Frostnatter escrita por Blue Dammerung


Capítulo 8
Capítulo 8: Omaksunut.


Notas iniciais do capítulo

"Quando se é sério a respeito de se divertir, nunca é muito divertido." - Gilbert emburrado enquanto seu pai lhe dava uma bronca depois de pregar peças com toda a vizinhança no Halloween.



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Ele respondeu, e era um nome tão comum, mas ao mesmo tempo tão diferente que nada fiz por momentos a não ser refletir enquanto aquele nome reverberava em minha cabeça, acomodando-se em cada neurônio, em cada lugar, em cada buraco disponível daquele órgão para que eu jamais esquecesse, para que toda vez que eu encontrasse alguém com aquele nome automaticamente lembrasse-se dele e apenas dele, como se houvesse virado sua marca, sua cicatriz em meu cérebro.

O fitei melhor e vi que ainda tinha os olhos fechados. Estaria dormindo ainda? Estaria cansado demais para abrir os olhos? Quem me dera ver os olhos puros e cristalinos daquela criança enquanto eu me perguntava quase como uma tortura qual seria sua cor, se seria azul ou castanho ou verde ou até preto.

Adoraria todos que fossem.

Talvez eu tivesse, naquele curtíssimo espaço de tempo, me apegado de tal forma àquela criança que não tinha nenhuma comparação para explicar meu apreço. E senti algo mais dentro do peito, porque logo ela iria ir embora, eu a levaria embora. E não veria seus olhos.

Ficaria sozinho novamente.”

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Como todas as minhas roupas estavam na minha antiga casa, a qual eu não pretendia voltar enquanto pudesse, Berwald acabou me emprestando outras das suas e assim que saímos de casa, fomos para um shopping próximo. Suas roupas ficaram enormes em mim e eu precisava dobrar seu comprimento o máximo que podia, e ainda assim, caberia dois de mim lá dentro. Ah, ás vezes achava tão problemático ser baixinho... Ou Berwald que era muito grande. Bem, isso não vem à questão.

Segundo ele, tínhamos que comprar roupas para mim, coisas para comer e diversas outras coisas que eu precisasse, embora eu não gostasse de ser um peso tão grande para ele, tanto que agradeci umas mil vezes e fiz questão de sorrir bastante quando vi os livros e cadernos e coisas de colégio que ele tinha comprado para mim. Não estava acostumado com aquele tratamento todo e, mesmo ele sendo sempre tão frio e sério eu era muito agradecido á ele. Salvara-me três vezes e me acolhera dentro de casa depois de salvar-me do meu próprio pai. Não sabia como retribuir a ele, já que eu era tão desastrado e sentia-me um peso-morto. Era só mais uma boca para alimentar.

O que me levava a pensar que ou ele tinha muito dinheiro guardado para sair comprando carros e livros, o que significava que ele era rico, ou os professores tinham um desconto muito grande em coisas de colégio e em carros também... Ou ele ainda poderia ter feito um empréstimo muito gordo no banco, mas eu não deveria pensar nisso.

Lógico que não deveria, ele estava me dando um lar, proteção, materiais, não carinho porque enfim, essa palavra nunca combinaria com ele, era o que eu achava, mas pelo menos me maltratar, isso ele nunca fez, pelo contrário, sempre me tratou muito melhor que meus pais. E eu era agradecido a isso imensamente, afinal, quem é que iria cuidar de um menino estranho como eu? Tive apenas sorte, apesar de tudo.

Assim que entramos no enorme, amplo e lotado lugar que era o shopping, abri bem os olhos e fiquei maravilhado. Era tudo muito colorido e alegre, além das variadas lojas de roupas, brinquedos, lanchonetes, livrarias e tudo o que se pudesse imaginar.

-Puxa... -Eu murmurei, correndo os olhos por todos os lugares enquanto Berwald me fitava calmo embora sério, com ambas as mãos na calça jeans que vestia. -Aqui é tão legal! Faz tanto tempo que eu não vinha num shopping que eu nem lembrava mais como era! A última vez que eu vim foi quando meu irmão estava vivo... - Notei em que eu estava falando e parei, olhando para o professor antes que ele se constrangesse. - Ah, desculpe, professor, mas então, o que faremos primeiro?

Ele olhou em volta também e apontou com uma das mãos para uma loja que tinha vários modelos na fachada, tanto masculinos como femininos, só que grande parte das roupas eram escuras e com tachinhas.

-Gosta daquele estilo? -Perguntou agora me fitando.

