Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 25
Um mundo sujo




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“Eu posso ouvir algo me chamando como antigamente"                                                                                           Led Zeppelin

 

  A distância até o quarto 118 havia diminuído muito, já que eu havia começado a andar mais rápido assim que identifiquei a porta 115, e podia soar engraçado se eu parasse para pensar que a agitação não havia abandonado o meu corpo quando parei de andar e bati na porta duas vezes.

  Na verdade, meu pulso continuava acelerado e aquela sensação confortante de ansiedade parecia travar boa parte do meu cérebro, especialmente aquela que se dedicava em remoer fatos e dissecar velhos fantasmas.

  Ergui o punho mais uma vez e não consegui evitar o sorriso de alegria quando foi Sakura quem abriu a porta.

— Eu estava dormindo — ela apoiou a cabeça na soleira da porta enquanto usava o corpo para bloquear a entrada. Havia um gorro cinza enfiado na sua cabeça e as mangas longas da blusa de moletom dela cobriam os dedos e ela pisava na barra da calça larga de moletom; Sakura ergueu uma sobrancelha quando demorei para abrir a boca, porque eu estava focado em analisar seu rosto sonolento e a forma como os cabelos dela moldavam o pescoço. — Tá perdido, cara?

— Na verdade, você pode ajudar uma pobre alma a encontrar um lugar pra dormir? — Apoiei a mão na soleira e inclinei um pouco o corpo para frente. O clima de flerte surgiu com facilidade e precisei soltar o ar quando Sakura abriu um meio sorriso sarcástico.

— Não trabalho com caridade.

— Você pode abrir uma exceção, não é? — Levantei uma sobrancelha e me aproximei um pouco, ignorando qualquer coisa além da maneira como ela erguia o queixo para continuar me encarando e como os olhos pareciam curiosos demais. — Nunca é tarde pra começar.

— Só tem uma coisa — Sakura falou e senti o comichão agradável escalar meus dedos assim que ela deu um passo à frente e nossas respirações se misturaram. Eu não me acostumaria com aquela ansiedade calorosa que Sakura causava, essa era a verdade. — Você é uma droga flertando.

  A risada que escapou da minha boca era sincera e não consegui parar de sorrir feito um adolescente apaixonado quando Sakura comentou, erguendo os ombros num gesto suave:

— Estou sendo honesta.

— Pra ser honesto, eu quero muito te beijar agora. — Eu havia descoberto uma espécie de prazer secreto em saber que era o responsável por deixar Sakura sem graça e vermelha e, quando isso aconteceu dessa vez, o orgulho que brotou no meu corpo intensificou a mistura de felicidade e calma que me consumia. — Muito mesmo.

  A porcaria do meu coração disparou ainda mais quando Sakura pôs uma mão no meu peito, enganchou os dedos na minha blusa e me puxou para perto. Abaixei um pouco a cabeça e segurei a soleira da porta assim que nossos lábios se mexeram com intimidade.

— A vontade ainda não passou, não — resmunguei assim que ela afastou um pouco a cabeça, rocei meus lábios nos dela conforme ela ria e fazia a minha cabeça ficar leve. — Qual é? Senti a sua falta.

— A gente se viu ontem, Sasuke — revirei os olhos ela retrucou e suspirei quando passei as mãos pela sua cintura. — É saudável ter um pouco de espaço.

— Você também estava com saudades, né? — Ela continuou vermelha e ajeitei o gorro cinza com calma enquanto Sakura parecia procurar alguma resposta afiada o suficiente para mudar de assunto. — Tá meio que escrito na sua testa.

— Não é como seu eu não conseguisse ficar...

— Ah, por favor, eu vou desenvolver diabetes desse jeito! — A reclamação irritada e exagerada de Ino me fez lembrar que Sakura dividia o quarto com duas pessoas e, coincidentemente, elas continuavam plantadas em suas respectivas camas. — Vocês não podem ficar bancando os namorados apaixonados em outro canto? Eu estava dormindo, que inferno!

— Porra de timing — reclamei num muxoxo desanimado quando girei o pescoço na direção da loira de cara amassada e olhos furiosos que se erguia feito um zumbi do túmulo.

