Era bom saber que existia algo de verdade na minha vida.

Me separei de Nico. Decidi fazer isso valer de algum modo em meu bem.

 Peguei minha espada e fui treinar.

 Já estava mais que na hora de aprender a lidar com isso.

 Treinei até o almoço.

 Quando terminei treinei ainda hidrocinese e arco-e-flecha. Treinei uns arremços no quadribol, enfeitiçando as bolas a fugirem de mim.

  Eu tomei um banho por que estava completamente suja e suada e fui dormir.

 O dia me deixara cansada.

Fechei os olhos assim que bati na cama. E eu não estava mais lá.

“ Era um campo aberto. O capim batia em meus joelhos. Flores brancas dentes-de-leão ocupavam o espaço.

 Não era dia e contudo não era noite.

 O céu Era belo, mas incoscitente. Não stava realmente lá e existia somente lá.

 O ar era agrádavel, aconchegante, quente sem ser sufocante.

 Virei-me para olhar melhor.

 Uma mulher de vestido branco longo estava lá. Ela abriu um sorriso e estendeu os braços.

– Selena. Você demorou.– Minha mãe me disse. Ela me repreendeu,comol se tivesse atrasada para um encontro marcado desde que eu a conhecera. E ainda assim sorria. Um sorriso capaz de iluminar o mundo.

– Mamãe?

– Anjinho. Parece que viu um fantasma.– Ela disse e depois riu. Sua risada de sinos me fez correr.– Parece que esse é o caso.

 Eu a alcancei e a abracei. Era sólida, mas ao mesmo tempo não estava lá. Mas eu não me importei. Era a minha mãe.

– Mamãe.

Ela nos sentou.

– Como tem andado,tesouro?

 Ela falava de modo informal, despreocupado, como se ainda hoje nos tinhamos visto.

– Confusa.– Respondi.

– Entedendo.– Ela se solidarizou. Até preocupado seu rosto era leve. Sem pressa, sem dor.– É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.

– Sim.– Concordei.– Mas tudo piorou com... os últimos acontecimentos.

– Entendo.– Ela disse.– Minha mãe teve Reneé sem problemas, afinal, ela era trouxa, mas a mim... Minha mãe morreu no parto. Meu pai criou a mim e a Reneé com carinho. Em Hogwarts, vó Aggy cuidava de mim, na época como professora de Aritmética. Fui cuidada com amor, mas ainda assim era...

– Incompleto.– Completei.– Não era pra você ter ido embora. Era pra ter sido eu.

 Confessar isso me aliviava, era um peso a menos uma coisa a menos intalada na garganta.

– Não diga isso, anjo. Você sabe que não é verdade. Além do mais, a profecia não teria sentido sem você.

– Não tenho mais certeza de nada desde que você foi embora.

– Não.– Ela discordou.– Você teve e tem certeza de uma coisa.– Ela me disse.– Uma única coisa.

 Olhei poara seu rosto bonito, jovial. Ela era muito jovem quando me teve. Seus olhos azuis  eram claros como a água, não como os meus verde-mar, mais azuis, mais cristalinos.

– Nico.

 Ela assentiu, solene.

 Fiquei confusa, mas minha cabeça já não doía.

 Esse não era lugar para sentir dor.

– Não entendo.

– É melhor assim.– Ela observou.– Tudo que precisa saber é que ele tem um papel mais importante na profecia do que você jamais poderia imaginar. Embora é claro, ele tenha um papel que vá muito longe disso.

 Não corei. A felicidade de estar com minha mãe de novo ocupava o lugar de qualquer outro sentimento.

– Você sempre entendeu a profecia melhor do que eu.

– Digamos apenas que eu, hum, tenha herdado certos dons de outros lados da família. Mas quanto a Nico, estou feliz. Ele parece mais um anjo da guarda pra você do que seu namorado.

 Assenti, concordava inteiramente, mas a primeira parte me incomodou. Isso era importante.

– Filha, sabe qual é diferença entre o amor e o ódio?

Balancei a cabeça. Ela passou a mão com delicadeza sobrenatural pelo meu rosto.

Seus dedos eram como água gelada. Em nenhum momento ela esteve realmente lá. Era pouco mais que fantasma.

– É que por ódio você mata.– Ela disse.– E por amor você morre.– Ela sorriu.

