Stop Crying Your Heart Out escrita por Katsumi Liqueur


Capítulo 1
Único




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- Lamento, mas eu sou o tipo de pessoa que não pode ter pontos fracos. – A mulher observava a leve chuva pela janela daquele quarto de motel, não queria olhar para ele. Teria força para olhá-lo nos olhos, dizendo aquelas palavras que selariam tudo, mas não tinha a vontade de fazê-lo. – Eu amo você. E isso é um sério problema. Espero que você entenda o que está acontecendo e que possa me perdoar...

Ele a observava em silêncio, sentado na cama, nu, com um cigarro nos lábios e uma expressão impassível. Seria tão fácil matá-la ou imobilizá-la para ir embora. Fácil demais, esse foi o problema. E ele também nunca poderia acreditar que ela estava falando sério. Até seus olhos se encontrarem, até ela falar aquilo.

- Em quinze minutos, ele estará aqui. E isso tem que acontecer antes que ele chegue. Não vou permitir que outra pessoa faça isso. – Ela ainda deveria estar nua, como ele. Mas havia se vestido logo após o sexo e ido para perto daquela maldita janela, carregando sua bolsa. Nesse exato momento, ela apontava uma semi-automática para sua testa. – Espero que não me odeie. Simplesmente não posso deixar que te usem contra mim.  

Antes que algo mais pudesse ser dito ou feito, aquele longo dedo dela apertou o gatilho. Um único tiro e o corpo dele tombou, seu sangue manchando aquelas cobertas tão brancas. A mulher foi até a cama para fechar os olhos do cadáver e depositar um último beijo naquela boca morta. Depois, sentou-se numa cadeira e se pôs a esperar.

***

            Não era exatamente ódio o que sentia, mas, talvez, algum tipo de raiva. Por si mesmo. Ele realmente não acreditara que ela seria capaz de fazer aquilo. Como podia? Ela tinha acabado de admitir que o amava! Mesmo quando a viu apontar a arma, não acreditou. Mesmo após olhar nos olhos dela, duvidou. E, então, o sutil movimento de seu dedo.

            Agora, estava ele em pé, na rua, sob a chuva, diante do motel. Talvez, não fosse realmente ele, mas, sim, sua alma. De braços cruzados, tremendo de um frio que não deveria sentir, de uma raiva que era forte demais para controlar e de um medo que não queria admitir, o homem esperava. Esperava pela tal pessoa que chegaria em “quinze minutos”. Não fazia idéia de quem seria, não fazia idéia do porque ter sido morto de maneira tão idiota e vã.  

            - Até que você aceitou a coisa toda de maneira... Nem sei exatamente que termo usar, mas acho que “tranqüila” se encaixaria na frase e na situação. – Uma voz feminina chamou sua atenção. Porque ele tinha a ligeira impressão que aquilo estava sendo dito para ele. Estranho, ninguém mais parecia enxergá-lo. Não que ele tenha tentado falar com alguém, sabia muito bem que tinha morrido lá em cima, não iria se desesperar mais com tentativas inúteis de chamar atenção das pessoas. Mas estava sem roupas! Se alguém estivesse o vendo, certamente teria reparado o detalhe e comentado de maneira nada discreta.   

            - Quem é você? – Ele se virou, para procurar a voz. Era uma adolescente loira, sua beleza não chegava a lhe chamar a atenção, mas achou que a reconhecia. Consciente da idade dela, não que fosse tão mais velho assim, constrangeu-se pelo estado em que se encontrava. Antes de responder, a garota tirou o pesado sobretudo que usava e o ofereceu a ele.

            - Eu sou a morte, quem mais? Não a Morte, é claro. Apenas uma de suas “funcionárias”.

            - A Morte tem funcionários? – Ele pareceu se divertir com a idéia.

            - Sim, Ceifadores. Sabe, buscamos a alma dos mortos e as encaminhamos.

            - Não quero ser encaminhado. Eu não vou embora daqui. – Falou de maneira rude, mais rude do que queria. Mas ela não se sentiu ofendida.