— Eu acho fofo — Hinata comentou e alongou os braços enquanto saía da cama e se aproximava. — Ah, bom dia Sasuke. E você... — ela conseguiu parar do lado de Sakura com três ou quatro passos largos e apertou as bochechas dela. — Ah, minha nossa, como você fica bonitinha corada!

— E-Eu não tô corada porcaria nenhuma! — Sakura afastou os dedos de Hinata e me empurrou com um pouco de força para o lado. — Não entendi essa história.

— Ah, que fofa! Eu te morderia, mas a vampira aqui é a Ino — Hinata estava um pouco vermelha também, mas parecia agitada demais para perceber quando a loira atirou um travesseiro com força nas suas costas. — Ei!

— Eu estou aqui, sabe? — Ino cruzou os braços e aquele mesmo sorriso convincente e superior apareceu feito mágica, foi automático instalar o mesmo tipo de expressão no rosto e retrucar o mais alto que pude:

— Sabe Ino, dizem que quando as pessoas acordam é que elas estão em seu estado natural. O seu é horrível, uma bela merda.

— Isso explica porque de manhã você nunca teve muito a oferecer, Uchiha.

  Golpe baixo. Literalmente.

— Eu não sou uma máquina, sua ninfomaníaca! — Não controlei muito bem a irritação e franzi o cenho quando o sorriso de Ino aumentou até exibir uma fileira de dentes. — Dá pra você parar de falar desse assunto? É só disso que você se lembra quando a gente ficou? — Eu queria vomitar por ter dito aquelas palavras, mas havia uma parte realmente estúpida da minha cabeça que via aquilo como uma maneira de fazer Ino parar de falar.

— É engraçado, porque dizem que a primeira impressão é a que fica. — Ela estufou um pouco o peito e endireitou a postura, assumindo a arrogância com naturalidade e até um pouco de classe. — Não que você tenha muita...

— Nem parece que eles dormiram juntos no começo da semana. — Um calafrio escalou a minha espinha e senti que o sangue havia sumido das extremidades quando escutei o comentário cansado de Hinata. — Vocês querem continuar falando sobre isso?

— Obrigado Universo! — Reclamei e tentei expulsar da minha cabeça a imagem do rosto amassado de Ino, perto demais do meu e do berro histérico que havia rompido a minha garganta dois segundos depois.

— Hinata! Eu acabei de acordar, inferno! — A voz agoniada de Ino quase me fez sorrir animado, se não fosse pela falsa expressão inocente de Hinata ao nos encarar e perguntar outra vez:

— Ah, então vocês querem mesmo falar que na terça passada vocês dois se enroscaram no chão? Puxa, eu não sabia que vocês tinham tanto interesse assim no que aconteceu.

— Tá bom, já entendi! — Agitei as mãos e franzi o cenho quando escutei a risadinha nervosa de Sakura preenchendo o cômodo e morrendo assim que ela percebeu que nós três a olhávamos.

— Você virou um monstrinho, Hinata. Eu vou matar aquele Uzumaki — Ino apontou um dedo na direção da outra e manteve a mesma postura arrogante quando puxou Hinata pelo pulso e marchou com ela até a porta.

— Aonde a gente vai, Ino?

— Ensinar boas maneiras pro maluco do Uzumaki. Nunca te ensinei a chantagear os amigos, Hinata. Eu vou virar o rapaz do rosto cortado pelo avesso — Hinata girou um pouco o tronco e acenou rapidamente na nossa direção antes de acompanhar o ritmo militar de Ino pelo corredor.

  Enfiei as mãos nos bolsos da calça jeans e encarei o teto por um bom tempo e parei de tentar entender como Ino parecia pressentir quando eu e Sakura estávamos entrando em um mundo particular. Soltei o ar e apoiei o corpo na porta, mas não demorou muito até o silêncio ser quebrado por Sakura.

— Você veio até aqui porque estava com saudades, Sasuke? — Ela mordeu o lábio inferior conforme cruzava os braços e voltava a se aproximar. Analisei seu rosto por um bom tempo e foi fácil retomar o clima provocativo e leve de antes.

— Você estava? — Devolvi a pergunta e Sakura sorriu envergonhada antes de responder:

— Eu... não parei de pensar em você.

