Ensina-me a Viver escrita por Graziele


Capítulo 19
Os homens serão fortes. Serão soldados.


Notas iniciais do capítulo

Big thanks to: franci2508, Carolzinhajf, Ena, Lu Cullen, Cammy, sheilaalves, LittleDoll, bonno, Laaa, ivis, RM, Nathi Mellark, Marie May, Nathalia Lisboa, Leticia Dos Anjos, Lai Cullen, gaby_01, Ji antunes, Lady_Fany, LindaFerrari, Marianas2, Jeniffas2, bunas2
E um obrigada mais do que gigantesco às fofissímas da Miss15 e da LindaFerrari, que deixaram recomendações maravilhosas *o* Vocês deixaram meu dia tão mais bonito, sério :')



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Rennes – França, 10 de junho de 1944


Querida Isabella,

Você não faz ideia de como eu estou feliz nesse exato momento. Acredito que meu estado de excitação do dia de hoje só se compare ao nosso primeiro beijo... Ou talvez à primeira vez que fizemos amor... Ah, imagino como suas bochechas ficaram naquele adorável tom de vermelho agora!

Quando a notícia do ataque Aliado chegou até meus ouvidos, acredito que tenham me dado como louco lá na Retaguarda. Eu não liguei para nada quando ouvi a notícia de que estavam acabando com a Guerra. Eu segurei minha felicidade pelos três minutos mais longos da minha vida, e só a exteriorizei quando encontrei uma casa em ruínas completamente desértica.


Subi até o sotão da dita casa caindo aos pedaços e, isolado lá apenas na companhia de minha alegria, comemorei como um alucinado. Gritei, comemorei, e deixei que toda minha amargura dos últimos meses se transformasse em uma felicidade invejável.


Está acabando, alemã...


Não será nada instantâneo, mas essa guerra não perdurará por mais tempo do que nós podemos suportar, e logo eu estarei do seu lado novamente. Eu lhe disse que cumpriria minha promessa.


Você deve estar estranhando o fato do remetente ser uma cidade da França, mas é que eu mudei de campo. Agora estou em Rennes – uma cidade quase litorânea tão destruída quanto qualquer outra – com outro pelotão diferente, protegendo uma ponte importante nos limites da cidade.


Eu fui levado porque a Retaguarda Polonesa precisava se livrar de mim logo, já que eu era um peso morto. Trouxeram-me para Rennes, junto com outros soldados mais descansados (ou recém-alistados, ou que foram exonerados e agora, com a urgência da derrota, voltavam.)


Estamos preparados para um grande ataque a qualquer momento, já que os Aliados estão avançando e os alemães não estão recuando. A tensão está pairando no ar e todos os soldados – com exceção de mim – encontrando-se envergonhados com a derrota mais do que iminente.


Eu estou com um pé aqui e outro aí, alemã. Pode demorar mais alguns meses, mas eu voltarei. Não me importo de ter que, eventualmente, prestar contar aos Aliados, porque eu não sou culpado de nada disso. E tudo o que eu forneci para os alemães eram informações furadas e ultrapassadas, então nada foi realmente utilizado. Mas, também, o que isso importa? Quando eu me livrar dessa maldita guerra, vou voltar pra você, e não haver ninguém que vai impedir isso.


Vamos ficar juntos plenamente. Sem medos, sem incertezas... Sem separação. E será para sempre.










Nagold, 05 de julho de 1944

– Bella, pelo amor de Deus, me passe as gazes que a situação tá feia aqui – Emilly  Steinberg pediu afoitadamente, esticando suas mãos pálidas para a colega de serviço.


Isabella, apressada e quase vomitando por conta do cheiro de gente moribunda, se moveu toda trôpega até o armário de remédios, pegando as gazes que a amiga pediu e as entregando rapidamente.


