Suzumiya Haruki no Monogatari escrita por Shiroyuki


Capítulo 10
Capítulo 10 - Chá




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Devido ao triste incidente dos coelhinhos na entrada, há dois dias, os nomes dos membros da Brigada eram cada vez mais recorrentes nas rodas de conversa. Mitsuru não apareceu na escola desde então, e eu entendo totalmente seus motivos. Se minha mãe não me chutasse para fora da cama todas as manhãs, eu também ficaria em casa. Professores me chamaram para uma “conversa orientada”, mas nada mais significativo do que “não se deve andar por aí com orelhas de coelho” foi dito. Todos os outros também foram convocados, mas eu não sei como foi, mas tenho minhas suspeitas de que Suzumiya sequer havia aparecido. Todas as vezes em que eu passava no corredor, era apontada e alguns comentários ocasionais se faziam presentes, na maioria das vezes, ofensivos.

 Eu me sentia uma suspeita de bruxaria na Idade Média. Só faltavam as foices, tochas e uma enorme fogueira na quadra de esportes.

Suzumiya havia saído mais cedo, com Koizumi, alegando que queria lhe mostrar a escola adequadamente. Existe o Presidente do Conselho Estudantil para isso! E ela já está aqui há três dias, já viu o suficiente desse lugar para toda a vida. De qualquer forma, eu já me dirigia silenciosamente para fora do Clube esperando não ser vista por ele, afinal, como o Chefe da Brigada estava ausente, automaticamente as atividades estavam encerradas, e eu não estava com ânimo de assistir Nagato lendo, então que ele fique sozinho e à vontade para mostrar o banheiro amaldiçoado por uma loira do segundo andar para aquela idol disfarçada.

Enquanto me deslocava nos corredores vazios do prédio antigo, senti meu braço ser segurado subitamente. Droga, ele me descobriu! Tudo o que eu tenho que fazer é alegar inocência! A ideia foi do Nagato, eu juro!

Quando me virei para trás, pronta para retornar a sala do clube e sofrer alguma punição por ser pega em flagrante, quem me encarava era Nagato Yuuki, com seus orbes castanhos que pareciam olhar através de mim.

— Ah, oi! – eu disse rapidamente, mesmo sendo a segunda vez que eu o via hoje. Sem perceber, eu havia ficado nervosa ao pensar que era Suzumiya que estava atrás de mim. Nagato tirou sua mão surpreendentemente quente do meu braço lentamente, sem desviar o olhar – desculpa, mas eu não vou ficar até o final hoje, você pode ir embora também, se quiser.

— Você leu o livro? – ele indagou com a voz grave, ignorando-me perfeitamente.

— Livro? Você diz aquele grosso que me emprestou outro dia?

Ele acenou a cabeça discretamente, e eu corei de leve. Eu não havia nem tocado no tal livro, que constrangedor!

— Eu ainda não o li… eu devo devolvê-lo para você?

— Não – continuou, no mesmo tom sem emoção de sempre – lembre-se de lê-lo hoje, assim que retornar para casa – ele encerrou a conversa, voltando para a sala da Brigada sem fazer ruído algum com os pés.

Eu voltei para casa imediatamente após ver Nagato sumir no corredor, andando rapidamente pelas ruas, como uma criminosa, não acreditando em como era possível que eu me sentisse culpada apenas por ter saído mais cedo. Depois do banho e do jantar, corri para o quarto, para começar a ler a novela de ficção científica. Pensei que deveria ser realmente muito interessante, já que Nagato recomendou tanto.

Quando eu já estava tonta com a quantidade absurda de palavras indecifráveis que se amontoavam no papel branco, decidi passar as páginas, para descobrir se algum dia conseguiria terminar de ler aquilo, e então um marcador de página caiu sobre minha cama. Tinha flores estranhas impressas apenas em um lado. No verso, havia uma frase escrita, com caligrafia perfeitamente redigida. “Encontre-me na praça da estação as sete em ponto”. Não parecia um tipo de brincadeira, ou engano.

O horário escrito era sete horas dessa noite? Eu já estava com o livro há alguns dias, então poderia ser que Nagato esperava que eu encontrasse o marcador eventualmente e esperaria por mim todas as noites? Sigh, que garoto complicado! Era tão mais fácil ter me chamado diretamente. Além do mais, por que a praça?

Olhei rapidamente para o relógio. Faltavam quinze minutos para ás sete, mas por mais rápida que eu conseguisse ser, não chegaria lá em menos de vinte. Enfiei o marcador no bolso do moletom que usava e troquei as calças de pijama por uma saia que estava em algum canto. Foi tão rápido que em breve eu poderia tentar o ramo de assistente de mágico.

Desci as escadas tropeçando em meus próprios pés, e cheguei até a entrada, onde o meu irmãozinho tirava os tênis para entrar. Ele usava uma luva de baseball e tinha muita sujeira nas bochechas.

— Aonde você vai, Kyonko-chan?

— Na estação – respondi arfante – vou pegar a sua bicicleta. Pulei em cima da bicicleta que estava encostada na porta, e pedalei para o meu destino.