  Toquei seu rosto e alisei sua bochecha em movimentos lentos, como eu pudesse decorar cada traço seu daquela forma, e meu peito se aqueceu ainda mais quando Sakura sustentou meu olhar. Eu queria que ela soubesse o quanto eu já estava apaixonado, o quanto que o meu coração doía e se aliviava por tê-la por perto.

— Vem — murmurei e chutei a porta com um pouco de força, segurei seu pulso e foi automático entrelaçar nossos dedos. Parei quatro passos adiante e fiquei de frente para ela, ergui seu pulso enquanto passava a mão esquerda pela sua cintura e endireitava a postura. — Você precisa colocar a mão no meu ombro, Sakura — ela franziu o cenho enquanto segurava meus dedos com um pouco mais de força até deixar a mão direita em cima do meu ombro.

— O que você tá fazendo?

  Balancei o corpo para o lado com dois passos extremamente curtos e Sakura me acompanhou um pouco rígida, dei mais dois passos para a direita e Sakura olhou para nossos pés e ergueu o olhar confuso.

— Dançando — respondi e passei um pouco mais para a esquerda, formando um semicírculo espremido entre a beliche e a cômoda.

— Não tem música — ela comentou bem-humorada enquanto eu a puxava mais para perto. — Ou espaço pra dançar.

— Isso não importa agora, Sakura — minha voz mal passava de um murmúrio assim que ela soltou minha mão e apoiou os braços no meu pescoço, colando nossos corpos. Abaixei os braços e mantive as minhas mãos na cintura dela, acompanhando o ritmo lento que ela ditava. — Melhor agora?

— Agora sim — ela murmurou e me senti hipnotizado pela maneira como ela se mexia e no jeito como as nossas respirações ficavam ofegantes e eu tinha certeza de que ela conseguia escutar o ritmo frenético do meu peito.

  Uma parte do mundo desapareceu de vez no instante em que Sakura levantou a cabeça e me beijou. O resto sumiu quando eu a beijei de volta.

* * *

  A metade do dia já havia passado quando Ino me enxotou com a delicadeza usual de sempre e não tirei a porcaria do sorriso do rosto enquanto atravessava o corredor até o meu próprio quarto com mais lentidão do que o habitual. A quietude quase fúnebre da Semana Zero era inquietante algumas vezes, mas muito melhor do que a confusão de comentários, fofocas e olhadelas superiores que formavam a rotina dentro desses muros.

  Girei a maçaneta e chutei a porta enquanto tirava a blusa de algodão preta e chutava uma pilha de roupas de Gaara do meio do caminho até a minha cama. Desabei no colchão e o barulho irritante das molas não parecia ser tão incômodo, já que a minha mente continuava presa nos olhos curiosos de Sakura e no toque das mãos dela na minha pele.

— Tire o sorrisinho idiota da cara, mané — ignorei a ordem de Naruto quando ele saiu do banheiro e esfregou a toalha na cabeça com força. — Você parece um imbecil de comercial. — Puxei o travesseiro e me acomodei enquanto cruzava os tornozelos; Naruto parou ao meu lado e levei um bom tempo até erguer o queixo para encará-lo.

— Por que esse mau humor, hã? Não tenho culpa se você ainda não viu a Hinata hoje — resmunguei e arqueei uma sobrancelha enquanto tentava decifrar a expressão no rosto do loiro.

  Ergui as mãos um pouco tarde demais quando Naruto usou a toalha para me acertar, comecei a xingá-lo e aquilo pareceu incentivá-lo para me acertar mais duas vezes antes de largar a toalha em cima da minha cama.

— Babaca.

— Carente — retruquei.

  O carpete velho amaciou os passos de Naruto até a cômoda e sentei no colchão enquanto o loiro escancarava a segunda gaveta e puxava uma blusa embolada. Ele sentou ao meu lado assim que vestiu a blusa e manteve as mãos nos joelhos.

— Você viu o Gaara esses dias? — Perguntei e a resposta de Naruto foi um menear curto com a cabeça, para cima e para baixo. Soltei o ar com impaciência e o loiro ergueu os olhos, com desinteresse e cansaço até que insisti: — Então?