Cansada e com os pés doendo, saiu correndo da ala dos feridos e, chegando num canto mais calmo, sentou-se numa cadeira e suspirou. Há pouco mais três semanas, decidira que iria servir no hospital de feridos de Nagold. Com o ataque aliado no litoral francês, os soldados alemães eram descarregados aos montes – como sacos de batatas de uma colheita bem feita; todos feridos, mutilados, mortos de fome, loucos com os traumas da guerra sangrenta, e alguns até já mais mortos do que Leslie Howard. A maioria era despachado por aviões no hospital de Nagold, que por ser uma cidade do interior, era a mais próxima das fronteiras onde haviam as batalhas.


Bella aceitou o voluntariado de enfermeira porque precisava ocupar sua cabeça perturbada com outra coisa que não fosse a preocupação com a situação de Edward. No entanto, essa acabou sendo sua pior decisão, porque, ali,
enclausurada naquele hospital que regurgitava de pessoas mortas ou chegando
nesse estágio, ela não conseguia ter em sua mente outra coisa se não a cruciante
imagem de seu soldado, talvez, nas mesmas condições que aqueles jovens de quem tratava.


As cartas que ele mandava diziam o contrário. Em todas que recebeu, ela pode ler que ele estava bem. Fisicamente falando, claro.


Com esse serviço, Bella deixou seu radinho de pilha num canto, e só o ligava a noite, quando chegava do hospital – toda fedorenta e desarrumada, cheirando a remédios e sangue – embora sentisse vontade de tê-lo do seu lado durante todo o dia.


A alemã – como era ignorante no que dizia respeito à medicina mais avançada – passava a maior parte daquelas doze horas do voluntariado na ala a leste, dos soldados que não corriam mais risco de morte. Claro que, numa emergência, suas doces e suaves mãos eram solicitadas, principalmente para a retirada cruel e sem anestesia de balas.


Esme e Alice não quiseram se voluntariar, porque, segundo elas, não iam ter estômago para tal – e Isabella não duvidava disso, porque, quando chegava em casa, as duas já se trancavam em seus respectivos quartos, só falando com ela depois que tomasse seu banho demorado.


Levantou seu olhar e fitou a correria do hospital. Pela porta ao norte, os médicos loiros e suados não paravam de chegar com mais e mais feridos, sempre
frenéticos, lutando contra o tempo, concentrados em salvar aqueles pobres moços
que foram vítimas da ganância e bestialidade de seus governantes.


A alemã tinha tanta pena daqueles homens... De suas famílias... De suas esposas...


Todos em situações iguais a sua, sofrendo gratuitamente pelo erro dos outros, pelo propósito doentio de terceiros.


Ela não via a hora de que tudo cessasse. Rezava todas as noites, pedindo que aquele barulho de bomba fosse o último, que aquele soldado que fechava os olhos fosse o último.


Quanto tempo mais aguentaria? Quanto tempo mais seu coração estilhaçado pela angústia aguentaria essa saudade? Esse intolerável buraco em seu peito que a fazia perder o ar?


– Oh, Deus, eu preciso de férias! – Emilly lamuriou em um ofegar cansado, desabando na poltrona ao lado de Bella. Emily não devia ter mais do que 25 anos, e era dona de cabelos cor de mel que desciam por suas costas magras, chegando até a metade de sua cintura. Seus olhos eram verdes e claríssimos e, embora fossem induzidos a transmitir uma tristeza descomunal – pelo seu marido que morrera na Batalha de Stalingardo, e que deu seus últimos suspiros no hospital de Nagold em seus braços – passavam uma alegria e uma esperança que espelhavam em Bella, motivando-a a pelo menos tentar sentir o mesmo.


– Emily, você deveria pedir, já está nesse hospital há tanto tempo, desde que os únicos pacientes aqui eram as moscas.


– Oh, Bella, nem faça-me pensar em algo assim! – a risada delicada da moça tilintou pelo ambiente opressor. – É um trabalho voluntário integral, sem direito à férias até que essa maldita guerra acabe! – Isabella sentia também que nem os habitantes da Alemanha estavam aguentando essa guerra. Embora alguns ainda cultivassem a tristeza por estarem mais do que beirando a derrota, os alemães estavam esvaecidos que tudo aquilo e, como Bella, queriam logo o cessar de canhões, para que seus corações ainda conseguissem se recuperar minimamente.


