Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 8
Sequelas




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Vendi minha alma ao chamado... Agora me dê esse fogo”

                                         — Barns Courtney                                    

                                                   

— Então você precisa de um namorado?

  Era a terceira vez que Ino fazia aquela pergunta, sua voz oscilava entre a descrença e o deboche e, se eu virasse um pouco a cabeça, poderia ver o brilho zombeteiro nos olhos e a postura relaxada dela ao meu lado.

— Eu ainda não entendo como isso pode ser da sua conta.

— Foi você quem disse que precisa de uma testemunha como namorado, não eu — ela rebateu desinteressada e me remexi desconfortável sobre a grama, rolei os olhos quando ela repetiu: — A sua versão dos fatos é uma merda, uma grande porcaria, a desculpa mais ridícula que...

— Já entendi essa parte — a temperatura era agradável do lado de fora e estreitei os olhos na direção das nuvens claras, franzi o cenho quando notei que fazia um bom tempo que eu não deitava num canto tranquilo em um dia realmente calmo e agradável.

  Mas é claro que não! Você estava ocupada com a porcaria toda de foder a própria vida, querida. Não há tempo para ver se o sol está brilhando lá fora em tempos assim.

— O quê? — Soei ríspida e a loira arqueou a sobrancelha, o ar analítico tomava conta do rosto dela outra vez e suspirei quando ela retomou sua linha de raciocínio:

— Sério, Sakura, um namorado? Você a ameaçou por conta de um garoto? Você? — Ela exasperou e agitou as mãos, mal parecia que ela respirava enquanto cuspia todas aquelas palavras. — Sem ofensas garota, mas você é o ser humano mais desprovido de hormônios que eu conheço. — Foi a minha vez de arquear a sobrancelha. — Viu? Você nem nega isso.

— Eu tenho hormônios.

— Deixe-a em paz, Ino — agradeci mentalmente pela intromissão de Hinata e pelo silêncio que se instalou enquanto ela se ajeitava ao lado da loira. — Você sabe que a sua versão é ruim, Sakura. Ninguém vai acreditar que você brigou com a Karin por causa de um garoto.

— Viu só? — Ino soou convencida e debochada antes de rir um pouco. — Você sabe que pode nos contar o que aconteceu, e aí podemos te ajudar a contar uma versão melhor do que um ataque de pelancas.

— O quê?

— Não faça essa cara — a censura no tom de voz da loira me fez estreitar os olhos. — Só estou dizendo que podemos ajudar, se você quiser, é claro. Além disso, quem seria o cara que trocaria saliva com você, Sakura? Eu não vejo muitos candidatos.

— Nisso eu tenho que concordar — Hinata atalhou: — Ou candidatas.

— Agora você me pegou. Eu não tinha considerado essa — o comentário de Ino foi automático e um meio sorriso repuxou seus lábios de forma sarcástica. — Vamos lá, Sakura, nós sabemos que seu rosto sério e apático quer dar uma risada nervosa.

  Apoiei o corpo sobre os cotovelos e ignorei as cutucadas excessivamente animadas da loira por alguns segundos, Hinata apenas acompanhava a cena com incrível calma e diversão conforme a outra tecia mais comentários sarcásticos que ressaltavam o quão ruim era a minha versão dos fatos.

— Você não cala a boca nunca? — Perguntei após outra série de cutucadas e piadas debochadas.

— É um dos defeitos de fábrica. Você se acostuma — ela respondeu simplesmente e interrompeu toda a coisa assim que Hinata chamou sua atenção. Ino virou a cabeça e observou ao redor, endireitou a postura e sua feição sarcástica se acentuou mais ainda. — Não precisa se preocupar Hina, ele não vai te morder.

— Ele quem? — Mordi o lábio inferior com força assim que as palavras escaparam e a loira apenas apontou com a cabeça para o lado, acompanhei com o olhar rapidamente e estremeci quando reconheci o garoto loiro do corredor.

— Naruto Uzumaki, o pesadelo pessoal da nossa querida Hina aqui — Ino completou e um riso sarcástico rompeu sua garganta — Qual é, Hinata... Não precisa fazer essa cara, se é verdade. Há pessoas que nunca vão gostar de você, então faça a sua parte e viva com isso.

