Frostnatter escrita por Blue Dammerung


Capítulo 1
Capítulo 1: Vlkommen till mitt liv.


Notas iniciais do capítulo

''Vivendo e não aprendendo... estes somos nós." - Francis filosofando depois de ter sido expulso de sala por ter pego nas pernas de uma aluna em plena aula.



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Não era algo que eu costumasse ver todos os dias, aquela criança, ali, sentada, com frio, abraçando seu próprio corpo numa tentativa provavelmente falha de conseguir calor, nem que fosse um pouco.


Tampouco eu costumava ir para casa por aquela rua, foi uma decisão de última hora aquela, onde eu teria tido um pensamento 'por que não?'. Mas agora ali estava eu, do outro lado da rua, observando-a.


Era noite de natal aquela. Ninguém estava me esperando em casa, e tampouco haveria ceia, nem presentes. Não que eu me importasse muito com isso, porque não me importava, na verdade, nunca me importei, nem quando passava os natais com meu irmão e os amigos dele.

Mas aquela criança me chamava atenção, agora com o rosto sobre os joelhos. Me perguntei se estaria chorando, e vi que não era da minha conta, mas imediatamente me perguntei onde estariam seus pais. Pelas roupas que vestia, rasgadas, sujas, nem deveria ter uma casa ou pais que lhe dessem o devido cuidado.

Me senti responsável naquela hora.”

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Estava frio ali, como sempre estava. Mas ele estava ali também, a silhueta alta, me fitando. Estava nevando, os carros passavam. Havia um pouco de sangue ali, talvez, algo vermelho, não sabia dizer o que era.

Foi quando...

-Tino Väinämöinem! Para a coordenação agora!

Levei um susto e acabei caindo da cadeira, levando uma das mãos até a cabeça enquanto sentia os olhares dos demais alunos da sala pairarem sobre mim, ao mesmo tempo que ouvia suas risadas.

-Ande logo! Dormindo novamente na sala, seu irresponsável! Não quero mais vê-lo na minha aula até que seus pais venham falar pessoalmente comigo!-Exclamou a professora, fazendo uma cara tão assustadora que senti alguns calafrios na minha espinha enquanto pegava minha bolsa e saia rapidamente da sala, corando.

Mais uma vez pego dormindo...

-Meu pai vai me matar...-Suspirei, seguindo pelo corredor até a coordenação, esfregando os olhos ainda.

Não tinha dormido nada na noite passada porque meus pais haviam discutido novamente, então quando digo que ele iria me matar, é porque existia grande probabilidade para tal. Caminhei lentamente, deixando o tempo passar.

Também aproveitei para passar no banheiro masculino, onde me olhei no espelho por alguns instantes. Olheiras bem abaixo dos olhos violetas que provavelmente tinha ganhado da minha mãe, e talvez os cabelos tivesse ganhado do meu possível pai, porque na verdade eu não sabia.

Saí do banheiro ainda esfregando os olhos e caminhei mais um pouco até que ouvi passos apressados atrás de mim, de alguém correndo, embora silenciosos. Oh, não, não, não, não me diga que era...

-Tino!-Exclamou uma voz enquanto sentia um puxão pela parte da trás de minha blusa, que me fez cair no chão sentado. Por que tudo aquilo no mesmo dia?!-Hey, moleque, estamos com fome.

-Não tenho dinheiro aqui, Gilbert...-Eu murmurei, falando a verdade. Não tinha comido nada desde que saíra de casa. Abaixei o olhar, esperando sentir a qualquer momento um chute ou murro ou qualquer coisa enquanto ouvia mais pessoas se aproximarem. Oh, sim, tudo que pode ficar pior, ficaria pior.

-Hey, Gil, o moleque não tem nada aí.-Disse uma voz, que pude identificar como sendo do Antonio, um estudante do terceiro ano que tinha repetido pela terceira vez seguida, assim como os outros dois.

-Ah, mas ele tá fazendo uma carinha muito fofa. Dá vontade de...

-Ah, lá vem você com suas nojeiras, Francis!-Gilbert exclamou, me pegando pela camisa e me pondo de pé, segurando-me pelos ombros. Me fitava enquanto sorria maliciosamente e tinha um brilho estranho nos olhos rubros.-Não tem dinheiro mesmo aí, moleque? Vai desapontar o The Bad Friends Trio aqui?

-Ah, eu... Quero dizer... Desculpe, eu...-Murmurei, fechando os olhos, com medo. Já sentia a dor vir mesmo antes de ele erguer um dos braços e me dar um soco no estômago, fazendo-me cair no chão de joelhos enquanto me curvava. Lágrimas escaparam dos meus olhos por causa da dor.

