Ensina-me a Viver escrita por Graziele


Capítulo 12
O que já era previsto


Notas iniciais do capítulo

Big thanks to: Yara Bastos, ivis, Elinha, bonno, Labap, Cammy, liviagabi4, sheilaalves, Marie May, saamii, Laaa, felini, LoveDimka, BrunaMartins, LilyX, Jeniffas2
OH. MEU. DEUS. Sério, vocês querem casar comigo? Eu dou casa, comida (só não prometo que será boa, né rs), roupa lavada e, de quebra, pago as contas. HUAAUAUAU'
Gente, obrigada por terem sido TÃO fofas comigo nessa minha volta *---* Nunca imaginaria que seria tão bem recebida, depois de tanto tempo.
Obrigada novamente, gatas! *nhac*
Boa leitura! :D



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Os dois não voltaram para brincar com a molecada naquela tarde ensolarada de abril, apenas o soldado arriscou-se por entre as crianças suadas e alegres para poder pegar os sapatos de sua alemã de volta.

Entraram na confortável casa, abraçados e com a mente nula de qualquer perigo que podiam estar correndo.

Somente com a segurança dos braços fortes de seu soldado, Isabella sentia que poderia vencer o mundo. Que viessem Alice, guerra, exércitos ingleses e Partidos Nazistas! Ela os encararia e diria a eles que não temeria a nada, pois estava com Edward Masen, seu soldado galanteador e insolente.

Ele depositou um último beijo terno na bochecha de sua alemã, antes de ir tomar um banho. Edward insistira demasiadamente para que ela fosse primeiro, mas a moça ralhara com ele – perfeitamente igual a uma velha rabugenta – dizendo, entre gargalhadas, que ele era o porco mais fedido dali e que aquele cheiro de suor e terra inebriaria a casa inteira, dando um trabalho imenso para sair depois.

E ela ficara no seu quarto. Sozinha com seus pensamentos, sentara-se em sua cama que já presenciara tantas coisas – de gripes fortíssimas a convalescência de soldados inimigos – lembrando-se, com desmedido divertimento, a tarde atípica que vivera. Além de ter em casa um homem inglês, ela o levara para jogar futebol com as crianças da rua! Era uma maluca mesmo. Que pensariam as mulheres dali, caso a vissem?

Que pensaria Helene Calvert – a velha mais conservadora de toda Rua Frieden, que dirá de toda a Alemanha – caso a visse correndo na rua, caindo e rolando como uma abobora madura, atrás de uma bola furada? Que pensaria Alice! Oh, Alice teria um ataque cardíaco!

Bella riu baixinho, agarrando o travesseiro e, inconscientemente, inebriando-se com o cheiro másculo que ele ainda continha.

Ele a beijara novamente! Oh, e com tanto ardor!

Perguntou-se, de súbito, como ficaria sua vida dali em diante. Naquele momento, uma onda de consciência a invadiu, fazendo-a perceber como fora inconsequente.

Não poderia ter cedido daquela forma... O que garantia que ele ainda se lembraria do que aconteceu quando o outro dia amanhecesse? Esse momento romântico e digno de uma projeção no cinema que vivenciava poderia ter sido apenas um lapso, algo que seria ignorado no dia seguinte. Bella já teve uma prova de como a memória daquele homem desaforado poderia ser inacreditavelmente falha. Nunca se esqueceria de como ele a agarrou ferozmente naquele dia na floricultura para, no dia seguinte, nem mencionar nada sobre o ocorrido.

Não deveria ter agido daquela forma. Por esse e pelo mais óbvio motivo de que aquele homem trazia problemas tão intensos quanto seus belos orbes verdes.

Com que coragem Bella o encararia amanhã, quando todas as imagens dessa noite lhe passariam pela mente, lembrando-a de como fora inconsequente?

A realidade pegou-a em cheio, acertando-a como uma bala de canhão.

Não poderia ser daquela forma. Não havia meio algum dos dois... tentarem algo.

Não podiam, pois aquilo tudo já estava fadado ao seu fim, antes mesmo do seu começo. Ele voltaria para a Inglaterra – de onde nunca deveria ter saído – e eles nunca mais se encontrariam novamente.

