Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 21
Punhados de mentiras e verdades




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“Eu adoraria mudar o mundo”

                                   Jetta               

 

  Aquele era o segundo dia desde que Tsunade havia conversado com Hinata e a sensação sufocante de estar de mãos atadas não diminuía, já que era impossível controlar os risinhos, os comentários, as fofocas e as mentiras que brotavam às nossas costas assim que olhávamos para o outro lado.

  Durante as primeiras horas, Hinata permaneceu imóvel em cima da cama, agarrada às cartas da mãe e absolutamente quieta. Por isso que quando ela jogou as pernas para fora do colchão, minha garganta apertou e minhas mãos gelaram.

  Mesmo que eu soubesse que ela poderia lidar com qualquer porcaria que aparecesse, eu temia que Hinata quebrasse outra vez. Eu não conseguiria suportar a ideia de que havia algo no mundo que pudesse atingi-la, fazê-la se partir em tantos pedaços que ela jamais tornaria a ser a mesma pessoa. Era vergonhoso e praticamente de embrulhar o estômago considerar isso sobre Hinata, mas era uma verdade mesquinha que eu não gostava de olhar por muito tempo.

— Você não precisa fazer isso — comentei assim que ela firmou os pés e os arrastou até a cômoda, endireitando a postura no meio do caminho e esfregando os olhos.

 — Uma hora eu vou ter que sair desse quarto, Ino — o tom ensaiado de naturalidade na voz dela não era pior do que o sorriso mecânico que ameaçava repuxar seus lábios. Desviei o olhar assim que percebi que eu não tinha coragem de olhá-la nos olhos enquanto ela voltava a ser a filha do governador, a menina de sorrisos ensaiados e postura ereta. — Eu preciso fazer isso.

— Não, não precisa. Você não tem que se forçar a nada — insisti e soltei o ar com força quando ela escancarou uma gaveta e guardou as cartas com cuidado. — Escuta, Hina, você não precisa provar merda nenhuma pra ninguém.

— Não, Ino, eu preciso fazer isso — havia controle em sua voz apesar das mãos trêmulas e dos passos arrastados até a porta. Ela continuou de cabeça erguida enquanto sustentava meu olhar e dizia: — Eu tenho que fazer isso, e não posso me esconder do mundo pra sempre. Mesmo que isso seja tentador — o meio sorriso feliz e mecânico surgiu pela segunda vez e me questionei até que ponto Hinata tinha de se esforçar para erguer os cantos da boca e permanecer de pé.

  Aquela era a primeira diferença gritante entre nós duas. Quando o meu mundo desapareceu bem debaixo dos meus pés, levou um tempo até que a raiva surgisse efeito e mexesse os meus músculos. Hinata usava aquela postura mecânica como uma segunda pele e conseguia ficar de pé depois disso.

  Era uma das tantas características nela que me assustavam e me deixavam admirada, já que eu não sabia até que ponto aquilo poderia ajudá-la a superar o que estava acontecendo ou derrubá-la. E eu queria acreditar que todos os sorrisos treinados a ajudariam.

— Se eu não fizer isso agora, talvez eu não saia mais desse quarto — o sorriso vacilou por meio segundo antes de repuxar ainda mais os lábios numa curva suave para cima e Hinata apertou os olhos enquanto as mãos ficavam rente ao corpo, cerradas e brancas. — Entende o que eu quero dizer, Ino? Eu tenho que lidar com isso.

  Ali estava a segunda diferença gritante entre nós duas: o desespero em sobreviver. Era sufocante encarar Hinata nos olhos por muito tempo, porque a agonia dela praticamente transbordava de seus olhos e eu podia ter uma noção bem leve do que ela se esforçava em manter costurado debaixo de sua pele. Era o olhar de uma pessoa se afogando, pedindo ajuda mesmo sem ter ninguém por perto.

  Não havia só a camada grosseira da filha do governador.

  Essa era uma das poucas vezes em que Hinata se permitia expor daquela maneira e minha garganta apertou quando os olhos dela se prenderam nos meus, desesperados por respostas e soluções que não estavam ao alcance. Não havia o que se fazer. Não havia o que dizer para alguém que perdia alguém ou um pedaço importante do seu mundo em meio minuto.