            - Bem, Senhor...

            - Heath.

            - Ahn? – As finas sobrancelhas dela se ergueram, demonstrando sua confusão.

            - Meu nome. Você tem um?

            - Novalee. Novalee Nation. – Após uma pausa rápida, ela continuou. – Vingança não nos leva a lugar algum. Não se prenda a esse mundo por causa disso. Falo por experiência própria.

            - Não vou a lugar algum. – Dessa vez sua voz saiu fria, sua impassibilidade habitual estava retornando. Estava se acalmando, por não estar mais só. E já não sentia tanto frio por causa da roupa cedida.

            - É impossível se vingar estando morto.

            - Você não sabe disso. Ou talvez ache que saiba, mas esteja errada. E não é só por isso que eu não posso ir.

            - Eu queria me vingar, foi também por isso que fiquei aqui. Agora, é tarde demais para ir embora. E nem posso dizer que consegui o que queria. – Ela suspirou e pegou uma das mãos dele, começou a puxá-lo conforme andava. – Vamos, pelo menos, ir para algum lugar coberto, ok?

            Ele só a acompanhou porque estava aturdido com o que ela lhe falara.

            - Você já foi humana?

            - Não acha que eu fui sempre assim, não é? – Ela esboçou um discreto sorriso. – Não, não. Eu fui humana. Vivi dezessete anos até me matarem. – Passaram por um pub, mas ela continuou puxando-o conforme caminhava. – Não quis ir embora. Ou melhor, eu não podia.

            - Também queria se vingar antes de ir, não é?

            - Não só isso. Vamos dizer que os laços que me prendem a esse mundo são mais fortes que os seus. A questão é que eu virei uma alma obstinada. Digamos que quando você morre sua passagem para o lugar que você tem que ir fica aberta por um determinado tempo.  

            - Que lugar seria esse?

            - Eu não sei. Afinal, nunca fui. Só encaminho as pessoas.

            - Você pode estar as levando para o Inferno.

            - Quer que eu sinta compaixão por pessoas que causaram o mal? – Um leve tom de ironia, enquanto ela parava para olhá-lo nos olhos. Encararam-se por um tempo em silêncio. – Eu não escolho para onde elas devem ir, essa não é a minha função. – Falou, como se desculpando pela afirmação anterior. – Mas se os atos de tal pessoa a fazem ganhar uma passagem para o Inferno, se é que este existe, que culpa eu tenho? – Deu de ombros e soltou a mão dele, voltando a andar.

            - Como você foi de alma obstinada para Ceifadora? – Ele agora a seguia sem precisar ser arrastado. Por causa da curiosidade, acabara deixando de lado sua vontade de tentar descobrir quem era o tal homem que chegaria para encontrar sua algoz.      

            - Depois de minha passagem se fechar, depois de vagar por algum tempo, esbarrei com outro Ceifador. Ele sentiu pena de mim, acabou me deixando acompanhá-lo por um tempo. Talvez porque ele também sentisse um pouco de solidão... Quer dizer, boa parte do mundo não pode nos ver ou nos escutar. Esse tempo que eu fiquei vagando foi longo demais. É complicado estar no meio da multidão e ser incapaz de falar com qualquer um. Então, quando ele me encontrou, me deixou acompanhá-lo. Um tempo depois, me indicou para o “serviço” e eu fui aceita. Os Ceifadores são almas que se recusaram a ir para outro mundo, todavia, não podem ser almas cruéis. Entende?

            - Calma aí, você ficou por que queria se vingar, não? Não acho que seja exatamente uma santa...

            - Olha só, algumas vinganças são justificadas! – Sua voz demonstrava a irritação que sentira. – Você se torna uma pessoa ruim ao querer que a pessoa que lhe fez mal pague?

            - Não sei. Talvez dependa de como você queira concretizar sua vingança, não é? – Ele suspirou. - Você diz que algumas são justificadas, mas no inicio de nossa conversa você falou que não levava a lugar algum. Muito confuso.

