Lírios para Você escrita por Aluada


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

A história se passa em uma final alternativo, em que todos, desde Sirius Black, estão vivos -- com exceção, friso bem, de Nymphadora Tonks, mwahahahahahaahaha!

A inspiração desta fic se deu pelas muitas histórias contadas pela minha colega de idas e vindas da faculdade, a Sabrina. Ela não sabe que me deu a idéia, na verdade. Mas a homenagem está na protagonista.

Para deixar claro: o nome de Lílian Evans Potter originalmente é Lily -- lírio, em inglês.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/11183/chapter/1

            Encarou a grande construção de tijolos, suspirando, enquanto corria. Tinha perdido a hora, acordado tarde, engolido o café da manhã, nem penteado o cabelo; mas, até aí, tudo bem. Passar pela rua da Purges & Dowse Ltd. era tranqüilo para Sabrina — ali, ela era ninguém.  O grande problema, o que fazia suas bochechas incharem de vermelhas e os pingos de suor brotarem de suas mãos, era entrar.

            Não havia modo, no entanto, de evitar. Entrou.

            As dezenas de cabeças ambulantes, acompanhadas pelos corpos embrulhados sob vestes verde-limão, encararam-na. Imediatamente. Não tivesse encoberto a vista com a franja comprida, não teria chegado ao balcão de atendimento. Quase atropelou um paciente ou dois, mas não teve coragem de ultrapassar seu tímido “perdão”. Empurrou a entrada-permitida-somente-para-funcionários com a respiração presa ao limite.

            Logo saiu, disfarçada de Curandeira do Saint Mungus. Um olhar mais atento, contudo, encontraria, abaixo da cruz osso-e-varinha do jaleco, o bordado simbólico que indicava “trainee” em letras laranjas.

            — Bom dia, Sabrina!

            — E aí, Sá, beleza?

            — Tá indo pr’O Quarto, agora, Sabrina? — era o que ela mais ouvia durante a longa (ainda que breve) viagem de elevador.

            — U-hum — o qual, junto com um sorriso quieto, era o que ela mais respondia, momentos antes de descer no quarto andar.

            Prendeu o coque com os próprios fios loiros e ergueu o olhar, para manter firme sua caminhada. Apesar de jovem, Sabrina era bem antiga no hospital bruxo, conhecia-o com a palma de sua mão: afinal, estudava para efetivar-se Curandeira há dois anos, começando desde seu primeiro dia fora de Hogwarts. Aquele era seu último semestre como aprendiz, umas das poucas sobreviventes à rotina estressante de feitiços de mal-gosto e mordidas infecciosas. Sua braveza e dedicação durante todos os árduos meses de trabalho e estudo garantiram-lhe um prêmio. O maior do hospital. O mais cobiçado e invejado.

            O Quarto.

            Não era ela a atração de todos os olhares; era, sim, o lugar para onde se dirigia, como se por isso ela conhecesse mistérios e segredos, ou fosse capaz de desvendar todas as respostas do Universo. Mal poderiam invejá-la, no entanto, se soubessem da realidade da situação − quão estupidamente normal era cuidar d’O Quarto 413.

            É claro que, um dia, ela também achou o maior prestígio do mundo ser a responsável pela saúde dos dois bruxos mais poderosos da História da Magia. Mas, depois de algumas primeiras horas, percebeu que o cheiro da troca da fralda geriátrica de um bruxo poderoso era tão ruim quanto o de cidadão qualquer, sem qualquer essência mais sábia ou especial, e por isso resolver tratar dessa atividade com o mesmo esmero comum.

            Talvez estivesse ali residida a verdadeira sabedoria. Preparava-se para falar isso a seus filhos, se um dia chegasse a ter algum.

            Enquanto não os tinha, preocupava-se em abrir a porta do 413 com um sorriso aconchegante no rosto.

            — Bom dia!

            O quarto era longo, comprido, completamente amadeirado, claro somente por finas faixas de luz que escapavam de uma única janela arredondada. Espaçoso por apenas duas camas, de dois senhores (mestres) de idade.

           

            Tirou a varinha e a caderneta do bolso, e se dirigiu ao primeiro leito.

            — Bom dia, seu Dumbledore!