  Não existia consolo real, apenas distrações e alívios aqui e ali. Eu sabia disso em primeira mão.

— Eu não vou sair do seu lado, Hinata — murmurei enquanto estendia os braços e a apertava. Quando nos afastamos, segurei seu ombro e me senti um pouco aliviada quando percebi que a rigidez em seu rosto havia diminuído em parte. — Não perca isso, tá? Você é uma boa pessoa, Hinata.

  Não se torne como eu, eram as palavras que deveriam ter saído. Mas eu não consegui reunir coragem para dizê-las. Quando Hinata assentiu, eu sabia que ela havia compreendido o que eu precisava mesmo ter dito – esse era um dos pontos em comum que havia fortalecido e marcado nossa amizade.

— Você também é uma pessoa boa, Ino — eu senti meus lábios se curvarem num sorriso automático de concordância, mas eu sabia que era a culpa e a vergonha que me forçavam a entalhar aquela expressão no rosto. Eu não era boa. — Eu sei que você é.

— Se você continuar insistindo, talvez eu acredite. — As palavras saíram de forma automática assim que puxei Hinata até a porta e prendi a respiração quando girei a maçaneta. — Eu vou chutar a bunda do primeiro engraçadinho que cruzar o nosso caminho falando merda.

— Por que está me avisando?

— Você disse que eu sou uma boa pessoa. Pessoas boas dão satisfação do que querem fazer, não é? — Ergui a sobrancelha e eu queria acreditar que estávamos de volta à velha rotina quando analisei seu rosto, porque havia a certeza de que as coisas mudariam drasticamente assim que nós duas saíssemos do quarto. 

— Não quando elas vão chutar a bunda de alguém. Acho que isso fere o conceito de bondade.

— Todas essas regras só servem pra serem quebradas — murmurei assim que o barulho das conversas, risos e passos de incontáveis adolescentes zanzando pelo corredor roubou toda a quietude do quarto. Não demorou muito até que pescoços começassem a se virar, dedos fossem erguidos em riste e olhos curiosos surgissem feito mágica.

— Pode apostar. — Hinata ergueu ainda mais o queixo e tomou a dianteira, o tremor de antes praticamente havia desaparecido conforme ela andava ereta. Senti meus músculos enrijecerem e meu rosto se adaptar à velha expressão séria e rígida que Ino Yamanaka, a Sobrevivente, usava.

  Quando coloquei as mãos atrás da cabeça e alcancei Hinata, a faceta durona e os olhares cínicos ficaram mais naturais, até eu me esquecer de que teria de me livrar deles algum dia.

* * *

— Você está sentado no lugar da Sakura. Cai fora — franzi o cenho assim que pus os olhos em Sasuke Uchiha materializado na quarta mesa da segunda fileira como se ele devesse estar ali. Coloquei os pés em cima da cadeira da frente e inclinei a cabeça um pouco quando o Uchiha não se moveu. — Não me diga que você finalmente ficou surdo? Foi uma infecção nos ouvidos, não é? — Ele me encarou e abriu a boca, mas falei mais rápido: — Eu sabia que isso aconteceria. Quero dizer, você não é a pessoa mais saudável do mundo. Uma hora tinha que pegar alguma coisa.

— Você cheirou?

— Espero que a infecção chegue no seu cérebro — foi a minha resposta quando ele esticou as pernas e apontou um dedo na minha direção.

— Garota, você precisa de ajuda. Existem grupos para dependentes, sabe? Aceitar é o primeiro passo — olhei para Hinata e tentei ignorar a farpa na voz de Sasuke.

— É por isso Hinata que não andamos com o Uchiha. Ele fica doente e tem infecções nos ouvidos que comem o cérebro. Você faz bem em não fazer amizade com esse tipo de gente. Ele tende a pedir dinheiro — segurei a mão de Hinata e um sorriso convencido surgiu nos meus lábios quando o Uchiha praticamente berrou incomodado:

— Nós dois sabemos quem é que pedia umas coisas mais pesadas e cheias de fetiche durante o...