            - Porque não podemos concretizá-la! Bem, no fundo, faz sentido. Se os mortos pudessem se vingar, não demoraria muito para não ter mais vida humana na Terra.

            - É um ponto a se pensar. Isso não quer dizer que eu vá aceitar ser “encaminhado”.

            - Com medo do lugar para onde irá, é?

            - Eu não tenho medo. – E não tinha. – Eu sei para onde vou. – E, realmente, sabia. Não que chegasse realmente a ir, pois estava decidido a permanecer. – Mas não irei.

            Ela permaneceu em silêncio, guiando-o em direção a um bairro que ele nunca havia estado. A chuva aumentava, ela não parecia se incomodar e ele praguejava a cada, exatos, quinze segundos. Não chegava a falar diretamente com a garota, mas não conseguia parar de reclamar, tudo bem que agora estava vestido, mas sob aquela roupa não existia nada e seu corpo estava molhado e gelado. Por fim, ela pareceu chegar ao lugar onde queria, um tipo de lanchonete e restaurante 24 horas.

            - Nós passamos por tantos lugares assim, não precisava me arrastar na chuva até esse específico.

            - Eu não precisava nem estar andando com você, então, seja um bom garoto. – O sorriso de Novalee foi suave, quase doce, mas a ameaça havia sido captada. – É aqui onde meu grupo se reúne, se vai ficar vagando por aí, é melhor conhecê-los. E, uhn, pegar algumas roupas emprestadas. Acho que você é do tamanho do Derek... – A porta foi aberta e um grupo de pessoas a cumprimentou, nesse momento, ele se sentiu um tanto quanto confuso demais. Não tinha sido ela que havia dito que o Ceifador que a “recolhera” havia feito isso por que era uma existência solitária? Ali havia pelos menos cinco pessoas o vendo. Então, enquanto comia, ela resolveu fazer uma explicação melhor, para que ele passasse a entender como tudo realmente acontecia.

***

            O que ele conseguiu entender de tudo aquilo é que a Morte, em si, quase não fazia nada. Ela era como a dona de uma grande fábrica, com todos os seus funcionariozinhos trabalhando duro, enquanto tudo que ela fazia era ficar sentada em seu escritório, vendo televisão, usando o computador e comendo. Isso se a Morte comesse, ou gostasse de filmes, novelas, ou internet e jogos. Bem, essa era a visão dele. Afinal, com base no que a Srta. Nation tinha lhe contado, a Morte realmente só dava ordens e sem dar as caras, ainda por cima. Ela mandava uma lista de nomes, locais e descrição rápida de como o óbito aconteceria,os Ceifadores dividiam entre si e lá iam eles encaminhar as almas. Se ela também aparecia, se era ela que abria a tal passagem ou se cuidava de alguns casos especiais, ninguém soube responder.

O único encontro de todos de uma maneira mais real com ela, foi quando foram aceitos para o cargo de Ceifadores. Os indicados iam a um certo endereço, que sempre mudava, e entravam num escritório em tons de gelo que permanecia o mesmo. O escritório se resumia a uma grande escrivaninha de mogno, um grande arquivo de aço e uma confortável cadeira preta que, invariavelmente, estava de costas para a escrivaninha e a porta. Existia também uma janela, a cadeira estava voltada para essa direção na verdade, as pessoas que haviam estado nesse escritório tinham a impressão que aquela janela simplesmente não dava para onde deveria. Bem, as pessoas entravam, nervosas, algumas falavam demais, outras permaneciam num silêncio amedrontado. Afinal, aquela ali era a verdadeira Morte. Após uns instantes, uma voz melíflua e assexuada se fazia presente em todo o ambiente. “Sim. Adeus.” E tudo se resumia a isso, se alguém não tinha sido aceito? Bem, como Novalee ou os outros poderiam saber disso? O que acontecia com os que recebiam não como resposta? Era melhor nem penar nisso...

