Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 18
Do orgulho à vergonha




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“Todos nós acreditamos no que precisamos"                                                                                                        Sum 41

 

   Já fazia uma semana que Kakashi dedicava todas as suas alfinetadas e discursos cínicos comigo, e aquele era o sexto dia consecutivo em que ele atravessava a porta da sala e distribuía questionários complexos e olhares irritadiços.

  Ele chamava aquilo de semana de provas, num tom azedo e professoral. Como se fosse parte de um trimestre escolar.

— As provas são obrigatórias e as respostas são analisadas a partir do ponto de vista psicológico e cognitivo — ele recitava as palavras num tom mecânico conforme jogava as folhas de papel sobre as mesas. — A capacidade de interpretação de ordens e temas propostos também é analisada. As frases que são consideradas impróprias para o tipo de perguntas apresentadas, podem gerar uma anotação comportamental no prontuário do interno.

  O ritmo dos passos de Kakashi combinava com o barulho parecido com o de uma pancada seca a cada maço de papel sulfite jogado nas mesas.

— No caso de indisciplina ou violência verbal, uma comissão é convocada para analisar o interno e um novo parecer sobre a sua estadia é encaminhado para a Justiça. — Um sorriso cínico brotou com facilidade no meu rosto quando Kakashi parou diante da minha mesa e me encarou com asco. — Quanto mais idiotas vocês forem, mais tempo ficam aqui.

  Cretino pomposo.

— Vocês têm meia hora para decidir se vão usar os neurônios — ele inclinou um pouco a cabeça na minha direção, como se considerasse se eu havia compreendido cada palavra. Pode apostar que sim, seu cretino. — Ou não.

  Kakashi terminou o seu discurso com a mesma ênfase cínica que havia brotado, não, que havia transbordado em cada frase que saiu da sua boca. O barulho das canetas rabiscando os papeis, os cochichos que se sobressaíam ao ritmo frenético das folhas deslizando pelas mesas e os pés inquietos eram os únicos sons que enchiam aquele cômodo.

  A sensação era absurdamente irreal porque, se eu erguesse bem os olhos, veria uma classe de aula com alunos empenhados numa prova que equivaleria a um passe para as férias escolares. Era fácil esquecer quem estava ali.

  Preenchi as linhas em branco e me forcei a dar a eles o que eles queriam: obediência cega e servilidade duas vezes mais cega. A cada pergunta sobre ética, limites legais e moral, eu apertava um pouco mais a caneta e continha a necessidade de rasgar aquela folha em quantos pedaços fosse possível e dar o fora dali.

  Se quer mesmo dar o fora, querida, é melhor seguir o roteiro. Seja esperta, sim?

  Parecia que cada questão erguia um dedo em riste, longo e acusatório, acompanhado por uma voz venenosa que sussurrava o quão errado, o quão sujo e desumano você era. Eram pequenas alfinetadas muito bem elaboradas e maquiadas como um exercício de reconhecimento de suas próprias ações.

  Não seja bobinha, querida. É claro que eles sabem o que você fez.

— Quinze minutos para entregarem as provas. — A voz de Kakashi interrompeu por um ou dois segundos aquela maldita voz na minha cabeça e me vi presa numa bolha de revolta, nojo e choque ao ler a última pergunta do questionário.

  Vamos, vamos! O tempo está passando, querida!

 "Um homem está sob fortes emoções e dirige o carro, numa noite chuvosa, sem carta de motorista. No carro, está sua família: esposa no banco de passageiro e as duas crianças no banco de trás; a discussão começa e o homem acelera o carro e, então, o carro capota. Uma das crianças é lançada pelo vidro, a esposa fica prensada no painel e a outra criança fica presa no carro. O motorista sai quase ileso.

  Ele vê a cena e entra em choque, se afasta do acidente e não procura ajuda. A outra criança também morre. Ele é culpado ou inocente? Justifique.”

  Justifique. As minhas mãos não só tremiam, como eu não sentia mais que era capaz de mover os meus dedos ou de raciocinar outra coisa que não fosse como aquilo tinha que ser uma porra de uma piada.

  Ergui os olhos e tentei reconhecer qualquer sinal, qualquer porcaria nos rostos apáticos e concentrados dos outros internos de que aquilo era mesmo uma pegadinha. Isso tem que ser uma maldita brincadeira!

Dez minutos para terminar.