— Ele anda mais quieto do que antes. A situação com a Ino é a das melhores, se você levar em conta que ele finalmente abriu a boca e que a Ino decidiu confirmar comigo o outro lado da história. — Naruto agitou as mãos e elas caíram inertes nos joelhos pela segunda vez; mesmo sendo melhor do que eu para esconder suas emoções, era nítido que a situação o incomodava. — Eu contei o que eu sabia, mas ela ainda não quer acreditar que foi enganada desse jeito. E eu entendo a garota. É uma merda de situação.

— Você sabe se ele decidiu fazer mais alguma coisa depois que abriu a boca? — Tentei soar casual outra vez, mas não disfarcei a preocupação sobre aquele ponto e Naruto revirou os olhos. — Não é como se ele estivesse necessariamente desabafando comigo desde a gente brigou sobre a irmã dele.

— E por isso ele vai se abrir comigo? — O olhar sério de Naruto me fez ficar em silêncio, ele apontou um dedo na minha direção e parte da irritação apareceu em sua voz dessa vez. — Você tem que aprender a cuidar um pouco da sua própria vida.

— Não dá — a minha resposta fez Naruto balançar a cabeça para os lados e suspirar. — Vocês não podiam ser amigos normais só por uma semana?

— Você que não é normal — o tom desdenhoso na voz dele era um indicativo sutil de que, o que quer que o estivesse incomodando a respeito daquela situação, ele ficaria de boca fechada até que julgasse necessário. Mas nesse ponto, eu ainda me saia melhor do que ele. — Que tipo de pessoa fica com essa droga de sorrisinho maníaco na cara?

— O tipo que você anda, mané — falei e Naruto soltou uma risada curta quando levantou. Ele escancarou a porta e se afastou quando Gaara entrou no quarto. O loiro me lançou o mesmo olhar sério de antes enquanto segurava a maçaneta, um aviso silencioso para seguir sua ordem.

  Aceitar que aquela poderia ser a melhor decisão que eu tinha à mão era irritante e deixava um gosto ruim na boca, como se ainda houvesse algo melhor a se fazer. Então ignorei a preocupação e as teorias escorregadias que surgiam na minha cabeça e me concentrei nos olhos adultos de Naruto.

— Não façam merda enquanto eu estiver fora — ele avisou sobre o ombro e puxou a porta.

— Diga pra Hinata que eu mandei um “oi”! — Falei alto o suficiente para o loiro enfiar a cabeça na fresta que restava na porta e me fuzilar com o olhar, um meio sorriso arrogante apareceu nos lábios dele.

— Que tal você ir se foder, Sasuke?

— Sem você não é tão divertido — o tom debochado apareceu com mais facilidade e Naruto bateu a porta com força. O silêncio que tomou conta do quarto era desagradável quando Gaara tirou os tênis e os chutou pelo corredor, escutei o barulho da madeira quando ele escalou o beliche e se jogou na própria cama.

  As palavras de Naruto ainda martelavam na minha cabeça feito um mantra quando levantei e parei ao lado da cômoda, e eu ainda as levava a sério enquanto escolhia as palavras para falar com Gaara sobre qualquer assunto que não envolvesse Ino.

— Não estou a fim de falar sobre isso agora, Sasuke. — A voz áspera de Gaara encheu o lugar com facilidade e suspirei, um pouco irritado, quando ele acrescentou: — Se você pudesse sair daqui, seria legal.

— Na verdade, eu nem ia te perguntar se você queria me contar alguma coisa — minha inquietação não diminuiu e esquadrinhei o beliche, mas não percebi nenhum movimento. Gaara parecia uma estátua perfeitamente talhada ao colchão. — Eu nem sei por que ainda me preocupo com vocês, ainda mais com você.

  O ar parecia mais carregado quando o desdém me subiu pela garganta e queimou qualquer bom senso ou conselho sobre quais palavras seriam as melhores para se dizer. Passei a mão pelos cabelos e tentei retomar as palavras de Naruto e usá-las como uma espécie de guia sobre o que fazer, mas a imobilidade de Gaara somada com seu silêncio me irritaram.

— Tem comida embaixo da cama do Naruto — informei e me agarrei à linha de raciocínio sobre não me meter mais naquele assunto. — Acho que restou um pouco de cerveja do dia da festa com as menin... Ah, pro inferno! — Reclamei um pouco mais irritado e marchei até a porta. — Deve ter cerveja aí, se você quiser.