Isso foi o que Heath descobriu naquele noite e, depois dela, permaneceu como uma companhia constante de Novalee. Embora, raramente, saísse também com Derek, Tom ou Gracy. Aparentemente, tinha se esquecido de tentar descobrir quem seria o tal homem a chegar naquele quarto de motel. Sua passagem, já havia se fechado há um certo tempo e cogitava-se transformá-lo em um Ceifador também. Mas a garota tinha um pressentimento que a alma dele não era tão pura assim. Ele era, na opinião particular e silenciosa dela, um pouco assustador. Com uma impassibilidade e uma frieza um tanto anormais, ele poderia, como poderia não ser cruel. Ela jamais descobriria isso simplesmente o observando em situações “cotidianas”.  

***

            Não vamos ter sonhos e acreditar que uma amizade surgiu dali. Era apenas a convivência que os tornava tão amáveis um com outro. Palavra engraçada, mas era exatamente isso, ele era amável com ela. Para Novalee, que não estava nem um pouco acostumada com aquilo, ele se tornava cada vez mais assustador. Tudo bem que ela estava morta faz um certo tempo, mas ela morrera como adolescente, seus medos e anseios ainda permaneciam muito semelhantes. E o que ela mais temia no mundo era o poder destrutivo de um amor deturpado. Não que o amasse e ele correspondesse, não que se isso fosse acontecer e o sentimento se tornasse deturpado. Porém ela também temia o amor e os homens.

            Nessa estranha situação, eles conviviam muito próximos. Mais próximos do que haviam estado de qualquer outra pessoa quando vivos. Heath olhava para sua situação com ela e lembrava de seu passado recente. Lembrava-se daquela linda mulher que havia sido sua por tanto tempo e que o havia matado. Sentia falta dela, de sua beleza selvagem, de seu humor cruel e da união de seus corpos. Ah, ele sentia falta de sexo, como sentia. Estava acostumado a ter o tempo todo com aquela mulher que o amava e, agora, nada disso. E, ainda, com muitas outras mulheres enquanto “trabalhando”. Ah, seu trabalho, sentia falta disso também. E, então, seu olhar recaía novamente em Novalee, aquela adolescente loira desprovida de maiores atrativos. Não sentia o menor desejo de tê-la, na verdade se perguntava constantemente porque continuava andando com ela. Gracy era tão mais divertida e, por que não dizer, quente. E parecia fácil, mas mesmo assim ele nem tentara nada, por alguma razão desconhecida. Também não fazia idéia do porque permanecer ao lado da Nation, mas continuava ali, não continuava?

***

            É possível acreditar que nada teria mudado naquela situação se não tivessem encontrado um corpo. Heath estava lendo o jornal quando viu a notícia. E a foto. Um corpo feminino que havia sido descoberto, um corpo que ele conhecia muito bem. “Homicídio, sinais de tortura, abuso sexual”. Palavras que ele havia encontrado na notícia, palavras que descreviam a morte dela, uma morte que tinha acontecido no mesmo dia que a dele.

            - O que tinha naquele jornal? – A pergunta curiosa dela, enquanto os dois caminhavam em direção a próxima alma.

            - Está morta. – Ele não precisou falar mais nada, ela havia entendido muito bem.

            - Está feliz?

            - Não! Ela foi estuprada e torturada... Não queria isso. Na verdade, não queria nem que ela morresse, só queria saber quem seria o tal homem que iria encontrá-la. Ele fez isso com ela. É dele que eu quero me vingar.

            - Por causa dela?

            - Quem sabe?

            - Você sabe. – Um longo período de silêncio, até ela se atrever a voltar a falar. – Heath... Você a amava?

            - Não. Mas eu era apaixonado por ela desde a época em que a conheci. Meu desejo por ela nunca arrefeceu.

            - Eu acho que eu não entendi.

            - Eu a desejava, a queria feliz, a queria apensa comigo. Queria satisfazê-la. E queria permanecer ao lado dela. Diana, era o nome dela, era uma assassina. E eu não ligava, eu apenas queria tê-la. Mas, apesar disso tudo, não era amor. Porque apesar de querer satisfazer suas vontades e vê-la feliz, eu nunca abriria mão de nada por ela. 