– Eu já não aguento mais... – Exteriorizou a de cabelos escuros. – Minha irmã não suporta meu cheiro de curativos e morfina! – exclamou. Ainda que Alice não fosse sua irmã de sangue, Bella não via outro jeito de se referir a amiga que
não fosse esse.


– Eu, pelo menos, ainda tenho a sorte de ter meus parentes em Berlim – Emilly riu levemente, já levantando-se, pronta para voltar ao trabalho. – Tenho a certeza de que meu marido não ia querer deitar-se comigo, sentindo o cheiro de morte... – ela murmurou, com os olhos verdes perdidos em uma súbita tristeza.


– Vamos voltar ao trabalho, querida – Bella confortou, colocando suas delicadas mãos nos ombros da nova amiga.


Emilly fitou os olhos amendoados de Isabella e esboçou um pequeno sorriso, já voltando a ser a Emilly alegre e otimista de sempre.


Bella seguiu Emilly indo para a ala dos recém chegados, sempre os mais doentes –, ficando meio perdida em meio a tantas macas e gemidos de dor.


– Steinberg! Swan! – uma voz afogada em acirramento gritou. As duas moças olharam para a grande porta e se depararam com um médico de jaleco ensanguentado, todo afobado gritando pelas duas.


– Sim, doutor? – Emilly indagou já a postos para mais um caso de alguém a beira da morte.


– Preparem um leito com todos os melhores equipamentos que tiverem – ele instruiu rapidamente. – Um soldado da retaguarda polonesa foi metralhado no pulmão e está tendo uma hemorragia incontrolável. Façam o que puderem.


Ao ouvir ‘retaguarda polonesa’, Bella sentiu seu frágil coração falhar, fazendo com que seu magro corpo oscilasse levemente. ‘Edward!’, sua mente gritou. Ela logo tratou de apoiar-se numa mesa de remédios que havia ali perto, respirando fundo algumas vezes. Sua mente desassossegada, de súbito, clareou-se e, para seu completo alívio, lembrou-se que ele estava na França, bem longe da Polônia.

Suspirou mitigada, forçando seus ouvidos a prestarem atenção às instruções do doutor, cujo nome ela já tinha até esquecido.


– Ande, Bella, prepare aquela última cama no canto à esquerda da parede! – Emilly ordenou, nem terminando sua fala direito e já indo de encontro ao doutor, para ajudá-lo a trazer o moribundo.


Bella obrigou-se a movimentar suas pernas moles até o tal leito, nublando sua mente do odor desagradável e das súplicas dos soldados moribundos, que alternavam seus pedidos entre clemência, morte e água. Os únicos “equipamentos” dos quais o médico se referira eram os gazes, os esparadrapos e a morfina abundante, que fazia as vezes de anestesia, remédio para dor e qualquer outra coisa relacionada. A alemã ajeitou os lençóis, colocando várias camadas do pano branco, já deixando tudo no jeito para que o sangue não chegasse ao colchão, já que eles não teriam como repor caso essa tragédia acontecesse.


Logo, gritos perfurantes – bem mais altos do que aqueles já preenchiam o local – foram captados, e Bella virou-se, vendo um moço, quase que sufocado em seu próprio sangue escarlate, em uma maca carregada por três doutores relativamente fortes, que eram lambuzados de forma nojenta pelo sangue do pobre que era jorrado aos montes para fora do corpo esguio. Emilly vinha atrás, torcendo a mão nervosamente, agoniada com a dor lacerante do moço e mais agoniada ainda por não saber o que fazer.


Outras enfermeiras não suportaram aquela visão e esconderam seus rostos nas mãos, e algumas, como Bella percebeu, até começaram a chorar baixinho.


– MATE-ME! – o moço implorava, contorcendo-se. Os doutores colocaram-no na maca preparada por Bella e Emilly já começou a preparar os panos para estancar o sangue. Ou tentar. – POR FAVOR, EU LHES SUPLICO! – continuou, quase em delírios.