Bella conservava no coração a vontade absurda de nunca ter que vê-lo partir. Seu peito apertava toda vez que imaginava o soldado saindo da sua casa, sem nenhuma mala, com o caminho da estação de trem traçado em sua cabeça. Seu âmago se retorcia a simples ideia de ele poder ser pego por soldados alemães e morto...

Deus! Por que tudo não se clareava em sua cabeça? Não podia ficar com o soldado... mas queria tanto...

- Pronto. Agora você já pode ir tirar esse cheiro de chiqueiro– a voz máscula e salpicada de um sotaque exótico e estranhamente lascivo fez-se ouvi no meio de seus pensamentos conturbados. A alemã fixou-o por alguns momentos, notando o cabelo bronze molhado; os olhos esmeraldinos com um brilho brejeiro compunham uma expressão suave que terminava num sorriso faceiro e impossivelmente relaxado. Ele estava tão feliz...

Bella permitiu que uma ponta de presunção lhe raiasse no peito. Afinal, ela fora a responsável por aquele sorriso. Recordava-se de como os olhos daquele homem eram, antigamente, envoltos duma sombra negra e medonha que ela odiava. Agora, no entanto, um brilho intenso habitava as feições de beleza grega dele e parecia nunca mais sair dali.

- Eu tentei deixar a banheira mais limpa possível, mas não sei não – ele balançou a cabeça em negativa. – Não foi muito fácil.

Bella deu um leve sorriso.

- Você se divertiu, não foi?

- Eu daria minha pele pra não ter que admitir isso, mas... Nunca imaginei que seria tão legal. – E aquele sorriso torto que lhe roubava o ar estava presente novamente.

- Eu disse a você que seria. Tem que começar a confiar mais nas minhas palavras – ela brincou, mal sabendo que Edward confiava tanto em sua palavra, que seria capaz de ir até o front russo, de olhos vendados, caso ela o guiasse.

Um silêncio perdurou no ambiente. E não era aquele aconchegante silêncio, no qual se fazia ouvir as confortadoras respirações de ambos. Era pesado, como se ansiasse por uma conversa que eles não queriam ter.

- Aquilo que você disse lá fora... – a alemã foi a primeira a arriscar-se a falar algo – sobre nós... tentarmos algo... Você sabe – ela engoliu ruidosamente – quão verdade era?

O soldado suspirou.

Sabia que esse momento chegaria. O momento que teria de confrontar seus malditos e confusos sentimentos. Ele estava protelando aquilo ao máximo, pois não sabia como classificar todo o redemoinho que sentia. Ele dissera a si mesmo que apenas... Aproveitaria as sensações. No entanto, sabia que sua alemã não pensaria do mesmo modo e iria querer uma explicação para seus atos.

Mas como ele poderia explicar a ela, se ele não conseguia explicar a si próprio? Não sabia o que queria dizer aquela vontade desenfreada de querer tê-la abraçada a si, aquele aperto que sentia no coração a simples menção de tê-la longe...

- Eu não sei... – de repente, a expressão relaxada desaparecera. Seus olhos varreram o quarto, procurando o que dizer. – Alemã... Por favor, não me peça para lhe explicar, porque nem ao menos eu sei...

Bella levantou-se da cama e se aproximou cautelosamente do homem; colocando seus dedos no maxilar másculo levantou o rosto dele, fazendo com que os olhares se nivelassem.

- Soldado, isso tudo é tão errado... – Bella falou num ansiar resignado.

- Querer ficar com você é errado? – o soldado indagou retoricamente, pela primeira vez conseguindo exprimir seus sentimentos. – Deus, alemã... Vamos esquecer um pouco das preocupações e só... ficarmos juntos...

- Eu quero tanto ficar com você também – ela confessou, abaixando seu olhar e corando tempestuosamente.

- Então... o que há de errado nisso? – perguntou ele, sorrindo e levantando o rosto da mulher até que encontrasse aquele mar de chocolate que ele tanto adorava. – Me diga o que há de errado em você querer ser mais do que uma moça que abriga soldados.

- O errado é que esse tal soldado é inimigo. – Explicou ela, sorrindo também.

- E alguém precisará ficar sabendo?

- Mas nós vamos... Tentar o quê? – indagou ela, ainda temerosa e ridiculamente confusa com aquela situação.