— Eu não vou ter uma crise se você mencionar a Ino — Gaara falou e continuei com a mão em cima da maçaneta, girei um pouco o tronco e encarei o beliche.

— Não é o que parece — escancarei a porta de vez e a corrente de ar gelado aliviou um pouco a pressão nos meus ombros. — Eu vou sumir um pouco, então não faça merda até eu voltar — franzi o cenho quando percebi que estava usando o mesmo tom autoritário de Naruto e balancei a cabeça.

  Eu seguiria o plano do maldito Uzumaki à risca: cuidaria um pouco da minha vida. Mas primeiro eu precisava de um cigarro e mais ar puro.

* * *

  O ar não era exatamente puro, se você levasse em conta o cheiro de madeira e papeis velhos ali dentro. As minhas costas doíam por conta do encosto duro da cadeira e não consegui parar de mexer a perna enquanto eu tamborilava os dedos em cima da mesa de metal. Um par de lâmpadas parecia estar prestes a queimar e me perguntei pela terceira vez o que eu estava fazendo ali.

  As paredes precisavam de uma nova camada de tinta e o lugar também precisava de mais ventilação, passei os olhos pela sala apertada e encarei a cadeira vazia do outro lado da mesa antes de pôr os olhos na porta. Atrás daquele pedaço de madeira estava o corredor estreito e curto paralelo à sala de Tsunade, por onde eu havia sido escoltado por dois guardas até ser forçado a sentar.

  Eu imaginava que estava ali há meia hora desde a minha última tentativa em abrir a porta e dar cair fora, mas a saída estava bem trancada do lado de fora e não havia outra forma de sair dali, a menos que eu arranjasse dinamite em algum lugar.

  Agarrei aquela ideia e tentei ignorar a camada de paranoia que começava a brotar junto com o suor nas palmas das mãos quando reparei que a Semana Zero excluía visitas de advogados, assistentes sociais e qualquer representante da Justiça, já que a única justificativa de um dos guardas era que minha advogada queria me ver.

  Não seja tão paranoico, garoto. E evite se borrar de medo porque te arrastaram até uma sala isolada com uma desculpa esfarrapada sobre sua advogada; não morra de medo porque você engoliu essa merda com facilidade.

— Desculpe a demora... — meus joelhos fraquejaram assim que a porta foi aberta e a voz altiva, absurdamente segura dele ecoou pelo cômodo apertado. A minha cabeça registou o barulho das dobradiças, da tranca, da sola dos sapatos bem engraxados e da cadeira sendo puxada ruidosamente como parte de um cenário borrado. Mas era ele o foco da minha atenção. — Sabe como é, o trânsito é horrível hoje em dia.

  A principal mudança era o tom de sua pele, bem mais pálida do que eu me lembrava. Os cabelos pretos estavam puxados para trás e reparei no anel com uma pedra vermelha, brilhante como sangue fresco, na mão direita. Os olhos pretos ainda eram maliciosos e inteligentes, mas agora havia duas marcas finas abaixo dos olhos.

  Ele depositou a mala de couro em cima da mesa e esticou as mãos com casualidade, as abotoaduras douradas presas nas mangas da camisa brilharam e o terno azul-escuro combinava com a camisa social branca. Ele parecia mesmo um advogado.

— Você devia estar morto — não escondi o choque, o medo ou a raiva que bombardearam qualquer outra emoção que pudesse se igualar ao horror que era pôr os olhos em Itachi Uchiha outra vez.

— Então você está conversando com os mortos agora, maninho? — O meio sorriso dele não era apenas cínico, mas convencido. Aquilo me aterrorizou e me enfureceu, meu sangue ferveu com a adrenalina injetada; levantei e enfiei as mãos na gola da porcaria da camisa. — Também senti a sua falta.

— Seu desgraçado! — Cuspi as palavras com dificuldade e soltei a mão direita, o trajeto do murro mal formava um arco completo quando acertei seu rosto com força. Os nós dos meus dedos doíam como se eu tivesse deslocado alguma coisa e berrei quando ele tropeçou e se manteve de pé. — Seu pedaço de merda!