Bella engoliu em seco, rezando para que o menino sobrevivesse. Ou pelo menos que a dor cessasse, de alguma maneira.


– Bella, por favor, prepare a morfina! – Emilly comandou e Bella saiu de seu transe, direcionando-se para os remédios fazendo o procedimento tão conhecido de preparar o medicamento que alguns soldados chamavam de ‘néctar dos deuses’.


Quando entregou a morfina para Emilly, seu olhar recaiu sobre o ensanguentando, que encharcava a maca com seu sangue e suas dores. Ela notou o cabelo loiro completamente ensopado de suor, areia e sangue, que também seguia o rastro por seu peito, onde seu líquido escarlate era expulso sem dó de seu corpo fraco, por um buraco aberto que agonizava.


Emilly continuou sua luta já perdida para estancar o sangue e salvar o jovem, com uma dedicação tão grande como se ele realmente tivesse salvação.


Sophie... – o loiro delirava, com sua voz baixa e inteligível. – Minha Sophie... Cuidem dela...


– Você irá cuidar, querido – Bella garantiu, pousando sua mão na perna dele. A moça notou que o local estava queimado e, com a careta de dor que o menino fez, ela retirou sua mão de lá rapidamente, enquanto engolia as lágrimas.


Não queria pensar nas condições de seu soldado... Não queria comparar ou imaginar que algo parecido pudesse estar acontecendo...


– Por favor... – ele continuava lamuriando, enquanto Emilly tratava, inutilmente, de sua hemorragia.


– Fique quieto, querido – Bella recomendou, sorrindo docemente e tentando passar alguma confiança para o menino quase morto. – Poupe suas forças para quando reencontrar sua Sophie.


– Sophie... – ele continuava murmurando, em meio a tosses e cuspidas de sangue.


Emilly trabalhou naquele moço durante três horas seguidas, sem descanso. Ela insistia no estanque do sangue e na aplicação da morfina, nunca desistia de um paciente, não importava quão horrorosa era sua situação.


Ele cuspia sangue, o buraco de tiro em seu peito jorrava seu líquido vital; ele ficava cada vez mais pálido, mais fraco... Sua febre não abaixava, seus delírios não cessavam, mas Emilly não desistiu, até que o curativo – muito
improvisado e que só serviria para prolongar a vida do rapaz por mais algumas
horas – estancou o sangue e o jovem soldado loiro ficou ali na maca empapada de
sangue, apenas esperando que sua hora chegasse.


Às sete da noite, Bella pegava seu casaco preto e colocava sobre os ombros, suspirando e agradecendo pelo fim do dia. Algumas outras poucas enfermeiras ainda continuavam no hospital, checando os sinais de vitais dos homens; outros médicos, com olheiras profundas, não davam sinais de que sairiam dali tão cedo.


– Hey, moça – uma voz baixa e praticamente inaudível chamou. Bella girou em seu eixo e sorriu para o rapaz loiro. Foi até ele e colocou sua pequena mão na testa dele, lamentando ao notar que a febre ainda permanecia.


– Está se sentindo melhor? – indagou docemente.


– Sinto que meus órgãos vão cair – ele negou, engasgando-se com a saliva que não tinha forças para engolir. – Mas gostaria de agradecer...


– Não precisa... Tente dormir.


– Vocês não desistiram, mesmo sabendo que eu não tenho mais jeito – ele falou com a voz baixa embargada. – Eu queria pedir-lhe que encontrasse Sophie e lhe dissesse o quanto eu a amo... Gostaria que encontrasse o Masen e lhe disse que, apesar dele ser um grande filho da puta arrogante, ele ainda foi meu único amigo naquele campo...


– Masen? – Bella perguntou, seus ouvidos aguçando-se ao captar o som do sobrenome de seu soldado – você o conhece? – sussurrou, aproximando-se do loiro e colocando a mão delicadamente sobre o cabelo suado.