- O que você quer tentar? – aquilo parecia um jogo onde só se podia fazer perguntas. Os dois estavam protelando, como se esperassem que as respostas do outro fizessem sua cabeça clarear.

- Eu não sei... Eu quero ficar perto de você, sabe – Bella decidiu que deixaria tudo cristalino e que poria tudo para fora, mesmo que suas bochechas ficassem mais vermelhas do que o fogo. – Quando voltamos pra casa hoje e você me abraçou... Soldado, foi como se eu pudesse vencer o mundo. – Um riso débil e infantil lhe escapou por entre os lábios rosados. – É como se a simples ideia de te ver saindo por aquela porta pra voltar pra Inglaterra ou pra qualquer outro lugar que não seja seu quarto... me faz sentir como um mendigo desamparado.

Edward ouvia tudo, fascinado. Um sorriso de puro contentamento brotava-lhe na face esculpida e transmitia toda a alegria que sentia ao ouvir aquelas palavras.

Eram as mesmas sensações; os mesmo sentimentos!

Deus! O mesmo ocorria com a alemã!

- Me sinto um grande idiota – ele disse de repente, passando seus dedos entre os cabelos macios dela. – Se eu te dissesse que me sinto como dois mendigos abandonados toda vez que você me deixa naquela esquina pra ir trabalhar e só voltamos a nos ver quase sete horas depois?

Ela suspirou sorrindo doce e levemente e recostando sua cabeça na mão dele.

- Soldado... Não devíamos... – começou ela sem muita convicção, mas tomando uma postura decidida a cada frase que proferia. – Você vai ter que ir embora alguma hora... Do contrário, como sustentarei a mentira de que você é meu primo?

- Não vou deixá-la – ele garantiu. – Não posso mais. Droga, alemã, isso soa extremamente brega, mas é a verdade. – Suspirou. – Como acha que poderei voltar, para qualquer lugar, deixando-a aqui, quando não suporto nem ficar um dia sem você?

- Soldado, isso é insano demais...

- Seu medo é que descubram que estou aqui, que denunciem algo, e que você seja presa por traição, certo? – indagou, vendo-a manear a cabeça em concordância. – Então vamos fugir! – os olhos dela arregalam com tal proposta maluca. – Sim! Vamos fugir pra Suíça, para Portugal! Para a América do sul! Alemã, vamos para países que a guerra não seja mais do que boatos assustadores e vamos ficar juntos do jeito que ansiamos!

- Deus do Céu! Soldado, o que deu em você? Não podemos! Oh, mas que proposta ridícula! Como posso fugir deixando minha floricultura, minha casa...? Jesus, como posso sequer cogitar tal proposta?

- Alemã, dê-me, então, uma chance de ficar com você. – Ele suplicou, os olhos verdes estavam torturados. – Não como um soldado abrigado ou como um amigo...

Bella fixou-o por longos minutos, acariciando-lhe as madeixas bronze e sorrindo docemente, acalmando-o.

- Está me pedindo em casamento? – zombou, querendo deixar o clima mais leve.

Ele sorriu também. Desta vez, um enorme sorriso que mostrava todos os dentes alvos. Um sorriso feliz.

- Se isso a fizer ficar junto de mim... – deu de ombros.

- Ora, que soldado insolente que eu criei – repreendeu ela, ainda sorrindo enormemente. – Pois eu aceito, Soldado Masen. Se estiver me pedindo em casamento, eu aceito... Se estiver me pedindo para que tentemos algo que nem fazemos ideia do que se trata, eu aceito... Se estiver me pedindo que eu o beije até roubar-lhe todo o ar, eu aceito...!

O soldado alargou ainda mais seu sorriso, como se isso fosse humanamente possível. Passeou suas mãos pelo rosto de boneca dela para logo depois beijar-lhe todos os lugares que lhe fosse possível. Ela ainda estava levemente suada e isso deixou em sua boca um gosto salgado, mas isso não o importou. Pelo contrário, ele ansiava por mais e mais e mais!

Ela, no entanto, sabia em seu íntimo que aquilo não daria certo.

Ora, ele teria que ir embora de alguma forma e ir junto com ele estava fora de ponderação!