— Parece que você não mudou muita coisa — ele tocou o canto da boca e sorriu um pouco mais enquanto mexia o maxilar. — Ainda soca como um fracote.

  Contornei a mesa, pensando que tinha de acertá-lo, esmurrá-lo o máximo de vezes que pudesse e então ele desapareceria de vez ou, quem sabe, eu acordaria e descobriria que havia ficado alto por tempo demais. Mas a dor no meu estômago era de verdade quando Itachi desviou com facilidade das minhas duas tentativas de acertá-lo com os punhos e me golpeou com uma joelhada na barriga.

  A ânsia de vômito encheu o céu da boca e tossi enquanto continuava curvado e procurava me apoiar em qualquer coisa. Consegui enxergar as pernas de Itachi e os sapatos brilhantes enquanto tentava recuperar o fôlego.

— Não vim até aqui pra brigar com você, embora eu adorasse te ensinar uma lição ou duas... — meus joelhos tremiam quando consegui ficar de pé e manter a cabeça reta. — Ainda mais agora que você está namorando, maninho. Uma surra pode ser uma benção algumas vezes.

  Por meio segundo, eu hesitei. E aquilo bastou para Itachi aumentar o sorriso e inclinar um pouco a cabeça, conforme colocava as mãos nos bolsos da calça azul-escura.

— É melhor você se sentar e ficar quieto e bem-comportado, ou eu posso aumentar a estadia da sua namorada por aqui. — A ameaça me fez prender a respiração e tentei recuperar algum bom senso enquanto arrastava a cadeira e sentava. Quando ele puxou sua cadeira e colocou as mãos sobre a mesa de novo, a satisfação nos olhos dele era nítida. — Ainda emocional demais, maninho? Isso ainda vai te destruir algum dia.

— Por que você está aqui? — Rosnei as palavras com muito esforço, porque eu não conseguia ignorar a ordem na minha cabeça para enfiar as mãos em seu pescoço e esmurrá-lo até meus braços doerem. — Eu atirei em você.

— Ah, sim, você fez isso. O problema é que você estava chapado demais para ter uma mira muito boa — ele gesticulou como se aquilo não passasse de um lembrete sem graça. — Eu vou ser bonzinho e te contar o que eu fiz: eu me arrastei naquela garagem e chamei a polícia, porque, afinal de contas, um maluco armado em casa decidiu fazer a festa!

  Uma parte da minha cabeça conseguiu trazer à tona a voz de Naruto, extremamente desconfiada e arrogante, me perguntando se foram mesmo os vizinhos que haviam agido como bons cidadãos e chamado a polícia quando os tiros começaram.

  Minha garganta secou quando Itachi percebeu que eu acompanhava sua linha de raciocínio.

— Mas você merece algum crédito, pelo menos conseguiu me causar algum estrago. Tive que recorrer a velhos amigos — ele fez uma careta de desagrado e entrelaçou os dedos. — Eu já estava longe quando você foi preso e, já que você tinha sido louco o suficiente pra puxar o gatilho contra mim, então por que não continuar morto?

  Ele espalmou as mãos como se não tivesse outra escolha e me detestei ainda mais por continuar tremendo, imaginando a euforia quase demoníaca que ele deve ter sentido quando percebeu que eu havia feito o que ele queria.

— Quer dizer... Eu nunca achei que você ia mesmo dar cabo dos velhos, entende? Mas quando você apareceu, então... — Ele assobiou como se estivesse entusiasmado em relembrar daquela noite, mas os olhos continuavam perigosamente alertas e sérios. — Você me ajudou muito, maninho. Ajudou mesmo. Minha vida é outra, graças a você.

— Não me chame de irmão, não me chame desse jeito, seu bastardo — meu maxilar continuava rígido e meus dentes doíam pelo esforço em manter a boca fechada, porque uma parte na minha cabeça me forçava a pensar racionalmente e obter o máximo de informações que eu pudesse antes de acreditar que eu havia pirado de vez.

— O ponto, maninho, é que eu vim te oferecer uma coisa que acabei tirando de você naquela noite. — Itachi endireitou a postura e reconheci o velho brilho superior que dominava sua expressão quando ele tinha uma proposta realmente boa a fazer.

 

— Um tiro na porra da sua cara?