— Ah, por favor! — A sensação de nojo não era pior do que o arrependimento instantâneo quando compreendi do que o Uchiha estava falando. Quando o encarei, havia um quê de orgulho misturado com nojo em seu rosto que despertou a vontade de amassar seu rosto até que ele não pudesse se expressar mais. — Você não tem consideração pelas pessoas? Eu vou vomitar!

— Você praticamente me obrigou a isso!

— Não é disso que eu lembro — retruquei um pouco ofendida e percebi que não era exatamente daquilo que ele se referia. Meu rosto ardeu ainda mais quando meu cérebro reteve a informação por tempo demais e senti que a bile enchia minha garganta junto com o remorso.

— Hinata, você deveria ser mais seletiva sobre suas amizades. — O tom preocupado na voz de Sasuke me fez revirar os olhos, cruzei os braços com força quando ele me fuzilou com o olhar e continuou a dizer: — Existem pessoas que vão usar do seu corpo, sugar até a última gota da sua alma e depois vão dizer que você é a pessoa mais canalha do planeta por não topar ser a porra do boneco sexu...

— Escuta aqui, meu chapa! — Meu pescoço parecia queimar quando soltei o ar e tentei controlar meu tom de voz. Mantive o dedo em riste, apontado pro rosto pálido e que precisava de uma remodelação com punhos do Uchiha. — O pervertido é você, Uchiha taradão! A infecção afetou a sua memória também, garoto das cuecas colo...

— Isso é íntimo demais.

— Não me faça lembrar!

— Eu vou vomitar — Hinata interveio quando nós dois disparamos. — Se vocês não são sexualmente felizes, eu...

— Oh, não, não sou eu o descontente sexual — Sasuke emendou e apoiou o braço no encosto da cadeira. Ele ergueu o queixo na minha direção e resmungou: — Quem nunca estava feliz era a senhorita Ino Adivinhe-o-que-eu-quero.

— Eu não ficaria infeliz se você soubesse onde enfiar...

— Onde era pra enfiar? — Sasuke e eu estávamos ocupados demais para perceber outra coisa além do ultraje crescente entre nós dois e o asco que contaminava o ar, por isso que a pergunta de Naruto intensificou a vergonha e o remorso que pinicavam a minha pele há pouco mais de dez minutos. — Ah. — Foi o comentário assim que ele se ocupou sentando atrás de Sasuke e alternando olhares analíticos entre nós três. — De novo com esse assunto? Vocês não se cansam?

— Foi ela quem começou!

— De quem mais seria a ideia genial de tocar no assunto?

  O silêncio se instalou assim que nós dois praticamente rosnamos ao mesmo tempo e ganhávamos outra rodada de olhares analíticos, dessa vez de Hinata. Trinquei o maxilar quando coloquei os olhos no Uzumaki e tentei lembrar desde quando nosso círculo de companhias havia aumentado.

— O que? — Naruto apoiou os cotovelos na mesa e olhou para o assento antes de voltar a perguntar: — Tem algum nome escrito na mesa?

— Quem foi que convidou vocês dois? Não me lembro da petição de membro para o clube. — Descontei boa parte do cinismo e raiva que ainda me incomodavam desde que eu havia saído do quarto com Hinata e havia acompanhado o desfile bizarro de comentários, dedos apontados e risos interrompidos.

— Que pena que você não recebeu o memorando — o tom ácido do Uzumaki quase me fez rir, já que parecia que ele havia se juntado à maioria de engraçadinhos que decidiram cruzar meu caminho hoje. — Eu não estou aqui por você, Yamanaka.

  Estreitei os olhos imediatamente e virei o pescoço na direção de Hinata, sentada à minha direita, aparentemente presa em seu mundo particular e no mais absoluto silêncio. Ergui a cabeça na direção da porta e ergui a mão num aceno rápido para Sakura pouco antes de Karin e suas guarda-costas de materializarem.

  Eu preferi acreditar que o sorriso confiante de Karin não foi proposital, que aquilo era apenas outro detalhe em sua pose de garota problema que você não queria enfrentar. Eu quis mesmo acreditar que não havia nada de pessoal nos comentários incômodos de Sasame e Matsuri, nem quando as duas bateram com força na mesa de Hinata e seguiram até o meio da sala.

  Esse foi o meu erro.

