Olhar Encarnado: Confissões de Akai Yuri escrita por RoninLovers, NocturnalVacancy


Capítulo 2
Olhar Dourado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/123442/chapter/2

Precisava terminar rápido, não é sempre que tenho um tempo livre só para mim. A condição de mestiça entre onis não fornecia tal privilégio e se me vissem “vadiando”, como o governante da mansão costumava dizer... É melhor não pensar nisso.

Eu realmente gosto de sumi-ê, aprendi observando minha mãe em uma das raras vezes em que a via. Gosto dos traços leves e precisos, do contraste entre o preto e o branco, das pinceladas espontâneas que formam mil e um cenários com uma única tinta. Amo ser uma pequena Deusa criando meu próprio universo e de sentir-me próxima à minha mãe quando desenho.

Mas, acima de tudo isso, amo o sorriso do Kazama-kun.

Amo o jeito dele sorrir quando lhe entrego uma das minhas pinturas, o modo com que acaricia meu cabelo e como seu olhar parece iluminar até as noites sem lua. Amo como meu nome soa em seus lábios e o fato dele se arriscar para que eu possa ver minha mãe. Amo também quando ele me pede para “servi-lo” apenas para que eu vivencie alguns minutos como “criança”, embora não precise desse tempo ocioso. Já tenho sete anos e, apesar de ser divertido brincar com Kazama-kun, apenas quero tornar-me cada vez mais forte. Minha felicidade é a felicidade de Kazama e quero protegê-la, não importam as consequências.

* * *

Ouvi alguns passos no corredor e rapidamente escondi o desenho na manga do meu kimono. Segundos depois, Etsuko entrou de uma vez no quarto, sem ao menos bater na porta.

— O que você pensa que está fazendo? – Ele perguntou, observando a mesa repleta de papéis e respingos de tinta. – Não me diga que estava novamente perdendo tempo com estas besteiras?

— Não são besteiras! – Retruquei. – Chama-se sumi-ê!

— Pois para mim é apenas um pretexto para sujar tudo de tinta! – Ele respondeu com o olhar severo.

Eu realmente odiava aquele homem. Surpreendo-me com o modo rude com que ele trata a mim e aos outros empregados, mas consegue ser extremamente gentil na frente de Otami-sama e dos membros da família Chikage. Onis julgam-se tão poderosos – posso presenciar isso todos dias – mas, pergunto-me como às vezes podem ser tão cegos.

— Pare de vadiar. – Ele continuou. – Quero que deixe este quarto brilhando, mas antes vá ao quarto de Kazama-sama. Ele a quer para polir sua katana. (N/A: esta frase soou estranha para vocês também?) (N/B: Nada a declarar, flor... >.< (rs)

— Como queira. – Respondi e disparei pelo corredor sob fortes protestos de Etsuko, que odiava quando corressem pela mansão.

* * *

Abri lentamente a porta e observei o quarto. Kazama-kun estava em frente à escrivaninha, aparentemente muito ocupado com um pergaminho qualquer. Entrei sorrateiramente, afim de dar um susto no meu Oni preferido, mas quando estava prestes a saltar sobre suas costas ele exclamou, sem sequer olhar para mim:

— Se não quiser passar o resto da tarde trancada no quarto, senhorita Yuri, é melhor não fazer isto.

— Não vale, Kazama-kun! Por que eu nunca consigo te assustar!? – Perguntei enquanto fazia bico.

— Porque eu sou um Oni belo e poderoso e jamais serei pego desprevenido. – Ele falou de maneira presunçosa. Essa era uma das características que mais odiava nas pessoas, mas por algum motivo era engraçado vê-lo falar desta forma.

Sem grandes cerimônias, sentei-me em seu colo e observei o pergaminho sobre a mesa.

Asa quebrada

da triste gaivota

sonho de voar

foge por suas garras

ninguém pode ajudar

(N/A: créditos do kami no ku à Rodrigo de Almeida Siqueira)

— O que é isso? – Indaguei, fitando os olhos vermelhos de Kazama-kun.

— É um tanka, Yuri. Um tipo de poesia de 31 sílabas. – Percebendo meu olhar de dúvida, continuou a explicar calmamente: – Lembra-se do que é haikai?