– S-sim – gaguejou precariamente o outro. – Ele era o único que me suportava lá na retaguarda...


– Edward Masen? – a moça perguntou timidamente.


– Ele mesmo... Aquele soldado de sotaque estranho... – devaneou, sorrindo
nostalgicamente. – Você também o conhece?


– Sim – Bella respondeu sorrindo enormemente, emocionada.


– Você é a Bella de quem ele tanto falava? – perguntou baixinho, como se já soubesse da resposta. A outra apenas acedeu, lutando para não chorar. – Oh, você realmente é tão bonita quanto ele dizia.


Bella soltou uma risada débil, passando as mãos pelas bochechas e livrando-se das lágrimas. Era a primeira vez, em quase um ano, que recebia notícias de seu soldado. As cartas serviam para aplacar a saudade, mas eram tão vagas... Seu coração se aquecia ao ouvir aquele jovem falar de Edward. Ao ouvi-lo falar que ele estava vivo.


– Aquele homem é forte como um cavalo, senhorita. – O moço disse com dificuldade; os olhos azuis virando-se nas órbitas e a voz lutando para manter-se audível. – Não será essa batalha que o fará cair. E ele a ama tanto... Isso é o
combustível que o faz continuar em pé. – Finalizou, quase que em admiração.


– Oh – Bella arfou, feliz. – Por favor, querido, pare de falar – ela pediu, ainda que sua vontade fosse de ouvir notícias de seu homem pelo resto da noite. – Descanse para que possa voltar para sua Sophie.


– Assim como Edward voltará para a senhora. – Ele concluiu profeticamente, fechando seus olhos.


Max Steiner não voltou para sua Sophie. Fechou seus olhos azuis naquele cinco de julho e não voltou a abri-los. Emilly encontrou-o no dia seguinte, frio e
imóvel, como mais uma vida jovem e inocente que fora ceifada em decorrência
daquela horrível guerra.










Rennes – França 10 de julho de 1944


– Quando eu estava prestes a embarcar... – um soldado começou, sua voz jovem sendo o único som ouvido nos arredores da cidade depredada e silenciosa.


– Oh, por favor, cale a boca, ninguém mais aguenta suas histórias – outro recruta reclamou, jogando seu charuto no chão e pisoteando-o em seguida.


– Essa é interessante, eu juro – o primeiro soldado garantiu, fazendo com que o outro revirasse os olhos.


– Todas você diz que são, mas nós sempre acabamos dormindo antes que você as conclua.

Edward Masen observava a pequena e infantil discussão com divertimento nos olhos verdes sombreados por consternação. Estava em Rennes há mais de um mês e a situação era de pura tensão e expectativa; todos os 1000 recrutas que faziam a segurança dali esperavam, amedrontados e ansiosos, a hora que os Aliados chegariam na cidade.


E eles estavam perto e isso era inevitável. Edward surrupiara alguns fragmentos de animadoras para si, já que sempre se baseavam nas conquistas Aliadas pela França.

Os alemães foram desfavorecidos no combate do Dia D por não saberem com exatidão a data do ataque e pela divergência que se tinha quanto ao local do desembarque dos inimigos, entretanto os experientes militares do alto escalão do Exército alemão prepararam uma defesa chamada de Muralha do Atlântico, o que dificultou muito a vida das Potências Aliadas.


Mas o ataque Aliado era enorme e mais do que esmagador e então, mesmo com certas dificuldades, eles se mantiveram na ideia do avanço, afinal, essa era a única chance concreta e bem planejada de acabar logo com a guerra. Foram divididas as ações, sendo que as praias que seriam atacadas por cada exército receberam codinomes. Os americanos atacaram Omaha e Utah, enquanto anglo-canadenses atacaram Juno, Gold e Sword.