            - Você é um homem estranho. Era ela mesmo uma assassina?

            - Sim. Isso deve fazer você pensar que eu sou um monstro, certo? Por aceitar esse tipo de coisa.

            - Meu pai era um assassino profissional. Ele era um monstro, embora não por essa razão. Você?  Você pode ser estranho e até me assustar, mas eu nunca consideraria você um monstro.

            Ele parou de caminhar, as pontas dos dedos dele encontraram a pele do braço dela e deslizaram suavemente, até que ele segurou a mão dela e a fez parar.

            - Eu... Te assusto?

            - Uhn, ás vezes. Desculpe por mencionar. – Ela queria se soltar dele e voltar a andar, mas ele a mantinha imóvel com o olhar.

            A outra mão dele tocou a face dela. Novalee sabia o que ele iria fazer, mas estava tão chocada, aquilo era aleatório demais. Os lábios dele tocaram os seus. Aquele beijo que ela não entendia porque estava ganhando. Ele a beijava com vontade, seus olhos permanecendo abertos a observando. Nation não podia encará-lo, não assim. Seus olhos se fecharam e ela o correspondia. Heath parou aquilo de forma abrupta e se afastou com um sorriso que ela não conseguia interpretar no rosto.

            - Por que eu te assusto?

            Ela olhava para baixo, o rosto enrubescido e a cabeça confusa.

            - Acho que por causa de coisas como essa. – Respondeu, suavemente. – Realizar atos estranhos como esse com sua frieza costumeira. Atos significativos pra alguns, mas você os faz de maneira tão impassível que eu fico me perguntando que tipo de pessoa você era... Não que eu queira saber, se eu parar pra pensar...

***

            E, então, outro acontecimento. Muito pior que o primeiro, por sinal. Ah, se as pessoas soubessem agir normalmente, algumas simplesmente não possuem esse tipo de sutileza. Eles olhavam para Novalee Nation com tanta pena e tristeza, como ela poderia não ter notado? Eles tentaram segurá-la, quando ela tentou ler o papel. Não deu certo. Ela viu o nome e o lugar, seus olhos não tiveram a coragem de ler o como. Saiu numa corrida desvairada e Heath a seguia, tentando entender o motivo. Ela não respondeu, ela só corria e chorava.

            Eles invadiram uma casa, uma casa que ela parecia conhecer muito bem. O olhar dele passou rapidamente por uma foto, o olhar dele voltou. Um homem, um pai, com o braço no ombro de duas lindas garotas loiras. Pode-se dizer que Heath queria morrer ao olhar aquilo. Uma delas, a mais velha, era Novalee. Não importava que a aparência não fosse exatamente a mesma, era ela. Mas a aparência dela parecia ter mudado, para falar a verdade, para se encaixar naquela da foto. Nation era linda, como ele podia não ter percebido. E ele já a tinha visto, como podia não ter se lembrado?

***

            Heath e Diana estavam sentados numa sorveteria. O sundae já havia terminado, mas eles permaneciam no local, conversando e observando as pessoas. Estavam numa mesa bem afastada e conversavam em voz baixa. Heath implicava com ela, sobre sua profissão.

            - Você não sabe se virar, querida. Você trabalha dentro de situações cuidadosamente planejadas. Não saberia fazer de outra maneira.

            - Ah, você ainda duvida de mim? Mesmo após esse tempo todo?

            - Se você trabalhasse sozinha, não duvidaria. Mas você nunca conseguiria fazer tudo por si mesma. Planejar cada passo milimetricamente.

            - Vamos fazer assim, escolha qualquer pessoa na rua. Vamos ver se eu não sei “trabalhar” sozinha. Qualquer pessoa na rua, duvido que encontrarão o cadáver dela.

            Ele não acreditou que ela fosse fazer realmente aquilo, então apontou uma linda garota que lhe chamara a atenção e nunca mais pensou sobre isso.