Como sou uma péssima ciclista, demorou até as sete e dez para chegar até a praça em frente à estação. Por causa de um gatinho descuidado que atravessou minha frente, cai no chão ao desviar, então além de cansada, eu também estava descabelada e com o joelho doendo e sangrando.

Se Nagato não estivesse lá, seria muito patético.

A praça estava vazia, e parecia um cenário de filme de época, com as luzes espaçadas e minguadas dos postes. Olhei para cada um dos bancos, enquanto carregava a bicicleta pelo caminho, procurando por Nagato, até encontrar sua figura considerável e esguia no banco mais afastado, no espaço entre dois postes. Por causa da sua presença facilmente oculta, qualquer um que passasse e visse ele sentado imóvel no parque o confundiria com um fantasma.

Quando me aproximei, ainda respirando com dificuldade, ele levantou lentamente, como um fantoche que ganhava vida. Ainda vestia seu uniforme.

— Me perdoe por não ter vindo antes – eu disse, sinceramente culpada.

Ele acenou a cabeça em confirmação.

— Você esperou aqui todos os dias? – indaguei, com a consciência pesada.

Ele concordou novamente.

— É algo que não poderia me contar na escola? – arrisquei.

Ele apenas concordou com um movimento de cabeça, e andou na minha frente.

— Por aqui – sua voz baixa e grave anunciou. Ele se virou e seguiu reto, andando como um ninja, sem que nenhum passo pudesse ser ouvido, misturando-se perfeitamente com a noite.

Uma constatação se ergueu subitamente, causando um estalo na minha cabeça. Eu estava seguindo um garoto com quem nunca havia trocado mais de duas palavras, no meio da noite, a um local desconhecido. Afastei pensamentos desnecessários brevemente, concentrando-me no caminho.

Após alguns minutos de caminhada, sentindo uma brisa agradável bater gentilmente no meu rosto ainda cansado, chegamos a um conjunto de apartamentos próximos a estação.

— É aqui – ele disse, retirando seu cartão e passando pelo sensor eletrônico na entrada. A porta de vidro em nossa frente se abriu. Deixei a bicicleta na entrada e segui próximo a Nagato, que já estava esperando o elevador. Parecia ter algo em mente, mas era impossível decifrar seus olhos fitos no painel de números. Finalmente paramos no sétimo andar.

— Desculpe-me, mas onde estamos? – perguntei, um pouco tarde demais. Nagato, que percorria lentamente o caminho, respondeu sem se virar.

— Minha casa.

Eu parei no meio do corredor, piscando atônita. Espere um pouco! Por que ele está me levando para a casa dele? E por que eu estou indo?

— Não se preocupe, não tem mais ninguém lá dentro – ele disse, abrindo a porta do apartamento n° 708.

E isso era um consolo? O que deveria significar?

Senti um arrepio, e repentinamente o corredor ficou frio. Eu sempre havia me julgado tão esperta e madura, e agora estou parada num corredor vazio com medo de entrar num quarto, tendo sido levada facilmente por um colega de clube. Ah, isso parece uma daquelas histórias que passam no noticiário, seguido de “a garota foi morta brutalmente com um golpe de machado”.

— Entre – ele disse tranquilamente, segurando a porta para mim.

Eu ignorei todos os meus instintos, e a vontade súbita de sair correndo. Tentei me manter calma, mas entrei tremendo dos pés à cabeça. Assim que tirei os tênis, Nagato fechou a porta.

Sentia-me como se tivesse acabado de entrar num cemitério no meio da noite com o uivo de lobos ao fundo. Repentinamente, eu entendi o sentimento de Mitsuru-kun ao ser sequestrado por Suzumiya e trancado na sala da Brigada. Eu também queria chorar desesperadamente. No entanto, essa reação estava absolutamente atrasada demais, eu tinha que admitir.

Nagato tirou os sapatos, dizendo para eu acompanhá-lo. O apartamento era iluminado claramente, diferente do que eu havia imaginado no pequeno espaço de tempo em que o pânico tomou o controle.

Ao olhar novamente para Nagato, eu me senti estranhamente segura com tudo. Havia certa áurea de confiança que emanava dele nesse momento, e eu não vi mais motivos para temer. Percebi que estava sendo um pouco exagerada e trágica antes, movida unicamente pela minha mente fértil e repleta de informação, mas eu não podia ser julgada por isso. As razões para que um garoto convidasse uma garota para sua casa enquanto seus pais não estão ainda giravam na minha cabeça, mas eu as ignorei veementemente antes de prosseguir.

Além da sala de estar, que tinha um pequeno kotatsu, não havia nada mais. Não tinha cortinas nas janelas enormes, ou carpete no chão, nem mesmo enfeites ou objetos pessoais.

— Sente-se – ele disse, entrado em outra dependência que eu considerei ser a cozinha, então e ajeitei embaixo da mesa da sala de estar, por cima das pernas, da maneira que minha mãe vivia repetindo que eu deveria sentar quando estava de saia. O joelho protestou quando eu dobrei as pernas, mas me mantive na posição ainda assim.