-Hein? Aquele? Bem, eu... Eu gosto de algo mais simples, sabe? Só uma calça e uma blusa de loja de departamento mesmo, nada de marca, não sou exigente. -Eu disse, sorrindo e rindo um sem-graça, mas ele permaneceu calado e então começou a andar em direção de outra loja.

Eu o segui certo de que não deveria fazer nenhuma objeção a nada que ele fizesse ou comprasse para mim. Perguntei-me se seria muito estranho dois homens irem comprar roupas, ou não, talvez até imaginassem que Berwald era meu pai ou meu tio ou ainda meu irmão mais velho. Qualquer uma dessas suposições não me incomodaria, exceto aquela que dizia que éramos algo mais que amigos, até porque isso era burrice. Preferi não pensar mais no assunto.

-E este? Gostou? - O ouvi perguntar então, me tirando dos meus pensamentos e me fazendo erguer o olhar para ele e então para a loja cuja estávamos de frente para a vitrine.

-Gostei mais. -Eu disse, analisando que as roupas eram mais simples, embora não evitasse olhar para os preços expostos. Aquilo era mais caro que todas as minhas antigas roupas juntas!- Mas... Acho que eu prefiro algumas mais simples e baratas também, professor.

Mas ele entrou na loja, me ignorando, e eu o segui. Uma vendedora sorridente veio nos atender, e na mesma hora que ela olhou para meu professor, seu sorriso quase se desfez numa boca aberta, mas então se recompôs e perguntou em que poderia nos ajudar.

-Roupas. Para ele. -Meu professor disse, apontando para mim enquanto eu me postava ao seu lado com um sorriso amarelo na cara. Tudo bem que meu professor era... Bonito, eu acho. Okay, ele era mais bonito que a maioria, além de ser bem alto, e talvez por isso chamássemos tanta atenção andando juntos, mas a vendedora não precisava exagerar tanto...

Ou era eu que não via direito?

Ela se virou para mim sorrindo simpaticamente e perguntou:

-Então, mocinho, como você gosta de se vestir?

-Ah, bem, eu... Gosto de roupas simples. Calça jeans e camisa pólo ou então camisas de malha. - Respondi meio hesitante.

-Entendi... Por favor, me acompanhe. -Então ela andou até o fundo da loja onde me mostrou um trocador. Eu entrei e ela foi começando a trazer inúmeras peças de roupas para que eu provasse enquanto Berwald se sentava numa poltrona de frente para meu trocador, as pernas abertas e numa posição bastante relaxada até, de vez em quando mexendo nos óculos, entretanto sempre me fitando longamente quando eu afastava a cortina branca do trocador.

Depois de umas duas horas experimentando diversas roupas e tendo os dedos vermelhos de tanto abrir e fechar zíperes e de colocar botões, finalmente tínhamos escolhidos roupas o bastante para que eu me sustentasse por um tempo. Tentei não pensar em quanto aquilo tudo iria custar no total, mas meu professor não parecia demonstrar sinais que se importava com aquilo.

Vesti minhas roupas e deixei o trocador, sorrindo para encontrá-lo já no caixa. A atendente nos acompanhou até a porta e nos entregou as dezenas de sacolas, e então voltamos á caminhar pelos largos corredores do shopping.

-Está com fome? -Berwald perguntou de repente, carregando as sacolas com uma das mãos e tendo a outra novamente no bolso enquanto eu carregava o restante delas.

-Eu? Não, estou bem... Ah, o senhor não almoçou, não foi? Não está com fome? Eu não me importo se quiser parar para comer, acho até bom porque então posso descansar as pernas e...

-Está cansado?

-N-não, e-eu estou bem! -Eu respondi rapidamente, sorrindo amarelo. -É só se o senhor quiser descansar por uns instantes, se quiser comer alguma coisa ou ir ao banheiro, o senhor, não eu, eu estou perfeitamente bem!

-Não pode se movimentar muito senão as feridas irão se abrir. Se sentir dor, pararemos por hoje.

-Não, sério, eu juro que estou bem. Além do mais, eu gosto de andar no shopping, é bem agradável e tem tanta gente que eu me divirto. Então... O que temos que fazer agora? -Perguntei.

Ele parou de andar e levantou o rosto para olhar uma loja de ternos no segundo andar, e mesmo levando em consideração o fato de que estávamos no primeiro, de baixo e de longe podíamos ver a multidão que se amontoava em frente àquela loja.