Na praia de Sword, a infantaria britânica ocupou a praia e conseguiu avançar 8 Km no final do dia. Em Juno, os canadenses encontraram forte resistência, mas dominaram a praia e avançaram no território. Em Gold, a 50º divisão do exército se aproximou muito do objetivo. Em Omaha aconteceu o desembarque mais sangrento e o abandono da operação chegou a ser considerado, mas conseguiram tomar a praia e pressionar para o interior. Já em Utah ocorreram as menores baixas da operação, de forma que a progressão das tropas foi bem mais fácil. Pelos seus cálculos, o Exército inglês deveria ser quem atacaria Rennes. Porém, Edward rezava internamente para que esse seu cálculo também estivesse furado.


Edward ficou sabendo disso tudo nas vezes que se arriscava ouvindo o rádio de pilha do General da Operação, quando o mesmo o ligava em sua saleta
improvisada em uma casa de ruínas.


Com o ataque da Normandia, ele sentia que os alemães estavam esquecendo-se da defesa contra os soviéticos e isso abriria espaço para a pressão em Berlim. Como os nazistas não enxergavam isso? Ele não sabia, mas talvez fosse causado pela cegueira de que tudo estava correndo maravilhosamente bem, e o único problema fosse os ataques na França.


Ninguém ali sabia da origem inglesa de Edward e ele continuava fingindo ser um alemão típico, embora seu sotaque incomum sempre abrisse espaço para
questionamentos. Ele fazia tudo automaticamente, na expectativa da hora que
iria se ver livre de tudo aquilo. Na expectativa da hora que reencontraria sua
alemã.


Ele havia até sonhado com esse momento algumas vezes. Esquematizara tudo em sua cabeça, desde o momento em que desembarcaria na Alemanha, até o momento em que a pegaria nos braços. E tudo se resumia em inúmeros ‘eu te amo’, e horas em horas a fio que passariam fazendo amor, saciando a saudade e a necessidade que tinham um do outro.


– Deixe que o menino conte logo a história dele, Lerch – Edward interrompeu a discussão dos recrutas, já prevendo que, se não fizesse isso, aquilo iria perdurar até a noite.


– Ah, Masen, eu não estou precisando de soníferos – Lerch lamuriou. Albert Lerch devia ter uns 40 anos e era dono de um bigode grisalho que era cuidado como se fosse um filho.


– Mas como eu estava dizendo – o soldado mais novo, Thomas Müller era seu nome, recomeçou, ignorando por completo o de bigode. – Um dia antes de eu
embarcar, fui até uma loja fazer compras...


– Aproveitou bem a liquidação de lingeries? – Albert zombou.


– Cale a boca, ou eu fico plantado aqui até acabar minha história – Thomas ameaçou e Albert fingiu passar um zíper em sua boca. Afinal, passar o restante
da noite ouvindo a voz azucrinante de Thomas lhe parecia intragável. A relação
de cão e gato dos dois lembrava Edward da relação dele próprio com o
intrometido da Retaguarda, Max Steiner.


Mas então – disse, frisando bem, de modo que deixasse claro que não aceitaria mais interrupções. – E aí a moça que me atendia me fez colocar as mãos nos seus seios enormes e me disse “Thomas, quando estiver prestes a morrer, ou então sentir tanto medo de modo que até um rato se pareça mais corajoso do que você, pense nisso – o moço colocou as mãos sujas e cheia de feridas infeccionadas no peito, acariciando-o e sinalizando como a moça deve ter feito – só nisso, e você ficará completo.”


– Misericórdia... – Albert desacreditou, balançando a cabeça, enquanto ria contidamente. – Seu tarado.


– Aposto que isso é a única coisa que está ocupando sua cabeça ultimamente – Edward adivinhou.


– Você nem faz ideia – Thomas estremeceu.


– Começarei a pensar nos peitos da minha esposa quando estiver prestes a urinar nas calças de medo. – Edward riu do comentário sujo do mais velho.


A única coisa que estava valendo a pena ali eram as companhias. Não que Edward tenha achado melhores amigos de infância – ou algo parecido com a amizade que tinha com Emmett Cullen –, entretanto, os homens com quem convivia eram boas distrações.


Ele estava tão cansado de tudo que não tinha mais nem pique para ser arrogante com os outros e era por isso que simplesmente não tentava mais
afastar ninguém.