– Outros lados da família... Isso tem a ver com Carter e Sadie,não é? Quem são eles? Ou melhor, o que são eles? Os Kane?

– Ah, anjo, peço que tenha paciência. Com sua avó também. Por ora, é melhor saber que eles são importantes. Perigosos... Mas importantes.

– Eles tem algo a ver com meu futuro?

– Não como você imagina.– Ela fez que não com a cabeça.– Mas você é importante para o futuro deles.

– Não entendo.– Repeti novamente. Parece que eu dissera isso muitas vezes desde que chegara naquele lugar.

– Imagino que não. Na verdade, estaria atordoada se entendesse. Mas se o que você está perguntando é se eles são perigosos no sentido de querer, ãnh...

– Minha cabeça pendurada num quadro na parede da sala de estar.– Sugeri.

– Hum, isso.– Depois ela deu uma risada leve.– Ás vezes você me lembra seu pai.– Ela disse.– Nesse sentido, posso afirmar que não, amor.

– Meu pai.– Repeti.

Ela suspirou.

– Encantador. Sinto tanto a falta de Poseidon, mas acho que não posso falar muita coisa. Também sentia em vida.

– Eu estou fazendo o que é certo, mãe? Devo eu dar…Uma chance a meu pai?

– Oh, Deus, não foi isso que quis dizer! Ele é seu pai, você deve fazer isso! Ele está tentando,querida, ele te ama. O que quis dizer foi que apesar de tudo eu ainda o amo. Devia fazer o mesmo.

– Querendo ou não, acho que já faço.– Mordi o lábio de frustração.

– Ah, eu adoro quando você faz isso! Parece tanto com Renée! Uma vez sua tia rompeu a pele! Ficou com uma cicatriz branquinha no lábio por um mês!– Ela riu e eu acompanhei-a.

Minha mãe era tão engraçada!

– Bella também faz isso. – Eu lhe disse.– Uma vez isso também aconteceu, uma hora eu estava lá, falando alguma coisa com ela, não me lembro o que, e lá estava ela, com sangue na boca. E ela desmaiou,acredita? Com o próprio sangue!

 Minha mãe também riu.

– Senti falta disso. Rir com você.

– Eu também, meu bem, você nem imagina como.

– Tão te tratando bem aí onde você estiver?– Perguntei, erguendo uma sobrancelha como os detetives daqueles filmes antigos.

– Claro, anjo, claro, só fico preocupada com você.

– Não precisa mais.– Eu disse abrindo um sorriso e balançando a cabeça.– Acho que agora já posso lidar melhor com isso. Bom, a não ser, é claro que seja um daqueles sonhos que eu esqueça assim que acordar.

 Minha mãe deu uma boa gargalhada. Eram como sinos tintilando.

– Não,meu bem, isto é seu, totalmente seu.

– Bom. Uma lembrança para que meu agarrar. Uma lembrança de verdade. Acho que agora não vou mais me sentir tão mal quando me lembrar de você. Vou lembrar desse pequeno momento perfeito. Sem tristeza, sem saudade, sem dor. Bom e perfeito. Sem cicatrizes.

Minha mãe também sorriu.

– Bom. Melhor assim.

Assenti com a cabeça.

– Mãe, posso te perguntar uma coisa?

– O que quiser, meu amor.

– Você também sente minha falta, assim como eu sinto a sua?

– Ah, meu anjo, não há um só dia em que eu não pense em você, não ouça sua voz, não veja seu rosto, não me alegre com seu sorriso, não me desmanche por suas lágrimas. Mas também não há um só dia que eu queira que você esteja ao meu lado. Por enquanto, esse não é seu destino. Não me arrependo um só dia de você estar viva.

– Entendo.

– Sei que você sente saudade. Mas é melhor assim.

– Saudade. É amar um passado que ainda não passou. É recusar um presente que nos machuca. É não ver o futuro que nos convida. Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade, aquela que nunca amou.– Citei Pablo Neruda.

– Sempre vou estar com você.

– Eu sei. Não vou sentir mais saudades,mamãe. Por que meu coração não vai te deixar ir embora. Não mais.– Sorri.

Ela também.

 Olhei em seu braço a tatuagem roxa.

– E isso,mamãe? Como lido com isso?– Meu sorriso já não estava mais lá.

– Ah, meu bem.– Seus sorriso também sumira e ela balançava a cabeça num gesto negativo. – Ser Magix pode ser difícil, mas lembre-se, é ainda uma benção.