— Perderam alguma coisa aqui? — Naruto virou o pescoço na direção das três e ergueu as sobrancelhas enquanto esperava uma resposta. Sasame e Karin trocaram risos antes de puxarem as cadeiras e sentarem.

— Na verdade, eu estou curiosa — Karin jogou o corpo sobre a cadeira e abriu um largo sorriso, Matsuri parecia acompanhar seus movimentos com precisão já que as duas tinham o mesmo brilho maníaco no olhar. — Como é saber que a sua mãe chutou o balde pelos jornais, hã? Tem a mesma emoção da tevê?

  Por um minuto inteiro, eu prendi a respiração enquanto meu corpo tremia pelo choque daquelas palavras. O sorriso odioso parecia crescer no rosto de Karin conforme ela cuspia:

— Opa. Ela não se enforcou. Desculpe, parentes errados — ela cobriu a boca e arregalou os olhos, mas os dedos não cobriam a porra do sorriso. Karin jogou a franja para o lado e sua atenção estava totalmente voltada para Naruto. — O que foi mesmo que aconteceu? Atropelamento? Não, mãe errada.

  A onda de raiva que cozinhava meu cérebro desde que eu havia descoberto a investigação de Sakura sobre o verme finalmente veio à tona, embaralhou tudo enquanto o choque e o peso das palavras me mantinham colada na cadeira. Karin havia conseguido: ela era o centro das atenções.

— Calma aí que eu vou me lembrar — a voz dela tinha um fundo risonho e extremamente teatral.

— Acho que foi um assalto — Sasame atalhou.

— Pais errados outra vez. — Karin me encarou antes de pôr os olhos em Sasuke e depois em Hinata. — Tiroteio em casa? Não. Ah é! Claro! Ela tomou umas bebidas, uns remédios para dormir e... — Finalmente consegui levantar e marchar na direção da porta, porque eu sabia que ameaças e socos não tirariam aquelas palavras da boca de Karin. — Errou a dose, não foi?

— Onde é que você vai, hã? — A diversão na voz de Sasame poderia ser ensaiada, mas o deboche em seus olhos era sincero.

  Eu não dei ouvidos a mais nada assim que passei correndo pela porta e virei o corredor, forçando minhas pernas ao máximo de velocidade até chegar no meu quarto. Respirar doía, carregar o peso dos comentários, dos dedos apontados e de cada olhar cheio de pena ou acusação doeu mais do que nunca.

  Escancarei a porta e agarrei o taco de baseball, o cabo era reconfortante na palma da mão e ignorei completamente o fiapo de voz que me alertava que eu estava indo longe demais. Marchei pelos corredores de volta à sala, o movimento do taco - para frente e para trás - parecia uma extensão dos meus dedos e prendi a respiração quando dobrei o corredor pela última vez.

  Não precisei andar muito, já que Karin, Matsuri e Sasame estavam paradas na frente da porta, de braços cruzados, sorrisos no rosto e posturas arrogantes. Eles não durariam muito.

— Veja só qu...

  Sasame não conseguiu concluir a frase quando o taco assobiou e acertou seu braço esquerdo, agarrei a gola da camiseta larga dela e a empurrei para trás. Eu não escutei seu choramingo, seus berros ensandecidos, suas ameaças histéricas – tudo o que eu enxergava era que Karin parecia inabalável.

— Muito bem, você quer ferrar comigo? Certo. Faça isso então — não havia mais do que meio palmo de distância entre nós duas e meus dedos pareciam queimar conforme eu apertava o cabo do taco. — Mas não torne essa merda pessoal.

— Não entendi o que você quer dizer, órfã — o tom raivoso dela se juntou à série de desculpas e justificativas que eu usava para cruzar os limites. Talvez tenha sido ali que eu finalmente tenha percebido porque Karin não colecionava inimigos – ela sabia o que fazer para que eles não surgissem.

— Você passou dos limites, Karin — sussurrei e analisei os seus olhos castanhos, mas só havia raiva, pura e crua, me olhando de volta. — E agora eu vou pegar você, porque você mexeu com as pessoas erradas.

  O mesmo sorriso odioso de antes pareceu iluminar seu rosto quando ela exibiu os dentes e inclinou um pouco a cabeça.