-Dá próxima vez, moleque, traga dinheiro.-Ele disse, se afastando enquanto era seguido por seus amigos. Fiquei uns instantes no chão, limpando os olhos, até que soou o toque avisando que mias uma aula havia acabado, a penúltima daquela manhã, então me levantei logo para ir até a coordenação.

Passando as costas das mãos no rosto e ainda fungando um pouco, cheguei à pequena sala climatizada que era onde o futuro de vários alunos chegava ao seu momento mais doloroso. Metaforicamente falando, é claro.

Me sentei na cadeira abraçando minha bolsa enquanto esperava que algum dos coordenadores viessem falar comigo. Provavelmente teria que ir embora mais cedo, o que me faria encontrar minha mãe em casa.

Ela olharia para mim com aquelas feições e então viraria o rosto, como se sentisse nojo. Como se eu alguma vez tivesse feito algo errado, e mesmo sabendo que não tinha feito nada de errado, iria para a cama sem jantar pensando se alguma vez eu errara, então ficaria sem dormir, e todo o ciclo se repetiria.

Sorri um pouco. Ah, bem, ela poderia ter ido ao shopping... Ou ao supermercado. Talvez ela não estivesse em casa. Talvez estivesse, mas nem olhasse para mim, e se olhasse, talvez não daquela forma que doía.

Talvez meu pai não viesse para casa hoje também.

Talvez eu...

-Tino? Aqui de novo?-Ouvi uma voz me chamar, mostrando uma mulher vestida formalmente, com cabelos longos e olhos preocupados. Me levantei e sorri um pouco mais.

-Ah, olá, senhora Elizabeta.-Eu disse, corando enquanto me aproximava e ela abria a porta de sua sala para que ambos entrássemos. Ela se sentou atrás da escrivaninha e me fitou enquanto me sentava na cadeira em frente a ela.

-O que foi dessa vez? Dormindo de novo?-Ela perguntou.

-Bem...-Comecei, olhando para o chão quando o telefone começou a tocar e ela atendeu. Suspirei imediatamente, agradecendo a quem quer que existisse por ter adiado um pouco mais aquele momento.

-Oi, sim, é a Lizzy... O quê?! Milton?! Em coma?! Quando?! Onde?!-Ela exclamou. O Sr. Milton era nosso professor de matemática. Não tive muito tempo para conhecê-lo por ter chegado ainda naquele ano no colégio, mas me preocupei um pouco. Ele me tratava bem, geralmente, provavelmente melhor que a Sra. Label, a professora de inglês que me expulsara.

-Ah... Entendo... Tudo bem então, tá, claro, eu cuido do resto... Obrigada por avisar.-Minha coordenadora continuou, desligando o telefone em seguida. Suspirou e levou umas das mãos até a testa, parecendo mais velha e preocupada.

-O que aconteceu?-Perguntei, curioso. Ela me fitou por uns instantes, e vi que não devia ter perguntado aquilo, devia ser confidencial.

-Bem, como os alunos vão saber de qualquer forma... Seu professor sofreu um acidente, ele bateu o carro porque tinha bebido demais e agora está em coma no hospital.-Ela disse enquanto discava outro número.-Alô? Diretor Roderich? É, é isso mesmo, o senhor já sabe. Foi o Milton. Sim, sim, vou começar a procurar agora mesmo.

Voltou a desligar o telefone e abriu uma de suas gavetas, pegando um pequeno caderno e abrindo-o, revelando nomes e telefones.

-Parece que vocês vão passar alguns meses com um professor substituto.-Ela disse, sorrindo.

-O Sr. Milton vai ficar bem?-Perguntei.

-Acho que sim. Ele está em estado grave, mas estável, pelo menos foi isso que me disseram. Ah, Tino, querido, você pode ir na cantina pegar um café para mim? Eu sei que você não vai mais poder assistir aula nenhuma e já pode ir pra casa, mas pode me fazer esse favor?

-Claro.-Eu disse, me levantando e deixando minha bolsa na cadeira. Saí da coordenação e caminhei até a cantina.

O resto da tarde passei com a Sra. Elizabeta, ajudando a arrumar alguns papeis e coisas do tipo. Eu não queria ir pra casa, nem ficar lá fora onde Gilbert e seus amigos me bateriam de novo, além de que eu gostava de ajudar, então fiquei ali mesmo.