            — Bom dia, senhorita Hibisdius — a voz rouca de Albus Dumbledore, enrolado embaixo das cobertas de seu leito, atravessou-lhe a barba comprida — Como está bonita hoje. Uma beleza natural, eu diria.

            — ‘Que é isso, Dumbledore, acordei atrasada hoje, imagine só! Estou toda descabelada!

            — Foi dormir tarde, suponho.

            — Sim, estava sem sono, custei pra dormir. Espero que sua noite tenha sido melhor do que a minha. Como foi? — a varinha ajudava a medir a pressão e cumprir outros exames matinais.

            — Agradabilíssima, como sempre. A cozinha nos preparou ontem chocolate quente no jantar. Tenho que admitir que sou facilmente derrotado por leite quente. Ainda mais, depois deste problema sono súbito dos últimos dias, acredito queeee...

            O último embaralho da língua foi uma melodia de ninar. Dumbledore fechou os olhos, imediatamente. Adormeceu. Sabrina remexeu-o pelo ombro.

            — Ahn? O quê?

            — Ainda está pegando no sono, seu Dumbledore — a trainee sorriu, e anotou em seu papel.

            — Tive a ligeira impressão de que dormir a noite inteira me deixaria mais desperto hoje de manhã. Mas talvez o chocolate de ontem também tenha colaborado, não é verdade? Estava uma delícia! Não há nada que me dê mais sono do que leite quente, sem dúúúúúv...

            Sabrina deixou a pena escrevendo, em seu canto, e cutucou o paciente mais uma vez.

            — Vamos dobrar sua poção, certo, seu Dumbledore?

            — O que a senhorita achar melhor, por favor. Não que isto me incomode, claro que não, a mim me parece apenas efeito de leite quente para dormir, combinação exceleeeen...

            Ombro novamente.

            — Hein?

            — Suas defesas estão muito baixas, este é o efeito da praga. Tirei uma amostra do sangue do senhor e o único de leucócitos ainda está muito alto, apesar de controlado...

            — Sinta-se livre para tomar quaisquer providências, senhorita Hibisdius, por favor. Não gostaria de continuar as conseqüências do que me parece um gole infinito de leite com chocolate, bebida esta que, aliás, adoro, mas que me derruba com todas as foooor...

            Era isto: ou tornava a repetir os mesmos pensamentos, ou adormecia, inevitavelmente. Sabrina lutava já há uma semana, desde que ele chegara, contra os efeitos das combinações de feitiços que lhe tinham atingido na última batalha de Hogwarts. Os resultados vinham sendo desanimadores. Em parte, porque muitas das maldições eram desconhecidas. Em outra, por um fato incontornável: Dumbledore estava envelhecendo, adoecendo, enfrentando os resultados de tantos anos de sabedoria — em outras palavras, ficava gagá.

            Cutucou-o uma última vez, antes de virar-se.

            — Hum?

            — Ele — apontou para o outro leito — ainda está dormindo, você sabe, seu Dumbledore?

            — De modo algum. Já tivemos nossa discussão matinal.

Sabrina teve de forçar-se a manter os dentes expostos. Deu as costas e chegou ao outro lado do quarto. Segurou a intenção de respirar fundo e suspirar, tinha de manter a paciência em seu lugar. E o medo. Ela era a enfermeira, afinal de contas, e o próximo paciente não passava de apenas outro próximo paciente — apesar de há poucos dias atrás não ser menos do que um Lorde das Trevas, o Lorde das Trevas.

            — E como vamos, seu Riddle?

            Engoliu em seco, não teve jeito;.era todo o dia assim. Pelo menos não gaguejou.

            — Hunfgrunfargh — o resmungo mal-humorado foi abafado pelo peso das cobertas.

            — O que foi, seu Riddle? Acho que não entendi.

            Uma ligeira movimentação por debaixo, nada mais.

            — Aaaah, seu Riddle, já passou da hora de acordar há muito tempo, não é? — e puxou para o chão o esconderijo de tecido, impiedosa e corajosamente, para encontrar a figura aterrorizante do mais poderoso bruxo das trevas.