***

            Novalee havia dito que seu pai era um assassino, o rosto firme daquele homem também era familiar. Ele havia estado no enterro da filha dele, acompanhando Diana. Ele havia estado no enterro daquela garota que corria para o segundo andar, aquela garota que ele havia escolhido matar.

***

            Diana soltara sua mão e caminhara até o caixão aberto. Tinha algumas flores para jogar, embora não conhecesse a garota. O pai dela era um profissional famoso, no momento, ele estava em desespero num canto, prometendo que encontraria o assassino e o faria pagar caro. Todos se compadeciam, afinal, a garota tinha sinais de ter sido violentada tantas vezes. Quando Diana voltou para o lado dele, a cor não existia mais em seu rosto. Heath sempre achou que era por causa da garota ser tão nova.

***

            Outra coisa que ele entendia agora. Diana havia matado a filha de uma das pessoas que ela mais respeitava. Mas ela nunca havia lhe contado nada! Ele, na noite de sua morte, provavelmente era o pai de Novalee. Quando as coisas fizeram um pouco mais de sentido na cabeça dele, ele teve a certeza que o mundo era mesmo um lugar muito terrível. Diana matara Nation, mas violentar? Então, aquilo tinha que ser anterior a sua morte. Diana também aparecera com marcas de abusos sexuais. Quem restava era o pai da garota. O abuso jogara uma luz diferente no caso, por isso a demora para localizar o assassino, Heath julgava. O pai nunca iria admitir que aquelas marcas eram causadas por ele e não tinham relação com o assassinato. Novalee tinha uma irmã mais nova, que havia ficado sozinha com o pai. a garota tinha dito que não era só vingança. Agora, ele entendia, entendia também o desespero dela de chegar ali. E até ele havia começado a ficar desesperado. Até de seus olhos lágrimas de culpa saíam.

            - Qualquer coisa! Qualquer! Isso não, isso não! – Os gritos dela o acordaram, ele subiu para encontrá-la no quarto da irmã. A garota estava deitada na cama de olhos abertos, seu corpo ainda estava vivo, mas dizer que ela vivia seria falar demais. Tecnicamente, Nation gritava para o nada. Mas ao prestar atenção, Heath podia notar que tinha uma forma com contornos humanos nas sombras, uma voz que respondeu com uma voz melíflua e assexuada.

            - É a hora dela, criança. Não há nada que se possa fazer.

            Em seu desespero ela olhou para ele, em seu desespero, ela correu para ele. Tinha uma faca nas mãos, faca essa que pressionou no pescoço dele. Heath olhava a situação aturdido.

            - Eu vou destruir a alma dele! Sei como fazê-lo! Se você não me ajudar...

            - Olha para ela, minha criança. Um corpo sem vida. O lugar que a espera é muito melhor que esse que ela está, não tenha dúvidas. No fim das contas, todos recebem o que merecem.

            - Besteira! Conversa furada! E ele? Ele recebe o que merece? Não! O maldito continua vivendo sua vidinha e fodendo com a vida das pessoas como bem entende! Como todo mundo recebe o que merece?! Eu agüentei o estupro por anos a fio, mas ele ia pra cima dela! Isso eu não podia deixar. Mas o que acontece quando eu decido denunciá-lo? Uma vadia vinda do nada vai e me mata! Era isso mesmo que eu merecia? – A garota apontou a irmã com a faca. – Era isso mesmo que ela merecia?!

            - Novalee, você iria para um lugar maravilhoso. Para curar todas as feridas que esse mundo lhe causou, mas você decidiu ficar. Espero que você convença sua irmã a ir ,porque, como eu disse, o lugar que a espera é muito melhor. E quanto a seu pai... – Nesse momento, a voz perdeu toda a sua doçura. – Eu, pessoalmente, virei buscá-lo, e os tormentos que o aguardam fariam você ter pena dele.