— Sim, é uma poesia com dois versos de cinco sílabas e um de sete sílabas no meio, geralmente falando de natureza, né?

— Exatamente. Tanka é parecido, porém, possui uma segunda estrofe com dois versos de sete sílabas. Essa segunda estrofe chama-se shimo no ku, a primeira chama-se kami no ku, era bem comum entre os século VI e VIII.

— Mas, isso faz mais de mil anos! – Respondi espantada.

— Sim, é incrível como coisas assim duram por tanto tempo... – Ele completou meu pensamento e apoiou o queixo no alto da minha cabeça. Eu me sentia demasiadamente pequena quando o loiro fazia isso, mas nunca reclamava. Li mais uma vez o conjunto de palavras e notei o quanto soavam melancólicas. Neste momento, lembrei-me de uma outra gaivota.

— Kazama-kun, posso te contar um segredo? – As finas sobrancelhas arquearam em dúvida. – A asa da gaivota já está melhor e agora ela pode voar de novo!

Sem esperar uma resposta, retirei a pintura do meu kimono que, por acaso, era uma grande gaivota com as asas abertas e entreguei ao mais velho. Ele gargalhou de forma calorosa, o que fez todo o meu dia valer a pena.

— Já que se esforçou tanto para me entregar isto, creio que seria justo entregar-te um presente igualmente precioso, não concorda?

* * *

Olhei mais uma vez para a minha roupa – um kimono curto, sem estampas, com uma calça tipicamente masculina – e me senti frustrada. De fato, era uma roupa extremamente confortável para o verão, mas ainda assim incomodava-me saber que minha mãe me veria em roupas tão simplórias. Porém, que outra escolha havia? É difícil para uma criança como eu acompanhar a velocidade de um Oni. Deste modo, é mais conveniente usar calças do que tentar subir nas costas do loiro com o meu usual kimono repleto de fitas e pregas.

Enquanto esperava pelo retorno do herdeiro Chikage, observava o local em que me encontrava, um extenso e bem ornamentado salão de casamento. Normalmente, costumávamos visitar minha mãe na província de seu clã, Akai. Mas, excepcionalmente hoje, ela se encontrava em uma reunião de senhoras no clã Shimazu, por isso foi necessário que Kazama e eu entrássemos escondidos com a ajuda de um velho amigo da okaa-san, Shimazu Masayoshi.

Masayoshi-san tinha um olhar bondoso e um porte tão altivo quanto os nobres do clã Chikage. Hoje foi a primeira vez que o vi, mas senti imediatamente que podia confiar naquele homem. O clã Shimazu é conhecido pelos olhos dourados – característica que se reflete na decoração de toda a mansão – e pela habilidade com ervas, principalmente com as venenosas, algo que julgo completamente inútil. Amagiri-kun sempre me disse que o uso de venenos é um ato covarde, usado apenas por aqueles que temem enfrentar seus inimigos.

Ouvi o arrastar do shouji e, rapidamente, voltei meu olhar para aquela direção. Minha mãe estava parada à porta, escondendo um sorriso entre as mãos delicadas. Corri até ela, ansiosa por sentir seu abraço e, em alguns segundos, meu pequeno corpo estava perdido entre as camadas de seda. Seu longo cabelo acobreado formava uma espécie de cortina sobre nós, escondendo nossos rostos marcados pelas lágrimas de felicidade. Meus pequenos braços envolveram com mais força os ombros daquela mulher que não via há tanto tempo, fazendo com que eu pudesse mergulhar mais naquele abraço e sentir o odor floral que aquele corpo exalava invadir minhas narinas.

Aime se afastou um pouco, afim de poder me observar melhor, ver o quanto eu havia crescido nesses meses em que ficamos longe uma da outra, permitindo que nossos olhos se encontrassem: olhos vermelhos, olhos de Akai, olhos de uma mãe e uma filha separadas pelo capricho de um homem qualquer. Céus, se havia uma pessoa que eu amava tanto quanto Kazama, essa pessoa era Akai Aime. O único homem do recinto fechou a porta silenciosamente e mantinha o olhar sobre nós, um olhar repleto de carinho e satisfação de quem fez a coisa certa. Minha mãe, ainda segurando-me pela mão, levantou-se e agradeceu.