   Trinquei o maxilar enquanto sentia a ânsia de vômito revirando meu estômago e eu não conseguia desviar os meus olhos daquelas malditas linhas ou largar a porcaria da caneta. Qualquer troca de informações entre as extremidades do meu corpo e o meu cérebro parecia ter sido interrompida, já que eu não sentia que poderia me levantar e sair dali.

  Minha boca estava seca quando finalmente consegui empurrar o papel e levantei da cadeira, bati o quadril na quina de uma das mesas enquanto fugia da fileira de carteiras e o meu joelho esquerdo doía pelo esforço repentino; quando a adrenalina bombeia todo o seu sangue, os músculos trabalham a todo vapor e foi mais fácil ainda me esquecer de que uma semana não havia sido o suficiente para me recuperar das pancadas secas e precisas do taco de basebol.

— Onde você pensa que...

— Vai pro inferno! — Rosnei num tom agoniado e a minha cabeça ferrada registrou a genuína surpresa na voz geralmente irritadiça de Kakashi; precisei me apoiar na lousa para não cair, já que, ao observar os rostos sarcásticos e desdenhosos dos outros alunos, era o pânico que bombeava o meu sangue e as minhas pernas tremiam.

  Justifique, sim, sim, você pode, pode mesmo, pode mesmo justificar

  Alcancei o batente da porta e mantive o trote apressado pelo corredor enquanto escutava o barulho de solas dos meus tênis arranhando o piso. Encostei as costas na parede conforme tentava controlar a minha sanidade e a vontade desesperadora de chorar.

— Sakura, o que... — e então Hinata me alcançou em questão de segundos e a voz dela virou um murmúrio assustado quando fechei os olhos com força. Eu não suportaria enxergar doses de piedade, compaixão ou acusação silenciosa. — Sakura, respire. Vamos, respire. — Acatei a ordem com incrível facilidade, puxei e soltei o ar num ritmo ofegante; cerrei os punhos com força, porque a situação toda dava razão àquela velha voz na minha cabeça que dizia que dois comprimidos de Profaxim resolveriam tudo.

  A primeira coisa que realmente consegui escutar foi o som frenético do meu coração bombeando sangue em resposta a toda a adrenalina descarregada no meu corpo. Aquilo me serviu como uma dose de controle, pequena e miserável, mas suficiente.

  Justifique.

— A porra da prova, Hinata — respondi assim que Hinata repetiu a pergunta sobre o que havia acontecido; notei com certa amargura como a minha voz era um fio de puro pânico, raiva e revolta. Abri os olhos e encarei o teto escuro e manchado, como se ele fosse capaz de me manter no mundo real e afastar os fantasmas que brincavam na minha mente.

— O quê? Espera, o que a prova...

  Alguém está brincando com a minha cabeça, era o que eu teria dito se fosse capaz de manter uma linha de raciocínio sã por dois minutos. Mas quando os dedos acusatórios se unem para apertar a sua garganta com força, enquanto os últimos meses e aquela noite infernal serpenteavam com as vozes acusatórias, os gritos e os interrogatórios, bem... Quando isso acontece, você não consegue manter nada são ou seguro o suficiente.

— Sakura, por favor, fala comigo — finalmente encarei Hinata e a preocupação dela serviu para me fazer querer chorar e gritar, porque eu sabia que não merecia que aqueles olhos claros me encarassem daquela forma. Isso mesmo, querida, siga o roteiro. — O que tinha na prova que...

— Ei, ei — os dedos gelados de Sasuke seguraram o meu rosto e eu sabia que os olhos dele procuravam os meus. Foi automático manter as pálpebras cerradas porque, bem,  eu não conseguia suportar mais qualquer dose da mais sincera preocupação. — Sakura, seja lá o que...

— Isso não é romântico? Acho que vou chorar — a voz estridente de Karin alterou ainda mais o meu pulso e o ar parecia extremamente pesado nos meus pulmões, porque aquele tom irônico ainda me assombrava enquanto ela perguntava para onde eu estava indo. Taco. Joelho. Escuro. — Os dois assassinos de papais e mamães vão ser o rei e a rainha do baile nesse ano?

— Cala a boca! — A fúria de Hinata me fez abrir os olhos e percebi o quanto ela tremia enquanto cerrava os punhos e mantinha a cabeça erguida. — Cala a droga da sua boca, Karin! Ninguém precisa de você por perto, então por que não faz um grande favor e simplesmente some daqui?!

  Eu tremia tanto quanto Hinata assim que um semicírculo se formou ao nosso redor, os curiosos e os incentivadores simplesmente pareciam ser capazes de sentir o cheiro de briga no ar e se apinhavam feito moscas.