            - Não! Besteira! Eu não... – E sua voz se perdeu quando outra pessoa entrou naquele quarto. Para Heath, aquilo tudo parecia passar em câmera lenta. Aquele homem entrando no quarto, deixando seu paletó cair numa poltrona e se aproximando da cama. Nation começou a gritar e partiu na direção dele, enlouquecida, mas ela não podia tocá-lo. Heath a segurou, a abraçou com força, fazendo com que a cabeça dela estivesse contra o seu peito e não visse aquilo. O corpo dela tremia, ele tentava colocar as mãos na orelha dela, para que ela nem sequer escutasse. Os olhos dele? Permaneceram abertos o tempo todo, essa era sua punição. O homem, aquilo não era um pai, a usou como bem quis. A garota era um corpo morto, mas assim que ele acabou, seu corpo retomou vida de uma maneira estranha. Aquele corpo franzino e ágil se atirou na direção da roupa dele, as mãos pequenas e pálidas encontraram a arma dele. A irmã mais nova de Novalee podia tê-lo matado, mas foi pra sua cabeça que ela apontou a arma.

            - Vamos embora daqui... – A voz melíflua e assexuada que estava em todos os lugares falou e um instante depois eles já não estavam ali. Um quarto de motel, como qualquer outro, apenas mais espaçoso. Nation nos braços de Heath chorando, a irmã olhando confusa.

            - Novalee? - Seu nome sendo chamado a deu forças para se levantar e encarar a irmã.

            Uma sombra esgueirou-se pelo quarto, quando estava próxima de Heath, sua voz pode ser ouvida apenas por ele. Havia uma certa frieza e ironia daquela vez.

            - Como eu disse, no fim das contas, todos recebem o que merecem.

***

            A irmã não queria ir, mas Nation conseguiu convencê-la. E naquele mesmo quarto de motel Heath contou toda a verdade para Novalee. Ela podia ver todo o desespero e culpa nos olhos, palavras e gestos dele. Mas não era por isso que havia um perdão. Três mortes desnecessárias. Quatro, se fosse contar a dele, ela gritava em desespero mais uma vez.

            - Não, minha morte não foi desnecessária. Eu precisava encontrar você, foi por isso que eu morri...

            - Eu não teria morrido! E minha irmã...!

            - Sim, a culpa é minha.

            - Não, eu não vou dizer que você é culpado por tudo, seria tirar a responsabilidade e os pecados dele! Mas Heath, como você pode?!

            - Eu não sabia! Nunca teria imaginado! Só apontei você porque sua beleza e seu olhar haviam chamado minha atenção. Só isso!

***

            Após todo esse tempo junto sem entender o porquê, sem uma amizade ser criada, eles se separaram. Heath virou um Ceifador, mas em outro grupo. O fato dele começar a trabalhar para a Morte, dizia um pouco sobre sua alma. Mas como ela podia aceitar aquilo? Claro que ele era cruel! E ela repetia para si mesma, assim como não se cansava de repetir que não sentia falta dele. Até que ela... Cansou.

            - Naquele dia, por que você me beijou?

            - Eu não sei, mas se eu te beijasse agora, seria porque eu te amo. – Ele falou com simplicidade.

            - Ah, agora você me ama?

            - Sim, exatamente. Só agora e eu lamento por isso.

            - Você está mentindo.

            - Não, eu te disse que, para mim, amar seria a capacidade de abrir mão de algo pela pessoa.

            - Como se você tivesse feito isso por mim.

            - De certa forma, eu fiz. Não por mim, mas por nós. Quando eu fui ao escritório, ela disse que poderia abrir minha passagem outra vez. Que na verdade, era para eu ter permanecido mesmo, porque eu tinha que explicar as coisas para você. Como eu tinha tido coragem de fazer isso, minha passagem estava aberta e me levaria para um lugar bom. Mas eu não pude ir, porque eu não posso ir pra longe de você. Não agora que eu te amo. E não estou mentindo.

            - Eu sei. Mentiroso é algo que você não é. O lugar seria realmente bom?

            - Dos melhores, de acordo com ela.

            - Eu fico feliz que você tenha ficado.

            - Pois é, eu também.


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