            Ou só se “aterrorizante” conseguisse ser um sinônimo para “patética”. Patética. Tom Riddle, ex-Lorde Voldemort, era uma figura mirrada e amarelada, careca, seca, um palito torto em uma inconsolável posição fetal, mergulhado em todo o espaço que sobrava entre suas vestes hospitalares. Pelos intervalos entre os gambitos dos dedos, seus olhos avermelhados tentavam induzir medo e respeito — sucesso atrapalhado pelas lacunas de dentes quebrados entre suas linhas de lábios.

            O medo fugiu, Sabrina não pôde deixar de rir. Era o que restava do grande Lorde das Trevas.

            — Muito melhor agora, não é, seu Riddle?

            Não – me chame – por esse – nome – sangue-ruim! — sibilou.

            — Você que não me chame de sangue-ruim, por favor — pegava de novo a varinha — Já conversamos sério sobre isso.

            — Você realmente não faz idéia do que posso fazer, não é mesmo, menina? Eu, que ultrapassei a morte, derrotei Albus Dumbledore, roubei a Varinha Anciã...

            — Escapou da morte por pouco, o senhor bem sabe, seu Riddle.

            Não ouse me chamar —

            E não derrotou o senhor Dumbledore, os dois caíram ao mesmo tempo.

            Meu nome —

            E a varinha no fim era de Draco Malfoy, o coitadinho nem —

            ... é Lorde Voldemort!

            Sabrina deu um berro, deixou a pena de escrita automática escorregar, derrubou a caderneta de anotações, tropeçou em um nó da própria perna. Voltou à altura da cama com a franja bagunçada sobre o olhar furioso.

            — Senhor Tom Riddle, ainda mais do que meu paciente, o senhor é detento da prisão Azkaban. Então, a menos que o senhor prefira os dementadores a mim para os cuidados de suas feridas pós-guerra, me respeite. Então? Estamos entendidos?

            Estou dando uma dura n’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, seus interiores vibraram, adoro meu trabalho!

            — A senhorita não estaria tão confiante assim se eu pudesse usar magia agora...

            — Felizmente as paredes do Saint Mungus são justas.

            — Quando eu sair daqui e matar aquele Potter asqueroso —

            — Diminua suas aspirações de sair daqui se o senhor pretende se manter vivo, seu Riddle, acredite em mim. Aqui é bem mais agradável do que o lugar que você irá quando estiver curado. Agora — empunhou novamente a varinha —, se o senhor puder me fazer a gentileza de se virar...

            — Para quê?

            — Tenho que lhe trocar.

            — Não vai trocar nada.

            — O senhor está sujo.

            — Você não vai tocar em mim com essas suas mãos sujas!

            — Não vou tocar, é só para agilizar o feitiço —

            Deixe essa fralda aí, sangue-ruim!

            — Ora, por favor!

            Com um giro da varinha, Voldemort teve as mãos atadas e as pernas abertas; enquanto uma fralda geriátrica usada deixava lugar a fagulhas douradas anti-assadura, outro pedaço de pano macio vinha voando, se dobrando no ar em triângulos de vértices estratégicos. Tom deixava seus mais de setenta anos de audácia para trás. Seu choro era o do menino do orfanato.

            — Essa tarefa já é desagradável o suficiente sem suas crises histéricas, senhor Riddle! Colabore!

            — Isto é humilhação! Humilhação, sangue-ruim! Jamais vou colaborar cok algo que me rebaixe a este nível!

            — Então, seu Riddle, para a alegria dos dois lados, pare de fazer cocô!

            Lorde Voldemort não faz isso!

            Sabrina deixou a varinha cair de novo.

            — O que aconteceu hoje, posso saber? Sei que o senhor é uma pessoa difícil, mas hoje está intragável!

            — Não ouse —

            — Será que eu poderia arriscar um palpite, senhorita Hibisdius?

            Dumbledore estava mais atento do que o esperado. Talvez não estivesse tão envelhecido, assim.

            — Claro, seu Dumbledore, qualquer coisa pra me ajudar a trabalhar!

            — Creio que o problema do nosso colega Tom não esteja relacionado à senhorita. Acontece que hoje é domingo.

            — Domingo..?

— Dia de visita no quarto andar.

            Voldemort pareceu morder a língua ofídia. Manteve-se a estreitar o olhar.