— Oh — foi tudo o que Karin disse enquanto as risadinhas histéricas e os comentários cínicos brotavam no ar e a postura confiante e sarcástica dela parecia um pouco mais forçada. — Então você não consegue mesmo resolver as coisas por conta própria, Haruno... Para alguém que matou a família inteira...

— Cala a porra da sua boca! — Hinata avançou e sustentou o olhar irritado de Karin até que a ruiva abriu um sorriso cheio de dentes e deu um passo para trás.

— Então ela late? Se você mandar, ela também senta? — Os olhos de Karin faiscavam por detrás da armação dos óculos e toda a revolta adolescente por achar que o mundo era uma bela porcaria fermentou o meu sangue. Porque a ficha havia caído. Joelho. Taco. Escuro. Justifique. Aquele segundo de compreensão era nauseante e apaziguador e, porra, eu precisava de uma dose de Profaxim. — E ele? Você só precisou abrir as pernas ou então contou como estava cheia de sangue quando a po...

  Os braços de Sasuke me impediram de avançar assim que Karin contornou Hinata e caminhou na minha direção, mas os músculos faciais ainda funcionavam muito bem quando concentrei saliva suficiente para cuspir no rosto cínico da ruiva.

  Era infantil. Mas eu não ligava.

  As risadinhas contidas se transformaram em gritos verdadeiramente fanáticos de incentivo e provocação, mas tudo o que eu enxergava era a raiva fria e racional de Karin me analisando conforme o barulho estridente de um apito ecoava pelo corredor e ampliava o som.

  Foram os braços de Sasuke que me guiaram para longe enquanto os berros desvairados se transformavam em frases desconexas de apoio, provocação e desdém; os meus pés trotavam em linha reta, mas virei o pescoço e reconheci a mesma raiva fria e racional de Karin que estava estampada em seu rosto quando ela foi fotografada horas depois de ter ateado fogo na casa em que ela vivia com o avô.

  Era a Karin Incendiária quem me encarava. E eu soube que alguma coisa ruim aconteceria.

* * *

— Se você não consegue andar em linha reta, Sakura, é claro que não vai conseguir chutar a minha bunda — o tom didático dela era a pior parte, mas os olhos azuis carregados de desafio e superioridade eram mais irritantes ainda. O sorriso petulante emoldurou seu rosto e o queixo de Ino parecia um pouco mais arrebitado.

— Você se surpreenderia.

Uh, que medo — o riso soou esforçado e franzi o cenho quando os lábios continuaram repuxados naquele sorriso duro. O silêncio que se instalou era incômodo e me remexi na arquibancada; Ino bebeu mais um pouco da cerveja e me estendeu a garrafa num gesto mecânico antes de perguntar: — Sua perna está melhor?

— Dá para aguentar — respondi no mesmo tom mecânico dedicado para essa pergunta; não demorou muito até o barulho da sirene ecoar pelo ginásio por seis ou sete segundos ininterruptos. Tomei um gole da cerveja e tentei entender, pela quarta ou quinta vez desde que havia cruzado com Ino nos corredores pouco depois de ser afastada de Karin, a mágoa e a inteligência raivosa que brilhavam nos olhos da loira acima da camada de bom humor e ironia.

— Sabe, uma coisa bem estranha aconteceu na semana passada — ela comentou num tom casual muito bem ensaiado e o meio sorriso cínico morria lentamente conforme a seriedade endurecia a sua expressão. — O verme estava na secretaria, esperando para dar a versão dos fatos sobre a queixa contra a Karin.

  Assim que Ino inclinou a garrafa na minha direção, eu percebi que ela também trincava o maxilar. O ceticismo que transbordava no meu rosto pareceu convencê-la e incentivá-la a continuar:

— Então eu pensei, que droga que ele tinha a ver com aquilo? Ele nunca ajudou ninguém na vida miserável dele e eu duvido muito que ele tenha capacidade para agir como um ser humano de verdade — o asco e o ódio puros me mostraram um lado de Ino que, até então, eu havia vislumbrado por dois segundos, no máximo. A frieza nos olhos azuis não era ensaiada. — Até o Naruto estar ali dava pra entender, mesmo. Mas ele? O maldito verme?

— Onde você quer chegar, Ino? — A cerveja parecia mais amarga dessa vez e rodopiei a garrafa entre meus dedos conforme sentia que não era apenas o álcool queimando o meu estômago. A boa e velha raiva cega também começava a agitar o meu sangue.