Em grande parte eram homens, mas mulheres e até crianças se empurravam para entrar na loja, e a todo o momento saíam pessoas e mais pessoas carregando sempre mais de uma sacola. Fitei um grande cartaz pregado na vitrine da mesma. “Queima de Estoque! Até 80% de desconto em todos os produtos”. Ah, deveria ser por aquilo então.

Virei o rosto para fitar meu professor, mas ele já estava caminhando em direção à escada rolante. Corri para alcançá-lo, quase derrubando algumas sacolas e parando de repente bem atrás dele, a milímetros de suas costas.

-Vamos comprar ternos para o senhor? -Perguntei por pura curiosidade enquanto subíamos lentamente, num ritmo quase lerdo demais.

-Para você. -Ele respondeu, me olhando pelo canto do olho e então para frente, finalmente no segundo andar, onde logo começou a caminhar em direção a loja, parecendo não se importar de forma alguma com o empurra-empurra que mais parecia um inferno na terra.

-Para mim? Mas eu nunca vesti um terno antes e nunca tenho uma ocasião para usar. Não sei se preciso de um... -Eu comentei, caminhando ao seu lado, embora fosse difícil acompanhá-lo por causa da diferença do tamanho dos passos.

-É para quando precisar. -Disse, me dando um último olhar, meio assustador, admito, que dizia que não adiantava insistir, ele compraria um e ponto final, fim de jogo.

Suspirei discretamente para não aborrecê-lo. Quanto mais coisas ele comprava para mim, menos confortável eu me sentia.

Já estávamos de frente para a loja e duas pessoas já tinham pisado no meu pé. Meu professor arriscou uma manobra e, dando alguns leves empurrões, conseguiu abrir passagem e pegou minha mão para que eu o seguisse antes que as pessoas voltassem a se amontoar entre nós.

Não vou dizer que ignorei totalmente o fato da mão dele na minha porque estaria mentindo, mas... Eu... Não sei! Ele apenas pegou na minha mão para me salvar daquela horda de seres humanos enlouquecidos e sedentos, não por sangue, mas por roupas que geralmente eram caras, e não havia problema naquilo.

Até porque eu nunca enfrentaria aquela multidão sozinho.

Uma vez dentro da loja, eu vi que ela era bem maior por dentro e parecia se estender muitos metros em todos os lados, onde ao lado norte havia somente blazers, à leste, calças, ao sul, sapatos e à oeste gravatas e outros acessórios.

Imediatamente um senhor de provavelmente uns 70 anos veio nos atender e então apertou a mão do meu professor e sorriu como se fossem velhos amigos, numa calma tão grande que nem parecia haver gente se matando lá fora ou mesmo dentro da loja.

-Gostaria que nos perdoasse hoje, Sr. Oxenstierna. O senhor viu, estamos em queima de estoque e todo mundo está aproveitando a oportunidade. -Disse o idoso, simpaticamente. -Mas, enfim, o que procura? Precisa de mais algum terno? Sobretudo novo?

-Um terno para ele. -Disse, apontando para mim enquanto eu sorria, ignorando o par de mães que brigavam pelo último número de blazer infantil para seus filhos no canto da loja.

O senhor me fitou e então me estendeu a mão, apertando a minha e pedindo para que nós o seguíssemos. Levou-nos até uma parte relativamente escondida da loja, onde havia uma série de provadores. Se fora da loja estava um caos, a área dos provadores era quase que literalmente um inferno na terra.

Uma fila enorme, acompanhada por gritos e palavras que eu não conseguia distinguir, recheava aquele pequeno espaço, e eu me perguntava como diabos as pessoas tiravam roupas ali, veja bem, mesmo que você se trocasse naqueles pequenos gabinetes, quem não apostava que, na hora da pressa, uma pessoa de repente afastasse sua cortina? Podia ser uma besteira para a grande maioria das pessoas, mas eu tinha problemas com aquilo. Muitos.

-Esperem um segundo aqui enquanto eu vou pegar algumas peças de roupa para você. -Disse o senhor, me fitando. -Quando voltar arrumarei uma vaga nem que morra para isso. Nosso melhor cliente tem privilégios!

Então se afastou, deixando-nos olhando as atrocidades que mães, esposas e homens enlouquecidos faziam na área dos trocadores. Ainda assim, tive a absoluta certeza de que aquela era a loja preferida do meu professor.

O fitei pelo canto do olho, vendo que já tinha uma das mãos nos bolsos enquanto a outra estava lotada de sacolas, apoiando-se num pé apenas.

