteca, parecia eufórico para um inseto pacato. Girou no ar duas vezes e, por fim pousou sobre o balcão, agitando as frágeis asas brilhantes.

            - É do seu pai? – perguntou Charlie.

            - É um dos espiões dele – avisou Ernesto – papai solta alguns de seus corsários pela cidade para vigiarem as movimentações, digamos, anormais. Esse aqui está muito inquieto. Com certeza foi uma aparição.

            Charlie fez uma expressão de dúvida.

            - O Meio-Termo cuspiu alguma coisa – explicou Helena sem delongas – é nosso trabalho devolvê-lo ao seu lugar.

            - Como fizeram com o meu dragão?

            Mais uma vez, Helena e Ernesto trocaram olhares ilegíveis.

            - Isso é outra coisa que precisamos explicar depois. – avisou ela – vamos.

            - Vamos? – Charlie fitou a garota – vamos aonde?

            - Ora, você vem com a gente. Ou, por acaso, não está interessado em ver uma aparição?

            Charlie ficou de pé. Como antes, estava tomando pela curiosidade.

            - Mas vou logo avisando – Ernesto falava em tom de ameaça, apontando o dedo em direção às fuças do rapaz – fique longe, apenas olhe, e tente fingir que não está lá. Isso seria ótimo.

**********************************************************************

            - Basicamente, eles ficam desorientados quando chegam aqui – explicava Helena, enquanto os três jovens pedalavam pela avenida principal.

            Infelizmente não dispunham de um transporte melhor, por isso, suas bicicletas eram os meios mais rápidos se chegarem ao local onde queriam.

            - A mudança de ambiente pode desestabilizá-los um pouco, uma vez que o Vazio e o Meio-Termo possuem densidades atmosféricas diferentes. Quando entram em nosso mundo, ficam sonolentos, por isso, geralmente, conseguimos neutralizá-los antes que criem grandes problemas.

            - Como sabem para onde ir?

            - Siga o besouro – Ernesto apontou para o alto, onde uma bolinha verde reluzente sobrevoava apressada – mas não o perca de vista, ele não se importa se é, ou não capaz de vê-lo. Corsários podem ser muito temperamentais. Vamos, chega de papo!

            O inseto os levou até uma enorme praça, rodeada por prédios, onde centenas de pessoas caminhavam, muitas delas apressadas. O céu estava coberto pelos arranha-céus de concreto, era quase impossível ver uma única nuvem flutuando acima de suas cabeças. A sombra se projetava no grande chão avermelhado.

            A praça tinha uma fonte, onde alguns desocupados se sentavam e molhavam os pés em suas águas límpidas. Os bancos eram todos de concreto e, por mais que as árvores se esforçassem, simplesmente não conseguiam afastar o ar extremamente urbano, o que era óbvio, se tratando de Manhattan.

            - O que deveríamos estar procurando? – perguntou Charlie.

            - Sinta, Charlie. Apenas sinta – avisou Helena – a vibração deles é diferente, e nós somos capazes de sentir, apenas feche os olhos e deixe que a própria “aparição” o atraia. Não precisa fazer esforço algum...

            Charlie ouviu, atentamente. Seguindo a dica de Helena, ele fechou os olhos, deixou que apenas sua respiração influenciasse seus pensamentos, sentindo o ar entrando, saindo, enquanto a pouca brisa atiçava seus cabelos. A princípio, nada aconteceu. Quando estava prestes a desistir, foi engolfado por uma súbita rajada de ar frio, que parecia circular a sua volta, detendo-o ali mesmo.

            - Estou sentindo algo! – Charlie sorriu, eufórico. Pela primeira vez, sentiu algo diferente, uma experiência nova que mexia com todos os seus sentidos de forma sobrenatural – uma brisa!

            - É o nosso alvo! – avisou Ernesto – vamos, sigam a corrente do vento!

            Eles começaram a correr pela praça, fazendo caminho em meio às pessoas que esbarravam, e retribuíam com um palavrão.

            - Lá! – exclamou Helena, detendo os dois rapazes pelo braço – vejam.

            Logo à frente, havia uma mulher com uma criança num carrinho de bebê. Estavam próximos a um salgueiro, enquanto eram entretidos por uma figura curiosa: um homem de roupas de cores chamativas, um pescoço comprido e magro que dava a impressão de uma cabeça flutuante. Havia longos penachos presos em suas costas, semelhantes à cauda de um pavão. Suas feições lembravam a de um palhaço de circo, porém de forma bastante escandalosa.