— Quando eu perguntei, a Tsunade me disse que o verme tinha os motivos dele para estar ali — parecia que ela não havia me escutado ou havia escolhido a continuar despejando suas teorias e conclusões com aquele tom filha da puta professoral. — A Hinata quase me disse a mesma coisa, mas ela não sabia o que estava acontecendo. Mas você já tinha uma noção.

— De que merda você tá falando?

— Foi você quem revirou o passado dele, então me diz você. — O tom impassível dela não amenizou o desespero que me dominou assim que percebi que eu havia cruzado uma linha perigosa com Ino. — Que merda de direito você pensou que tinha para agir pelas minhas costas desse jeito? Que droga que você tinha na cabeça quando me olhou nos olhos e mentiu pra mim?!

    Essa era uma boa pergunta caso eu não estivesse trincando o maxilar a ponto de sentir meus dentes doerem, em pura e primitiva raiva de Karin, Kakashi, da surra que eu havia levado, de todas as mentiras que contei para mim mesma ao pensar que conseguiria mesmo, por uma semana ou duas, fingir que tinha tudo sob controle.

  Aquela era mesmo uma pergunta ótima numa hora completamente inadequada, porque eu sentia a saturação de cada pequena porcaria, o cansaço de todos os esforços para aparentar estar bem.

  Foi você quem não seguiu o roteiro, querida.

— Você tem razão em uma coisa, Ino, eu não tinha o direito. — O tom cínico que brotou feito uma segunda pele combinaria muito mais com a Sakura prepotente e arrogante que se apresentava em palcos, mas, agora, cabia como uma roupa puída e confortável. — Mas, porra, você é tão esperta que quer manter os olhos fechados para o que está bem debaixo do seu nariz.

  O silêncio dela parecia acentuar ainda mais a frieza naqueles olhos azuis e destacar a raiva cega que delineava seu rosto. Eu sentia a descarga de adrenalina e raiva cegas justificando cada ação de Ino como uma espécie de desafio e afronta pessoais que eu devia responder à altura.

— A confissão do cara que matou a sua família não bate com nenhuma das provas — o choque genuíno foi a única coisa que Ino não conseguiu camuflar com sua máscara de ódio e inteligência sóbria e, puta merda, eu gostei de despejar a porcaria toda no ventilador. — Nem mesmo a sua versão dos fatos, ou a investigação conseguem explicar como uma pessoa pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.

— Você está mentindo — a voz dela era apenas um eco da confiança arrogante que Ino conseguia impor em seu timbre.

— Enquanto a sua família estava sendo morta, Gaara estava no hospital com a irmã doente — optei por ignorá-la e cuspi cada palavra com raiva, porque eu percebia o desespero de Ino em se agarrar ao seu mundo racional em que o assassino da sua família respirava o mesmo ar fétido que ela. — É um verdadeiro mistério como ele conseguiu sair do hospital e chegar a tempo de invadir a sua casa. Quem sabe, ele...

Cala essa boca! — não era a reserva infinita de ódio que fez Ino me encarar e que me fez perceber os seus lábios trêmulos e o rosto cada vez mais pálido; mas eu reconheci o que moldava o seu rosto daquela maneira: era o medo abrindo espaço nas linhas dos lábios, forçando lugar nos olhos da loira. — Nada disso é da sua conta, Sakura.

— Eu sou a porra da sua amiga! — Praticamente berrei de volta enquanto o dedo em riste de Ino vagava trêmulo na minha direção até ser recolhido num gesto acuado. — Então por que você não para de agir como a porra da sábia do universo e abre os olhos para o que está bem debaixo do seu nariz esse tempo todo?!

— Porque nada, absolutamente nada dessa porcaria faz sentido! — Ela gritou de volta e aquela ira pura não combinava com a voz assustada que escapou dela. — Será que você ainda não se tocou que é com a minha vida que você está bagunçando, Sakura?

— Não vou desenhar pra você, Ino — eu percebi horas depois o quanto aquela frieza na minha voz era cruel e mesquinha, mas, agora, eu enxergava uma garota que se recusava a escutar qualquer coisa que ferisse a sua versão de mundo. E aquilo servia como desculpa aceitável para continuar despejando a porcaria toda no ventilador. — É você quem está bagunçando as coisas ficando aqui, nessa droga de cadeia, como se isso fosse resolver alguma coisa e acertar as contas com o cara que matou a sua família.

