Mercy escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 1
Prólogo




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          As cores vibrantes do sol morriam no horizonte, lentamente se escondendo atrás das montanhas enquanto o escuro da noite ganhava mais espaço no céu. A jovem bruxa parou por um momento, observando a lenta transformação do laranja flamejante até o azul meia-noite, deixando um suspiro curto escapar dos seus lábios enquanto ela erguia suas vestes com as umas mãos e continuava a andar.
          Empurrando as grades de metal enferrujadas que conhecia de anos anteriores, a jovem reprimiu um arrepio quando o som assustador daquele portão rangendo chegou aos seus ouvidos, parecendo ecoar por toda a vizinhança naquele final de tarde. Sua caminhada era abafada pela grama enquanto ela rapidamente se dirigia a um dos túmulos em particular daquele cemitério, silencioso e deserto como sempre estivera nos últimos cinco anos que ela o visitara.
          A experiência com a geografia local a levou com o menor número de passos possíveis até uma lápide padrão, parecida com todas as outras que a rodeavam. Soltando suas vestes cinzas, a bruxa se ajoelhou sobre a grama seca e retirou a sua varinha de um dos bolsos do seus robes, sacudindo-a na direção da lápide com um murmúrio em latim que logo clareou as palavras gravadas na pedra, trazendo lágrimas solitárias aos olhos da garota:

A verdadeira força nasce do silêncio profundo dos corações que sofrem, não em meio à alegria; que seu sacrifício seja para sempre lembrado.