  O andar dele era extremamente calmo e relaxado, as mãos sempre nos bolsos como se estivesse algo ali e os olhos pareciam afiados, acostumados a desconfiar de tudo e de todos. Ele se afastou da parte cimentada do pátio e caminhou até a lateral do prédio, apoiou o corpo ali e cumprimentava alguns internos, ignorava outros e olhava atentamente para os lados.

— ...problema com isso e você sabe, Ino. A questão é que...

— Ele te odeia.

  Inclinei um pouco o corpo para frente assim que o garoto do corredor ergueu os ombros rapidamente enquanto conversava com um garoto de jaqueta verde, não demorou muito para o loiro apontar para um canto com a cabeça e o outro concordar. O garoto da jaqueta olhou para os lados antes de segui-lo até a quina do prédio, mais apressado e afobado do que o garoto loiro.

  Foi apenas numa fração de segundos, apenas por um instante que o loiro apareceu na quina do prédio outra vez e parecia que seu olhar afiado estava preso no meu. Aquela certeza de que ele sabia o que eu estava fazendo e a que conclusões havia chegado havia liberado a mesmíssima dose de perigo iminente e adrenalina no meu corpo durante a madrugada anterior.

  Então é melhor você recolher tudo, tudo mesmo e não deixar que ninguém saiba o quão assustada você está, querida. Siga esse conse...

— ...conselho, Sakura. É melhor não topar com o Naruto, ele é... — a voz séria de Ino havia capturado minha atenção instantaneamente e fiquei aliviada com isso. — Ele não é uma pessoa muito boa, sabe? Eu acho que ele poderia matar qualquer um aqui se quisesse.

— Eu não quero mais ficar aqui. E-Eu não quero escutar que sou culpada pela vida dele — a firmeza de Hinata de minutos atrás simplesmente desapareceu quando ela encarou o prédio por alguns instantes. — Vou ficar por aí, e-eu...

— A gente pode dar uma volta no teatro. Aquele lugar está caindo aos pedaços — Ino sugeriu e puxei o capuz com força, mordi o lábio inferior até sentir o gosto de sangue na boca. — Sakura? Você vem? — Foram palavras distantes, que mal eram processadas pelo meu cérebro enquanto minha pulsação alterava e meu peito parecia inchar com o tanto de ar que eu puxava. — Ei...

(...é a sua vez agora. Você entra no próximo ato. — O sorriso cordial do contrarregra acentuou a raiva que a consumia enquanto espiava entre as cortinas pesadas de veludo, sua resposta de agradecimento foi amável e acompanhada de um sorriso encantador. Seu rosto despiu-se daquela máscara adorável de compreensão e gratidão assim que seus olhos espreitaram pela última vez a fresta entre as cortinas.

— Respire fundo e...)

  inspire respire e inspire

  Voltamos do longo intervalo, senhoras e senhores, e continuamos com a nossa convidada de honra nesse show de HORRORES, porque, é verdade amigos e amigas, essa garota NUNCA vai parar de achar que TODAS, repito, TODAS as coisas podem ser esquecidas com respiração cachorrinh...

— Sakura? Está tudo bem?

— Ei, você está legal?

  A primeira reação natural era a histeria, seguida de taquicardia e não faltava tanto para um colapso nervoso quando as perguntas de Hinata e Ino continuaram, ficaram mais persistentes e beiravam à uma provocação agoniante. Foi extremamente trabalhoso abrir a boca e soltar o ar e puxá-lo pelas narinas, até obter certa sensação de controle e não me desesperar com os olhares preocupados e arregalados delas.

  É realmente IMPRESSIONANTE, senh...

— E-Eu estou bem — gaguejei as palavras até que elas soassem realmente convincentes, como se aquela velha mentira pudesse apagar as vozes que berravam ordens e ironias na minha cabeça.

  Você sabe qual é o caminho, querida. Está bem aqui, bem aqui, não precisa se preocupar.