— Poder ver este seu belo sorriso já é o suficiente para mim, Aime-sama. – Kazama se aproximou e entregou um lenço à minha mãe. – O sorriso das duas. – Agora ele olhava diretamente em meus olhos. – Mas, se você chorar, não te trarei aqui novamente!

— Então eu não vou chorar nunca mais! – Respondi, tentando conter minhas lágrimas. – Porque eu amo a okaa-san demais e quero vê-la muitas vezes!

Envolvi a cintura de Aime em um abraço tão apertado quanto o primeiro, ato este que ela correspondeu prontamente. Fechamos os olhos por apenas um momento, mas quando abrimos novamente, Kazama estava do outro lado do salão em frente à porta. Seus ombros estavam rijos e me perguntei o que o estava deixando tão nervoso. Observando melhor, percebi que havia uma pequena garota na porta. Seu kimono, embora parecesse leve, estava grudado ao corpo devido ao suor, então agradeci mentalmente pela roupa simples, mas confortável, que eu usava.

Vendo o estado tenso de Kazama, Aime rapidamente correu até os dois, dizendo qualquer coisa que não fiz questão de ouvir e, por fim, conduziu a garota para adentrar o salão. Minha mãe então nos apresentou, ao que a garota respondeu inclinando o corpo em uma saudação, seu nome era Shimazu Kinhime. Pelo nome e aparência supus ser a filha de Masayoshi-san e correspondi ao cumprimento, dando um pequeno sorriso e sentindo minhas bochechas corarem levemente. Kazama, no entanto, ignorou a reverência e manteve um olhar frio sobre a menina, o medo e o receio estampados na testa da pobre. O Chikage era um ótimo rapaz, mas realmente sabia assustar quando queria.

— Kinhime, pode ficar com Yuri um pouco enquanto converso com Kazama?

— Sim, Aime-sama.

Para meu desespero, Kinhime assentiu ao pedido de minha mãe. Olhei incrédula para Aime, mas ela e Kazama já se afastavam de nós. Céus, ela não ia me deixar sozinha com uma estranha, ia? A garota se aproximou e deitou seu olhar sobre o meu.

— Seus olhos são como os da Aime-sama. Sempre achei os olhos da Aime-sama muito bonitos, parecem rubis. – Fiquei em silêncio, analisando-a, enquanto ela continuava a elogiar a cor dos meus olhos. O que ela pretendia com isso, afinal? – Os meus são como ouro não acha?

Observei atenta à expressão da menina e em como parecia fácil para ela falar com alguém que via pela primeira vez. Por fim, concordei com um menear de cabeça.

— São iguais aos do meu otou-san. Na verdade minha kaa-san diz que sou a cópia do meu otou-san.

Ao falar no pai, Kinhime pareceu iluminar-se, fazendo jus ao significado de seu nome, algo que irritou-me profundamente. Segundo Otami-sama, à exceção dos olhos, eu também era parecida com meu pai, pude comprovar com meus próprios olhos em uma das raríssimas vezes em que o vi, entretanto, não me orgulho disso. Alexander morava na Itália e nas poucas vezes em que comparecia ao Japão passava toda a estadia ocupado com algum de seus inúmeros negócios comerciais e aristocráticos.

Porém, este não era o principal motivo da minha mágoa. Eu compreendia o quanto Alexander era ocupado, compreendia o por que dele quase nunca ter tempo para mim e, mesmo não suprindo por completo a ausência de um pai, o carinho da família Chikage ajudava a suportar. A maior parte do problema, na verdade, era em relação à minha mãe. Aime era humana, diferente de meu pai. E, por este simples fato, Alexander deixara claras ordens com o clã Chikage para manter-me longe da minha amada dama de olhos encarnados.

— Já ouviu a lenda do Hyoku? – Kinhime falou de repente. Antes que pudesse responder, ela continuou a falar desenfreadamente: – Há milhares de anos atrás existiu uma espécie de pássaro muito especial no Japão que se chamava Hyoku. O Hyoku era lindo, suas penas eram douradas e lustrosas, mas mesmo assim o Hyoku se sentia muito triste porque, ao contrário dos outros pássaros, ele havia nascido apenas com uma asa, portanto não conseguia realizar seu maior sonho: Voar.

