Mercy escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 6
Capítulo 5




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          O arquivo central do Departamento de Aplicação das Leis da Magia não parecia tão imponente quanto Hermione esperava. Parada do lado de fora de uma porta de madeira com uma coruja entalhada em alto relevo, a bruxa encarou a escultura por alguns momentos, achando adequada a escolha do animal. Tirando um pequeno papel dobrado de um dos bolsos das suas vestes, a garota entoou sem titubear:
          - Verba volant, scripta manet.
          O animal entalhado de repente abriu os olhos, piando relativamente alto e quase assustando a garota. Hermione chegou a olhar para os lados procurando por alguém que pudesse implicar com a sua presença ali, mas ninguém apareceu. Ela tinha, afinal, a permissão de Caroline Levett para acessar os arquivos e não tinha por que estar nervosa.
          A não ser... A não ser a certeza de que ela estava somente passos distante de uma explicação.
          A porta de madeira que até então estivera bloqueando seu caminho deslizou suavemente para o lado, permitindo que a garota adentrasse um cômodo absolutamente escuro e sem qualquer luz. Guardando o papel de volta no bolso, a jovem bruxa aproveitou o momento para tirar a varinha para fora a fim de murmurar um encantamento para acender a luz, mas não foi necessário.
          Junto com o fechamento da porta atrás de si, milhares de pequenos focos de claridade se iluminaram por todo o cômodo, permitindo à funcionária do Ministério a primeira boa vista de dentro do arquivo.
          Ele era imenso.
          Corredores e mais corredores de altíssimas estantes estavam à sua frente, parecendo não acabar nunca; apenas com a ajuda da iluminação suspensa do arquivo é que Hermione conseguia divisar um fim para aquele lugar. A jovem bruxa quase se deu um tapa na testa: mágica. Era óbvio que não havia necessidade de criar um imenso portal quando se podia aumentar o tamanho dos lugares por dentro, exatamente como ela havia visto na Copa de Quadribol ou como ela fizera com a sua bolsa ao fugir com Harry e Ron em busca das horcruxes.
          De repente, um barulho que a funcionária do Ministério não soube identificar veio de cima, muito parecido com o ruído que os grandes holofotes que iluminavam estádios e quadras esportivas costumavam fazer ao serem ligados. Hermione ergueu a cabeça e notou, com espanto, que uma letra "A" gigante pairava no ar, seus contornos vermelhos e brilhantes sinalizando o corredor logo abaixo dela. Em seguida, outras letras foram aparecendo no ar, sempre sobre as fileiras de arquivos, indicando o modo como estavam guardados todos os documentos ali dentro.
          Sorrindo para si mesma, a bruxa aprovou o sistema de organização local com um aceno de cabeça e acendeu a luz da sua varinha de qualquer maneira, encaminhando-se para a primeira fileira que estava sob uma das letras "M". Prosseguindo com paciência pela ordem alfabética, não demorou muito até Hermione encontrar uma caixa de papelão comum em uma das estantes, afortunadamente em uma das prateleiras mais baixas, exibindo o nome "Malfoy" em letras pretas e simples na frente.
          Colocando a varinha no bolso e usando as duas mãos para tirar a caixa do seu lugar, a bruxa decidiu verificar o conteúdo da mesma logo ali. Dentro da caixa, apenas três pastas distintas existiam, cada uma com um nome diferente na frente: Draco, M., Lucius, M. e Narcissa, M.
          A jovem bruxa notou que suas mãos estavam quase tremendo conforme ela puxou a pasta cor de areia que continha o nome do bruxo que lhe havia deixado intrigada; a razão da caixa não conter nenhum outro antepassado da família puro-sangue ali deveria se dar simplesmente pelo fato de que ninguém teria se importado em processar um Malfoy por qualquer coisa antes da queda definitiva de Voldemort, afinal, dinheiro e status nunca havia faltado àquela família.
          Exceto nos últimos anos.
          A bruxa abriu a pasta, contendo a própria respiração. Uma foto, provavelmente recente e também mantida sempre atualizada com a ajuda de magia, mostrava Lucius de frente, sua face com aquele olhar arrogante e superior que ela havia acostumado a ver no seu rosto; não se parecia muito com o bruxo que ela havia encontrado por acidente durante o baile. Pulando as qualificações objetivas do mago que ela já havia visto antes nas certidões com as quais estivera trabalhando, Hermione foi direto ao espaço reservado para aplicação e cumprimento de pena.
          Várias multas por suas condenações por propina e suborno estavam ali, mas não havia nada de diferente ou fora do comum exceto por uma única pena que Hermione nunca havia visto antes; ali, logo depois de todas as multas aplicadas ao patrimônio imensurável dos Malfoy, estavam os dizeres "Nullificare - 3 anos. Efeitos vigentes de 1998 a 2001."
          A bruxa franziu o cenho, colocando os documentos de Lucius Malfoy de lado e puxando os pertencentes a Draco e Narcissa, mas encontrou os mesmos dados em ambos. Nullificare? Aparentemente, parecia algo que produzia efeitos no tempo e podia ser prolongado por um prazo determinado, mas isso não significava muita coisa.
          Suspirando, a funcionária do Ministério devolveu os arquivos de mãe e filho para dentro da caixa, dando uma última olhada nas informações concernentes ao patriarca da família antes de fechar a pasta novamente; não havia mais nada ali que ela poderia aproveitar. Hermione usou a varinha para colocar a caixa de volta no seu lugar na estante, tirando um outro papel de dentro das vestes para procurar, agora, os nomes daqueles de quem ela oficialmente viera atrás.