-Quer que eu carregue isso para você? – Perguntou de repente, apontando para as sacolas que eu carregava, menos pesadas que as dele.

-Ah, não precisa! Eu estou bem, consigo levá-las, são leves. O senhor que ficou com as mais pesadas. Desculpe, as coisas são minhas e ainda as está carregando. -Eu disse, passando as mãos nos cabelos e dando um sorriso amarelo seguido de um curto riso, mas ele não riu atitude a qual eu já tinha me acostumado.

-É por isso que eu as carrego. -Ele disse. Não entendi, mas na hora que eu ia perguntar pedir que me explicasse melhor, o senhor voltou com vários ternos pendurados nos braços e ainda um grande demais para mim que certamente atraiu os olhos do meu professor.

-Por favor, me sigam. -O senhor disse, corajosamente adentrando a multidão enlouquecida e rapidamente abrindo caminho até o último trocador, onde um homem estava terminando de se vestir e saía, dizendo que o lugar estava livre, mas apenas para nós e não para o restante das pessoas. De todos os lugares da loja, aquele ali parecia ser o mais calmo, ou o menos agitado, se preferir.

O senhor deixou meus ternos dentro do trocador e o maior também, voltando-se então para meu professor e dizendo:

-Este terno eu trouxe para o senhor. Acabou de vir da Itália nesse momento e nem foi posto a venda ainda. Não precisa comprar, quero apenas que o senhor experimente. Vou deixá-los a vontade e quaisquer coisas me chamem, por favor... Ah, acho melhor vocês dois usarem o provador ao mesmo tempo para sair logo desse caos. -Então caminhou com passos largos até mais cinco pessoas que entraram na loja e as atendia cordialmente.

Engoli em seco. Ter que me trocar num espaço que não tinha nem dois metros de espaço com meu professor, que certamente tomaria grande parte desses não-dois-metros era, na melhor das hipóteses, algo constrangedor. Pelos céus, eu não gostava de me despir na frente de ninguém, mas parecia que todo o universo ou sei lá quem fosse adorava me colocar naquele tipo de situação.

Fitei meu professor, mas ele permanecia sério como de praxe. Suspirei discretamente e entrei no provador, vendo que ele me seguiu e fechou as cortinas. O pequeno compartimento não tinha menos de dois metros, felizmente, mas ainda assim era meio apertado, principalmente com os gritos e xingamentos de todas aquelas pessoas lá fora. Nunca tive tendências claustrofóbicas, mas acho que depois daquela experiência poderia começar a desenvolvê-las.

Berwald deixou as sacolas no chão e levou ambas suas mãos até sua camisa, desabotoando os botões normalmente enquanto eu não sabia o que fazer, morrendo de vergonha. Tirar a roupa era uma coisa íntima demais! Fazer aquilo ali, com a impressão de que a qualquer momento alguém afastaria a cortina e nos veria ambos nus era... Assustadora.

Acho que meu medo estava quase palpável porque Berwald virou o rosto, com a camisa totalmente desabotoada e me fitou provavelmente querendo saber o que havia de errado para eu ainda nem começar a subir a barra da camisa. Então acho que ele se lembrou do meu pequeno problema com tirar as roupas, pois ficou de costas para mim, agora deixando sua camisa cair de leve no chão, e disse:

-Não vou olhar.

-Ah, é que... Desculpe. -Eu disse apenas. Todas às vezes aquele meu problema acabava criando um clima deveras desconfortável entre nós, mas...

Tirei minha blusa e a calça que vestia rapidamente, pegando o terno do cabide e vestindo-o. Estava de costas para meu professor, de frente para o espelho, então além de mim, eu podia vê-lo tirando a calça e ficando apenas de cueca, estendendo o braço para pegar o terno que aquele idoso trouxe apenas para ele.

Parei por alguns instantes, corando violentamente. Eu já disse que odiava me trocar na frente de outras pessoas, mas, além disso, odiava igualmente vê-las se despir na minha frente? Não que eu odiasse, é um ódio sem raiva, o tipo de coisa que eu estava determinado a evitar até que... Até que... Bem, até que eu decidisse não mais evitar.

Balancei a cabeça e voltei a me vestir, vendo que o blazer tinha ficado grande demais em mim, logo o tirando. Estava desabotoando a calça enquanto meu professor abotoava a dele que aconteceu.

Tudo de repente ficou escuro, e se antes tinha gritos por parte da horda de loucos, agora era um verdadeiro hospício. Urros, palavrões, mais gritos, vaias e até risos eram ouvidos em toda a loja e, se afinasse os ouvidos, por toda aquela parte do shopping.

