Haunteds escrita por LadySpohr


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Felipe e Laura



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By now you know that I'd come for you. (No one but you)

A essa hora você já deve saber que eu viria por você. (Por mais ninguém)

Não era fácil. Eu não estava despedaçada. Mas era difícil. Entre isso e meu irmão, eu não saberia dizer qual era a situação pior. Talvez fosse a chuva, ela não era boa companhia, assim como minha roupa molhada grudando em toda parte, deixando minha pele mais gelada que mármore.

Era engraçado como a dor parecia tão fria e cortante como as constantes gotas que caíam do céu, sem cessar nem um segundo. Sim, era assim que a dor era, fria e incessante. Mas a chuva passaria alguma hora, o que eu arrastaria comigo era mais pesado do que o céu.

Eu olhei de relance pro relógio de prata com brilhantes em meu pulso. O último presente. Os ponteiros marcavam seis horas da tarde. Foram quatro horas inúteis tentando chorar, sair do torpor, uma guerra entre duas partes de mim. Uma delas argumentava que não poderia lamentar pela morte de um pai autoritário, e por muitas vezes frio. A outra não se importava, era meu sangue que estava enterrado naquele chão, e por menos pai que ele tenha sido, ainda o era. Queria saber o que fazer, mas não sabia, enquanto isso, a batalha se tornava sangrenta.

Sabia que deveria levantar da grama e ir pra casa. Mas o silêncio lá me assustava, me envolvia em um medo tão grande que minhas pernas não obedeciam minhas ordens. Mesmo pensando que poderia ir até o hospital ver meu irmão não havia forças, quem saberia o que eu encontaria por lá? Talvez a morte.

Minha saliva passou ardendo pela garganta quando engoli, tremendo com essa hipótese.

Eu não via mais a chuva, e tampouco sentia muito meu corpo, portanto eu não ouvi os passos sob a grama encharcada. Só senti o calor se irradiar numa pequena parte de pele do meu ombro. Eu não precisei me virar pra saber quem era, embora, devido a nosso grande antagonismo, fosse a última pessoa que eu esperava ver ali.

O calor envoleu meus ombros, e a chuva parou de cair sobre mim, o que me despertou pro que estava acontecendo. Finalmente, eu fiz o primeiro movimento com o pescoço em horas, e me deparei fitando um par de olhos grandes e castanhos. Geralmente eles me encaravam com sarcamo, ironia, desafio, e algumas vezes acidentais, que prefiro não relembrar – ninguém gosta de rememorar momentos de fraqueza – com uma intensidade tão sufocante, que era como ser sugado para dois abismos, correndo o risco de se perder neles. Como sempre, o que mais transparecia depois dos olhos, logo abaixo deles, eram as olheiras escuras, porque ele nunca dormia, e tomava café como louco. Nunca entendi como ele conseguia estudar com tão poucas horas dormidas, se é que ele dormia. Tinha minhas dúvidas.

  • Eu vim te buscar – Felipe disse, segurando o cabo do enorme guarda-chuva com firmeza – Você vai ficar doente.

  • E por quê isso te importa? - murmurei quase sem mover os lábios – Sua namorada sabe que está aqui? - alguma coisa começou a crescer lá no fundo, por isso eu precisava que ele fosse embora. Ele tinha que ir.

  • Não, mas se soubesse, acho que não haveria problema. Ela sabe do que aconteceu – ele chegou mais perto, e pude sentir o cheiro de café e hortelã, mais um dos vícios do Felipe – Você precisa ir pra casa, Laura.

Eu afastei os olhos do rosto dele. Estava transbordando, e em breve, a parte que queria lamentar e gritar iria vencer. Era assim quando Felipe estava por perto, eu não conseguia me conter e me manter racional, eram explosões, de todo o tipo. Eu odiava o que ele me causava.

  • Vá embora.

  • Não.

O encarei de novo, com toda a raiva que consegui reunir. Eu queria que ele visse nos meus olhos que eu não o queria ali, que se eu tivesse de chorar, não seria na frente dele. Não de novo.

Foi como olhar pra uma parede de concreto. O queixo quadrado estava tenso, e isso era um sinal que eu reconhecia bem: ele não iria embora. Maldito!