– Quando será que eles vão chegar? – Thomas perguntou baixinho, temeroso. – E como vamos agir?


– Vamos matá-los para não morrer – Albert respondeu simplesmente. – Sempre funcionou assim, não é mesmo Masen?


Edward apenas assentiu. Essa era a regra número um da guerra: matar para não morrer. E ele sempre soube disso, seguindo essa regra com maestria. E não seria agora que fugiria, porque, acima de tudo – acima até mesmo do fato de que seus inimigos ali eram seus semelhantes –, tinha outros motivos para sobreviver – além de sua própria vida. Tinha sua alemã e a necessidade de voltar pra ela.


O silêncio permeou em Rennes até as onze da noite. Depois disso e de um tiro de canhão arrasador, não houve mais descanso.


Tinha chegado a hora que todos ali estavam esperando. A hora que os Aliados chegariam na cidade,  hora que, para Edward, podia significar libertação.


Haviam tanques de guerra enormes, soldados que saiam das moitas com
metralhadoras potentes que ceifavam vidas sem piedade e os combatentes do outro lado estavam preparados para tudo.


Edward, fatigado, amedrontado e ficando quase surdo com os barulhos dos canhões e tanques, pegou sua metralhadora de mira precisa e subiu no alto do telhado de uma igreja em ruínas, ajeitando a mira certeira de sua arma e atirando-a esporadicamente, sempre em inimigos que lhe parecessem comandantes. Ele não perdeu a oportunidade de matar alguns alemães, às vezes descarregando vários cartuchos de sua potente arma nos corpos dos coordenadores da missão, vendo-os sucumbir em sua própria poça de sangue, de forma que a raiva que sentia daqueles porcos que lhe roubaram sua felicidade fosse mandada para longe, junto com as almas sujas de todos eles.



Estava isolado em cima daquela ruína, esgotado de tudo e com a vontade de voltar pra casa. Vontade de descer para o olho da batalha e acabar com tudo com suas próprias mãos.



– Maldito! – um xingamento em inglês foi proferido numa voz berrada, injetada de raiva. Edward virou-se para a direção da voz e deparou-se com um soldado com a farda toda suja e manchada, onde uma braçadeira com a bandeira inglesa jazia.



Ele não tomou conhecimento de Edward e logo partiu pra cima dele, lutando de forma selvagem e desesperada, sem dar espaço para que Edward se defendesse. A metralhadora caíra no chão e os dois homens da mesma nacionalidade rolavam pelo chão, socando-se sem nenhum motivo, apenas espelhando o que aquela guerra era: semelhantes se machucando mutuamente sem motivos.



De súbito, o inglês desconhecido retirou do bolso uma pequena faca de cozinha, toda enferrujada e já denegrida do sangue de outrem. Edward arregalou os olhos e forçou seu braço contra o outro armado, utilizando todas suas forças para afastar a face de seu corpo. Todavia, o outro era mais robusto e parecia estar mais bem alimentado, porque Edward logo sentiu que não iria ter forças contra ele.



A faca enferrujada foi chegando perto do estômago de Edward e, como que em um torpor de terror, ele sentiu a lâmina perfurando-lhe nos órgãos, arrasando toda sua vida e, em seu inconsciente, arrasando suas esperanças.



Ele arregalou os olhos, esperando sua chegada no inferno e pedindo para que Deus olhasse por sua alemã, para que a protegesse.



Entretanto, o outro soldado, repentinamente, teve sua careta de raiva e satisfação substituída, aos poucos, por certa compreensão e reconhecimento. Quando esses sentimentos atravessaram o rosto do outro, ele tirou a faca de dentro de Edward com pressa e certo medo. O ambiente ficou silencioso e sua dor foi mesclada a súplicas de seu algoz, que começou a sacudi-lo freneticamente, tentando reparar o mal que fizera.



– Masen! – o que esfaqueou gritava, quase que implorando. – Oh, meu Deus, Edward Masen! Alguém ajude aqui! Alguém...!