— Não. Já foi trabalhoso acrescentar essas belezinhas aqui... — ele passou os dedos casualmente pelas linhas abaixo dos olhos e exibiu os dentes perfeitamente retos num sorriso falso. — Já te contei como é difícil ser um homem morto? Você tem que mudar a maneira como anda, o sotaque, até mesmo a altura! A altura!

  Aquela minúscula parte racional que exigia informações processava a postura arrogante de Itachi, sua aparição e o ar de barganha como o último recurso que ele tinha à mão para continuar respirando. Alguém sabe que um certo Uchiha escapou do caixão. Alguém mais poderoso e perigoso do que ele. Pense um pouco, garoto. Pense com a cabeça.

  Estreitei um pouco os olhos enquanto a voz de Itachi permanecia controlada, mas tremia levemente enquanto ele detalhava o trabalho de continuar fora do radar.

— Alguém descobriu que você não está morto, não é? — Era apenas uma teoria infantil e tola, mas fez Itachi ficar em silêncio pela primeira vez. Me remexi na cadeira e senti um sorriso de escárnio repuxando meus lábios com facilidade, era bom saber que existia alguém que conseguia arrancar aquela porra de postura superior de Itachi. — Você não teria se arriscado até aqui se não estivesse com medo. Então pra que você precisa de mim?

  O sorriso no rosto dele diminuiu até não passar de uma curva leve para cima.

— Parece que você cresceu um pouco. — Itachi mexeu nas abotoaduras com os dedos tremendo e ergueu os olhos outra vez. — Não sei se você lembra, mas o nosso pai ganhava a vida tornando pessoas ricas mais ricas. Vamos dizer que, no meio do caminho, ele decidiu que elas já estavam ricas demais.

  Franzi o cenho enquanto tentava acompanhar a mudança brusca de assunto e Itachi despejava as informações num tom prático e ensaiado:

— Alguns clientes não são do tipo que declaram impostos e gostam de mandar seus inimigos para um passeio nada agradável no fundo do rio. Foi com esse dinheiro, esses desvios de contas, que nosso amado pai construiu sua fortuna — ele voltou a gesticular e meu estômago começou a embrulhar. — O ponto é que alguns velhos clientes descobriram quem foi que pegou a grana quando Fugaku Uchiha foi declarado morto.

— E eles estão atrás de você. — Uma risada curta e amarga ameaçou escapar dos meus lábios, mas Itachi conseguiu fazê-la sumir quando disse:

— Eu não era o único herdeiro, era? — O olhar sério dele estudou o meu rosto pálido por alguns instantes; torci para que ele começasse a rir e debochar do medo estampado no meu rosto, mas Itachi estava sério demais. — E você acha mesmo que eu sou o único que sabe que Naruto Uzumaki, Ino Yamanaka, Hinata Hyuuga e Gaara Sabaku são os seus amigos? Ou que a sua namorada é Sakura Haruno?

— Não meta Sakura nisso — a risada amarga dele se sobrepôs à minha voz enraivecida e trêmula.

— Oh, mas eu nunca fiz isso. Isso é mérito seu, maninho — ele apontou um dedo na minha direção e tentei não acreditar em suas palavras, mas eu já sentia a culpa fechando a minha garganta assim que ele endireitou a postura. — A minha oferta é bem simples: você assume que sabia desses desvios, dessa pequena transação secreta do nosso pai para a sua conta bancária e eu tiro você daqui em seguida.

  Talvez fosse a maneira bizarra como a culpa e o medo estavam me sufocando desde que Itachi havia passado por aquela porta, talvez fosse a falta de ventilação naquela sala apertada  ou o meu estômago dolorido que arrancou a risada amarga e quase histérica do fundo da minha garganta.

— Qual é a graça?

— Você não pode me tirar daqui. Ninguém consegue fugir — eu precisava acreditar que havia surtado e entrado numa crise nervosa, já que estava falando com um homem morto sobre assumir um crime que eu não havia cometido. — Você só perdeu a porra do seu tempo. Ainda bem.

— Eu disse que tenho contatos, Sasuke. Ou você acha mesmo que eu não conseguiria entrar nessa espelunca com a segurança reforçada? — O tom superior havia retornado, junto com a arrogância quando ele inclinou o tronco sobre a mesa e estreitou um pouco os olhos. — Eu posso te tirar daqui.