            - É ele? – Charlie perguntou – Ele não parece muito... Humano.

            - Talvez não seja. Vamos, temos que ser cautelosos, não sabemos o que ele é capaz de fazer. Se bem que... A julgar pela presença que ele tem, deve pertencer ao Meio-Termo.

            Enquanto caminhavam em direção ao palhaço, a mulher se despedia com um sorriso, empurrando o carrinho do bebê. A aparição fez uma reverência cordial e acenou, contente com o riso da criança.

            - Ele me parece gentil – comentou Helena.

            A criatura sentou-se ao lado de um homem e pôs a fazer gestos com as mãos, talvez fosse linguagem de sinais. Para espanto do trio, o homem respondeu da mesma forma. Charlie não conseguiu se conter. Achou maravilhoso aquele novo mundo, e aquele habitante forasteiro.

            - Hei! – gritou ele, correndo em direção ao alvo – Hei, senhor...

            A figura o encarou, confusa.

            - Não se aproxime dele, Charlie!

            O aviso de Helena não foi ouvido. Charlie estava de frente à “aparição”. Ela exibiu um sorriso simpático, no entanto, fazia-lhe parecer menos humano ainda.

            - Jovem encantador... – as palavras do palhaço soaram gentis e suaves, como se cantasse – Que bela presença tens!

            - Ahn, obrigado – Charlie sorriu – Olha, nós viemos... Te buscar.

            O palhaço o encarou mais uma vez, não tão confuso como antes.

            - Oh, então é verdade! Não estou em Douprèe, estou?

            O rapaz fez que não com a cabeça, sem saber, ao certo, o que, exatamente, era Douprèe.

            - Aqui é Manhattan.

            - Oh... Manhata... Lindo nome, tem gosto agradável.... Manhata, Manhata, Manhata... É doce, não?

            Charlie não pôde evitar o riso. Diante disso, o palhaço exibiu um singelo sorriso de agradecimento.

            - Chamo-me Clown di Douprèe, ao seu dispor. Vim das colinas de Miohratnak... Eu estava dançando para os jovens da vila, quando, de repente, uma luz fascinanto me cegou. E eu acordei aqui... Vossa Bondade seria capaz de me mostrar o caminho de volta... Gosto do povo de Manhata, Manhata, mas... Quero voltar pra casa. Meu lar me espera.

            - Tudo bem – Charlie falou, enquanto Helena e Ernesto paravam diante deles – Vamos ajudá-lo, não é, pessoal?

            O Clown fitou o trio e, com um gesto de submissa reverência, agradeceu.

            - Eu seria eternamente grat...

            BAM!

            Clown de Douprèe caiu, estatelado, com o rosto pregado no chão, puxado pelos calcanhares. Charlie nem percebera o que acontecera até visualizar a cena: uma densa mancha negra cobria todo o chão e estava arrastando o Clown.

            - Hei! – gritou Charlie – Que droga...

            O palhaço começou a ser arrastado pelo chão, como se puxado por uma corda invisível. Tão logo Charlie reconheceu. As sombras estavam envolvendo as pernas do Clown di Douprèe.

            - Salva-me, criança! – berrava o palhaço. As pessoas olharam à volta, atordoados – Não deixe que me levem! Isso dói!

            Um rastro de sangue começou a ser deixado por onde o Clown passava. Estavam machucando a pobre aparição. Mas não tiveram sucesso. O palhaço fora lançado em direção aos arbustos, seu corpo foi completamente coberto pelas folhagens.

            - Não! – berrou Charlie, se lançando contra os arbustos.

            Enfiou a mão entre os ramos, revirando tudo. Arrancou galhos, cortou a palma das mãos, mas nada encontrou.

            Todos à volta começaram a aplaudir, alguns paravam sua habitual caminhada para se admirarem com o espetáculo. “Como fazem isso?”, murmuravam uns. “Esses artistas de rua... Gostam de se exibir...”, outros mais amargurados diziam.

            O que ninguém havia percebido, no entanto, era que não se tratava de uma encenação. Literalmente, Clown di Douprèe fora tragado pelas sombras. 


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Notas finais do capítulo

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