Mas talvez... talvez... Ela pudesse esperar que essa cruel guerra acabasse. Talvez ela pudesse ser feliz quando os canhões cessassem... Quando ter um estrangeiro em sua casa não fosse mais crime... Quando o passado dele não valesse mais nada perante às autoridades alemãs...

Sim! Quando aquela guerra cruel acabar, ela seria feliz!

Pensando nisso, a alemã sorriu. Mirou seu soldado – distribuindo beijos cálidos e desavergonhados em seu pescoço – e, ali, teve a certeza do que sentia por ele.

Não se sabia de onde vinha e nem para onde ia.

O que sentia não tinha classificação. Não tinha sentido, realmente.

Porque o que sentia não precisava disso. O que sentia por aquele soldado audacioso dava o sentido em tudo.

Era um sopro em sua vida; e fazia-a sentir-se uma boba alegre, uma donzela frágil... Fazia-a sentir-se a mais tola de todas as apaixonadas.

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-... Então, ela me disse que eu poderia ser o par dela quando ela casasse – Jasper Whitlock concluiu sua narrativa de como Alice Brandon se declarara para ele com um franzir de cenho.

Edward revirou seus olhos.

Se sua situação estivesse no mesmo pé em que estava a dele... Ah! Edward estaria dando cambalhotas. Afinal, Alice praticamente esfregara na cara pálida aquele alemão lerdo como desejava-o para si. O por quê de Jasper ter dito que iria pensar – ao invés de cair nos braços de sua amada –deixava-o com uma vontade imensa de socá-lo.

Jesus, Maria e José! Qual era a complicação ali, afinal? Alice o amava,deixou claro e ele deveria aproveitar.

- Olha, Jasper – Edward encetou sua hora diária de “conselheiro amoroso”. – Alice Brandon disse que o ama! Pelo amor de Deus, homem! O que há de tão complicado nisso?

- Não sei, Masen... Eu gosto dela também, só que...

- “Só que”, o quê? – o inglês perguntou retoricamente, arqueando sua sobrancelha.

- Eu vou ter que falar com a mãe dela e... Céus, eu tenho tanta vergonha...!

- Ah, pelo amor de Deus! – exasperou-se o outro, jogando seus braços pra cima; Jasper era um bom amigo, mas de vez em quando lhe dava nos nervos. – Ela praticamente esfregou na sua cara que o quer como namorado ou sei lá o quê! O que você queria mais? Uma petição assinada por um advogado?

- Talvez você tenha razão – cedeu o alemão, ainda pensativo.

- Talvez nada. Eu tenho a completa razão – respondeu convencidamente. – Você gosta dela, ela gosta de você – Jasper olhou-o espantando, como que se perguntando como o homem tinha tanta convicção disso. – E, Jasper, isso está mais claro que água, então me diga o sentindo na sua relutância em ficar com ela, porque sinceramente, eu não entendo.

- Vou falar com ela quando a gente terminar aqui – decidiu Jasper, com uma fagulha brilhando-lhe nos olhos azuis. – E vou dizer a ela que também a quero como meu par quando eu me casar!

Edward gargalhou.

- É assim que se fala! – parabenizou, dando tapas nas costas do amigo, enquanto o mesmo apertava os olhos marítimos num riso envergonhado.

Jasper Whitlock tornara-se um bom companheiro para Edward naqueles meses que estava trabalhando na construção da majestosa casa – que, aliás, Edward nem sabia a quem pertenceria.

O inglês gostava de conversar com ele. As incríveis sete horas que passava batendo pregos, carregando toras de madeira e desenferrujando ferramentas desgastadas passavam voando feito colibri, pois Edward contava com a companhia mais do que agradável daquele alemão maluco, lerdo e insuportavelmente alegre.

Claro que a companhia dele não era melhor do que a da sua alemã. Principalmente agora que estavam tentando.

O soldado e ela estabeleceram, então, uma nova rotina: todos os dias, eles chegavam praticamente juntos – já que a diferença de horário não passava mais do que dez minutos – e, enquanto ela se distraia com um jantar, ele ia procurar algo para fazer. Aprendera várias coisas sobre marcenaria em seu trabalho e não perdia a oportunidade de exercê-las; ele fazia desde pequenos reparos na mobília à escumadeiras para sua alemã usar na cozinha.