Edward fechou seus olhos verdes – antes tão brilhantes com a satisfação do amor, agora apenas fracos e sombreados pela dor e a angústia – sentindo que sua vida se esvaía aos poucos, dolorosamente o torturando, dolorosamente o lembrando de que não fora feito para ser feliz.



Antes que estivesse a plena certeza de que acertaria suas contas com o Todo Poderoso, uma vontade enorme de ver sua alemã pela última vez apossou-se de seu corpo quase sem vida. Uma vontade de abraçá-la, de beijá-la, de amá-la... Uma vontade tão grande que seria até capaz de ressuscitá-lo. E, antes que seu coração parasse de bater definitivamente, ele pediu que algo milagroso não fizesse daquilo o seu fim.












Hospital de feridos de Guerra – Londres, 30 de julho de 1944

Ele não estava morto. Sabia disso porque ouvia vozes e ouvia gritos. Sabia disso porque diziam que a morte era indolor e a dor em seu peito lhe dizia o contrário.



Abriu seus olhos e lutou para acostumar-se com a claridade que acometia seus olhos, piscando diversas vezes para ajudar na missão. De primeira, seus olhos fitaram a manta verde que cobria metade de seu corpo e, depois, pousaram sobre as pessoas ao seu redor. Algumas eram enfermeiras, outras eram médicos, e outros ainda eram feridos adormecidos ou gritando alucinadamente de aflição.



Ele não sabia onde estava, mas a impressão que teve foi que as pessoas ao seu redor, de alguma forma, comemoravam algo. O soldado estava curioso e levantou seu tronco para aplacar tal ansiedade em saber onde estava, mas uma mão rústica interrompeu seu movimento.



– Fique aí, não pode nem pensar em se mexer – uma enfermeira gorda e mal encarada disse. E Edward pegou-se pensando se estava ouvindo certo, já que a recomendação fora feita em inglês.


– Onde estou? – indagou, num inglês que não era usado há tanto tempo e que se tornara estranho para si.



– Está no Hospital do Exército Inglês, em Londres, rapaz – a velha sorriu diante a surpresa do homem.



– Como vim parar aqui?



– Um dos soldados que estava em Rennes quase o matou, mas ele o reconheceu como inglês, e então o trouxeram pra cá – a enfermeira explicou, meio que sem acreditar nas próprias palavras. – Posso indagar-lhe como isso é possível?


– É uma história longa demais... – Suspirou.


– De qualquer forma, terá que explicar isso aos comandantes ingleses, quando toda a excitação das vitórias passar – ela informou-o docemente, coisa que contrastava com a aparência opressora. – Por ora, apenas descanse para poder se recuperar bem e voltar para sua casa, seja lá onde fique.



Edward delineou um sorriso feliz em seu rosto marcado pela guerra. Não lhe mossa o fato de ter que ir explicar sua história maluca e inacreditável para os comandantes, porque estava vivo e perto de ir para casa. Para sua casa. Para sua alemã.


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Notas finais do capítulo

Caraleo, que capítulo grande o.o E eu achando que não ia ter muita coisa pra escrever, kkk. Aliás, desculpem-me por ele :s Eu sei que vcs estavam esperando o reecontro agora, mas, como eu disse nas respostas de alguns reviews, a guerra só acabou mesmo quase um ano depois do Dia D, então eu precisava protelar mais um pouquinho '--' rs. E eu atóron um drama, então né... kkk. Mas o soldado dlç tá vivíssimo - ainda que meio quebrado rs - e mais do que pronto pra voltar pra sua alemã o/ E isso vai acontecer no próximo, hehe. Não é querendo me gabar, mas eu estou trabalhando pra ficar bem lindo e cheio de amor *---* rs.
Agora vou-me indo, deixem seus cometários, porque eu estou me sentindo meio insegura quanto esse capítulo rs.
405 beijos, amores da minha vida ;**
PS.: Vcs não querem seguir o exemplo da Miss15 e da LindaFerrari e recomendarem? ;3 rs.