          - Caroline?
          - Sim, querida? - a advogada ergueu a cabeça e parou de revisar as anotações que havia feito para um caso antigo que havia sido reaberto e para o qual Hermione havia sido escalada para ajudá-la na pesquisa - Encontrou alguma coisa a respeito daquela suposta legítima defesa do caso Kelver?
          - Ah, não. Não ainda, Caroline. - a bruxa sorriu, sentindo suas bochechas esquentarem; ela já deveria ter encontrado isso, não fosse estivesse sua curiosidade perturbando sua concentração no trabalho - Eu queria fazer uma pergunta, apenas.
          - Claro, claro. Se eu puder responder... - a mulher mais velha replicou com um meio sorriso, também colocando de lado a sua pena e tinteiro para espreguiçar-se devagar na cadeira, conjurando logo em seguida uma jarra de suco de abóbora gelado.
          - Eu estive olhando as punições aplicadas a alguns de nossos casos e encontrei uma que nunca havia visto antes. Sabe alguma coisa sobre a Nullificare?
          - Ah! Entendo a sua dúvida. - a advogada balançou a cabeça positivamente, agitando a varinha e fazendo com que um pesado tomo viesse valsando até sua mesa. Ela sinalizou para que Hermione esperasse alguns momentos enquanto ela procurava por alguma coisa no livro que, de onde a assistente se encontrava, parecia uma cópia dos anais das decisões proferidas pelo Wizengamot no decorrer dos últimos... Séculos.
          - Encontrei. Aqui, vejamos... Agosto de 1998: "O Wizengamot, em sessão ordinária, decidiu, por 47 votos a 3, condenar Dorian Rice a 1 ano e 7 meses sob os efeitos da Nullificare, a contar da data desta sentença. O Wizengamot, no uso das suas atribuições, aplica hoje pela primeira vez o encantamento concebido para bloquear os poderes mágicos de todos aqueles que, na sua condição de puro-sangue, participaram, incentivaram ou apoiaram a causa d'Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado durante a guerra, acreditando erroneamente em uma superioridade das suas linhas sangüíneas. O encantamento será revertido no prazo exato determinado pelo Presidente do Wizengamot nesta sentença, podendo ser renovado caso seja constatada uma tendência à reincidência em condutas preconceituosas. Cumpra-se e publique-se. Londres, 23 de agosto de 1998."
          A jovem bruxa sentiu o silêncio da sala ficar pesado quando Caroline terminou sua leitura e fechou o livro, mandando-o de volta para uma das suas estantes com a ajuda de magia. Piscando os olhos várias vezes, Hermione teve dificuldade de recuperar o foco e encarar sua chefe novamente.
          - A Nullificare não é algo muito divulgado, Hermione. Foi um encantamento criado especialmente por encomenda do Ministério da Magia, visando punir e ensinar todos aqueles que, arrogantemente, pensaram ser superiores a bruxos nascidos trouxas ou então com somente um dos pais bruxos. Apenas o presidente do Wizengamot pode aplicá-lo sobre o condenado, sendo que ele obrigatoriamente tem um prazo de validade, digamos.
          - Quando os poderes mágicos dessa pessoa retornam. - completou Hermione.
          - Exato. - Caroline balançou a cabeça rapidamente, aproveitando para soltar os cabelos que estavam amarrados em um coque há um bom tempo - É um encantamento poderoso, afetando quase toda a vida cotidiana de um bruxo. Ele não pode lançar feitiços, produzir poções, montar uma vassoura direito ou até mesmo usar as redes de flu como antes; ele é praticamente...
          - Equiparado a um trouxa. A alguém sem magia, suas principais vítimas durante a guerra. - a bruxa mais nova completou de novo, assombro ainda evidente no seu rosto - Por Merlin... É um encantamento muito poderoso, de fato.
          - Sim... Concordo. Por isso o Wizengamot tende a aplicá-lo somente naqueles que tiveram exibições públicas de comportamento inadequado. Os resultados práticos foram muito bons; eu pelo menos não atuei em nenhuma audiência onde tivéssemos um caso de reincidência.
          - E esses condenados... Foram excluídos da sociedade bruxa, por algum motivo? Ou apenas seus poderes mágicos são supridos?
          - Não, de forma alguma. - a advogada sacudiu a cabeça negativamente - Pelo contrário: o convívio entre nós é estimulado, até mesmo como forma de uma repreensão mais eficaz. Afinal, somente nós temos conhecimento das verdadeiras atrocidades cometidas por Você-Sabe-Quem e seus seguidores... Mas muitos dos condenados pela Nullificare acabaram abandonando o nosso meio para viverem entre trouxas enquanto a sua pena estava sendo cumprida.
          - Faz sentido. Menos discriminação e desconforto.
          - Com certeza. Mas sabe, querida... Você ficaria surpresa de saber o quanto esses bruxos mudaram ao retornarem para nós. Muitos deles não se parecem em nada com o quê eram antes, depois de terem sido obrigados a compreender o ponto de vista dos trouxas sobre a vida, assim como suas qualidades e pontos fortes.
          Um pequeno sorriso dominou o rosto de Hermione; ela poderia dizer que concordava com tudo aquilo em primeira mão.