— Oh, é mesmo? — O tom de desafio estava explícito em cada gesto dela e soltei um pouco o taco de baseball, a madeira deslizou pelos meus dedos e Karin baixou os olhos. — E você está me ameaçando, garotinha? Mesmo?

— Não. Eu não faço ameaças — movi um pouco o corpo para trás, apenas para ter distância suficiente para erguer o taco. A madeira deslizou de baixo para cima e a ponta acertou a mandíbula dela; o barulho seco do golpe puxou o coro engasgado de berros e uivos de dor da ruiva quando abaixei o taco com suavidade. Karin tropeçou nos próprios pés e procurou apoio nos braços e ombros de Matsuri, que estava poucos passos atrás. — Você fodeu com a pessoa errada.

  Os olhos esbugalhados de Karin nadavam em ódio, e talvez a adrenalina de ter sido atingida a ajudou a se manter de pé quando eu dei outro passo à frente. Karin gemia e berrava, mas não se mexia enquanto segurava o rosto. Havia sangue manchando seus dentes e me perguntei se ela não havia mordido a língua quando a acertei.

— Eu vou...

— Vai me matar? Estou esperando, Karin — minha voz mal passava de um sussurro, mas Karin me escutava muito bem. Pode apostar que os ouvidos dela estavam ótimos. — Porque, eu juro, se você não fizer isso, eu vou arrebentar você até que alguém consiga me parar. — Quase não havia distância entre nós duas, mas talvez ali ela realmente tenha notado que eu não estava mentindo ou exagerando.

  Eu estava falando sério.

— Você ferrou com a pessoa errada, Karin — repeti e o queixo dela tremia, não só pelo golpe. — Porque eu não tenho nada a perder aqui. — A fúria nos olhos dela pareceu aumentar quando ela se deu conta da plateia que havia se formado, mas o fiapo de medo havia crescido e virado uma massa incontrolável que agitava seus olhos.

— Que porcaria é essa, hein? Vamos, vamos, se mexam! — Eu não tirei os olhos de Karin quando a voz de Orochimaru começou a se sobrepor aos cochichos, não me mexi quando o apito cortou o ar e fui puxada com força para trás. — Você quer dar um passeio na detenção, Yamanaka? Então é melhor cair fora daqui.

— Você não devia ter tornado isso pessoal — murmurei e senti o aperto de Orochimaru ficar mais forte no meu braço, criando certa distância entre nós duas. Sasame também se materializou e ficou na frente de Karin, que começava a berrar numa voz afetada e estridente:

— Você é louca, está me escutando? Eu é que vou pegar você!

  A sensação de que eu havia passado dos limites ficou mais real quando Naruto e Sakura me puxavam para trás, Hinata e Sasuke me ladeavam apressados e a seriedade estava cravada nos seus olhos. O apito de Orochimaru se misturou ao barulho da sirene, das ameaças de Sasame e Karin, às frases apressadas de Sasuke e dos berros de incentivo dos curiosos que brotavam de cada sala.

  Minha cabeça parecia pesar dez vezes mais quando girei o pescoço e reconheci o verme, olhos presos na confusão de berros e cabeças curiosas que começava a se dissipar graças a Orochimaru.

  Pegue dois por um. É sua chance de cruzar os limites com o verme também.

— Ino, onde você...?

— Ah merda.

— Ino!

  Parecia haver um magnetismo doentio que me levava diretamente ao verme, porque eu conseguia ignorar com facilidade as vozes de Hinata, Sasuke, Naruto e Sakura, eu conseguia empurrar qualquer um que cruzava meu caminho e continuar em linha reta até alcança-lo.

  Ele não se moveu como eu esperava, não fez nada do que imaginei que faria e havia um tipo de reconhecimento em seus olhos quando eu parei diante dele. Minha boca secou e minhas pernas tremeram, o velho ódio ativou todas as engrenagens de raciocínio e trouxe à tona cada detalhe do que havia acontecido naquela noite.

  As dúvidas e perguntas que eu não queria responder também foram desengavetadas e pareciam se amontoar conforme a dúvida crescia e me sufocava. Aquela mistura ácida de ódio e dúvida embrulhou meu estômago e deixou um gosto amargo na boca quando consegui dizer:

— Preciso falar com você.