  Continuei mexendo a boca e quase ri, talvez em alívio e descrença, quando apalpei os bolsos da blusa moletom e senti o volume da cartela de remédios. Aquelas frases se misturavam na minha cabeça conforme meus dedos se mexiam com velocidade e habilidade, tiravam três pílulas da embalagem que logo escorregavam para a palma da mão.

 — ...não parece nada bem. Você está pálida. — Aquele tom preocupado de Hinata apenas aumentava minha agonia em sentir o Profaxim, extremamente leve, na minha mão. — Você quer ir a algum lugar? Quer que a gente traga alguma coisa?

— Não, não, eu... estou bem — cuspi as palavras e as repeti até ter certeza de que minha voz soava indiferente e firme às suas preocupações. — Eu só... tive um... momento. Foi só. — Aquela sensação de agonia ficava mais intensa a cada segundo em que eu sentia o suor brotando na palma da mão e envolvendo a cápsula do remédio, pisquei os olhos com força e me obriguei a manter contato visual com Hinata e Ino – era a única forma delas acreditarem em mim quando dizia: — Eu estou bem.

— Podemos ir até o teatro, se você quiser. Ninguém vai nos perturbar lá e é mais fresco do que aqui fora — Ino sugeriu num tom de voz tão pensativo e calmo que apertei o Profaxim com mais força, porque aquela postura inabalável e disposta a ajudar intensificava a minha necessidade de abalar os fantasmas da minha cabeça.

  Levantei e balancei a cabeça, pareceu uma eternidade até as duas darem as costas e começarem a andar.

  Essa garota tem FIBRA mesmo, meus caros! Não existem limites e nem escrúpulos quando se trata de SAKURA HARUNO, nossa rainha do baile dos MONSTROS de...

  Enfiei o Profaxim na boca e o mastiguei rápido, o gosto amargo parecia amortecer minha língua conforme se dissolvia na saliva e triturei o quanto pude os pedaços do remédio, quase saboreei a segunda cápsula assim que a pus na boca. Minhas gengivas formigaram pouco depois da terceira dose e engoli a seco o restante.

  O mundo estava envolto naquela névoa macia e confortável de anestesia, as vozes na minha cabeça paravam de gritar e se incorporavam ao silêncio, não havia mais planos, ordens, advertências e qualquer porcaria tóxica o suficiente para me fazer querer vomitar ou chorar em puro desespero. Só havia a taquicardia, a atenção apurada e aqueles braços invisíveis que pareciam sustentar meu corpo conforme eu me movimentava.

  Eu podia aguentar pisar no teatro de novo e veria todos os seus fantasmas – meus, na verdade – desfilarem pelo piso amadeirado e valsarem na minha direção. Tudo isso era parte da penitência por estar respirando e eu repetiria isso até que não fosse mais do que uma constatação pessoal, e sim a verdade absoluta.

  Apenas siga o roteiro e faça de conta que nada disso te abala, querida. O que importa é que nós sabemos a verdade, não é? Assenti em silêncio, como se aquela voz fosse ganhar corpo a qualquer instante e me desse tapinhas amigáveis no ombro, numa cumplicidade muda sobre me drogar sem qualquer moderação. Respire respire respire

— É por aqui, Sakura.

— Está tudo...

  As duas argumentaram ao mesmo tempo, uma mais descontraída e preocupada do que a outra, mas eu não conseguia abrir a boca e soar convincente – minha língua estava dormente. Os mais de quarenta miligramas fizeram a sua magia de me envolver naquela adrenalina instantânea, sobrecarregada pela sensação de invencibilidade ao silenciar as vozes e de permanecer em pé, porque eu estava no controle do meu corpo. Eu posso fazer isso, foi a última coisa parcialmente racional que me lembro de ter pensado antes de perder o equilíbrio.

  Eu posso mesmo.

  Foi aí que tudo ficou escuro.

* * *

  O barulho da chuva e o som do aquecedor do carro eram altos, as gotas d’água tamborilavam na lataria e nas janelas do veículo cada vez mais forte e mais ritmado acompanhavam os sons distantes das rodas deslizando sobre o asfalto. O motorista alternava sua atenção entre o trânsito pesado e o celular que vibrava no bolso, a luminosidade do aparelho desapareceu quando atendeu a ligação.