Que ótima hora para haver um apagão.

O pior era que ficamos num breu total, e acho que o gerador deveria estar quebrado, porque um minuto se passou e nada da energia voltar. Eu sei que foi um minuto porque contei, e mais do que nunca, vi que teria, futuramente, problemas com claustrofobia.

-Professor...? -Chamei sem querer. Não que eu estivesse com medo... Tudo bem, eu estava com medo porque chegava até a ser um pouco assustador aquela escuridão e aqueles gritos lá fora, mas eu queria apenas saber onde ele estava, assim, ver que não estava só ali.

Estendi uma das mãos e rapidamente achei sua pele, suas costas, pelo o que senti, já que nem havia muita distância entre nós. Achei que ele fosse me responder ou então dissesse para eu parar de ser besta e não ter medo de um escurinho, mas longe disso, ele se virou de repente e puxou meu braço com tanta força que me fez chocar contra o peito dele.

E numa fração de segundo, senti os braços dele me envolvendo, pele na pele, ambos desnudos da cintura para cima. Lógico que eu corei até ficar parecido com uma pimenta e meu coração assumiu velocidades nunca vistas pela humanidade... Ou nem tanto assim, refletindo depois, mas na hora realmente pareceu tudo isso. Estava escuro, as pessoas gritavam e faziam escândalo lá fora e meu professor e eu estávamos abraçados num cubículo pequeno... Sinto o ar sumir aqui e finalmente estou considerando a possibilidade de ter me transformado num claustrofóbico.

Fiquei até com medo de que ele sentisse meu coração batendo contra seu peito, e mesmo que eu quisesse me afastar, não poderia. Quero dizer... Eu queria e não queria me afastar. Queria porque tanta proximidade, depois de anos sendo excluído pelos meus pais e por todas as escolas que andei, me assustava assim, de repente, mas não queria porque temia magoá-lo e... E... Sei lá, não sentia muito medo daquele jeito.

Até soava meio estranho dizer, mas eram o tipo de proteção que fazia muito tempo que eu não sentia, quase uma coisa nostálgica, familiar, aqueles braços, o toque deles era familiar, mas eu não sabia porque.

Três minutos no mais puro breu ainda, respirando rapidamente e o coração prestes a sair pela boca, mas ele parecia calmo como sempre e, mesmo que eu não pudesse ver sua face, estava pressentindo que tinha a expressão séria de sempre.

Foi então que ele levou uma das mãos até o topo da minha cabeça e a passou em meus cabelos, desarrumando-os numa espécie de carinho que sim, pasmem carinho vindo do meu professor, era até... Confortável.

-Vai ficar tudo bem. -Ele murmurou. -Não há motivos para ficar nervoso.

Só que o efeito foi contrário e, se é que era possível, meu coração fez foi acelerar mais. Minhas mãos estavam caídas ao meu lado, sem saber aonde colocá-las.

Veja bem, um professor abraçar um aluno quando tem apreço por ele é normal, pelo menos era o que eu achava, mas eu não sei o tanto de apreço que aquele abraço tinha, mas não era apreço normal, se é que me entende.

Cinco minutos. Os gritos lá fora diminuíram, mas não pararam, e indo contra o fluxo normal das coisas, ao invés de Berwald me soltar, senti seus braços cada vez mais se fecharem a minha volta com mais força.

Como se não quisesse me perder.”. Essa foi a frase que apareceu em minha mente, o que era até ilógico, porque eu dificilmente iria a algum lugar, uma vez que estava na casa dele por não ter nenhum lugar para ir.

Tinha um cheiro que eu primeiramente achei que fosse algum perfume que ele usava uma fragrância forte, nada doce nem enjoativa, que lembrava bastante ele até. Eu a sentia quando vestia suas roupas e agora a sentia mais forte ainda, e então tive a certeza de que não era um simples perfume, era o cheiro dele.

Quando digo o cheiro dele, era exatamente o cheiro que agora se desprendia do seu peito, da sua pele, onde meu rosto estava. E era bom, quero dizer, eu gostava. Meu professor literalmente cheirava bem, o que poderia soar engraçado, mas em meio a tanto constrangimento, escuridão, gritos, sensações nostálgicas e claustrofóbicas, não conseguia achar muita coragem para rir.