* * *

  Estou a sós com o assassino.

  Aquela informação continuava martelando na minha cabeça desde que eu havia escancarado a primeira porta que havia encontrado e esperado até que o verme passasse por ela e fechasse a porta, em movimentos extremamente silenciosos.

  Apoiei as costas na cômoda que estava posicionada de frente para o beliche enquanto o verme sentava na cama de baixo e erguia a cabeça para me encarar. A minha cabeça parecia prestes a explodir com as perguntas, teorias e fatos que brotavam e se amontoavam.

— O que você quer conversar? — Foi ele quem quebrou o silêncio primeiro e me forcei a agarrar a versão durona e cínica que eu usava todos os dias enquanto organizava mentalmente o que eu precisava dizer.

— Foi você quem matou os meus pais. Foi você quem invadiu a nossa casa e puxou o gatilho — eu queria ver a mesma frieza que ele manteve todas as vezes em que afirmava ser o assassino, eu precisava desesperadamente desse nível de indiferença, porque tinha medo de que não pudesse lidar com algo além da frieza habitual de Gaara. — Então como você estava visitando uma garota num hospital enquanto matava os meus pais?

  O choque no rosto dele destruiu qualquer expectativa que eu tinha sobre conseguir lidar com a situação, porque as coisas haviam mudado. Talvez as coisas tivessem começado a mudar quando Tsunade me alertou sobre dois lados da história, ou quando Sakura bancou a detetive e esfregou bem no meio dos meus olhos o que eu não queria ver – uma chance de Gaara não ser o assassino.

  Aquela chance, aquela pequena e miserável chance era o que me torturava.

— Como você soube? — Aquela foi a segunda vez em que perdi o chão. A sinceridade, a porra do desespero em seus olhos, aquela franqueza – tudo aquilo me acertou como um bom soco no estômago faria.

— Você estava no hospital? — Minha respiração disparou e minha voz não passou de um fiapo incrédulo, pisquei com força e me agarrei àquela ínfima chance de que talvez aquilo fosse uma pegadinha, uma cena bem ensaiada e cruel para me fazer acreditar que havia mesmo outro lado dos fatos, que havia uma parte da verdade que estava enterrada bem na minha frente.

— Ino...

— Não! Não me chame pelo nome! — Reagi e os olhos dele pareciam perdidos enquanto os dedos puxavam o cabelo em movimentos exagerados e trêmulos. — Você não estava em um hospital naquela noite, não é? Isso... Isso é um erro. Uma porcaria de erro.

  Foi o silêncio dele, a quietude absurdamente angustiante dele que me fez sustentar o seu olhar desesperado e cansado. Eu sentia a dúvida crescendo, mastigando qualquer argumento que eu havia defendido ao longo desse tempo todo e distorcendo cada teoria que eu havia criado para justificar o assassinato dos meus pais e o comportamento do verme.

— As coisas não deveriam ter chegado nesse ponto.

— Onde é que você estava naquela noite? — Berrei a pergunta que me sufocava e cuspi as palavras na esperança de que respirar fosse um pouco mais fácil. Não era.

— Você já sabe. — O olhar torturado dele não se abalou, mesmo quando ele começou a falar: — Não fui eu quem puxou o gatilho. — Aquele foi o segundo soco no estômago. — Eu não sabia quem você era até parar aqui, porque foi parte do acordo. Eu levaria a culpa, ficaria preso aqui e, em troca, a minha irmã teria o que precisasse para ficar bem.

  Você queria cruzar os limites. Aí está o resultado.

— Acontece que eu não preciso manter a minha parte do acordo e ficar de boca fechada já que a minha irmã está morta, não é? — Eu sentia dedos invisíveis me forçando a manter a cabeça reta e os olhos grudados no rosto de Gaara, como seu eu precisasse gravar o tremor em suas mãos ou a angústia que moldava seus olhos. Eu queria que ele parasse de falar, porque eu tinha medo do que escutaria. — Eu estou cansado de mentir para você.

— Você está cansado? — Repeti como se fosse a única parte sensata em tudo o que havia escutado e minha língua parecia um pedaço de lixa quando engoli a saliva.