Resolvi mudar minha tática, porque meu peito ardia, numa enxurrada de fogo, fazendo minha pele começar a aquecer, e não era de raiva.

  • Por favor... - engoli pela segunda vez, a saliva parecendo uma pedra afiada, me rasgando - … vá embora – eu notei que minha voz saiu como um fiapo trêmulo, e  aquilo não foi proposital.

A única mudança que vi em Felipe foi na expressão dos olhos. Eles ficaram mornos e compreensivos, como se soubessem exatamente o que eu tinha sangrando cada vez mais rápido dentro de mim.

Não vi ele se mover, tal foi sua rapidez, e então, eu estava sendo erguidas pelos cotovelos e enlaçada com força por dois braços. O guarda-chuva estava largado no chão.

  • Me solte! - exigi, me debatendo, mas mesmo que ele fosse meio magrelinho, tinha força suficiente pra me manter presa – Felipe, me deixa em paz!

  • Faça isso, Laura, você precisa fazer! – ele girou meu rosto com uma das mãos – Você não pode agir como se não fosse nada.

  • Isso não é nada! - gritei, e então, foi tarde demais – Por quê deveria       ser alguma coisa importante??? - comecei a arquejar, parando de lutar – Não deveria ser... - as garras me arranharam o estômago, e subiram, subiram e eu comecei a soluçar, ofegar.

  • Vamos, você precisa disso, garota – Felipe segurou meu rosto com ambas as mãos – Esqueça por um momento que me odeia e...

Franzi a testa surpresa. Ele notou e interrompeu a frase.

  • Eu não te odeio, Felipe – sussurrei – Só te acho irritante – eu poderia ter sorrido, mas nesse momento, mais quente que as mãos dele, as minhas lágrimas finalmente escorreram. Ele tinha razão, eu não podia lutar contra o óbvio. Mesmo que meu pai não merecesse, eu sentia por ele, e choraria por ele. Não falei mais nada. Só fiquei ali, segurando os antebraços dele com força, pra não desmoronar totalmente. Devagar, eu me aproximei, e enfiei o rosto na blusa de moletom preta, agora molhada, e senti que Felipe me abraçou. Ainda podia sentir o cheiro de café, e eu respirei isso como se minha vida dependesse disso. Era uma coisa ao mesmo tempo familiar e fora do meu círculo de pesar, e era bom saber que eu podia contar com isso, pelo menos por um tempinho.

Ele não me soltou até eu mesma achar que sofrera o suficiente. Fiquei um pouco sem graça, ao ficar ali, parada diante dele. Mas Felipe não estava, era muito difícil fazê-lo ficar encabulado por alguma coisa.

  • Acho que vou pra casa – eu tirei os cabelos do rosto, e me auto-avaliei. Medo – Eu não estou, bem, parecendo alguém civilizada.

  • Você nunca foi – ele provocou, colocando o capuz do moletom sobre os cabelos escuros, que estavam pingando, seus lábios se curvando nos cantos. Por mais humilhante que fosse admitir, eu gostava dos poucos sorrisos que ele dava, ou apenas esses pequenos esboços. Os cantos de sua boca já tinham curvas acentuadas pra cima, era bonito.

Respondi com um arquear de sobrancelha.

  • Por hoje eu vou ignorar – suspirei, e fiz a pergunta que não me deixou em paz, no momento em que ele apareceu – Por quê você veio?

Felipe encolheu os ombros, como se fosse uma resposta comum:

  • Vim por você. De alguma maneira, eu sabia que você precisaria, bom – ele chutou a grama com a ponta do tênis – de uma força extra.

Eu sorri.

  • Obrigada.

Mas um dar de ombros. Tentei não rir.

  • Pode me levar pra casa? - pedi,  em tom cansado, juntando o guarda-chuva do chão e o estendendo ao Felipe.

  • Posso sim.

  • Obrigada de no...

Ele suspirou impaciente.

  • Pare de agradecer e coloque as pernas pra funcionar.

Era o Felipe que eu conhecia voltando à cena.

Suspirei, e andei na frente dele, lhe lançando um olhar irritado.

Foi bom enquanto durou.


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Notas finais do capítulo

Ok, essa fic só continuará a partir dos reviews, então se vc gostou, de o seu!



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