Eles comiam a comida deliciosa dela e, depois de conversarem sobre coisas banais – entre beijos e bochechas coradas – iam dormir. Ainda não compartilhavam o mesmo quarto, mas certo dia o soldado encontrou sua alemã sentada no sofá, quieta e pensativa. Ela dissera que havia tido um pesadelo e ele deitou-se no sofá junto com ela. E dormiram ali. Agarrados como dois gatos e desejando que aquilo nunca se acabasse.

Naquele meio de abril não fora diferente.

O soldado adentrou a pequena casa, ostentando um enorme sorriso quando o cheiro magnífico de bolinhos de carne lhe assaltou as narinas.

Ele chegou na cozinha e, cautelosamente, a abraçou por trás, beijando-a ternamente o pescoço que cheirava a flores do campo.

Céus, estou no paraíso – ele murmurou, enquanto arriscava-se em pegar um bolinho que ela acabara de colocar na tigela. Ele sabia como ela odiava que mexessem em sua comida enquanto esta não estivesse pronta, mas o cheiro estava deixando seu estômago eriçado.

- São só bolinhos, soldado – ela disse com um sorriso enorme, tão inebriada pela fragrância do homem que nem se preocupou em ralhar com ele. Mas estava realmente uma tola deslumbrada nos últimos dias...!

- Não falo apenas da comida.

- Então fala também do quê? – ela quis saber, virando-se para ele. Edward sorriu torta e zombeteiramente ao observá-la melhor; tinha os cabelos marrons amarrados num coque mal feito e um avental florido cobrindo-lhe a frente. Como ela conseguia ser tão linda ainda que trajando vestes tão horrendas?

- De tudo. – Respondeu o homem simplesmente. – Como eu poderia imaginar que minha vida mudaria tanto assim? Que eu seria... Tão feliz?

Ela sorriu ainda mais, o circundando pela cintura com suas delicadas mãos e pousando sua cabeça no ombro forte.

- Quando a guerra acabar, soldado, seremos ainda mais felizes, porque não vamos ter que temer mais nada.

Eles se fitaram longamente, vendo espelhado nos olhos do outro toda sua própria maré de sentimentos.

Desfrutaram sem pudor algum da proximidade – que tanto ansiaram durante aqueles meses que se conheciam e que finalmente tinham.

O silêncio se instalou. O silêncio deles. Leve, confortável, como se pudesse durar anos...

Entretanto, três batidas ruidosas ecoaram pela casa, fazendo a com que a bolha na qual estavam rompesse repentinamente, trazendo-os, sem piedade, para a realidade.

Bella olhou para seu soldado, amedrontada. Inconscientemente, ele a apertou mais contra si e aguçou seus ouvidos, como se estivesse prestes a enfrentar o mais sanguinário dos inimigos.

- Deve ser a Alice – Bella murmurou num fio de voz trêmulo, como se também lutasse para crer em suas próprias palavras. – Ela disse que ia vir me entregar uns papéis dos impostos...

- Eu atendo – o homem falou decididamente. A alemã notou que o pomo de Adão dele saltava freneticamente, denunciando todo o nervosismo que sentia.

- Não, esquece – ela interrompeu. – Pode não ser a Alice. – Concluiu, aterrorizada com essa ideia. Parecia que, falando em voz alta, a suspeita de que, atrás da porta, havia alguém que não podia ver Edward ali dentro, tornava-se mais concreta.

Bella ouvia boatos de que soldados alemães revistavam as casas a procura de inimigos do Estado e porões que servissem de abrigo anti-bomba.

Deus, faça com que não seja nenhuma dessas coisas!, suplicou ela, se desvencilhando do abraço sufocante do soldado e se direcionando a porta.

Que seja a Alice, que seja a Alice, que seja a Alice...! Seus passos meticulosos e atemorizados ditavam esse pedido com fervor. O soldado a seguia com o olhar, atento ao menor sinal de que ela corria algum perigo.

Bella suspirou, controlando sua respiração descompassada e seu coração galopante. O músculo bombava sangue com tal rapidez que ela tinha a impressão de que ele lhe sairia pelos olhos.

Deu um último olhar de soslaio para seu soldado e, cuidadosamente, girou a maçaneta abrindo a porta.