— Sinto muito, querida.

  A náusea embrulhou meu estômago assim que percebi que estava presa no carro com ele e a voz grave e firme que vinha do motorista soou engasgada quando ele continuou a repetir aquelas palavras, como se fosse um disco arranhado. O máximo que eu conseguia fazer era enfiar os dedos na trava e puxá-la como uma alavanca, mas a porta simplesmente não abria.

— Não, não, por favor!

— Está tudo bem, querida. Estamos chegando — congelei no instante em que percebi o barulho dos ossos estalando conforme ele virava o pescoço e como o cheiro de carne podre enchia o ar. — Já estou chegando.

  Eu não queria olhar. Não queria. Mas eu não controlava nada além dos meus dedos apertando a trava da porta do carro sem força suficiente para abri-la. Então eu vi.

  Havia um sorriso terrível repuxando o que sobrou do rosto dele e os olhos não eram mais do que buracos luminosos conforme ele repetia feito um disco:

— Já estou chegando! Já estou CHEGANDO! JÁ EST...

* * *

  Levantei num movimento brusco, puxando ar como se aquilo resolvesse as coisas e escutando a voz dele reverberando na minha cabeça num timbre grogue e engasgado. A mobília e as fissuras nas paredes cinzentas pareciam importar mais do que o comum conforme eu fazia uma varredura desesperada ao meu redor, como se houvesse algo à espreita.

  Nada vai aparecer de lugar nenhum, está tudo bem. Tudo está bem.

  Em outra hora, aquilo teria sido suficiente para controlar o ritmo desenfreado do meu peito e padronizar minha respiração outra vez, mas serviu como combustível para aquela desconfiança do que era real e do que não era. Enfiei as mãos na cabeça e fechei os olhos com força, mal senti que meus lábios se moviam e verbalizavam essas palavras.

  O cheiro de suor e o gosto das lágrimas foram duas coisas que percebi em seguida e, não pela primeira vez, me perguntei se estava enlouquecendo mesmo. Então o aperto na minha garganta saltou de inexistente para insuportável e consegui morder o lábio com força para impedir que os soluços fossem mais do que gemidos abafados.

  Aquela mistura complexa de sentimentos e de memórias feria assim que surgia à superfície e trazia nada além de arrependimento, culpa e angústia, porque não importavam quantas lágrimas eu derramasse, o quanto eu soluçasse e apertasse os lábios para que ninguém me escutasse e me visse daquela forma.

  Você já sabe o que fazer. Vamos lá... uma pílula vai acabar com isso, vai leva-los para longe de novo.

— Está acordada — meus músculos retesaram assim que a voz feminina ecoou pelo cômodo cinzento, acompanhei as passadas barulhentas até a borda da cama em que estava sentada. — Tudo o que você precisava era de um bom descanso, nada mais. — O rosto bonito dela se transformou numa faceta irônica com aquele sorriso cínico que ressaltaram seus olhos pretos. — Apenas maneire nas doses, ok? Não gosto de perder tempo com crises como a sua.

— Crise? — Havia um quê de indignação na minha voz grogue.

— Eu sei como as coisas funcionam aqui, querida. Não precisa fingir. — Ela agitou a cartela de Profaxim com as pontas dos dedos com desprezo e me encarou da mesma forma. — Maneire na dosagem se não quiser cair pelos corredores, me entendeu?

— Eu...

— Seu organismo teve um pico de aumento do funcionamento do sistema nervoso e não conseguiu lidar com todo o estímulo que você causou, e por isso que você desmaiou. Foi um verdadeiro fenômeno que tenha sido socorrida em seguida — o tom professoral aumentou o sorriso cínico do rosto dela. — Mas você está bem, então pode sair.