          O barulho de fundo na pequena cantina italiana em que dois dos heróis da Segunda Guerra contra Voldemort jantavam era composto apenas de talheres tilintando, música típica e conversas amigáveis, quebradas ocasionalmente por risadas mais exaltadas de um ou outro cliente que já havia bebido mais vinho do que o recomendável.
          - Harry, eu conheço você há anos. Eu sei que foi Ron que mandou você até aqui hoje. - Hermione replicou sem olhar nos olhos do amigo, cortando um dos seus cannellones recheados com mussarela de búfala, tomate seco e noz moscada.
          - Mione... - o garoto suspirou, frustrado, fazendo a sua franja castanha subir um pouco e exibir a famosa cicatriz que, felizmente, não doía nem incomodava o garoto mais famoso de todo o mundo bruxo há alguns anos - Eu não acho que seja minha função interferir no relacionamento de vocês dois, mas Ron é meu amigo. Você é minha amiga... E é terrível ver vocês dois assim, brigados.
          - Agora você sabe como eu me senti no quarto ano em Hogwarts. - a bruxa falou baixo por entre dentes cerrados, fazendo uma pausa para arrumar o guardanapo sobre o seu colo e tomar um gole do vinho tinto que acompanhava seu prato.
          - Eu... Bem, não posso negar que sei. Mas éramos crianças naquela época! Quantos anos vocês têm agora? - Harry argumentou, levando à boca uma generosa porção de uma lasanha vegetariana. A obsessão que Ginny havia desenvolvido nos últimos meses com uma dieta saudável para ficar em forma perfeita para as seleções dos Holyhead Harpies havia contagiado o namorado, aparentemente. Hermione notou que os robes que ele normalmente usava nas aulas para aurores novatos junto de Ron estavam um pouco folgados.
          - Harry, eu tenho 24 anos, mas não posso responder pela idade mental do Ronald. - a garota replicou, fechando o semblante; o bruxo reconheceu a utilização do nome completo do amigo como um mau sinal - Ele contou o quê aconteceu naquela noite do baile? Antes de chegarmos à mansão?
          - Não... - de repente, a fúria contida da amiga era tão evidente que o garoto-herói sentiu um medo sincero da melhor e mais talentosa estudante que cursara Hogwarts em muitos anos.
          - Ele não me deixou aparatar no baile, Harry. Disse que ele que tinha que fazer isso, porque era o homem da relação. O fato de eu estar acostumada a aparatar com coordenadas devido ao meu trabalho no Ministério nem sequer entrou na lista de possíveis argumentos contra a idéia dele.
          O garoto de cabelos castanhos sempre revoltos engoliu em seco. Realmente, Ron nunca havia primado pela cortesia e pelo bom senso em alguns momentos.
          - E quando chegamos lá, milagrosamente sem perder nenhum pedaço do corpo pelo caminho... Ronald foi correndo em direção às bebidas. Bebidas! Ele me deixou lá, plantada e sozinha no topo dos meus saltos, sabendo que eu não consigo andar rápido quando estou com aquelas... Coisas. E quando eu entro na casa, o quê eu descubro? Que estávamos na mansão dos Malfoy.