Um vento denso e sombrio lhe cortou as bochechas, fazendo-a estremecer. Ela apertou seus olhos e sentiu seu coração falhar. Ou parar. Ou bater alucinadamente.

Bella primeiro avistou a farda cinza, atenciosamente engomada e bem colocada, sobre ombros fortes e intimidadores e, por último, seus olhos pousaram sobre o bíceps daquele homem onde uma braçadeira vermelha jazia, trazendo, também, o desenho da suástica negra, imponente símbolo do governo.

Bella sentiu que ia desmaiar. O ar fugiu de seus pulmões e sua visão turvou.

Jesus, Maria e José! Era um soldado alemão! O que mais temeu durante todo aquele tempo acontecera. Descobriram que ela abrigava um inglês. Descobriram que ela era uma traidora. Vieram levá-la! Vão prendê-la e, depois, torturar o soldado até que ele morra!

Dai-me forças!

O que será que ela fizera de errado para que descobrissem? O futebol! Ah, alguém deve ter desconfiado e contado tudo! Como fora burra! Não deveria ter feito aquilo! Arriscou-se demais e agora iria colher os frutos amargos de sua completa falta de bom senso!

- Senhora? Está tudo bem? – Bella ouviu a voz do homem ao longe, como se ele falasse de dentro de um túnel. – Oh, Deus, não desmaie!

- Não vou desmaiar – ela garantiu, com a voz falha e vergonhosamente trepidante.

- Recomponha-se, por favor – ele pediu com meiguice. E ela notou que ele não parecia mau. Tinha um olhar jovial e uma postura tão inatingível que Bella concluiu que ele nunca fora realmente para um campo de batalha. – Não vou saber como proceder caso se esborrache no chão.

- O que deseja, senhor? – Bella perguntou direta, já se sentindo um pouco melhor ao olhar para o homem que parecia não lhe representar nenhum mal.

Ele estava sozinho e não havia nenhum carro do Exército estacionado em seu meio fio. Isso deveria representar algo bom.

- Oh, sim! – o soldado pareceu se lembrar. – Vim olhar seu porão, senhora. Estamos precisando de alguns abrigos subterrâneos e, caso seu porão seja fundo, avisaremos a todos da rua para virem pra cá, quando ameaças caírem sobre a cidade.

- Eu não tenho um porão bom. Sabe, ele era um quarto onde meu pai guardava suas tranqueiras e, depois, tornou-se algo parecido com um abrigo de ratos. Não vai servir – Bella riu nervosamente, tentando despistar o outro.

- Mas ainda assim quero vê-lo...

- Mas é tão raso! – ela lamuriou. – Não vai servir, eu garanto.

- Senhora, desculpe-me, mas quem deve ver isso sou eu – ele repreendeu com firmeza.

Sem pedir permissão, como manda as boas maneiras, o soldado adentrou a sua casa. Bella olhou em volta, aliviando-se ao notar que o soldado, provavelmente, já tinha se escondido.

Fez uma prece fervorosa, implorando que ele não tivesse resolvido se enfiar no porão, pois isso desencadearia desconfianças da parte do soldado alemão difíceis de se dissolverem.

Ela seguiu o alemão com as pernas ridiculamente bambas, pedindo que aquilo acabasse logo. Todo esse medo e toda essa cautela teriam que ter um fim.

Porque, por mais que a guerra perdurasse, ela acabaria. Tinha que acabar. E bem.


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Notas finais do capítulo

HOHOHO. Será que o soldado foi lá só ver o porão da Bella mesmo? ou será que ele tava ~sondando~ o terreno pra ver possíveis denúncias eram verdadeiras? Será que, agora que os dois se acertaram finalmente, tudo vai desabar? Perguntas respondidas nos próximos capítulos! MUAHAHHAHAH/ Paola Bracho é o que há, rs.
Minhas futuras maridas, agora o negócio vai ficar do balacubaco! Hehehe.
Flores, será que eu não merecia reviews? *---*
Poxa, não dói nada e eu vou ficar imensamente grata! :D
Se deixem seduzir por essa caixinha linda aí embaixo, haha!
Agora, vou-me indo.
Beijoooos e até o próximo! :***