  O ar preso na minha garganta era infinitamente pesado e eu ainda escutava aquela voz baixa, rouca, extremamente sensata que dizia que eu tinha que fechar a boca agora mesmo. Mas eu não conseguia deixar o ego incomodado calar a boca, não mesmo.

— Então, puta merda, o que diabos você espera conseguir aqui? Dar o troco no cara errado? — Os olhos dela não se desgrudavam dos meus e eu notava a mágoa se sobressaindo em cada gesto trêmulo de Ino, mas eu não conseguia parar. Seja sincera, querida, você não quer parar até ter balançado cada verdade suja bem na cara dela. — Você não é idiota, apesar de gostar desse papel algumas vezes. Então use a porcaria da sua cabeça, Yamanaka, e junte as peças, já que não acredita em mim.

  O silêncio entre nós duas deixava bem claro o quanto nossas respirações estavam irregulares e o quanto eu havia ultrapassado os limites com Ino. Não importava quantas alfinetadas trocássemos, quantas piadas internas ela contasse ou quantas bebidas eu levasse, porque eu havia feito o que fazia de melhor com outras pessoas: eu as despedaçava.

— Acabou com as frases de efeito ou você quer gastar mais saliva, garota?

    Ino conseguia transformar boa parte da mágoa e do desespero de antes em mais raiva inflamada, mas a voz trêmula e quase chorosa dela deixou a minha garganta apertada e eu queria desviar o olhar daquela máscara irritadiça que ela ainda usava. Levei algum tempo pra notar a garrafa de bebida nas minhas mãos e segurei o gargalo com força enquanto a voz rouca e trêmula dela soou no ginásio:

— Se você não tiver mais nada pra me contar, o silêncio é bem-vindo.

— Pode apostar que é — retruquei com a mesma frieza mesquinha e desviei o olhar dos olhos marejados e de maquiagem borrada de Ino. Eu continuei onde estava quando Ino levantou e pulou a arquibancada até a quadra de piso amadeirado e eu ainda estava parada no instante em que a loira escancarou uma das portas e saiu do lugar, com o ritmo trotado e pisando duro e mantendo a cabeça erguida no trajeto.

  A minha cabeça latejava com o barulho agitado da minha respiração e o sangue pulsava de forma incômoda por toda a perna esquerda, mas naquele momento em que eu encarava a porta do ginásio; o verdadeiro problema era que eu não sentia os nós na garganta desfrouxando ou qualquer sinal de alívio por ter cuspido na cara de Ino que eu havia descoberto nas últimas semanas.

  Tudo o que eu senti era vergonha e remorso. Entornei a garrafa e torci para substituir as dores de cabeça.

* * *

  Espremi os olhos assim que as câmeras dispararam feito armas em cima do palco improvisado e um dos câmeras girava lentamente num semicírculo para focar a lente em Hiashi Hyuuga, idealizador do Projeto de Reabilitação Social Para Jovens Infratores – as maiúsculas foram escutadas pelos alto falantes assim que a secretária anunciou o homem de meia idade enfiado em roupas de bom corte e sapatos ainda mais caros.

  A auditoria não passava de um palanque político e nós éramos o público alvo de Hiashi, que lia seu discurso sobre responsabilidades, políticas públicas e novas chances. O sorriso perfeito dele me incomodava mais do que o tom afável que ele mantinha para dizer:

— Eu acredito que o futuro será construído em lugares como este, em que jovens transgressores — ergui a sobrancelha assim que ele pronunciou a palavra com certa indisposição, como se a palavra em si fosse tóxica  — têm a chance de recomeçar aos olhos da sociedade. Serão vocês que provarão que segundas chances são pilares fundamentais para um mundo mais justo.

  O sorriso alargou assim que ele inclinou a cabeça e a expressão de compaixão muito bem ensaiada rejuvenesceu seu rosto, houve outra série de disparos das câmeras fotográficas enquanto Hiashi gesticulava com elegância no palco.

— Oferecer esta chance, aqui e agora, garantirá não somente um futuro brilhante à nossa cidade, mas é a minha forma de trabalhar para que cada cidadão tenha sua dignidade recuperada e progrida não somente como parte de nossa sociedade, mas também como um ser humano totalmente com sua liberdade respeitada e restaurada.

  O barulho de aplausos dos assessores e de alguns funcionários da equipe de filmagem encheu o pátio e o Corpo Docente – aquela foi outra apresentação da secretária para Tsunade, Orochimaru e os professores – começou a bater palmas num ritmo menos sincronizado; o sorriso de Hiashi ficou ainda mais largo quando o câmera se posicionou mais à esquerda e o filmou saindo de trás do púlpito, erguendo a mão e acenando para nós, os jovens transgressores.