– Ás vezes parece uma maldição.– Eu disse.

– Não diga isso. Ser Magix é o motivo de tudo acontecer com você, e tudo acontecer com você é o motivo para você ser Magix.  Você é o recipiente mais forte, mais poderoso para ser preenchido. E ele sempre é. Vita o fez por isso. A benção de Vita Lámpsi̱ também é uma maldição. Ela te tira tudo que você ama e te dá tudo que você precisa. Eu fui embora por causa dela. Seu pai é seu pai por causa dela, por ser a única pessoa que não podia te dar o apoio. Mas também, Nico, Lunna, Peggy, Sophie, Harry, Gina, todos com quem você pode contar, estão todos com você por causa dela. Feliz é aquele que atravessa a vida tendo mil motivos pra viver.  Vita sabe o que faz.

– Não. Nem sempre. Vita esteve errada. Queria que ela reaparecesse logo para acabar com isso.

– Mas esse é o espírito dela, anjo. O espírito da vida. Mais antigo que todos os deuses, mas antigo que o Caos. Que as forças primordiais, tudo. Ela e Exanime Tenebrae , sabe disso.

– Mas ela desapareceu. Antes de Pã, antes dos deuses antes até que o nascimento de Cronos.

– Mas esta é a graça.– Miranda sorriu.– Ela pode ter desaparecido mais seu espírito está em tudo. Você pode encontrá-la numa brisa de verão, no brilho da lua, no calor de uma chama ao inverno, no barulho de ondas quebrando o mar. Onde tiver vida estará Vita.

 Ela sorria, o fluxo calmo e relaxante me lembrava as história que costumava me contar antes de dormir. História sobre princesas com espadas, meninas que se fingiam de soldados, jovens feiticeiras que se apaixonavam por homens de armadura desajeitados, deusas da noite que juravam seu amor por jovens mortais...

– O conto de Vita e Tenebrae. Os dois deuses desaparecidos, mas com seus poderes sempre mostra.

– Verdade.

Enquanto ouvia percebi algo.

– Ela tem algo a ver com isso tudo,não é? Com a profecia...

 Minha mãe mordeu o lábio e olhou para baixo.

 Percebi outra coisa.

– Algo a ver com Nico também,não é? O que é? Mamãe, me diga!

– Temo que não possa fazê-lo, minha menina. Já é tarde.

– Vou te ver de novo, mamãe?

– Receio por esse dia, mas por enquanto ele é somente isto. Um dia. Dou minha palavra que me verá novamente, mas por enquanto seu lugar não é com os mortos. Talvez com um certo garoto que chega perto, mas não com os mortos.– Ela brincou.

– Queria poder ficar mais tempo com você– Refleti.– Nem pude lhe tocar uma música.

– Ah, mas eu sempre as ouço. Sempre. E não se esqueça, estou sempre com você.– Ela apontou para meu peito.– Bem aqui.

– Minha medalha de sorte.– Sorri.

– Huuum, uma medalha... – Ela meditou. Enquanto nos levatávamos, ela retirou algo de seu braço.– Agora,sim, uma medalha.

 Ela colocou uma pulseira de ouro com corrente finíssima e algumas pérolas.  Havia uma medalha na ponta com o desenho de um coração com asas e uma coroa.

 Pensei no que significava.

– Seu pai deu para mim e agora ela é sua. A única coisa que eu podia lhe dar que  já não houvessem lhe dado. Gosto em especial daquele colar de prata. – Ela meditou com o queixo apoiado na mão. Depois ela sorriu e me deu um beijo na testa. – Até outro dia.

– Até outro dia.”

P.O.V. Agatha Maggie Potentiam

 Entrei no quarto do navio. Eu estava preocupada com Selena.

 Olhei para a cama. Ela estava lá, ainda de tênis e roupa.

 Tirei seus tênis e coloquei uma manta em cima dela.

 Olhei para seu rosto. Surpreendentemente, a garota sorria.

P.O.V. Selena Alexas Joy

  Quando acordei me sentia bem melhor. Sorria, sem saber o porquê.

 Eu estava sem tênis, com uma manta por cima de mim, que eu não sabia como havia ido parar lá.

  Abri os olhos e senti algo roçando no meu pulso.

 Uma pulseira de ouro, com corrente fina,fina demais, com uma medalha. Então eu me lembrei.