          Nessa altura do campeonato, ambos estavam corados: Hermione devido ao calor da conversa e da velocidade com a qual expunha seus argumentos; Harry por começar a se arrepender de ter aceitado defender o amigo de alguém que obviamente estava muito bem preparada para rebater qualquer argumento.
          - Eu fui torturada ali, Harry. Bellatrix fez questão de ouvir meus gritos por muitas vezes e eu não conseguia ficar ali dentro. Quando eu finalmente consigo respirar ar fresco e distrair a minha memória daquele dia horrível durante a guerra, Ronald chega bêbado e possessivo como um ogro?
          Tomando um gole da sua taça de vinho, o jovem auror notou que vários dos olhares das mesas ao redor deles estavam ávidos pelo lance seguinte na conversa que os dois amigos mantinham; Hermione havia subido o tom da sua voz mais do que qualquer um deles havia notado. Respirando fundo e ajeitando o guardanapo sobre a sua roupa, Harry encarou os olhos da amiga.
          - Mione... Eu concordo que Ron tem dezenas de defeitos e ele ainda insiste em enxergar algumas coisas como... Foi educado.
          - Nomeadamente no que diz respeito ao tratamento de mulheres. - emendou a bruxa, cruzando os braços e mantendo os lábios numa linha fina.
          - Isso. - o outro correu a concordar - Mas... Hermione, uma coisa não dá para negar: você estava com Malfoy na sacada, e muito perto dele.
          Um minuto de silêncio pesado transcorreu entre a dupla.
          - Harry... Eu acho que você não está insinuando o que eu estou pensando, mas, para o seu governo, fique sabendo que Malfoy mudou. As pessoas têm a capacidade de mudar para melhor, Harry, mas aparentemente o seu melhor amigo não tem!
          Irritada, Hermione jogou o guardanapo que estivera até então sobre o seu colo sobre a mesa, empurrando a cadeira para trás e saindo rápido do restaurante depois de agarrar a sua bolsa. Sem ação, o garoto-herói permaneceu sentado na mesa, observando sua lasanha pela metade com um olhar desfocado e sem saber como iria fazer para dar as notícias daquele jantar para Ron.
          Preocupado com o amigo, Harry não notou que ele era observado com uma curiosidade maior por um dos freqüentadores da cantina que estava mais ao canto, sua comida fria e abandonada desde que a conversa entre os dois heróis de guerra havia começado: Draco Malfoy.



Continua...


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Notas finais do capítulo

A frase em latim dita pela Hermione como senha para entrar no arquivo é um brocardo latino muito usado no Direito, sendo que sua tradução é algo como "a palavra falada voa/se perde, mas a escrita permanece".



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