  A última coisa que Hiashi esperava era ver Hinata sendo jogada pela lateral do palco, a blusa rasgada em um dos ombros e dobrando ainda mais o corpo enquanto tossia. Mesmo que tudo tenha acontecido muito rápido a partir desse ponto, a sensação era exatamente o oposto.

  Mova-se mova-se mova-se

  Empurrei as pessoas e a minha boca se mexia, xingando e pedindo passagem, mas parecia que todos tinham os pés presos no chão com chumbo; o suor pinicava o meu couro cabeludo e deixava as minhas palmas escorregadias, conforme eu avançava entre os corpos espremidos e girava a cabeça para os lados, como se Ino fosse se materializar ali mesmo, por pura força de vontade.

  Acompanhei com o olhar Hinata rastejando para frente, tateando o chão enquanto Hiashi berrava e apontava para os lados, a voz afável havia desaparecido e só havia a voz enfurecida, urrando ordens para pararem com aquela brincadeira. Mova-se mova-se

  Virei a cabeça na direção do palco mais uma vez e uma mistura de medo e adrenalina revirou o meu estômago quando Hiashi puxou um câmera pelo braço e berrava para que ele tirasse aquela coisa da frente dele. Me espremi entre dois garotos magros e que soltavam risinhos histéricos e abri o restante do caminho com cotoveladas.

  Eu ainda escutava o barulho das câmeras disparando, as conversas e os comentários acompanhados de risos, timbres animados e curiosos e parecia que alguém – Kurenai? Tsunade talvez? - tinha começado a gritar com Hiashi sobre limites e algo sobre pais e filhos, mas eu só escutava a tosse fraca de Hinata.

— Hinata! Hinata! — Agarrei a borda do palco com força quando fui empurrada e parecia que havia mãos segurando os lados da minha cabeça na direção do palco em que Hinata havia sido jogada. Eu as reconheci muito bem: Karin e as suas guarda-costas estavam paradas no canto à direita.

  Senti a boca seca quando olhei de volta para Hinata, surrada e trêmula em cima do palco, e me dei conta de que não importava para o resto do mundo se uma garota foi atacada e espancada, mas que era a filha do governador quem havia aparecido.

  Vejam amigos e vizinhos, temos um surto de consciência por aqui? Ah, amigos e vizinhos, Sakura Assassina Haruno teve a grande ideia do ano, não?

  Aquela centelha de raiva cega surgiu com algum senso de justiça assim que tentei localizar Karin e as outras duas garotas, mas elas haviam se misturado aos adolescentes histéricos no pátio; segurei a mão dela e sentir o quanto ela tremia inflou ainda mais a raiva que começava a nublar qualquer pensamento racional.

  Senti um empurrão leve e reconheci nos olhos de Naruto e de Ino a mesma raiva, o mesmo ódio doído que começava a apertar a minha garganta; manquei para o lado e assisti Ino subindo no palco e arrancando a câmera das mãos de um funcionário que apontava a lente para nós quatro.

  Naruto tomou a mão de Hinata da minha e a guiou até a beirada do palco com paciência; quando ela agarrou o antebraço dele, senti minha garganta apertar mais uma vez. Ela parecia desesperada por qualquer coisa que a tirasse dali. Ele a segurou no colo e Ino pulou do palco, empurrando e estapeando quem ficava no meio do caminho.

— EI, GOVERNADOR! — Berrei a plenos pulmões e me surpreendi por ter conseguido, mesmo com a garganta fechando. — VAI PRO INFERNO, ESCROTO!


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOHOOOOO! AHÁ! VOLTEI!
Peço as desculpas necessárias pela demora. Muita coisa vem acontecendo. Enfim. Coisinhas à parte, espero que tenham curtido o ritmo desse capítulo e tudo o que foi despejado. Reescrevi várias vezes a discussão entre a Sakura e a Ino, tentando acertar o tom da conversa e as reações e me doeu fazer isso com a Hinata (meu xodó), mas a ideia era passar o tom de injustiça na coisa toda.
Obrigada por todos os comentários do capítulo anterior, cada um me motivou a continuar a escrever quando as coisas iam mal. Obrigada pelas recomendações, por acompanharem e por lerem os capítulos imensamente demorados de NLTM.
Não me prolongarei nestas notas finais, mas qualquer erro, dúvida, toque, crítica, recomendação: cá estou.
Até o próximo!
o/



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