Quando soou o toque para ir embora, me despedi, mas a Sra. Elizabeta disse que, por ser o regulamento, mesmo eu sendo um ótimo menino, só poderia assistir a qualquer uma das aulas se meus pais ou pelo menos um deles viessem falar com ela.

Assenti e saí do colégio, pegando o rumo para casa.

Certo de que eu poderia pegar um ônibus se quisesse, mas gostava de caminhar, de ver o tempo passar, de adiar o quanto eu pudesse o momento que visse minha mãe. Tentei sorrir, ser otimista, e até consegui, mas eu sabia que ela olharia para mim com desgosto e viraria o rosto.

Mas continuei a caminhar, segurando a mochila com força nas costas. Passei pelas ruas, evitei os carros, e quando cheguei, peguei a chave que sempre levava no bolso da farda do colégio, e lentamente abri a porta e entrei, fechando-a atrás de mim.

Tive cuidado para não chamar muita atenção quando entrei, uma vez que aquela rua era conhecida por ter diversos ladrões e coisas do tipo. Cheguei na sala, silenciosa, embora tivesse as luzes acesas.

Adentrei o cômodo, ouvindo um barulho vir da cozinha, e murmurei, esperando que minha mãe não ouvisse:

-Cheguei.

E como se duvidasse, saiu da cozinha, com as mãos protegidas em luvas e veio me ver, e como eu sabia que faria, olhou para mim com desgosto, bufou e voltou para a cozinha. Se eu era tanta perda de tempo assim, por que ela se dava ao trabalho de parar o que fazia para me ver? Talvez tivesse prazer em me fazer sofrer. Ou talvez fizesse apenas por fazer.

Abaixei o rosto e subi as escadas em direção ao meu quarto no segundo andar, entrando e fechando a porta, deixando minha bolsa sobre a mesa e me deitando na cama. Olhei o relógio na cabeceira da cama: 6 da tarde.

Logo meu pai chegaria. Me levantei da cama e comecei a me despir, deixando os sapatos devidamente no canto da parede e o uniforme dobrado sobre a mesa, ao lado da mochila, como me mandavam fazer.

Fui até o pequeno banheiro no meu quarto e tomei um rápido banho, vestindo uma roupa simples e saindo do quarto em seguida, descendo as escadas e me sentando no sofá, olhando para o chão. Tinha que esperar meu pai chegar.

Quinze minutos depois, ouvi o ronco alto de um carro vir da rua e estacionar em frente a nossa casa, e então a porta se abriu, revelando um homem alto, com a barba por fazer, rosto velho e cansado, visivelmente rabugento.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si, me fitando por uns minutos até que tirou os sapatos ali mesmo, assim como o casaco, e foi até a cozinha. Continuei ali, esperando. Não podia simplesmente me levantar, tinha que esperar que ele me chamasse, que deixasse eu me juntar a ele. Senti a barriga roncar.

Meia hora se passou até que eu ouvisse meu nome ser chamado, quase inaudível, e sem fazer nenhum barulho, me pus de pé e fui até a cozinha, me sentando a mesa e vendo o prato já feito a minha frente.

Comi lentamente enquanto ouvia meu pai comentar algumas coisas com a minha mãe, e era mais nessas horas que parecíamos uma família, coisa que nem sei se éramos ainda.

Quando terminei de comer, fitei meu prato por alguns instantes até que eles pararam de falar. Nessa hora eu já devia estar lavando a louça e indo para o meu quarto. Me olhavam com olhos que doíam.

-O que foi?-Meu pai perguntou num tom neutro.

-É que... Eu... Tive problemas na escola.-Eu disse, quase num sussurro.

-Por quê?-Ele perguntou, com o tom levemente alterado. Minha mãe se levantou e levou seu prato e o de meu pai até a pia, já prevendo que, por alguma razão, eu não iria lavá-los.

-Eu dormi na aula e... O senhor precisa ir lá falar com a minha coordenadora, senão não poderei ir para nenhuma aula.-Eu disse, tentando continuar com a voz firme.

-Por que não fez o que eu lhe mandei fazer? Por que não prestou atenção na aula como um garoto normal? Gosta de estragar as coisas?

-Desculpe...

-Por que não morreu no lugar do seu irmão?!-Minha mãe exclamou de repente, deixando os pratos caírem no chão.-Não! Ele nem era seu irmão! E você não é meu filho, seu bastardo!

Abaixei mais o rosto.

-Eu...-Tentei.

-Vá pro seu quarto antes que eu mesmo te leve, pirralho. Conversaremos amanhã.-Meu pai disse, se levantando da mesa e indo até minha mãe, que agora chorava.