Ao ouvir a história do pássaro, não pude evitar lembrar-me do tanka que Kazama-kun escrevera mais cedo, assim como dos problemas que o loiro enfrentava com o pai. Sem perceber, murmurei um “coitado”, estimulando a pequena Shimazu a continuar seu relato.

— Então, um dia o Hyoku começou a se perguntar se não existiria outro pássaro como ele, sem uma das asas, e decidiu sair em busca de sua outra metade para unir-se a ela, se completando para conseguir voar bem alto, acima de todos os outros pássaros.

— Ele conseguiu encontrar? – Perguntei, curiosa por saber o fim da saga da pequena ave. Kinhime ficou em silêncio por alguns instantes, me perguntei se ela havia esquecido o final da história quando, por fim, ela completou:

— É claro que encontrou e foram muito felizes, voando bem alto por toda a eternidade.

— Que bom. – Respondi aliviada, feliz pelo Hyoku.

— Você conhece alguma história legal também?

Apoiei o queixo entre o indicador e o polegar, pensando em algo interessante para contar. Eu não conhecia lendas tão interessantes quanto a do pássaro dourado, então, narrei a primeira que me veio à mente.

— x - 

— Por que? – Perguntei a Kazama pela centésima vez o motivo de não poder aprender algum tipo de luta.

— Porque a senhorita é delicada demais para esse tipo de arte. – Ele disse enquanto realizava alguns movimentos com a espada.

Suspirei cansada, decerto não ganharia esta batalha.... Então decidi usar meu último truque.

— Ne, ne, Kazama-kun. Eu sou kawaii?

— O quê?!

— Sabe, existem certas pessoas que usam as crianças para fazer esse e aquele tipo de coisa e seria problemático não poder defender-me quando necessário... – Kazama-kun adquiriu uma certa cor rosada quando terminei de falar. Eu não sabia exatamente o que era “esse e aquele tipo de coisa”, mas o argumento pareceu estar funcionando.

— E-eu e muitos outros empregados da mansão estarão aqui para te defender Yuri-chan...

— Mas, vocês não podem estar comigo a todo instante e seria ainda mais problemático ter um brutamontes vigiando-me, principalmente quando eu estiver no banheiro ou me trocando, sabe, nunca se sabe onde vamos encontrar um desses maníacos esquisitões... – Dei o meu melhor “rostinho de criança indefesa” enquanto Kazama-kun ficava cada vez mais vermelho.

— x -

 — E você conseguiu convencê-lo? – A dona dos orbes dourados perguntou ansiosa.

— Sim, treinamos todas as manhãs! – A pequena Shimazu deu algumas risadas e eu não pude deixar de observar o modo como ela sorria: o tronco ereto, a mão na frente da boca, era como se ela evitasse sorrir, lembrando muito os trejeitos de Otami-sama e de minha mãe.

— Perdão se eu estiver rindo muito alto, peço desculpas! – Ela respondeu um tanto desesperada ao notar meu olhar sobre si, cobrindo o rosto com as mãos logo depois.

— Não é isso! – Segurei seus pulsos, de forma que ela olhasse para mim. Ambas coramos com o contato, mas eu não a soltei. – É que seu sorriso é lindo. Não o esconda de mim nunca mais, está bem? – Ela assentiu, um tanto surpresa. – Escondendo seu riso daquele jeito fica parecendo as velhas que vão visitar Otami-sama!

— Otami-sama?

— Chikage Otami, Kinhime, a mãe de Kazama, não é óbvio? – A garota de olhos dourados olhou para mim e depois para Kazama que estava um pouco distante, analisando-o.

— Ne, ne, Yuri-chan... Esse clã Chikage... É importante? – Olhei atônita para a menina à minha frente, sem crer na pergunta que ela fazia.

— Como assim, se é importante? O clã Chikage é uma das maiores e mais poderosas famílias onis do oeste! Você realmente não os conhece? – Ela moveu a cabeça em negativa. – Onis são seres magníficos e poderosos, dotados de beleza, força e velocidade descomunal, além de seres infinitamente superiores aos humanos e... e... – Estava prestes a contar toda a história do clã quando notei a expressão de minha ouvinte. Ela ouvia tudo atentamente, mas seu olhar deixava claro que não acreditava em minha palavras, o que me deixou muito irritada. Entretanto, ela já havia me visto com Aime e seria melhor evitar desavenças. Por fim, decidi mudar de assunto.