Nagato, movendo-se de maneira rígida e austera, colocando uma bandeja com uma pequena chaleira e copos de chá na mesa, depois se sentou perfeitamente alinhado, como se tivesse passado a vida inteira apenas sentado nesse lugar. Olhava para mim monotonamente, parecendo esperar que eu tomasse a iniciativa. Foi você que me trouxe aqui, garoto!

O silêncio se tornou importuno, com ele sentado e me olhando inexpressivamente. Ele poderia ter me convidado para tomar chá somente por que se sentia solitário?

Nagato se levantou subitamente, como um robô, e se pôs sobre os joelhos ao meu lado. Fitei-o, confusa.

— Você se feriu – não era uma pergunta, era uma constatação. Corei, fixando o olhar para a mesa – deixe-me ver – ele determinou, sem inflexões na voz. Estirei fracamente as pernas para frente, deixando o joelho esfolado a mostra. Tinha mais sangue ali do que eu supusera.

Nagato ergue-se silenciosamente, e sumiu pela mesma porta de antes. Voltou com uma pequena caixa branca, que deixou no pé da mesa. Com cuidado excessivo e habilidade inesperada, ele limpou o ferimento e colocou sobre ele um band-aid.

— Obrigada – balbuciei, enquanto ele se retirava. Aquilo havia me surpreendido mais do que o fato dele me convidar para sua casa. Ainda que não soubesse demonstrar, Nagato Yuuki era um garoto gentil. Não havia, definitivamente, motivos para duvidar dele, constatei. Ele voltou a se acomodar no lugar anterior, com a falta de expressão e espontaneidade habitual.

— Anh… onde está a sua família? – perguntei, com a voz algumas oitavas mais alta do que o necessário.

— Não há nenhuma.

— Então… eles saíram?

— Eu tenho sido o único aqui desde o início.

— Você está vivendo aqui sozinho?

— Sim.

Um estudante do primeiro ano vivendo sozinho em um apartamento de alta classe! Deveria haver alguma razão para isso tudo, certo? Bem, não é assim tão raro as famílias do interior mandarem seus filhos estudarem na cidade atualmente.

— Certo, por que você queria me ver? – indaguei diretamente, com curiosidade latente fazendo meus pés coçarem.

Como se tivesse lembrado algo, Nagato começou a despejar chá em um dos copos e empurrou para mim.

— Beba.

Era um pouco desconfortável beber com ele me encarando intensamente, como se eu fosse um macaco de zoológico, mas eu me esforcei, mesmo não conseguindo me concentrar. Não consegui sentir o gosto do chá, que desceu queimando minha garganta.

— Está bom? – ele me perguntou , algo que raramente fazia, parecendo preocupado com a resposta. Podia não estar, era difícil ler suas emoções com precisão.

— Sim – respondi em um sorriso, com a garganta ardendo.

Coloquei o copo vazio na mesa, e ele o encheu de novo instantaneamente. Como ele se preocupou em encher, era melhor beber aquilo. Quando acabei, ele encheu um terceiro copo para mim. Finalmente a chaleira estava vazia. Ele se levantava para enchê-la novamente, mas eu o impedi a tempo.

— Não há necessidade de servir mais chá. Por favor, diga o motivo de ter me trazido até aqui?

Ele estancou no ar, ao ouvir minhas palavras, e voltou a sentar, como uma cena retornando em slow motion. Nesse momento, mostrou um olhar de desconforto, em uma demonstração tão minúscula que deveria ser muito bem observado para perceber. Eu nunca havia o visto com esse tipo de fisionomia.

— Não consigo expressar a informação de maneira exata através de palavras, portanto haverá muitos erros na transmissão de dados – ele disse. Sua voz soou clara e grave, e eu nunca imaginei que o veria falar tão alto – De qualquer maneira, ouça – ele pediu, ajeitando os óculos com o indicador, como um preparo para o que viria a seguir – Eu e Suzumiya Haruki não somos seres humanos comuns.

— Isso, eu já havia percebido.

— Não – ele continuou, olhando firme para mim através das lentes – eu não me refiro a desvios de personalidades e hábitos irregulares quando digo que não somos seres humanos como você.

Ah, eu não entendia o que ele queria dizer. Apenas tomei mais um gole de chá frio que sobrava no meu copo.

— A Entidade de Dados Integrados, que analisa essa galáxia, criou uma Interface Humanoide viva, programada para interagir com criaturas biológicas parcialmente racionais. Eu.

Eu não tinha comentários para isso, e nem tinha ciência da existência de metade daquelas palavras, então me proporcionei o benefício do silêncio, e permaneci imóvel.

— Minha função nesse momento é observar Suzumiya Haruki e enviar os dados obtidos para a Entidade de Dados Integrados. Estou fazendo isso desde que fui criado, há três anos, e nesse período nenhum elemento incomum foi detectado e a situação se encontrava estável. Até que um fator externo causou alterações significativas, e a ocorrência não pode ser ignorada.

— “…”

— E esse fator é você.


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