  Não pode. Eu queria me agarrar desesperadamente àquelas palavras, mas a certeza imutável em seus olhos era convincente para me fazer hesitar.

— E como isso funciona? — Passei a língua pelos lábios e senti a secura na boca quando minha respiração disparou. — Como é que você me tira daqui?

— Sempre existe um juiz disposto a arquivar um caso, diminuir uma pena, autorizar a liberação de alguém... Eu posso fazer isso acontecer, se você estiver disposto a me ajudar. — Ele ergueu as sobrancelhas quando continuei em silêncio e o tom de barganha reapareceu. — Eu vou te devolver a chance de recomeçar de forma decente depois de todo esse inconveniente sobre a nossa família... Era o que eu deveria ter feito.

— Inconveniente? — Repeti a palavra e sentia repulsa no mesmo instante em que escutei minha voz hesitante e raivosa. — É assim que você vê?

  Ele espalmou as mãos e lá estava a mesma postura de um homem sem escolhas, esfreguei a boca com força e me forcei a perguntar:

— Se eu assumir isso... — pisquei com força e precisei me lembrar que eu tinha de ser racional e olhá-lo nos olhos, mesmo que me odiasse por aquilo. — Se eu fizer isso, eu quero que você tire alguém daqui no meu lugar.

  As minhas mãos tremiam mais dessa vez e Itachi ficou quieto; ele arqueou uma sobrancelha e reparei que aquele era um gesto comum quando ele estava interessado em alguma coisa.

— Posso fazer isso em duas semanas.

— Eu quero três — rebati e Itachi mexeu a cabeça, numa concordância muda. — E então eu assumo qualquer merda que você queira.

  Ele ajeitou as abotoaduras pela terceira vez e entrelaçou os dedos pela segunda, enquanto eu sentia minhas mãos tremerem e suarem sem parar conforme a postura arrogante dele aumentava.

— Temos um acordo, maninho. Em dois dias, você vai confessar por escrito e por vídeo que sabia exatamente que tipo de depósitos Fugaku fazia na sua conta — ele levantou e esticou o terno bem cortado, agarrou a maleta e inclinou um pouco a cabeça. — Você ainda é muito emotivo, Sasuke. Parece que algumas coisas nunca mudam de verdade.

  Eu queria continuar de boca fechada, empurrar para o fundo da mente o que havia feito e qual seria a principal consequência em três semanas, mas não consegui segurar a pergunta quase retórica quando Itachi atravessou a sala em passadas rápidas:

— Algum dia você eu fui mais do que alguém pra fazer o trabalho sujo?

  Ele interrompeu seu percurso e girou o corpo, pareceu ponderar a minha pergunta com mais atenção do que ele julgaria necessária e enfiou os dedos pelos cabelos, alinhando os fios que haviam saído do lugar quando eu o acertei.

— E pra que irmãos servem? — Ele escancarou a porta e a fechou com suavidade.

  Pra fazer o trabalho sujo e assumir o que vier depois. Era pra isso que eu servia.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOO!
Cá estou outra vez. Esse capítulo foi meio empolgante de escrever e espero que vocês tenham curtido.
O ponto mais tenso de escrever foi o reencontro entre os irmãos Uchiha, já que um deles supostamente estava morto. O Itachi na fic é um belo escroto, então ele não mudou muita coisa desde que foi declarado morto (adendo: ele pagou para ser declarado morto, já que não havia corpo na garagem). A principal consequência do Sasuke ter feito esse acordo com o Itachi vai acontecer em breve.
Revisei o capítulo, mas se alguma coisa ficou sem sentido ou se há algum erro ortográfico, me avisem.
Faltam cinco capítulos ou seis para o final da fanfic. Os próximos serão focados em GaaIno, então a narrativa será mais da Ino e depois voltamos para Sakura. Estou meio ansiosa e empolgada para postar a continuação, mas as atualizações acontecerão semanalmente, às quintas.
Por enquanto, é mais isso. Agradeço aos comentários e aos que favoritam e acompanham a fic. ;) Qualquer dúvida, sugestão, crítica, cá estou também.
Até o próximo!
o/



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