Obedeci e imediatamente saí dali, me trancando no meu quarto em seguida. Vesti meu pijama e me deitei, e não consegui dormir durante todo o restante da noite.

Eu era adotado, mas gostava de me referir aos meus pais como pais mesmo, porque eu ainda acreditava que podíamos ser uma família feliz. Porém, alguns anos atrás, eu e meu irmão, o filho de verdade deles, sofremos um acidente e só quem escapou, sem sequer um arranhão, fui eu, enquanto meu irmão morreu.

Desde então, minha mãe desenvolveu alguma espécie de distúrbio de personalidade, mudando completamente de uma hora para outra, e passou a me odiar, porque diz que é minha culpa. Talvez seja isso o que eu fiz de errado, quero dizer, eu sobrevivi. E ele não.

Mas apesar de tudo, prefiro acreditar que ela está apenas sofrendo uma fase e que amanhã vai vir até meu quarto e vai me acordar com um beijo no rosto ou então cantando alegremente, como costumava fazer, e meu pai me deixaria no colégio e me desejaria bom dia, como também costumava a fazer.

Fechei os olhos com força, esperando que amanhecesse logo, mas não consegui dormir.

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Na manhã seguinte, saí de casa junto com meu pai, no carro dele, e durante todo o percurso nada falamos. Eu estava com medo, lógico, nunca quis desapontá-lo, tanto que fazia de tudo para não causar problemas no colégio, uma das razões pelo fato de que nunca reclamei do Gilbert e seus amigos pegarem no pé.

Quando chegamos no colégio, meu pai estacionou e saiu do carro enquanto eu o seguia. Chegamos na entrada do colégio, mas antes que entrássemos, pude ver outro carro estacionar, um Honda Civic azul escuro, de onde um homem saiu, mas não pude ver exatamente seus traços, pois meu pai na mesma hora me deu um empurrão, quase me fazendo cair, para frente.

Fomos até a coordenação, onde a Sra. Elizabeta falou com meu pai e onde fiquei do lado de fora, sentado na mesma cadeira do dia anterior, vestindo as mesmas roupas, na mesma posição. Olhei o chão por alguns segundos até que outra pessoa entrou no recinto.

Não era comum alunos andarem por ali, uma vez que as aulas estavam prestes a começar, e por isso levantei meus olhos, curioso para ver quem era, ou talvez apenas ávido para esquecer como meu pai me puniria mais tarde.

Era alto, bastante alto, e usava óculos. Não parecia muito amigável, na verdade, chegava a assustar. Se aproximou e se sentou ao meu lado, trazendo consigo uma maleta. Olhei para o chão, intimidado.

Não havia mais ninguém ali exceto nós dois, e o único som seria o do ar-condicionado. No recinto, a porta que levava até a sala da Sra. Elizabeta continuava fechada. Engoli em seco. Deveria falar alguma coisa? Seria ele nosso novo professor? Ou eu deveria ficar calado? Quem sabe dar boas-vindas?

Ergui o olhar, e quando ia falar alguma coisa, vi que me fitava profundamente, e grande parte da coragem que eu tinha para ser amigável foi imediatamente substituída por medo.

-Seu pai está lá dentro?-Ele perguntou de repente, olhando para a porta da Sra. Elizabeta.

-S-sim.-Eu respondi, fitando-o por alguns segundos antes de desviar o olhar.

Ele não disse mais nada, apenas assentiu, até que minutos depois meu pai saiu da sala e pediu que eu o acompanhasse até o estacionamento. Olhei uma última vez para o homem ao meu lado e segui meu pai.

Quando tínhamos chegado ao carro dele, ele pediu que eu me aproximasse e disse:

-Se isso acontecer novamente, não cometa a besteira de voltar para casa, ouviu?

-S-sim.

-Moleque imundo, seu irmão era muito melhor que você. Agora vá estudar, vá ser útil em pelo menos algum lugar.-Ele disse, entrando no carro enquanto me afastava.

O vi virar a rua antes de voltar a entrar no colégio, onde peguei o caminho para minha sala, onde um professor já dava aula. Entrei de fininho e me sentei na cadeira mais distante, onde abaixei a cabeça e fechei os olhos. Não que eu não gostasse de estudar, na verdade, adorava, mas estava com tanto sono que...



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Notas finais do capítulo

Se você chegou até aqui, PARABÉNS! QUE ORGUI DOCÊ!
Bem, se gostou, pode mandar uma review! E se não gostou, também pode mandar uma review dizendo no que nós devemos melhorar!
Danke/Merci/Obrigadeeenha por ter lido *.*
Kisses e até o próximo chap!