— Kinhime já conhece o mar? – Mais uma vez ela negou, o que me deixou surpresa. Ela era uma nobre afinal de contas, como podia sequer conhecer o litoral? Respondendo à minha dúvida, Kinhime explicou-me sobre as diversas regras que era obrigada a seguir e sobre as responsabilidades com o clã, que a impediam de sair da província.

Saber que aquela menina talvez jamais viesse a conhecer o oceano fez sentir-me muito mal. Então, com toda a riqueza de detalhes possível, contei-lhe sobre a primeira vez que visitei a propriedade dos Chikage que ficava em Okinawa. Contei-lhe sobre as ondas, sobre a espuma formada pelo sal, da sensação de ter os pés afundando na areia, de como é divertido pegar conchas à beira-mar e da grande diferença que havia entre os calorosos empregados de Okinawa e os impessoais empregados de Kyoto. E claro, não poderia deixar de dizer-lhe, como o próprio Kazama me ensinara certa vez, que se você prestar atenção é possível ouvir o Sol poente mergulhando na água.

— Deve ser incrível. – Ela respondeu maravilhada e um tanto melancólica, então, tentei animá-la.

— É por isso que nós vamos juntas ver o mar, né? – Estendi meu dedo mínimo em direção a ela. – Isso é uma promessa!

— Uma promessa!

Tínhamos acabado de selar nosso juramento quando Kazama aproximou-se com minha mãe e ela nos informou que já era hora de partir, pois tínhamos que voltar antes que percebessem nossa ausência na província Chikage. Mal pudemos aproveitar a visita dessa vez, mas poder ver o sorriso da minha mãe já era o suficiente para mim.

* * *

— Espero que o passeio à cavalo tenha sido proveitoso, crianças. – Otami-sama comentou enquanto tomava seu chá. Normalmente ela preferia tomar sozinha, mas dessa vez pediu nossa companhia.

— Sim, Yuri tem evoluído bastante, okaa-sama.

— Verdade? – Ela disse em um tom de voz falsamente interessado.

— Sim, Otami-sama. – Respondi em um tom tão nervoso quanto o do loiro.

— Mas, creio que seu progresso seria melhor caso levassem os cavalos junto. Lembrem-se desse detalhe quando forem cavalgar da próxima vez, está bem?

— Sim senhora! – Respondemos ao mesmo tempo. Otami-sama não era o tipo de pessoa que eu gostaria de ter como inimiga. Ela era um demônio, em todos os sentidos da palavra.

* * *

Após aquele dia, Kazama-kun levou-me para ver Aime e Kinhime diversas outras vezes. Foram dias de outono encantadores e o inverno já dava sinais de sua beleza quando, pela primeira vez, entreguei um presente à minha mais jovem amiga, um longo cordão em tons de roxo e branco, feito por minhas próprias mãos.

— É pra ser colocado em uma katana.

— Mas eu não tenho uma katana.

“Como pude esquecer esse detalhe!?” – Pensei, prestes a entrar em desespero.

— Mas adoraria ter uma só pra colocar esse lindo enfeite nela.

— Pode usá-lo como enfeite de cabelo, então. – Sugeri, disfarçando o nervosismo em minha voz e mexendo no prendedor de ouro de seu cabelo, ajeitando o enfeite com ele. – Pronto, ficou perfeito.

Para quem há tão pouco tempo não sabia o significado de um abraço, Kinhime me abraçou tão forte que, se ela não fosse humana, pensei que talvez pudesse quebrar minhas costelas. Se eu soubesse que aquela seria a última vez que a veria, teria aproveitado melhor aquela visita.

* * *

Tínhamos acabado de chegar à mansão quando Etsuko nos avisou de que Kiosuke desejava falar com Kazama no escritório. Havia um sorriso maldoso em seus lábios e eu soube, naquele instante, que algo estava errado. O meu loiro seguiu pelos corredores, ambos estávamos apreensivos, e me pediu para que esperasse no quarto. Claro que não obedeci e continuei no corredor, observando por uma fresta entre as portas a conversa dos dois.