            — Há! Albus, sempre se metendo onde não é chamado. Ainda acha que meu problema é amor, é?

            — Certamente você tem muita a resolver neste quesito, Tom. Como agora, por exemplo. Está morrendo de medo que ninguém venha lhe ver.

            — Absurdo!

            — Mesmo?

            — Absurdo dos absurdos! Eu, Lorde Voldemort, com medo de ficar sozinho? Não tive medo de morrer, Dumbledore, e não tive medo de matar. Não posso ter medo de nada!

            — Já lhe disse várias vezes, Tom, que há coisas piores do que a morte...

            — Aqui talvez seja pior, então — e riu, uma risada que irritou Sabrina ao fundo, mas que ainda assim a enfermeira fez questão de ignorar. Só por causa de sua nuca.

            Ficou arrepiada.

            — Ficar aqui definhando, esperando pela prisão, solitariamente. Ah, sim.

            — Você diz essas coisas com um nariz empinado de quem está rodeado de pessoas. Mas você não tem ninguém, Dumbledore, não se esqueça disso. Ninguém! Sua família está morta, Grindewald está morto, o mundo bruxo lhe virou as costas e lhe deixou só, covarde, quando você teve que me enfrentar!

            — Ainda assim, você sabe que terei mais visitas do que você, hoje. Por isso, está com medo.

            — Eu tenho meus fiéis Comensais da Morte! Nenhum deles ousará deixar seu mestre doente em um leito de hospital. E você, quem acha que vai ver?

            — Ah, apenas os que se importam de verdade comigo — e juntou os dedos das mãos em uma brincadeira divertida, zombeteira. Depois, sob o silêncio da falta de argumentos de Voldemort, Dumbledore permitiu-se dormir de adoecido.

            Sabrina conteve uma risada de vitória. Depois, sua expressão foi de susto ao constatar a hora. Juntou os instrumentos hospitalares e, com promessas de retorno, deixou O Quarto. Tinha muitos outros pacientes para acompanhar ao longo do dia, é claro, mas no fim da tarde seria deles novamente. E, enquanto viajava para cima e para baixo no elevador do Saint Mungus, abriu os olhos e os ouvidos para saber de todas as visitas do 413.

            A primeira foi logo depois do almoço. Harry Potter recebera permissão do responsável pelo 427 para meia hora de conversa com Dumbledore, e para isso levou suas próprias companhias, Ron, Hermione e Ginny, todos fisicamente saudáveis e traumatizados de guerra, todos muito bem munidos de caixas de doces da lanchonete não-autorizadas. Os cinco se divertiram entre intervalos de cochilos de Dumbledore e encontros com feijõezinhos infelizes. A cada risada, Riddle enfiava um pedacinho a mais do travesseiro no ouvido.

            Às duas horas, foi a vez do restante da família Weasley, ruiva e completa, desde sua parte mais distante, com Carlinhos, e a naturalizada, com Fleur Delacour. Não passaram junto ao leito mais do que dez minutos: Fred e George puseram fogo nos lençóis de Voldemort, queimando o pouco do que podia ser chamado de “orelhas”. Foram expulsos.

            Meia hora depois, Arthur vingou a família — despida dos gêmeos — com a presença do Ministro da Magia. Dumbledore, o visitado mais uma vez, foi presenteado com dúzias de flores silvestres e exemplares de jornais bruxos que exaltavam os últimos acontecimentos. Não que ele tivesse sido capaz de ler além da manchete, é claro. Seus olhos ficaram surpreendentemente mais pesados durante as palavras calorosas do Ministro pomposo.

            A quarta entupiu O Quarto: McGonagall trouxe a seu encalce Flitwick, Madame Hooch, Binns, Madame Pomfrey, Sibila, Slughorn, e mais alguns elfos domésticos insistentes. Somente Hagrid, com seus lenços e olhos marejados, ocupavam mais de três quartos do local. As mensagens de melhoras ficaram depois piscando, cintilando e estourando em pequenas explosões por mais um par de horas, irritantes e invejosas para Voldemort.

            Sirius e Remus foram os últimos, próximos ao pôr-do-sol. Nos braços do segundo, o pequeno Lupin acompanhava o ritmo da respiração sonolenta de Albus. Não quiseram se deter muito, julgaram-se empecilhos quando Sabrina voltara para os exames da noite. Deixaram com Dumbledore o espelho do bar do irmão, com intimações de que fosse usado quando necessário, sem restrições.