Severus Snape
1958 - 1998

          Um sorriso melancólico tocou os lábios da jovem bruxa quando ela conjurou pedaços de pano, produtos químicos, ferramentas e um lindo buquê de flores do ar. Movimentando-se para a frente com os joelhos, ela começou a limpar com cuidado a lápide daquele que fora para muitos o eterno professor de Poções em Hogwarts; aquele que habitara as masmorras do castelo e os pesadelos dos alunos antes dos exames; aquele que só havia conhecido rejeição e desconfiança em vida.
          Ela nunca deixava de visitar aquele túmulo regularmente, sempre escolhendo o aniversário de morte de Snape para arrumar, limpar e enfeitar a sua lápide, sempre com a viva memória do homem de profundos olhos negros na sua mente. Seus dedos finos esfregavam um dos pedaços de pano com vigor contra a pedra cinzenta, aos poucos retornando à sua cor branca original. Quando ela havia terminado com a lápide, o céu já estava coberto de estrelas e ela se viu forçada a apanhar sua varinha e, mais uma vez se utilizando de mágica, acender a ponta da mesma enquanto ela terminava sua rotina anual.
          A luminosidade fornecida pelo encanto era suficiente para que ela deixasse o material de limpeza de lado e, ignorando a dor que havia se apossado dos músculos dos seus braços depois do esforço contínuo, podasse rapidamente a grama que não parecia parar de crescer ao lado do túmulo. Era uma tarefa infinitamente mais fácil e teria sido resolvida em segundos bem como a limpeza da lápide se ela recorresse à magia, mas ela sentia que isso não era certo.
          Severus Snape merecia todo e qualquer esforço dela; ele merecia todo o respeito que lhe faltara em vida. Um segundo sorriso, mais prolongado porém igualmente triste retornou ao rosto da moça quando a mesma se lembrou da sepultura que Harry havia cavado sem ajuda de mágica para Dobby, o elfo doméstico. Aquela atitude havia servido de inspiração para a bruxa, que colocou de lado as ferramentas para desatar o nó do ramalhete que tinha em mãos agora.
          Devagar e no escuro a não ser pela luz da sua varinha, a jovem distribuiu as flores sobre o túmulo; eram lírios brancos, o mesmo tipo que ela sempre trazia todos os anos e que arrumava com graça sobre leito de descanso eterno do mestre de Poções.
          Satisfeita com o seu trabalho, a bruxa se virou apenas o suficiente para apanhar a sua varinha com os dedos da mão direita, notando com um suspiro as manchas de sujeira que estavam espalhadas na sua pele e, certamente, pelas suas vestes. Empurrando o pensamento mesquinho e insignificante para longe, ela então lançou um encantamento para a lápide vizinha que ficou magicamente limpa e reluzente como a de Snape. Os nomes de Lily e James Potter brilhavam sob o foco de luz que ainda era mantido pelo seu simples feitiço de antes.
          Mais um aceno e todos os instrumentos que ela havia usado durante aquela tarde para cuidar do túmulo do professor haviam desaparecido, e ela finalmente apagou a luz que havia criado sussurrando um quieto nox. Sua visão lentamente se acostumou ao cenário, a bruxa conseguindo distinguir os contornos das lápides de Snape e Lily Potter minutos depois. Elas eram as únicas que pareciam brilhar mesmo no escuro, e aquele gesto trouxe o primeiro sorriso sem qualquer carga de melancolia ao sério rosto da jovem.
          Pelo menos agora eles tinham todo o tempo para ficarem juntos novamente... Era claro que havia James também, mas ela tinha certeza de que Snape gostaria de saber que fora enterrado justamente ao lado da mulher que ele amara por toda a sua vida; a mulher cujo filho ele dera a própria vida para salvar.
          Absorta nos seus pensamentos, a garota não percebeu que outra figura se aproximava, seus passos também abafados pela grama que cobria o terreno. A segunda pessoa, no entanto, tinha plena consciência da forma da bruxa ajoelhada em frente ao túmulo que ele também havia planejado visitar.
          Foi o som de uma única folha seca se quebrando que despertou a garota dos seus devaneios, seus movimentos treinados pela guerra de cinco anos antes fazendo com que ela inconscientemente já estivesse em posição para a batalha, mesmo ajoelhada no chão. Sem conseguir enxergar mais daquele vulto misterioso que estava parado tão próximo, ela se levantou com um movimento fluido e apontou a sua varinha para cima, murmurando um encantamento que acendeu pequenas luzes em toda a volta do cemitério.
          A iluminação providenciada permitiu que ela reconhecesse a outra pessoa, dando dois passos para trás enquanto seus lábios se partiam para deixar um pequeno grito de surpresa e incredulidade sair:
          - Malfoy!
          O alto bruxo apenas ergueu uma sobrancelha, assumindo a expressão arrogante e superior que ela havia acostumado a ver no rosto elegante e aristocrático de Lucius Malfoy. Em silêncio, ele apenas inclinou a cabeça em o que havia se assemelhado a um curto cumprimento, mas a jovem não acreditou. Aquele era Lucius Malfoy, alguém que simplesmente ignorava a existência de pessoas como ela.
          - Senhorita Granger.
          A voz do patriarca dos Malfoy saiu neutra, sem a nota distinta de desdém que ela normalmente ligava à sua pessoa. Ainda surpresa, Hermione deu mais alguns passos para trás quando viu que Lucius havia decidido se aproximar ainda mais da lápide, sua figura imponente em vestes vermelho-escuro ligeiramente inclinada para a frente enquanto ele movia em silêncio os lábios, os olhos fechados.
          Hermione não conseguiu identificar o quê o outro sussurrava ou por que ele ainda não havia revelado sua varinha e utilizado uma maldição qualquer sobre ela. Seus olhos castanhos haviam acabado de se fixar no epitáfio que ela havia escolhido para Snape quando ela se lembrou com amargor que embora muitos celebrassem a coragem do antigo professor, poucos estiveram honestamente dispostos a cuidar do seu enterro na ocasião da guerra ou tomar qualquer providência do tipo nos anos seguintes.
          Um arrepio percorreu o corpo da jovem bruxa e ela percebeu, erguendo a cabeça, que estava sendo examinada pelo olhar penetrante das íris quase prateados de Malfoy. Desconfortável e arrumando as suas vestes enquanto o outro se mantinha em silêncio, ela só voltou a encarar o único outro visitante que ela encontrou naquele lugar quando sua voz controlada e calma ecoou no cemitério:
          - Estou correto ao assumir que a escolha do epitáfio bem como a localização do túmulo são obra sua, senhorita Granger?
          Hermione mordeu o lábio inferior, seus olhos brilhando com determinação enquanto ela cruzava os braços na frente dos seus robes cinza do Ministério da Magia.
          - Sim, senhor Malfoy. Eu me encarreguei de tudo.
          A bruxa de cabelos castanhos observou então o pai do seu mais odiado colega em Hogwarts fixar seu olhar na lápide vizinha, seu rosto frio sendo vencido por um rápido sorriso. O gesto fora tão ligeiro que Hermione não tinha certeza se havia visto de verdade aquela pequena curva nos lábios do outro ou não.
          - Ah, entendo. Muito apropriado. - pela primeira vez, a garota notou algo que poderia ser classificado como divertimento sincero na voz do outro bruxo, uma coisa que ela até então sempre imaginara como incompatível com a austera e insuportável figura de Lucius Malfoy - Meus cumprimentos, senhorita Granger. - ele acrescentou com um rápido meneio da sua cabeça na direção da garota e então para o túmulo de Snape - Até mais, Severus.
          Malfoy então deu meia-volta e começou a caminhar na direção dos portões enferrujados do cemitério de Godric's Hollow, deixando Hermione parada no mesmo lugar de antes, sem saber o que fazer. Aquele havia sido um encontro... Sobrenatural. Ela não sabia nem como descrever a breve interação entre o mais proeminente dos críticos de trouxas e bruxos nascidos trouxas e ela, epítome de tudo que a casa dos Malfoy sempre desprezara.
          Erguendo a varinha, ela desfez o feitiço que mantinha toda a área iluminada para logo em seguida balançar a varinha na direção das suas próprias roupas e murmurar evanesco, sorrindo ao saber que suas vestes estavam limpas novamente. Lançando um último olhar para as lápides do seu antigo mestre e dos pais de um dos seus melhores amigos, Hermione decidiu copiar a última atitude de Lucius:
          - Até em breve, professor. Eu espero que o senhor esteja bem e saiba que não foi esquecido por mim... - e então a voz da bruxa morreu quando ela virou a cabeça na direção da saída do cemitério, suspirando antes de continuar em um sussurro - Ou pelos outros.


Continua...


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Notas finais do capítulo

A primeira parte do epitáfio de Snape é de autoria de Felicia Hemans, poetisa inglesa, aqui traduzido para o português. O original é: "Strength is born in the deep silence of long-suffering hearts, not amid joy."



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