E, como se viesse como uma benção ou maldição, a luz voltou, trazendo consigo mais gritos e vaias e palavrões e também o fato de que eu estava abraçado com meu professor vestindo apenas uma calça de um terno. Desejei, acima de tudo, um lugar para me esconder.

Ele me soltou e se virou como se nada houvesse acontecido, voltando a vestir o terno que aquele senhor idoso lhe recomendara enquanto eu lentamente me virava e olhava para meu reflexo no espelho. Nunca estive tão vermelho na vida!

Sem nada de anormal ocorrer desta vez, meu professor vestiu seu terno e o examinou, tirando-o e pondo-o no cabide em seguida, dizendo:

-Esperarei aqui fora. -Então afastou a cortina e saiu, deixando-me, amém, só.

Experimentei todos os ternos e acabamos levando um que realmente tinha ficado muito bom em mim. Finalmente saímos da loja, passando por toda aquela horda de assassinos e carregando mais sacolas.

Lá fora já tinha anoitecido, mas nem por isso a movimentação do shopping parecia ter diminuído, pelo contrário, aumentara ainda mais. Eu já estava cansado de carregar sacolas, mesmo as mais leves, de andar e de ter que competir lugar no corredor para não ser pisoteado pela multidão que a cada segundo me assustava.

-O que temos que fazer agora? - Perguntei esperançoso para que pudéssemos ir para casa e fazer o restante das compras no dia seguinte, mas eu não sabia se meu professor gostava de sair de casa no domingo.

-Comprar comida. -Ele respondeu, me fitando pelo canto do olho.

-Ah... O senhor não está cansado? Quero dizer, não quer descansar? Não paramos nenhuma vez ainda... Não que eu esteja cansado, não estou. -Sorri amarelo, mentindo, sem querer incomodar.

-Casa então. -E dizendo isso, do nada se virou e seguiu a direção oposta a qual andávamos aquela que levava para o estacionamento. Vinte minutos depois estávamos dentro do seu novo carro e indo para casa, para meu alívio.

E o pior era que no meio daquele silêncio que com certeza conseguia ser incomodo á mim, eu não parava de pensar naquele abraço. Inesperado? Sim. Incompreensível? Sim, ao menos para mim. Desnecessário talvez? Não sei. Só sei que a todo o momento eu lembrava-me do cheiro da pele dele e da sensação dos braços dele a minha volta, o que tornava tudo ainda mais constrangedor.

Nunca quis tanto um buraco para me esconder.

O pior era saber, ou ao menos supor, que meu professor não estava tão perturbado quanto eu. O que? Ele achava que aquele tipo de coisa fora algo normal? Mas, espere aí, e se realmente fosse? Quem sabe eu estivesse apenas sendo neurótico demais...

Eu nunca fora tão feliz em tanto tempo. Tinha alguém que gostava de mim, mesmo que não demonstrasse, e que se preocupava comigo. Tinha uma casa, roupas novas e alguém com quem conversar durante o jantar (mesmo que eu falasse 98% das palavras no diálogo). Não podia querer coisa melhor e tampouco tinha o direito de reclamar.

Chegamos a casa e uma vez dentro do domicílio, deixei as coisas ao lado do sofá, assim como Berwald, e me sentei, descansando. Ele foi até a cozinha e discretamente vi que bebia mais goles daquele seu uísque/conhaque/alguma coisa provavelmente alcoólica. Quando voltou, começou a despir a camisa e a tirar os sapatos.

Liguei a televisão como quem não quer nada, mas ele atraiu minha atenção, dizendo:

-Em breve sairemos.

-Para onde? -Eu perguntei, virando o rosto para olhá-lo, mas ele já caminhava em direção às escadas.

-Jantar fora. -Então as subiu e desapareceu no segundo andar.

E assim começou a segunda metade daquele sábado demasiado estranho e que pioraria muito ainda.


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Notas finais do capítulo

Bem, primeiramente, claro que eu gostaria de pedir desculpas pelo atraso (de novo). A internet que uso em casa é a 3G e ainda a divido com toda a minha família, e meu pai acha que não é importante eu sair "jogando historinhas" na internet toda sexta feira, então ele fez o favor de deixar o 3G no trabalho dele...

MAS CÁ ESTOU EU!

Espero que me perdoem e da próxima vez tentarei não atrasar, mas é que toda vez que digo isso, o destino faz é ir contra mim.

Enfim, espero que tenham gostado! Mereço reviews? *.*

(P.S> A fic se passa na Alemanha, então aquele errinho, se alguém tiver notado, dos "reais" foi um erro sem querer que prometo ajeitar em breve).