            Depois da ida da quinta caravana, Voldemort era outra pessoa. Tratou Sabrina como se ela fosse o próprio Lorde — Madame — das Trevas.

            — Senhorita Hibisdius, você não sabe das minhas visitas? — perguntou, enquanto aceitava a limpeza embaraçosa contra assaduras.

            — Quem, seu Riddle?

            — Bellatrix Lestrange, por exemplo.

            — Ela... hum, bem, já está em Azkaban.

            — Ah, entendo — suspirou —. Pelo menos, é um motivo justificável...

            — Eu-eu ouvi boatos de que ela pediu para ficar lá, para ficar perto do marido.

            — Como – como assim?! Eu sou o mestre dela, como ela prefere – como ela poderia — ?!

            — Sinto muito, seu Riddle — achou melhor consertar antes que as coisas se instabilizassem de novo.

— E Lucius Malfoy? Narcissa? Sabe alguma coisa deles?

            — Levaram o filho para um tratamento na França. Estão tentando provar para o Ministério que...

            — Que o quê, menina?

            — ... que nunca foram Comensais, seu Riddle.

            — Não pode ser! Ingratos, imprestáveis, traidores, amigos de sangue-ruins...

            — Senhor Riddle, por favor, olhe o que fala!

            — Eu não preciso deles — ignorou-a momentaneamente — Quem mais ainda está livre? Crabbe? Goyle?

            — O Saint Mungus está tendo problemas nos tribunais com eles. Estamos tentando provar que eles não perderam sanidade mental.

            — E Pettigrew? Peter Pettigrew? Ele não poderia —

            — Estamos tratando dele no primeiro andar, porque... bem, porque não há nada que o faça vir ao quarto. Diria que ele está um pouco... apavorado.

            — Com medo de chegar perto de mim... que ele morra feito o rato que é — estreitou os olhos em sinal de perigo, como antes — E os outros? Mulciber?

            — Está em tribunal.

            — Avery?

            — Tribunal.

            — Rookwood?

            — Tribunal?

            — Yaxley?

            — Tribunal.

            — Todos testemunhando a favor..?

            Contra, na verdade, seu Riddle. Contra os outros Comensais.

            Ele parou de respirar.

            — Ninguém..? Será que não poderia ter me restado ninguém..?

            Se seu orgulho permitisse, teria deixado as lágrimas engolidas explodirem. Mas não, certamente que não — isto era amor, e Lorde Voldemort jamais poderia sofrer por causa dele, fosse por sua presença, ou por sua forte ausência de agora. Limitou-se a bufar, fazer-se de mau. Malvadão. Como se ainda pusesse intimidar alguém, mesmo aquela menina que o chamava por seu nome trouxa comum. Não percebeu, mas seu corpo denunciou sua tristeza com o rolo de proteção que fizera, com sua posição encolhida sob os lençóis.

            — Desprezíveis — dizer isto era o seu mostrar de suas importâncias.

            Sabrina já tinha acabado, mas preferiu ficar uns momentos a mais, como se se fizesse de visita. Não era gosto; era piedade. Não recebeu o devido título, obviamente. Teve de quebrar a tensão com a notícia escondida:

            — Na realidade, seu Riddle, ainda há um visitante. Ele está subindo.

            — É de Dumbledore, o bruxinho do amor, não sabe? — e virou-se na cama.

            — Talvez não seja.

            — Como “talvez”?

            — Não sei pra quem é.

            — Como não sabe?!

            — Quem vem, senhorita Hibisdius? — Dumbledore trouxe a gentileza de volta.

            — É... Severus Snape.

            — EU SABIA!

            Voldemort saltou da cama, Sabrina foi junto — suas colunas ficaram doendo por muito tempo depois disso. Albus manteve-se resoluto.

            — Está confiante, Tom.

            — Certamente, certamente! Lorde Voldemort estará reunido a seu mais fiel seguidor, finalmente!

            — E será que Lorde Voldemort se lembra da verdade? — girou os dedos — Você se lembra, Tom, do que Harry lhe disse em Hogwarts, minutos antes de você desmaiar?