  Pisquei tentando absorver as informações e a ordem para dar o fora dali, joguei as pernas para fora do colchão e meus joelhos tremeram assim que endireitei a coluna e comecei a andar. As solas dos meus tênis arranhavam o chão e minhas pernas rígidas me levavam para a porta num ritmo lento, quando alcancei o batente de madeira da porta, apertei a maçaneta e a voz dela ecoou outra vez:

— Da próxima vez querida, tenha a decência de...

— Você pode ter a decência de ir se foder, que tal, querida? — Cuspi as palavras e a risada que arranhou minha garganta era uma mistura de zombaria e incredulidade. Virei a cabeça a tempo de vê-la abrindo a boca e seu rosto de contorcendo em puro aborrecimento e a interrompi outra vez: — Pode anotar isso se quiser também, eu não dou a mínima, mas não me chame de querida.

— Ou o que? Vai me ameaçar?

— Não, você não vale esse esforço, querida. Já fico feliz em mandar você à merda, então... — ergui o dedo do meio e escancarei a porta, passei pelo batente naquele ritmo lento e minha fuga manca foi interrompida pela materialização de Ino e Hinata no meio do corredor.

— Eu já ia arrombar aquela porta.

— Está tudo bem? Você não quebrou nada, não é?

  As duas dispararam ao mesmo tempo enquanto os olhares analíticos percorriam meu corpo dos pés à cabeça, como se para confirmar qualquer suspeita, até que Hinata pôs ambas as mãos nos meus ombros e me encarou com tanta preocupação que fez minha garganta doer.

— Está tudo bem mesmo?

  Por um longo minuto, cheguei realmente perto de simplesmente despejar toda a verdade e confessar todos os meus erros, pedir por uma solução mágica que arrancasse toda a culpa do meu peito e dissipasse os fantasmas da minha cabeça.

  Não, não, essa não é a forma certa, você sabe disso, querida. Você precisa de uma dose, só isso. Não de uma sessão de terapia.

  Eu queria que as palavras saíssem da minha boca, mas eu permaneci fiel ao velho mantra e a mentira soou convincente quando disse:

— Sim. Eu estou bem.

— Tem certeza de que não se machucou? Você caiu e parecia tão... — ela respirou fundo e apertou os dedos nos meus ombros, depois suavizou a expressão e retirou as mãos de mim. — Aquilo nos assustou.

— Aquela maluca lá dentro é que me assusta, se vocês querem saber. Ela não fez nada, não é? — Os olhos maquiados de Ino transbordavam sua ansiedade e sua irritação, ela deu um passo para frente e seus ombros esbarraram nos de Hinata, mas nenhuma das duas parecia se importar. — O que foi que aconteceu mesmo, Sakura?

— Foi uma crise, só isso — repeti as palavras e me afastei em seguida. Amaldiçoei os passos atrás de mim e virei a cabeça quando elas perguntaram para onde eu estava indo. — Eu vou para o quarto. — E quando elas insistiram se eu estava bem, a mentira brotou feito mágica e fez o seu trabalho.

* * *

  Minha boca estava seca quando finalmente alcancei a porta de madeira do quarto de Shino, eu estava totalmente absorta na expectativa de conseguir mais Profaxim assim que bati na superfície vernizada e esperei por uma resposta, ainda presa naquele estado de palpitação constante e frenético.

  O rangido das dobradiças conforme a porta era aberta foi o som mais calmante do mundo naquele instante e quase suspirei de alívio assim que reconheci o rosto de Shino na fresta, a corrente tilintou assim que foi esticada ao máximo e ele puxou os óculos escuros de aros circulares do rosto e perguntou:

— O que você quer, garota nova?

— Preciso de mais — eu soava como a drogada clichê, mas não havia mais verdade do que naquelas palavras e troquei o peso do corpo para a perna direita. — Quanto você tem?

— Você acha que isso é uma mercearia por acaso? Não é assim que as coisas funcionam... — sorrio de puro nervosismo quando ele responde e inclino um pouco o corpo quando ele continua: — Existe um sistema muito simples: você me dá a grana, eu consigo trazer o que você quiser desde que não haja problemas no transporte e isso leva tempo. Quando a rotina muda, como quando acontece uma auditoria, as coisas mudam.