  A pior parte era que eu sabia que estava acreditando em cada palavra dele, estava aceitando aquilo tudo como a parte da verdade que eu havia dado as costas em algum ponto. Eu sentia nojo de mim mesma por digerir o que ele me dizia.

— Não entendi ainda, está cansado de ter brincado de deus ou de ter dito na minha cara que matou a minha família? É disso que você se cansou, de saber que a sua irmã está viva às custas de ter deixado o assassino livre?!

  Me apoiei na cômoda antes que os meus joelhos falhassem de vez e trinquei a mandíbula quando minha mente processou o que eu havia acabado de dizer, o que eu havia acabado de falar em voz alta. Eu estava aceitando aquela versão da história. Era desesperador, repugnante, era inaceitável. Era cruel, medonho.

— Não, essa merda toda é mentira. Vocês estão mentindo, porra! Isso não pode ser a verdade! — atirei nele o taco de baseball e derrubei o que havia em cima daquela cômoda, os pinceis, lápis e papeis amassados despencaram em baques mudos no carpete e me assustei com o som da minha própria respiração. Mas nada arrancava a angústia e o desespero dos olhos dele. — Quem diabos é você?

  O engasgo dolorido que rompeu os meus lábios mal parecia um choro, mas finalmente veio e meus olhos ardiam conforme eu percebia que os detalhes começavam a se encaixar – o meu depoimento e o dele não batiam, a confissão controversa dele e o rosto perdido durante a sentença de prisão. A forma mecânica como ele repetia que era o assassino.

  As reações previsíveis em todas as vezes em que eu arrancava dele a mesma frase e escutava que ele era a pessoa que havia destroçado a minha vida.

  Puxei o ar e esperei acordar na minha cama, jogar as cobertas para o lado e perceber que tudo não havia passado de um pesadelo esquisito. Mas não havia do que acordar. Eu já estava de olhos bem abertos. E, porra, isso era aterrorizante.

— Quem é você? — Insisti e havia medo e arrependimento me dominando assim que proferi as palavras.

— Não sou o cara que você procura. — Não foi a resposta que me atormentou e me convenceu de que ele estava falando sério, era a franqueza agoniada nos olhos dele. Meu corpo retesou quando Gaara levantou e ergueu a mão na minha direção, como se não soubesse se deveria se aproximar. — Eu sinto muito por isso.

— Sai daqui — minha garganta continuava apertada e fechei os olhos com força, o gosto das lágrimas era mais salgado do que eu me lembrava e aquilo pareceu tornar as coisas piores. — Vai embora! Agora!

  Só quando a porta foi fechada, só aí é que o outro lado da história pareceu um pouco menos surreal. Não foi Gaara quem puxou o gatilho.

  Corri até o banheiro e vomitei.


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Notas finais do capítulo

YO pessoal.
Mals pela demora, tive um baita bloqueio mental. As coisas voltaram a fluir desde ontem para a fic, então espero que a demora tenha sido compensada de alguma forma.
Esse capítulo foi meio tortuoso de se escrever porque duas coisas importantes aconteceram: a primeira é a "guerra" oficial da Ino contra a Karin e a segunda é a descoberta sobre o envolvimento do Gaara na morte dos pais da Ino.
Não sei se consegui passar isso ao longo dos capítulos, mas a galera tenta ao máximo não tornar as provocações e brigas em rixas pessoais, como se houvesse um código de conduta. Então a declaração oficial da Ino muda algumas coisas.
A segunda parte sobre o Gaara foi muito difícil de escrever. Sério. Porque tenho um apego pessoal com as personagens, especialmente a Ino, então foi difícil encontrar a forma mais apropriada de esclarecer esse ponto sobre os pais dela.
Vou tentar me afundar mais no universo das fics, porque o mundo real tira o tesão de muita coisa. Tá osso.
É isso por enquanto. Qualquer dúvida, erro, ideia, cá estou.
Agradeço mesmo por cada comentário, cada recomendação e por tirarem um tempo para ler NLTM. É um bom fôlego de ânimo saber que a estória conseguiu tocar vocês de algum jeito.
Obrigada por mais um ano.
Até o próximo! o/



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