O pai de Kazama não era alguém maldoso, mas era incrivelmente justo e rígido, capaz de pôr o clã e o país acima de si e da própria família, motivo este pelo qual eu o temia e o respeitava incondicionalmente.

— Mandou chamar, meu pai?

— Sente-se. – Kiosuke ordenou, sem desviar os olhos dos papéis que segurava. – Espero que tenha aproveitado a visita ao clã Shimazu.

— É uma ótima família, creio que só teríamos vantagens ao seu lado. Eles trabalham com chás também, Masayoshi até mandou alguns importados para a Okaa-sama.

— Tenho certeza que Otami gostará, mas talvez Aime-san saiba apreciá-los melhor, não? – Levei a mão a boca, em sinal de surpresa. Céus, como isso foi acontecer?

— Meu pai, eu...

— Não preciso de explicações, Kazama. – Kiosuke ditou, a voz fria e controlada era capaz de assustar qualquer um. – Até quando pretendia levar isso adiante? Confesso que seu súbito interesse nos negócios me enganaram por um tempo, mas felizmente tenho empregados fiéis nesta casa, sempre dispostos a me abrir os olhos. – O nome de Etsuko me veio à mente no mesmo instante. – Alexander disse claramente para manter Yuri longe de Aime. Dei minha palavra a ele e não vou admitir que você a desonre.

— Honra?! – Kazama bateu na mesa e levantou-se, atraindo pela primeira vez o olhar de seu pai. – Você está deixando uma criança crescer longe da mãe! Que tipo de honra é esta, meu pai?!

— Você deveria pensar melhor antes de dizer estas coisas, meu filho. Afinal, não sou eu que estou usando a menina para alimentar uma paixonite infantil.

— Meus sentimentos por Aime não têm nada a ver com isto. Apenas desejo fazer o que é correto e não vou tolerar que vocês mantenham Yuri longe da mãe.

— Não está em posição de tolerar ou não algo dentro desta casa. Dei minha palavra a Alexander e não pretendo arrumar problemas com aquele homem, sabes muito que ele ainda mantém sentimento por aquela...

— NÃO OUSE TERMINAR ESTA FRASE!

— E não ouse levantar a voz para mim, sou seu pai e exijo respeito! – O líder do clã Chikage agora também estava de pé.

— Pois me recuso a respeitar quem defende um homem que não respeita a própria família!

— Esta é sua palavra final? – Kiosuke perguntou, voltando a sentar-se em frente à mesa.

— Sim. - O loiro respondeu, decidido.

— Então, não me resta outra alternativa senão devolver Yuri para o pai.

— NÃO! – Dessa vez eu gritei, adentrando o escritório sem ao menos pensar nas consequências. – Não vamos mais visitar a okaa-san, eu prometo! Então, por favor, não me mande para a Itália!

— Dá-me sua palavra, senhorita Black? – O líder Chikage perguntou, um brilho diferente em seu olhar.

— Sim! – Não pensei duas vezes em responder. A minha vida já era difícil sem minha mãe, mas sem Kazama seria impossível.

— Espero que tenha ouvido atentamente, Kazama. A criança tem mais juízo que você. Não tenho mais nada a dizer, podem se retirar.

Kazama ainda pretendia dizer algo, entretanto, segurei-o pela mão e o guiei para fora. Ao chegar no corredor, eu estava novamente me desfazendo em lágrimas.

— Gomen, eu sou tão chorona. – Tentei secar meu rosto com a barra do kimono, quando o mais velho se abaixou à minha frente e me abraçou.

— Eu que peço desculpas, deveria ter sido mais cuidadoso. Mas, eu juro que vou dar um jeito, eu prometo!

Agarrei-me ao loiro com mais força. Eu queria ser capaz de agradecer, de dizer que estava tudo bem, que ele já havia feito o bastante e que não precisava se preocupar, porém, as lágrimas não deixavam e tudo que pude fazer foi esconder meu rosto entre seus braços.

 

 

Olhar Dourado

19/10/11

by Kelen Yoru


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!