            — Mentiras e balelas ensaiadas por você, Dumbledore.

            — Severus nunca foi seu homem, Tom.

            — Calúnia!

            — De maneira alguma.

            — Ele te investigou para mim durante anos!

            — A verdade é o contrário. Você foi o investigado.

            — Eu lhe dei ordens para que você pensasse que ele estivesse do seu lado, tolo!

            — Escute-me para sofrer menos.Você o perdeu quando matou Lily Potter, Tom.

            — Eu o fiz enxergar a libido por trás do que ele pensava ser amor. Ele sempre confiou em mim!

            — Jamais.

            — Sempre!

            — Jamais.

            — SEMPRE!

            — Jaaaa...

            Pegou no sono, interrompendo o infinito da questão. Sabrina cutucou-o e levantou-se.

            — Perguntem a ele próprio. Ele deve estar subindo, agora.

            E conjurou uma cadeira para se ficar a um canto do quarto, mais afastado. Não o deixaria, é claro que não; sabia desfrutar das recompensas de cuidar d’O Quarto, quando elas existiam, e esta era uma dessas: saberia da fofoca antes mesmo de ela ser distorcida pela fofoca.

            Não esperou por muito tempo, pois não estava enganada: foram poucos minutos até que a discussão fosse cortada, Snape chegasse ao quarto andar, alcançasse a porta do 413 e entrasse, por fim.

            Entrou com presença.

            Deu valor ao suspense. Manteve-se estático à soleira da porta tempo suficiente de sentir-se enjoado de ouvir a respiração pesada, e nada mais, dos ocupantes dos leitos. Sua expressão estava intacta. Suas cores eram inexpressíveis, rotineiras, as mesmas vestes pretas, porém interrompidas por um borrão de cor inesperada: um buquê de flores coloridos, uma mescla de laranja e amarelo, um calor que destoava da madeira hospitalar, ou do clima da conversa, ou do pálido dos poros de seu nariz. A força de sua discrição de todo-dia perdia-se nas cores quentes; e, quando se cansou de ser o centro do universo, tirou a atenção do inusitado e marcou-a no sem-graça, sua voz:

            — Boa noite.

            Tom Riddle tinha a respiração presa, quase como se fosse para somente ouvir o farfalhar da flora de presente. De presente para ele?

            A direção delas, contudo, foi a do leito inimigo.

            — Boa noite, Albus.

            — Boa noite, Severus.

            — Estou com pressa, peço desculpas por não poder ficar mais. Só vim entregar as flores.

            — Fique à vontade, por favor.

            — Obrigado — e, para o disparar do coração solitário, Snape virou-se e andou um pouco mais, até alcançar a segunda cama do quarto.

            Voldemort não queria mais se conter.

            — Severus... meu servo mais leal...

            — Milorde — cumprimentou-o com um abaixar de cabeça.

            — Eu sabia... sabia que você viria... sabia que não deixaria seu senhor... sabia que não me deixaria definhar só...

            — Certamente não poderia de aproveitar a oportunidade de vê-lo. Certamente — abaixou novamente a cabeça — não poderia deixar que você sofresse e passasse seus últimos momentos de forma tão solitária.

            — Eu sabia... tão leal...

            Severus conjurou um vaso alongado e transparente, encheu-o de água do ar e pousou nela os cabos das muitas flores. Tudo muito calma e pacientemente, sob uma tranqüilidade letal.

            — Estes lírios são para você, Tom Riddle.

            — Tom Riddle — ?

            — Para que você não sofra sozinho. Para que você esteja sempre acompanhado por uma lembrança – seja sempre atormentado por ela – pela lembrança da promessa que você me fez e que nunca cumpriu.

            — Você

            — Você não merece a solidão. Merece o pior. Espero que sofra bem.

            Snape afastou-se da cama, dos olhos vermelhos furiosos.

            — Agora, se me dá licença — acenou, pela última vez, com a testa —... Tom.

            Deixou O Quarto.

            Sabrina viu Voldemort gritar de ódio, tentar em vão derrubar o vaso fixo — eternamente — ao chão, e depois, sem escolha, desprender sua ira velha e incontida dentro da fralda.            


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!