— Eu paguei — rosnei o óbvio e Shino se limitou a dar os ombros.

— Só na próxima semana. Mas se você for educada, posso te conseguir um pouco antes disso — senti o suor escorrendo pelas minhas costas e a saliva enchendo a boca com a sugestão dele e a minha reação automática foi a de esticar a mão na direção da cartela de Profaxim que ele agitou. — Não acha que é melhor...

— Por que você se importa? Só... — murmurei irritada e me forcei a recolher a mão e enfiá-la no bolso do moletom. Estou agindo como uma viciada, era o tipo de constatação que eu gostaria de ignorar, mas que continuava martelando na minha cabeça após uma análise automática de cada coisa que eu fazia. — Eu preciso disso.

  Aquela teatralidade excessiva sobre o certo ou errado em estender a cartela de Profaxim pela abertura da porta, fazia Shino parecer como uma estátua eternizada numa posição filosófica idiota e pareceu durar uma eternidade até ele dizer:

— Nada de overdoses, garota nova. Isso é ruim para os negócios.

— É, eu sei — agarrei a metade da cartela e, ao puxá-la, me irritei com a resistência de Shino do outro lado da porta.

— Eu falo sério. Segure a onda, garota nova.

  Enfiei o Profaxim no bolso do moletom pouco antes de ter meu ombro puxado bruscamente, naquele giro involuntário só consegui registrar o barulho da porta sendo fechada e trancada por dentro antes do rosto irritado de Sasuke Uchiha se materializar na minha frente.

— Que merda tem de errado com você?

— Sou eu quem deveria perguntar isso, Sakura. — Eu conseguia sentir a raiva reverberando em cada palavra e os olhos pretos dele continuavam focados em mim. — Não, você não vai fugir enquanto não me explicar algumas coisas.

— Eu não te devo satisfações — me ative ao roteiro original e aquela bolha de ansiedade frenética me abraçou com mais intensidade quando tentei contornar Sasuke e fui frustrada. Minha cabeça doía e meus dedos formigavam por saber que o que eu precisava estava envolto em cápsulas, mas eu corria o risco de perde-las caso eu não saísse dali.

— Você não precisa disso, em primeiro lugar.

  Eu conhecia aquele discurso, então não impedi o riso sarcástico que rompeu meus lábios.

— Não, você não sabe do que eu preciso, vamos pôr isso em primeiro lugar — retruquei e ele bloqueou o caminho outra vez, precisei esticar o pescoço para enxerga-lo e fiquei incomodada com a proximidade. — Nem você e nem ninguém tem a... — cerrei os punhos. — Não se meta.

— O que quer que tenha...

— Você não precisa agir como se me conhecesse — retruquei mais ácida do que pretendia. — Será que você consegue sair da minha frente?

— Eu só quero te dizer que você é melhor do que algumas drogas, só isso. Você não precisa de nada disso — e lá estava o olhar enraivecido e sábio, como se ele tivesse noção do que seria melhor para mim. Talvez fossem as palavras, o tom de voz, a proximidade excessiva ou tudo aquilo somado à necessidade de fazer as vozes ficarem quietas na minha cabeça que me fizeram explodir.

— Quem é você para dizer do que eu preciso?! Nós não somos amigos, droga! Eu não preciso que você cuide de mim! — Praticamente berrei e o empurrei com força, mas não houve resistência dessa vez. — Só me deixa em paz.

— Sakura...

— Vá se ferrar, Sasuke.

  Eu não entendia o porquê de o aperto da minha garganta ter aumentado e daquela sensação de incômodo ter me acompanhado enquanto me afastava dele; eu não queria analisar o que sentia e por isso marchei até meu quarto.


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Notas finais do capítulo

YO!
Mals a demora, me atrapalhei em algumas coisas. A intenção do capítulo foi oscilar entre momentos mais leves e mais tensos, então acabou ficando um pouco extenso dessa vez.
De novo: sou leiga na parte médica, então se houve qualquer bobagem nesse sentido, mals aí.
Qualquer dúvida, erro, crítica e afins, cá estou.
É isso por enquanto. Até o próximo!
o/



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